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April 5, 2018 | Author: Anonymous | Category: Documents
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1. SUMÁRIO PROPOSTA PEDAGÓGICA ........................................................................................ 03 Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita Maria Angélica Freire de Carvalho e Rosa Helena Mendonça PGM 1 – LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA ....................................................... 11 O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização Luiz Carlos Cagliari PGM 2 – TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS .......................................... 26 Texto: leitura e produção do sentido Ingedore G. Villaça Koch PGM 3 – GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO ............................................. 41 Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino Sandoval Nonato Gomes-Santos PGM 4 – COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS ................................................ 63 Leitura e escrita: produção de sentidos Mônica Magalhães Cavalcante PGM 5 – A GRAMÁTICA NA ESCOLA ............................................................................80 Língua Portuguesa: o ensino de gramática Luiz Carlos Travaglia UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 2. 2. PROPOSTA PEDAGÓGICA UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA Maria Angélica Freire de Carvalho1 Rosa Helena Mendonça2 Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se desfaz nele qual aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia3.Com os estudos da Lingüística Textual4, o texto passou a ser tomado como objeto central deensino. Assim, nas aulas de Língua Portuguesa, as atividades de leitura e de produção detextos ganharam mais espaço. Entretanto, a abordagem precisa ser ampliada, no sentido deentender-se o texto, também, como objeto de interação e, portanto, de aprendizagem, paraalém do contexto escolar e para além, é claro, das aulas de Língua Portuguesa.Pensar a forma como se organizam os enunciados e como interagimos com os mais variadosinterlocutores nas práticas sociocomunicativas é fundamental para um fazer pedagógicoprodutivo. Por essa razão, é importante trazer, mais uma vez, como temática para o programaSalto para o Futuro, idéias que fundamentam o texto como objeto de ensino e deaprendizagem.As práticas de leitura e de escrita estiveram presentes nas discussões temáticas quecompuseram inúmeras séries do Salto para o Futuro, ao longo dos quinze anos de exibição doprograma. Com o propósito de ampliar as reflexões sobre tais práticas, mais uma vez, elassão o mote de uma série que enfatiza o texto como unidade de ensino, ao abordá-lo sob a UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 3. 3. perspectiva da oralidade e da escrita, atentando para os múltiplos ângulos de observação, tantoem relação à sua constituição, estrutura e linguagem, quanto ao seu entendimento –compreensão/interpretação5– pelo leitor/ouvinte.As dificuldades apontadas, em geral, tanto pelos professores quanto pelos alunos, no dia-a-diaescolar, em relação às atividades com o texto, destacam-se como o grande “nó” para umsaber-fazer pedagógico. E é a forma de lidar com o texto, seja para a sua escrita, seja para suaintelecção, em suma, para a produção de sentidos, que permitirá desenvolver umaaprendizagem significativa com a linguagem na escola.O domínio da escrita, favorecido pelo contato com diferentes textos nas classes dealfabetização, por exemplo, estende-se a todos os segmentos de ensino, aprimorando-se pormeio das práticas sociais com a linguagem e legitimando-se por meio de um trabalhopedagógico que tome o texto como fonte e ferramenta de ensino desde as séries iniciais.Esse trabalho deverá desenvolver-se de modo a considerar o texto além da sua estruturaorganizacional, englobando a linguagem que o caracteriza, o contexto de produção, osespaços de circulação e os possíveis interlocutores. Uma abordagem significativa para o textoem sala de aula, portanto, deverá compreendê-lo como uma proposta de sentidos suscetível àsinterações.Um problema que se pode destacar em relação às práticas de leitura e de escrita no ambienteescolar é a artificialidade com que, muitas vezes, se trata a relação autor-texto-leitor e, ainda,o ensino da gramática tomando-a como um fim em si mesma. Exemplos de práticas queabordam o texto somente sob o ponto de vista estrutural, desvinculado de um contexto deprodução e de circulação, e que não levam em conta a sua proposta comunicativa podemresultar num trabalho com a escrita e com a leitura meramente formal, distanciado de umaconcepção de texto como unidade de ensino e como forma de interação.Escolher determinadas “peças” de linguagem e não outras e, do mesmo modo, privilegiar umadada forma composicional em relação às inúmeras possibilidades de apresentação dos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 4. 4. enunciados6 são estratégias do produtor que direcionam a construção de sentidos. Essasescolhas são realizadas pelo produtor do texto, levando em conta conhecimentos partilhados,ou presumidamente partilhados, pelo leitor. São tarefas esperadas do leitor: a identificação de:tais estratégias e, ainda, a articulação dos conteúdos apresentados no texto, de modo a seaproximar de um sentido7 pretendido pelo produtor.O texto, assim visto, é concebido, portanto, como espaço de interação, constituindo-se pormeio dos processos de coesão, construídos sob sua articulação escrita, e também leitora8, e decoerência que se estabelece nos diferentes contextos comunicativos e pelos diversosinteragentes.Apresentar aos alunos esses caminhos de contato/interação com as práticas de letramentocontribui para que o processo de autoria9 se construa no ambiente pedagógico, abrangendo asdiferentes disciplinas escolares. Reconhecer as marcas constituidoras da textualidade, aceitartais marcas como “provocações” de sentidos e identificar os propósitos comunicativos sãopassos necessários para a produção de textos, tanto para a leitura quanto para a escritura, pois,conforme nos lembra Marcuschi (1998, p. 4), produz sentidos tanto quem escreve quantoquem lê textos10.Em suma, escolher determinadas marcas lingüísticas em meio a muitas outras oferecidas pelalíngua, apresentá-las, sistematizá-las, adequá-las aos usos de linguagem, ao cotidiano e ànorma, inscrevê-las nos variados contextos de significação são compromissos de uma práticaque pode, e deve, sistematicamente ser vivenciada na escola. Inclui-se, também, nessecompromisso, desenvolver estratégias de domínio da ortografia, da gramática da língua/texto,por meio de atividades significativas com a linguagem, visando à descoberta de caminhospara o desenvolvimento da competência textual dos alunos. Para isso, é necessário umtrabalho de seleção e de combinação dos elementos lingüísticos no universo das inúmeraspossibilidades que a língua oferece.Nessa perspectiva, o trabalho com textos nas aulas de Língua Portuguesa oferecerá subsídiospara que a relação do aluno com o texto nas outras disciplinas escolares se amplie, de modo UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 5. 5. que os processos de compreensão/interpretação possibilitem a construção de conhecimentos eo desenvolvimento da autoria, princípios caros a uma prática pedagógica que se pretendecrítica e participativa.Ao considerar os aspectos apresentados, a série Um Mundo de Letras: práticas de leitura eescrita11 toma, ao longo dos cinco programas, o texto como eixo norteador das práticas com alinguagem na escola, desde a aquisição da escrita, numa perspectiva de alfabetização por meiode textos, práticas de letramento, ao seu domínio e à habilidade leitora, processos que seexpressam no exercício da autoria, tanto nas práticas de escrita quanto nas de leitura de textos.A série compreende também pontos de encontro e de desencontro na abordagem dos registrosoral e escrito no fazer pedagógico: a transposição de marcas da oralidade para a escrita, o queé comum na aquisição deste sistema; dificuldades na aprendizagem da ortografia; adequaçõesnecessárias – e importantes – na construção dos mais variados gêneros discursivos e seuscontextos: do cotidiano aos usos literários, tecnológicos e científicos nas práticascomunicativas. Essas práticas constituirão assuntos para debates que se pretendemenriquecedores, sem o objetivo de esgotar a complexa discussão sobre a linguagem nocotidiano escolar, seus múltiplos aspectos e o domínio normativo.Ao longo dos cinco programas, serão discutidos temas como, por exemplo: (i) a cultura daoralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita; (ii) a leitura de textos comoatividade interativa altamente complexa de produção de sentidos; (iii) os gêneros discursivosno cotidiano escolar; (iv) a produção de textos e o domínio das estratégias de organização dainformação e da estruturação textual; (v) a aula de Língua Portuguesa: ensino e gramática .Esta série pretende, enfim, oferecer aos professores, de diferentes segmentos de ensino e deáreas do saber, conhecimentos e reflexões que se podem ampliar sobre um fazer pedagógico,bem como sobre alternativas e sugestões para um trabalho que considere o aluno, antes detudo, como sujeito de aprendizagem que, essencialmente, inscreve sentidos na sua relaçãoconstante, colaborativa e co-construtiva na e pela linguagem. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 6. 6. Pontos para reflexão ao longo da série:• Que concepção de língua/linguagem subjaz às práticas de ensino de Língua Portuguesa?• De que forma oralidade e escrita perpassam as práticas sociais e escolares delinguagem?• Como considerar as peculiaridades do ensino/aprendizagem da escrita, tomando comoquestão político-pedagógica o fato de grande parte dos alunos das escolas públicas ser oriundade comunidades em que a cultura oral é o traço predominante?• Como conceituar alfabetizar e letrar? O que significa alfabetizar letrando?• O que significa tomar o texto como elemento central das práticas de ensino?• Qual a importância de, ao se trabalhar com o texto na escola, enfocá-lo com um todoformado de elementos constitutivos que precisam ser analisados em suas especificidades?• De que forma contemplar, nas práticas escolares, textos de diferentes gêneros/tipos,preservando o debate sobre seus contextos sociais de circulação?Temas que serão discutidos na série Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita,que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC de 16 a20 de abril de 2007:PGM 1 – Linguagem: oralidade e escritaOs objetivos do primeiro programa são: descrever práticas de linguagem, especificando ascaracterísticas dos registros oral e escrito; destacar os usos de linguagem nos variadoscontextos comunicativos, os gêneros que deles resultam. Neste programa, pretende-se UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 7. 7. enfatizar a cultura da oralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita, discutira aquisição do registro escrito como um processo que se dá ao longo das séries iniciais e quese estende às práticas sociais com a linguagem e, ainda, ressaltar a relação entre usos delinguagem e norma lingüística: variações lingüísticas e ensino da língua.PGM 2 – Texto: leitura e produção de sentidosNo segundo programa da série, a proposta é conceituar “texto”, enumerando seus aspectosconstitutivos e destacar sua importância como espaço de interação social. O programa visa,também, abordar mecanismos de coesão e de coerência textual, diferenciar os tipos deintertextualidade, apresentar os processos de escrita e leitura sob contextos diversos deprodução e de uso, estabelecer uma comparação entre as principais teorias sobre texto eleitura, enumerar estratégias lingüísticas que estão em jogo na produção de sentidos (escrita eleitura) e promover uma discussão sobre as práticas de ensino da leitura,compreensão/interpretação de textos.PGM 3 – Gêneros textuais: objetos de ensinoO terceiro programa se propõe a destacar os diversos usos de linguagem, a constituição dosgêneros discursivos e estabelecer uma distinção entre gêneros discursivos/textuais e tipologiatextual, assinalando o enfoque teórico. E, ainda, enfatizar os domínios da estruturacomposicional e do estilo como recursos importantes para a escrita dos mais diferentes textos,refletir sobre as práticas atuais de linguagem, ressaltar a presença dos gêneros digitais,destacar o uso da linguagem nos gêneros digitais (televisão, internet) e refletir sobre a suaconcepção na prática pedagógica.PGM 4 – Compreensão e produção de textosO quarto programa tem como proposta apresentar estratégias de referenciação discursiva nosdiferentes gêneros e o seu funcionamento na produção de textos (escrita e compreensão). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 8. 8. Sugerir atividades de sala de aula que levem em conta a diversidade constitutiva dos gêneros,bem como as particularidades da linguagem. Objetiva, também, ressaltar a importância dadiversidade de gêneros para um trabalho com a produção de textos na escola, tanto para aescrita quanto para a intelecção. Enfatizar a presença de textos literários na escola e o trabalhocom a multiplicidade de sentidos e, ainda, identificar a ambigüidade como recurso lingüísticoem gêneros como, por exemplo, publicitário e humorístico (piadas).PGM 5 – A gramática na escolaNo último programa da série, os debates vão focalizar a estruturação de uma abordagempedagógica de gramática a partir das três concepções básicas – mecanismo internalizado,descritiva e normativa –, que se adeqüe ao ensino de língua que toma o texto como unidade deensino. Esta concepção pedagógica privilegia a dimensão significativa no ensino degramática. Pretende-se apresentar o trabalho com a gramática da língua em suas diferentesvariedades (inclusive a variedade oral e escrita) por meio de quatro tipos de atividades deensino de gramática: uso, reflexiva, normativa, teórica. O programa visa, ainda, discutirsobre as concepções de erro e de adequação no ensino de gramática para aprodução/compreensão textual, tendo em vista a situação concreta e específica de interaçãocomunicativa em que se insere o ato de produzir/compreender textos e, conseqüentemente,como pode/deve acontecer a intervenção do professor para orientar os alunos na seleção derecursos lingüísticos para a constituição de sua fala e escrita. Notas: Doutora em Lingüística pela UNICAMP. Analista Educacional do programa Salto para o Futuro/TVEscola/SEED/MEC. Professora Adjunta de Língua Portuguesa do Centro Universitário Tecnológico Estadual da Zona Oeste/UEZO – Campo Grande/Rio de Janeiro. Consultora desta série. 2 Mestre em Educação pela PUC-Rio. Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro/ TVEscola/SEED/MEC. Consultora desta série. 3 BARTHES, Roland. O prazer do texto, São Paulo, Perspectiva, 1987, pp. 82-83. 4 Trata-se de um ramo da Lingüística que se desenvolveu na Europa, especialmente, na Alemanha e que tem como objeto de estudo o texto. Os estudos da Lingüística do Texto vêm UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 9. 9. se expandindo e ganhando destaque não só na Ciência da Linguagem, pois estabelecemdiálogos com outras ciências como, por exemplo, Filosofia da Linguagem, Psicologia Cognitivae Social, Antropologia, Ciências da Computação, entre outras. Para aprofundamento,sugerimos a leitura de KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Lingüística Textual:trajetória e grandes temas. São Paulo, Martins Fontes, 2004.5 Nesta proposta não fazemos uma distinção entre compreensão e interpretação, tal comopropõe a Análise do discurso, ciência que tem como objeto de estudo o discurso, seusprocessos e condições de produção, entendemos os processos como interdependentes. Umadistinção para esses conceitos encontra-se no livro ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise dodiscurso: princípios e procedimentos. Campinas, São Paulo, Pontes, 5 ed., 2003: “(...) Ainterpretação é o sentido pensando-se o co-texto (as outras frases do texto) e o contextoimediato. (...) No entanto, a compreensão é muito mais do que isso. Compreender é sabercomo um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc.) produz sentidos. É sabercomo as interpretações funcionam. Quando se interpreta já se está preso em um sentido. Acompreensão procura a explicitação dos processos de significação presentes no texto epermite que possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles seconstituem” (p. 26).6 Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal, propõe a classificação dos gêneros, “formasmais ou menos estáveis de enunciados”, em primários – aqueles que fazem parte da esferacotidiana da linguagem e que podem ser controlados diretamente na situação discursiva, taiscomo: bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar..., e secundários - textos, geralmente,mediados pela escrita, que fazem parte de um uso mais oficializado da linguagem; dentre eles,o romance, o teatro, o discurso científico... que, por essa razão, não possuem o imediatismodo gênero anterior. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ---, Estética da criaçãoverbal, [trad. francês. Maria Ermantina Galvão; revisão, Marina Appenzeller], 3 ed. São Paulo,Martins Fontes, 2000, p. 279-287.7 É importante destacar que, como tem evidenciado KOCH em vários de seus trabalhos, nãohá “o” sentido para o texto, mas sentidos possíveis que se partilham no curso de interação. Oprodutor, por meio das escolhas lingüísticas, orienta o leitor na construção do(s) sentido(s) quese dá em variadas direções contando com informações textuais e extratextuais.8 A coesão não se estabelece somente por meio de articuladores e/ou elementosencadeadores explicitados na superfície textual, mas também por meio da construção deinferências, isto é, “estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte ou o leitor, partindo dainformação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constróinovas representações mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entreinformação explícita e informação não explicitada no texto”. KOCH, Ingedore G. V.Desvendando os segredos do texto. São Paulo, Cortez, 2002, p. 50.9 Para que o sujeito se constitua autor, ele deve ser capaz de organizar seu discursoextrapolando os aspectos formais e as regras que condicionam o texto, deve imprimir ao textosuas marcas, isto é, sua singularidade, sua expressividade enquanto produtor de sentidos.Sobre esse assunto sugerimos a leitura: POSSENTI, Sírio. Indícios de autoria, RevistaPerspectiva, Florianópolis, v.20, nº01, p. 105-124, jan./jun. 2002.10 MARCUSCHI, Luiz Antonio. Aspectos lingüísticos, sociais e cognitivos na produção desentido. Texto apresentado por ocasião do GELNE, 2-4 de setembro, 1998. Mimeografado.11 Esta proposta origina-se da série “Um Mundo de Letras” exibida pela TV Escola, canal daSecretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), em cinco programas sob os títulos: “Ummundo imerso em palavras”; “O poder das histórias”; O som das palavras “; As normas dalíngua”; “Caminhos para ler o mundo”, respectivamente. A série original trata de questõesrelativas à alfabetização, letramento e cidadania, levando em conta as diferenças culturais eregionais do Brasil. Na série, os programas traçam um panorama de experiências propondonovas maneiras de abordar o processo de alfabetização e incentivar a prática da leitura. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 10 . 10. PROGRAMA 1 LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização Luiz Carlos Cagliari11. IntroduçãoO processo de alfabetização depende de muitos fatores, porém, o principal deles é como umapessoa consegue ler. O segredo da alfabetização está, pois, na leitura. O termo leitura temmuitos sentidos, aplicando-se a muitas áreas e a habilidades diferentes, como ler o mundo, lerum quadro, fazer uma leitura de um fato ou de um lugar, etc. Na escola, o significado maisusual e mais importante é saber interpretar. A leitura é algo que traz uma mensagem queprecisa ser entendida. Para se chegar a essa habilidade, é preciso percorrer um longo caminhode estudos e praticar o ato de ler inúmeras vezes, em inúmeras circunstâncias e com inúmerostipos de material escrito. Esse é o ponto de chegada. Mas, para alcançar esse objetivo, épreciso dar os passos iniciais. A alfabetização é, exatamente, os primeiros passos dessacaminhada. Mal comparando, a alfabetização se assemelha ao engatinhar de uma criança eseus primeiros passos na vida. Andar e correr são habilidades que vêm depois.2. Definindo o que é a alfabetizaçãoAs considerações acima nos permitem definir o processo de alfabetização como a habilidadede saber ler no sentido primeiro do ato de ler, que é decifrar o que está escrito. O resto vemdepois.A definição de alfabetização tem estreita ligação com o objetivo da escrita, que é permitir aleitura. Todos os sistemas de escrita têm esse objetivo. Desse modo, nenhum sistema de UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 11 . 11. escrita transcreve a fala de uma pessoa ou de grupo social, mas simplesmente a representa.Esta é a razão pela qual cada um lê em seu dialeto. Um paulista lê uma revista em seu dialeto,mas a mesma revista é lida por um carioca, um gaúcho, um nordestino, um português, umangolano em diferentes dialetos. Seria ridículo que todos fossem obrigados a ler numa únicavariedade. Diante disto, a escola precisa saber que seus alunos irão ler cada qual em seudialeto. A leitura no dialeto padrão é uma habilidade que vem mais adiante.3. A linguagem oral e a linguagem escritaTodo falante de uma língua fala comumente em seu dialeto, mas é ouvinte de todos os outrosque encontrar. A variação lingüística, entre outras características, traz marcas geográficas(paulista, carioca, nordestino, português europeu, angolano, etc.), marcas sociais (dialeto dosletrados, dos ricos, dialeto das classes pobres, dos advogados, dos jovens, dos idosos, etc.) emarcas de estilo (dialeto padrão, estilo formal, informal, gíria, jargão, etc.). Essas marcasrepresentam regras diferentes de falar, regras gramaticais e regras de uso social. A variaçãonas regras gramaticais não mostra um despreparo, uma deficiência, um descuido, mas umsistema bem estabelecido. Somente a comparação de um sistema com outro é que mostra asvariações de uma mesma língua. Com os usos, a variação adquire valores sociais, atribuídospela sociedade e não pelo sistema gramatical. Quando alguém acha que uma pessoa dasclasses mais desfavorecidas fala errado, está emitindo um juízo falso lingüisticamente, porqueessa pessoa usa seu sistema gramatical com perfeição. Isto ocorre com todos os dialetos. Nasociedade, porém, é preciso, às vezes, falar o dialeto padrão do lugar, para mostrar aos outrosque a pessoa tem estudos e cultura e sabe se comportar de modo adequado aos costumes dolugar. É por isso que a escola vai ensinar o dialeto padrão a quem não sabe, dando a essesalunos uma chance a mais de ter melhores oportunidades na vida em sociedade.Como a escrita é uma marca da cultura da sociedade, obviamente, adota uma variedade cultada linguagem oral para sua forma escrita. Não escrevemos no nosso dialeto, mas no dialetopadrão. Isso não é um empecilho, pelo contrário, faz com que a escrita cumpra seu objetivomaior, que é permitir a leitura, deixando que cada falante leia em seu dialeto ou no dialetopadrão. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 12 . 12. 4. Começar sem saberAs crianças que começam a se alfabetizar sabem falar uma variedade (dialeto). Grande partedelas sabe ouvir e entender o dialeto padrão, mas não o usam, porque sua vida na comunidadenão exige isso. Portanto, o processo de alfabetização precisa começar usando a variedade dosalunos e não uma variedade que eles não falam.5. A ortografia organiza a leituraPara a escrita conseguir seu objetivo, ela teve que inventar a ortografia. Sem a ortografia,nosso sistema iria trazer incontáveis formas diferentes de escrever uma mesma palavra,porque as pessoas falam de modos diferentes (cf., por exemplo, compremu, compramos,compramu; acharão, acharu; dentro, drentu; mais, maich; caldo, caldu, cardo, cardu, carrdu,etc.). Com isto, descobrimos que quem manda no sistema de escrita é a ortografia e não oprincípio alfabético (letra = som e vice-versa). Uma letra representará tantos sons quantosocorrerem para ela em todas as palavras da língua; para todos os falantes, a letra A tem o somde A em andamos; o som de E em andemu; o som de U em andaru, etc.6. A categorização gráfica organiza o visual da escritaA primeira coisa que uma pessoa precisa fazer para decifrar uma escrita é reconhecer quaiscaracteres estão escritos, que letras a palavra tem. Dependendo do tipo de letra (fonte, estilo),a pessoa pode ter sérias dificuldades. Se ela não souber que letra está escrita, como poderáproceder à leitura? Todos nós já passamos pela experiência de não saber ler o que alguémescreveu, porque não identificamos as letras. As letras de fôrma, sobretudo maiúsculas, são asde mais fácil identificação. As letras minúsculas, menos, mas, como estamos familiarizados,esses dois tipos são os melhores. Letra cursiva é muito difícil para o principiante, porque elenão sabe onde começa uma e acaba outra. É importante salientar que as dificuldades iniciaisde um alfabetizando são muito diferentes das dificuldades que aparecem ao longo dosestudos. No começo, a escrita parece o que, para nós, seriam rabiscos; depois, formasgeométricas; depois, letras. As diferentes formas de escrever uma mesma letra também são UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 13 . 13. uma fonte de grandes perplexidades por parte de alguns alunos. Um rabisco torna-se letraquando adquire uma função no sistema de escrita, isto é, representa um som numa palavra.Nesse momento, a letra torna-se uma unidade abstrata. Por isso, podemos variar sua formagráfica que suas funções permanecem as mesmas (cf. a - a; E - e; B - b; R - r, etc.).7. O princípio acrofônico é um bom começoPara se identificar as letras, principalmente na escrita cursiva ou como atividade inicial doalfabetizando, recorremos à identificação da palavra. A palavra é a principal unidade de todosos sistemas de escrita, inclusive o alfabético. Identificada uma palavra (possível, verdadeiraou falsa – dependendo da adivinhação), o leitor passa a atribuir à palavra as letras, seguindoseus conhecimentos da ortografia. Se o aluno não souber a ortografia, seu processo deadivinhação é total e terá mais chances de errar. Feita a identificação das letras, passa-se àinterpretação da palavra. Neste caso, o contexto em que ela se insere é de grande ajuda,porque o seu significado precisa se encaixar em meio a outros significados.Dadas essas dificuldades, é comum, na alfabetização, que o professor diga de qual palavra setrata para, em seguida, analisar quais letras tem, como se combinam e, assim, decifrá-la pelaanálise das letras. Por razões de motivação, muitos professores começam a alfabetizar usandoos nomes das crianças. É pelos nomes de pessoas e de objetos que os pais também procedem,quando querem começar a alfabetizar seus filhos.8. A categorização funcional é o que valeApesar das dificuldades do sistema de escrita, os procedimentos de identificação gráfica dasletras e de sua associação com alguns sons possíveis (princípio acrofônico) fazem com que oprocesso de alfabetização dê a partida suavemente e coloque o processo em aceleração. Comoo objetivo da alfabetização é saber ler, levando-se em conta outros fatores pressupostos (cf. os UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 14 . 14. alunos sabem falar, sabem refletir minimamente sobre a linguagem em seu aspecto fonético esemântico...), uma boa metodologia consiste em desenvolver no aluno a habilidade de ler,identificando letras e palavras. Em pouco tempo, os alunos são desafiados a ler uma variedadede palavras e isso lhes dá autoconfiança.O grande problema do processo de alfabetização está no outro lado da moeda: escrever.Ninguém se alfabetiza escrevendo apenas. Basta copiar chinês, para aprender chinês? Bastafazer hipóteses sobre a escrita chinesa para aprendê-la? Muitos conhecimentos sãonecessários, muitas regras precisam ser aprendidas na teoria e na prática. Quando se lê, apalavra já vem pronta na sua escrita ortográfica. Quando se vai escrever, é preciso partir dafala (do dialeto); analisar quais sons (vogais e consoantes) a palavra tem; buscar umacorrespondência entre sons e letras, no começo, por um processo, em parte, de adivinhação(princípio acrofônico); passar os sons para letras; checar o resultado (ortografia ou algum tipode escrita permitido). Esta é uma habilidade altamente complexa, que o aluno conseguecomeçar e desenvolver somente depois que adquiriu certa prática de leitura decifrativa, isto é,depois de adquirir certa prática de manuseio de letras, sons e palavras. A consciência davariação dialetal na leitura ajuda o aluno, no caminho de volta, a não se assustar com asdiferenças entre fala e escrita, indo diretamente para as formas ortográficas ou semi-ortográficas.O fato de uma letra referir-se a muitos sons, por causa da variação dialetal, porém exerceruma mesma função no sistema ortográfico chama-se categorização funcional das letras. É aalma do negócio.Com o desenvolvimento de algumas habilidades de reconhecimento – 1) da forma gráfica dasletras (categorização gráfica); 2) de algumas relações entre letras e sons (princípioacrofônico); 3) da função ortográfica que gerencia as relações entre fala e escrita(categorização funcional) – o alfabetizando, em pouco tempo, aprende como proceder parasaber ler e escrever. A sofisticação dessas habilidades requer tempo, prática e dedicação. Paraisto, é necessária a ação do professor, não somente a do aluno. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 15 . 15. 9. A prática do professorHá muitos métodos de alfabetização. Há muitas teorias. Há práticas diferentes. Todavia, emnenhum caso se dispensa o professor, que deve ter uma formação bem feita, que lhe dê oinstrumental teórico e prático para conduzir o processo de alfabetização. Como em todas asatividades da vida, a competência técnica faz a diferença. Quanto mais o professor soubersobre a linguagem oral e escrita, melhores chances ele terá de ensinar e de orientar seusalunos para que superem suas dificuldades e atinjam os objetivos propostos. O modo como oprofessor irá trabalhar o princípio acrofônico (também chamado de princípio alfabético), acategorização gráfica e a categorização funcional, isto é, ensinar a reconhecer letras, montarpalavras na leitura e na escrita, enfim, sua programação de atividades, é uma questão que temde ser deixada para o professor resolver, porque, afinal, ele é quem conhece a classe de alunosque tem e quais suas habilidades como professor. O método é o professor, mas osconhecimentos técnicos precisam ser buscados na ciência, no caso, na Lingüística. Grandesproblemas advieram à Educação neste país, quando substituíram o professor pelos métodosprontos (da alfabetização à universidade). O ser professor exige dele ciência e arte: ciênciapara tratar cientificamente de tudo que ensina e arte para interagir com seus alunos e orientá-los no processo de aprendizagem.10. A prática na práticaSem querer substituir o professor por um método predeterminado e por ações definidas passoa passo, a prática de ensino em sala de aula acaba sugerindo procedimentos metodológicosque, devidamente adaptados a cada professor, ajudam o processo de ensino e deaprendizagem. As sugestões abaixo estão voltadas para os três pontos teóricos destacados.Categorização gráfica:• Usar um painel com o alfabeto de letras de fôrma maiúsculas, incluindo Ç, K, Y, W.• Ensinar o nome das letras (um pouco por vez). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 16 . 16. • Falar sobre o mundo da escrita, história da escrita, variação no aspecto gráfico dasletras, sem fazer exercício; bastam os exemplos comentados.• Mais adiante, ensinar as letras de fôrma minúsculas comparadas com as maiúsculas.Princípio acrofônico (alfabético):• Mostrar a relação entre letra e som, usando a primeira letra dos nomes dos alunos, depessoas conhecidas e de objetos.• Mostrar rimas e destacar as letras iguais nas palavras.• Descobrir letras dentro de palavras. Usar pares de palavras em que há a variação deapenas uma letra/som (pares mínimos do tipo pata – lata; boi - foi).• Descobrir sons em diferentes contextos de palavras e quais as letras que osrepresentam.Categorização funcional:• Discutir com os alunos a questão da variação dialetal, pronúncias diferentes para umamesma palavra.• Discutir a questão da ortografia, como forma de neutralizar a variação dialetal.• Escrita espontânea de palavras, de frases, de histórias.• Correção ortográfica comentada.Exemplos de estratégias de escrita UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 17 . 17. Tentativa da Júlia de escrever um bilhete para sua amiga Carol. Apesar de conhecer a formagráfica de algumas letras isoladas (começou a escrever seu nome), o texto manuscrito semostra com uma forma gráfica diferente, uma seqüência de laços. Aqui falta o conhecimentoda categorização gráfica das letras. A criança escreve assim por causa da maneira comointerpreta o gesto mecânico de escrita do adulto, que mantém o lápis fixo ao papelconstantemente.Outra estratégia de escrita de uma história. O primeiro exemplo mostra um uso de letras defôrma maiúsculas e o segundo, de escrita manuscrita cursiva. Os dois alunos aprenderam aforma gráfica de algumas letras e escreveram seqüências de letras. Aqui falta o conhecimentoda categorização funcional das letras. Quando esta prática se repete, o aluno ficacompletamente perdido, porque ele sabe que não sabe ler.Conhecendo a forma gráfica das letras, a criança é capaz de escrever palavras cujas letras sãoditadas por um adulto [HOMEM DA LUA]. Esse ditado-cópia não é suficiente para que acriança aprenda a ler, mas pode ser um bom começo. O fato de um aluno “decorar” a escrita UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 18 . 18. de algumas palavras e de identificá-la lendo ajuda-o a refletir sobre a categorização funcional,ou seja, a relação entre letras e sons. Quando, porém, a memorização é mecânica ou simplescópia, a reflexão do aluno desaparece.Os antigos e modernos ditados podem perpetuar a dificuldade que o aluno tem com acategorização funcional, mesmo quando adquirem excelente caligrafia. Não adianta pedir paraa criança pensar, fazer hipóteses: ela precisa mesmo de explicações detalhadas. Analisar comos alunos como se lê e como se escreve uma palavra vale muito mais do que muitos ditadostradicionais.Alguns alunos não chegam nem mesmo a aprender a categorização gráfica, apesar deescreverem ocasionalmente algumas letras. Esta tentativa de escrever o próprio nome revelaisso. A variação no traçado mostra que a aluna poderia ser uma boa copista, mas só isto nãobasta. Ela sabe que a simples cópia não a leva a escrever por iniciativa própria o que desejar;então, começa a fazer tentativas estranhas. A questão da programação de conteúdo e dasestratégias de ensino e de aprendizagem, na alfabetização, assume um papel muito importante.A alfabetização não pode ser feita “de qualquer jeito”. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 19 . 19. Com poucos conhecimentos, um aluno já pode tentar escrever suas histórias. Os erros deortografia vão aos poucos sumindo e sobram poucos. Ao tentar escrever com os própriosrecursos, aparecem muitas hipóteses de como os alunos acham que as palavras são escritas(ortografia) e de como se pode contar um fato (organização do texto). Grande parte doprocesso de alfabetização é dedicada a isso. Veja: Oca chorro / caxorro [cachorro]; mimodeu[me mordeu]; no são [no chão]. Se o aluno só escreve, sem o professor analisar, discutir ecorrigir, - com o tempo, o aluno acha que pode escrever de qualquer jeito. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 20 . 20. O menino guardinnhaO menino ele apredeu ser um guarda iele eraosjeiele mãondava todo os quardas ida cidade parave sinão tei ladro sitifer eles prede sinão tifer elenão prede ieles jegara com um labral qui eu mandei[não prende e eles chegaram com um ladrão que eu mandei]Mais eles pegaro o homen erado ieu fale i o nome deleiera dodal mente erado o nome dele era Artur muito eradoeasim acaba aestoria finO professor não precisa ter medo de ver textos escritos assim. Eles mostram que o aluno jáaprendeu a ler (está alfabetizado) e está muito adiantado na habilidade de passar da fala para aescrita. Muitos problemas de escrita podem se reduzir a dificuldades ortográficas, porém,esses problemas se corrigem com o tempo.As hipóteses que as crianças fazem quando aprendem a ler e a escrever, ou seja, o quecostuma acontecer durante o processo de alfabetização1. Diferença entre desenho e escrita: desenho representa o mundo, escrita representa palavra.A escrita pode ser figurativa (pictogramas) ou geométrica (letras)☼ SOL ♥ AMOR  TELEFONE  BICICLETA  CHUVA2. Como a escrita representa a fala e permite a leitura, qualquer rabisco pode assumir o valorde escrita, como as assinaturas e os rabiscos que as crianças fazem para escrever. Essesistema, porém, não pode ser usado para todas as finalidades da escrita. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 21 . 21. 3. Aprendendo a forma gráfica das letras do alfabeto, a criança passa a escrever usandoseqüências de letras aleatórias: ASPTLMONSPTOA [era uma vez um macaco chamadoMico]. Aluno que escreve assim é sinal de alerta para o professor: está indo para o caminhoerrado. É preciso usar palavras curtas para explicar as relações entre letras e sons.4. Quando o aluno é exposto à escrita manuscrita cursiva, pode interpretar erroneamente aforma gráfica das letras. Com essa dificuldade não saberá, depois, relacionar letras com sons.Um aluno que vê escrito prato pode pensar que essa palavra tem as seguintes letras: j s c a ti e ou que rato começa com a letra c.5. Aluno não corrige e vai escrevendo o que acha que precisa. Assim, uma palavra como “pai”acaba recebendo a seguinte escrita: APAAIPAI e “sapato”: SABAPATO. A escrita estácorreta, mas veio com os erros da tentativa de escrita. Isto é muito comum, mas algunsprofessores não se dão conta disso.6. Ao relacionar letras com sons, alguns alunos usam o nome das letras e não o valoralfabético. Assim, escrevem HRA para “agora”. CAMLO para “camelo”, etc.7. Seguindo o modelo das cartilhas, alguns alunos, em vez dos nomes das letras, usam asfamílias de letras (BaBeBiBoBu) e escrevem LT para “lata”; OA para “bola”.8. Aparecem as mesmas escritas acima, quando o aluno repete várias vezes uma sílaba paraperceber sua maior saliência: LA LA LA TA TA TA: tem o L e o T; ou prolonga a sílaba:BOOOO LAAAA: tem o O e o A.9. Eventualmente, alguns alunos escrevem palavras ou letras de forma espelhada. Um poucode exercício de escrita espelhada e não espelhada, feito pelo professor, mostra o contraste e ouso da direção da escrita. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 22 . 22. 10. Nas escritas espontâneas iniciais, depois que o aluno aprendeu a usar letras relacionadascom sons, a primeira dificuldade que aparece é de como separar as palavras da fala em escrita.A falta de segmentação ou a segmentação indevida aparecem. Isso deve ser tratado como errode ortografia, que se corrige com o tempo.Ex.: erumaveis [Era uma vez]; sitifer [se tiver]; aestoria [a estória]oca choro [o cachorro]; dodal mente [totalmente]; nucei [não sei]11. A troca de letras tem muitas causas: variação, murmurar os sons, atenção, etc.bargi [balde]; acharo [acharam]; comprano [compando]; mecadio [merdadinho]; tele [dele];latrão [ladrão]; pola [bola]13. Na alfabetização, ocorrem muitos casos de hipercorreção: o aluno corrige uma formaerrada e, depois, generaliza uma regra que não se aplica em outros contextos. Ele escreveMEDECO, corrige para MÉDICO e, depois, passa a escrever DECE em vez de DISSE;corrige POLA, escrevendo BOLA e, depois, escreve BETE para PENTE.14. Alguns alunos misturam letras (quando estudam vários estilos ao mesmo tempo):caCHorro; casTeLo.15. Ao aprender ou ver algumas marcas da escrita, como acentos, til, alguns alunos começama colocar tais marcas em lugar errado: petecã; éla; úrúbú, póde.16. Erros de ortografia podem mostrar uma variedade de casos. No fundo, erro de ortografia éerro de ortografia. Com relação à grafia das palavras: ou se sabe ou não se sabe; ou se escrevecerto ou errado. Por isso, o aprendizado da ortografia exige tempo, muita leitura e muitoexercício de escrita sob a supervisão do professor. Os erros de ortografia costumam chocar UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 23 . 23. muito os professores e demais adultos, mas, na alfabetização, é um estágio inevitável deaprendizado.17. Não confundir simples erro de ortografia com outros tipos de erros que têm causas maisgraves, revelando que o aluno não aprendeu a categorização gráfica ou funcional das letras.Os erros de ortografia têm uma relação com uma possível dúvida ortográfica e não ésimplesmente uma escrita estranha. Assim, se o aluno escreve MIGODE em vez de BRINCODE não é um simples erro de ortografia. Mas, se escreve BICO em vez de BRINCO poderevelar uma simples dificuldade com a ortografia, no início. A falta de letras é mais grave doque o uso estranho de certas letras em certos contextos.18. Superadas as dificuldades acima, a partir de então, os alunos podem escrever textos livres, espontâneos ou motivados pelo professor. A passagem do texto oral internalizado na mente do aluno para o texto escrito, expresso no papel, apresenta algumas dificuldades e problemas específicos. O sucesso da produção de bons textos depende crucialmente do modo como o professor leva seus alunos a produzirem textos. Se o modelo é de frases soltas, o resultado será textos desconexos. Se o aluno tiver mais liberdade para expressar na escrita o que poderia dizer falando, o resultado será textos mais bem elaborados.11. Bibliografia comentadaAlfabetização e Lingüística (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo, 10ª ed.2006 – 1ª ed. de 1989). O livro apresenta uma visão geral dos problemas de linguagem oral ede linguagem escrita, que aparecem no processo de alfabetização. Acompanha um cartazsobre a história das letras. Obra essencial para quem precisa de informações lingüísticasaplicadas à prática de alfabetização.Alfabetizando sem o Ba Be Bi Bo Bu (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo,1998). Além de apresentar as questões teóricas que constituem os conhecimentos técnicos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 24 . 24. lingüísticos de que um alfabetizador precisa, traz comentários sobre métodos e metodologias,bem como sugestões de atividades.Diante das Letras: a escrita na alfabetização (de Gladis Massini-Cagliari e Luiz CarlosCagliari, Editora Mercado de Letras, Campinas, 1999). Coletânea de artigos sobre diferentesaspectos da linguagem oral e escrita, como categorização gráfica, funcional, ortografia,história do alfabeto e o que é preciso saber para ler, decifrando a escrita. Nota: Professor Adjunto MS-5, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Araraquara, SP. Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: Lingüística, com especialidade em Fonética; Alfabetização; Sistemas de escrita; Ensino e aprendizagem; Letramento. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 25 . 25. PROGRAMA 2 TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO Texto: leitura e produção do sentido Ingedore G. Villaça Koch1Neste texto tomo, como pressuposto básico, a concepção de que o texto é lugar de interaçãode sujeitos sociais que, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos. E, ainda, queesses sujeitos – ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organizaçãotextual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes oferece – constroemobjetos-de-discurso e propostas de sentido, por meio de ações lingüísticas e sociocognitivas.A esta concepção subjaz, necessariamente, a idéia de que há, em todo e qualquer texto, umagama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis pela mobilização docontexto sociocognitivo no interior do qual se movem os atores sociais.Em decorrência, fica patente que a leitura de um texto exige muito mais que o simplesconhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente,levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem lingüística, como de ordemcognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas,preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção dosentido. Dessa forma, autor e leitor devem ser vistos como ‘estrategistas’ na interação pelalinguagem.1. Concepção de leituraFala-se, constantemente, sobre a importância da leitura na nossa vida, sobre a necessidade decultivar o hábito de leitura entre crianças e jovens, sobre o papel da escola na formação deleitores competentes. Mas, no bojo dessa discussão, cabe levantar uma série de questões,como: O que é ler? Para que ler? Como ler? Evidentemente, as perguntas poderão ser UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 26 . 26. respondidas de diferentes modos, cada um deles revelando uma concepção de leitura,dependendo da concepção de sujeito, de língua, de texto e de sentido que se adote.1. 1. Leitura: foco no autorSobre essa questão, afirmei em Koch (2002) que, à concepção de língua, comorepresentação do pensamento, corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono desua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói umarepresentação mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor exatamente da maneiracomo foi mentalizada.Nessa concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhorabsoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – dopensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor senão “captar” essarepresentação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo,assim, um papel totalmente passivo.A leitura, assim, é entendida como a atividade de captação das idéias do autor, sem que selevem em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitorcom propósitos constituídos socio-cognitivo-interacionalmente. O foco de atenção é, somente,o autor e suas intenções. Daí as perguntas que, freqüentemente, são feitas: Foi isso mesmoque o autor quis dizer? Será que o autor realmente pensou nisso?1.2. Leitura: foco no textoPor sua vez, à concepção de língua como estrutura corresponde à de sujeito determinado,“assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não consciência”. Oprincípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamentoindividual repousa sobre a consideração do sistema, quer lingüístico, quer social. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 27 . 27. Nessa concepção de língua como código — portanto, como mero instrumento decomunicação — e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, o texto é visto comosimples produto da codificação de um emissor, a ser decodificado pelo leitor/ouvinte,bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado.Conseqüentemente, a leitura é vista como uma atividade que exige do leitor o foco no texto,em sua linearidade, uma vez que tudo está dito no texto. Se, na concepção anterior, ao leitorcabia o reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção cabe-lhe somente oreconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto: basta-lhe conhecer o código (alíngua), que terá a chave para a interpretação. Em ambas, porém, o leitor é caracterizado comopassivo, por realizar uma atividade de reconhecimento, de reprodução.1.3. Leitura: foco na interação autor-texto-leitorEm contraposição às concepções anteriores, na concepção interacional (dialógica) dalíngua, os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que —dialogicamente — se constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar dainteração e da constituição dos sujeitos da linguagem. Desse modo, há lugar, em todo equalquer texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somentedetectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantesda interação.Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não éalgo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamentecomplexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementoslingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer amobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. Isto é:a) a leitura é uma atividade na qual se levam em conta as experiências e os conhecimentos doleitor; UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 28 . 28. b) a leitura exige do leitor bem mais do que o conhecimento do código lingüístico, uma vezque o texto não é apenas o produto da codificação de um emissor a ser decodificado por umreceptor passivo.É esta a concepção sócio-cognitivo-interacional de língua que privilegia os sujeitos e seusconhecimentos em processos de interação. O lugar mesmo de interação é o texto, cujosentido “não está lá”, mas é construído, considerando-se, para tanto, as “sinalizações” oupistas textuais fornecidas pelo autor e os conhecimentos do leitor que, durante todo oprocesso de leitura, deve assumir uma atitude “responsiva ativa” (Cf. Bakhtin, 1992, p.290). Em outras palavras, espera-se que o leitor concorde ou não com as idéias do autor,complete-as, adapte-as, etc., uma vez que “toda compreensão é prenhe de resposta e, de umaforma ou de outra, forçosamente, a produz” (Bakhtin, 1992, p. 290).2. A interação: autor-texto-leitorPela consonância com essa posição, destacamos aqui um trecho dos Parâmetros CurricularesNacionais de Língua Portuguesa (1998): “A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas etc.” UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 29 . 29. Nesse trecho, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto umconstrutor de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série de estratégias, entre as quais aseleção, antecipação, inferência e verificação.2.1. Estratégias de leituraAssim, espera-se que o leitor processe, critique, contradiga ou avalie a informação que temdiante de si, que a aceite ou a conteste, que dê sentido e significado ao que lê (cf.: Solé, 2003,p. 21).Essa concepção de leitura, que põe em foco o leitor e seus conhecimentos, em interação como autor e o texto, para a construção de sentido, vem já há algum tempo merecendo a atençãode estudiosos do texto e alimentando muitas pesquisas sobre o tema. Na qualidade de leitores ativos, estabelecemos relações entre nossos conhecimentos anteriormente constituídos e as novas informações contidas no texto, fazemos inferências, comparações, formulamos perguntas relacionadas com o seu conteúdo. Mais ainda: processamos, criticamos, contrastamos e avaliamos as informações que nos são apresentadas, produzindo sentido para o que lemos. Em outras palavras, agimos estrategicamente, o que nos permite dirigir e auto-regular nosso próprio processo de leitura.2.2. Objetivos de leituraÉ claro que não devemos nos esquecer de que a constante interação entre o conteúdo do textoe o leitor é regulada, também, pelo propósito com que lemos o texto, pelos objetivos daleitura. De modo geral, podemos dizer que há textos que lemos para nos manter informados(jornais, revistas); há outros que lemos para realizar trabalhos acadêmicos (dissertações, teses,livros, periódicos científicos); há, ainda, aqueles cuja leitura é realizada por prazer, por purodeleite (poemas, contos, romances); os que lemos para consulta (dicionários, catálogos), osque somos “obrigados” a ler de vez em quando (manuais, bulas), os que nos caem em mãos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 30 . 30. (panfletos), ou os que nos são constantemente apresentados aos olhos (outdoors, cartazes,faixas).São, pois, os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou em menostempo; com mais atenção ou com menos atenção; com maior engajamento ou com menorengajamento, enfim.3. Leitura e produção de sentidoSe, portanto, a leitura é uma atividade baseada na interação autor-texto-leitor, nesse processofaz-se necessário considerar a materialidade lingüística do texto, elemento sobre o qual e apartir do qual se constitui a interação. E, por outro lado, é preciso também levar em conta oautor e o leitor, com seus conhecimentos e vivências, condição fundamental para oestabelecimento de uma interação com maior ou menor intensidade, durabilidade, qualidade.3.1. Leitura e ativação de conhecimentoÉ por essa razão que falamos de um sentido para o texto, não do sentido do texto, ejustificamos essa posição, visto que, na atividade de leitura, é preciso ativar lugar social,vivências, relações com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais (cf. Paulinoet al., 2001).3.2. Pluralidade de leituras e sentidosA pluralidade de leituras e de sentidos pode ser maior ou menor dependendo, por um lado, dotexto, do modo como foi constituído, do que foi explicitamente revelado, e do que foiimplicitamente sugerido; por outro lado, da ativação, por parte do leitor, de conhecimentos denatureza vária, bem como de seus objetivos e de sua atitude perante o texto. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 31 . 31. Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes deum leitor para outro implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de leituras e desentidos em relação a um mesmo texto.É claro que, com isso, não preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa com base emum texto, pois, como já afirmamos, o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas nainteração autor-texto-leitor. Por isso, é de fundamental importância que o leitor considere, nae para a produção de sentido, as “sinalizações” do texto, além dos conhecimentos que possui.4. Fatores de compreensão da leitura A compreensão de um texto varia, portanto, segundo as circunstâncias de leitura e vaidepender de vários fatores complexos e inter-relacionados (Alliende & Condemarín, 2002).Embora tais fatores estejam intimamente relacionados na compreensão da leitura, cabechamar a atenção para os casos em que fatores relativos ao autor/leitor, por um lado, ou aotexto, por outro lado, podem interferir no processo, de modo a dificultá-lo ou facilitá-lo.4.1. Fatores relativos ao autor/leitor Esses fatores referem-se ao conhecimento dos elementos lingüísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo etc.), esquemas cognitivos, bagagem sociocultural, circunstâncias em que o texto foi produzido.Em outras palavras, podemos dizer que os conhecimentos selecionados pelo autor – na e paraa constituição do texto – “criam” um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela forma como éconstituído, pode exigir mais ou menos conhecimento prévio de seus leitores. Isto é, um textonão se destina a todo e a qualquer leitor, mas pressupõe um determinado tipo de leitor e excluioutros. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 32 . 32. Em nosso dia-a-dia, deparamo-nos com inúmeros textos veiculados em meios diversos(jornais, revistas, rádio, TV, internet, cinema, teatro), cuja produção é “orientada” para umdeterminado tipo de leitor (um público específico), o que, aliás, vem evidenciar o princípiointeracional constitutivo não apenas do texto, como do próprio uso da língua.4.2. Fatores relativos ao textoAlém dos fatores da compreensão de leitura ligados ao autor e ao leitor, há os relacionados aotexto, que dizem respeito à sua legibilidade, podendo ser materiais, lingüísticos ou deconteúdo (Cf.: Alliende & Condemarín, 2002).Dentre os aspectos materiais que podem comprometer a legibilidade, os autores citam: otamanho e a clareza das letras, a cor e a textura do papel, o comprimento das linhas, a fonteempregada, a variedade tipográfica, a constituição de parágrafos muito longos... E, em setratando da escrita digital, a qualidade da tela e o uso apenas de maiúsculas ou de minúsculas,bem como o excesso de abreviações.Além dos fatores materiais, há fatores lingüísticos que podem dificultar a compreensão, taiscomo: a seleção lexical; estruturas sintáticas muito complexas, caracterizadas pela abundânciade elementos subordinados; orações supersimplificadas, marcadas pela total ausência denexos para indicar relações de causa/efeito, espaciais, temporais; ausência de sinais depontuação etc.Uma bula, por exemplo, é conhecida como um texto de difícil leitura por seus aspectosmateriais, lingüísticos e de conteúdo, a tal ponto que já existe em andamento uma propostaoficial para resolver o problema. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 33 . 33. 5 . Escrita e Leitura: contexto de produção e contexto de usoDepois de escrito, o texto tem uma existência independente do autor. Entre a produção dotexto escrito e a sua leitura, pode passar-se muito tempo, de modo que as circunstâncias daescrita (contexto de produção) podem ser absolutamente diferentes das circunstâncias daleitura (contexto de uso), fato esse que interfere na produção de sentido. O mesmo acontecetambém quando o texto vem a ser lido num lugar muito distante daquele em que foi escrito ouquando foi reescrito de muitas formas, mudando consideravelmente o modo de constituiçãoda escrita com o objetivo de atingir diferentes tipos de leitor.6. Texto e LeituraCabe, assim, reiterar que a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor,pois, se o autor apresenta um texto lacunoso ou incompleto, por pressupor a inserção do quefoi dito em esquemas cognitivos compartilhados, é preciso que o leitor o complete,produzindo uma série de inferências.Assim, no processo de leitura, o leitor aplica ao texto um modelo cognitivo (frame ouesquema), baseado em conhecimentos que ele tem representados na memória social.A hipótese inicial pode, no decorrer da leitura, confirmar-se e se fazer mais precisa; ou podeexigir alterações, maiores ou menores. Em certos casos, torna-se necessária, até mesmo, areformulação total dessa hipótese, que terá de ser descartada.Assim, o texto é um exemplo de que o autor pressupõe a participação do leitor na construçãodo sentido, considerando a (re)orientação que lhe é dada. Nesse processo, ressalta-se que acompreensão não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coincidam, mas quepossam interagir dinamicamente (Alliende & Condemarín, 2002, p. 126-7). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 34 . 34. 7. E a produção de textos?Relativamente à prática de produção de textos, podem-se destacar as seguintes afirmações dosPCN: “Um escritor competente é alguém que sabe reconhecer diferentes tipos de texto e escolher o apropriado a seus objetivos num determinado momento (...).” “Um escritor competente é, também, capaz de olhar para o próprio texto como um objeto e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou incompleto. Ou seja: é capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um leitor competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos quando precisa utilizar fontes escritas para a sua própria produção.”Assim, no que diz respeito à produção do sentido, defendem os PCN que o trabalho de análiseepilingüística em sala de aula é importante, por possibilitar a discussão sobre os diferentessentidos atribuídos aos textos e sobre os elementos discursivos que validam ou não essasatribuições, propiciando, inclusive, a construção de um repertório de recursos lingüísticosa ser utilizado quando da produção textual.A Lingüística Textual vem trazendo ao professor subsídios indispensáveis para a realizaçãodas atividades acima sugeridas, visto que ela tem por objeto o estudo dos recursos lingüísticose condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, àprodução textual dos sentidos, o que vai significar, inclusive, uma revitalização do estudo dagramática: não mais, é claro, como um fim em si mesma, mas com o objetivo de evidenciar deque modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos lingüísticos nos textos quelemos ou produzimos, dentro das variadas possibilidades que a gramática da língua nos põe àdisposição, constitui um conjunto de decisões que vão servir de orientação na nossa buscapelo sentido.Assim sendo, é preciso que os produtores de textos dominem uma série de estratégias deorganização da informação e de estruturação textual. A continuidade de um texto resulta deum equilíbrio variável entre dois movimentos fundamentais: retroação e progressão. Desta UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 35 . 35. forma, a informação semântica contida no texto vai distribuir-se em (pelo menos) doisgrandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e também dosagem interferem na construçãodo sentido. A informação dada (ou melhor, aquela que o produtor do texto apresenta comodada) tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para o aporte da informação nova.A retomada desta informação opera-se por meio de remissão ou referência textual, que leva àformação, no texto, de cadeias referenciais anafóricas. Estas cadeias têm papel importante naorganização textual, contribuindo para a produção do sentido.A informação nova introduz-se por meio das diversas estratégias de progressão textual, entreas quais as de contigüidade semântica (emprego de termos pertencentes a um mesmo campode sentido), progressão temática, progressão tópica e articulação textual.8. A importância do contextoJá foi salientado que o recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensãoe, deste modo, para a construção do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como asituação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cultural), o contextoacional e, portanto, o contexto sociocognitivo dos interlocutores. Este último, na verdade,subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dosactantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: oconhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, o conhecimentoda situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimentosuperestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros,variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o conhecimentode outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).Nesta acepção, portanto, vê-se o contexto como constitutivo da própria interação pelalinguagem. É neste sentido que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmenteambíguos, mas o contexto se encarrega de fornecer condições para uma interpretação unívoca. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 36 . 36. Admite-se, pois, que:1. O contexto desambigüisa;2. O contexto permite preencher as lacunas do texto (“o contexto completa” - cf. Dascal &Weizman, 1987; Clark, 1977, que fala em estabelecer os “elos faltantes - “missing links”-, pormeio de inferências-ponte);3. Os fatores contextuais podem alterar o que se diz (“o contexto modifica” – ironia, etc.);4. Tais fatores se incluem entre aqueles que explicam por que se disse isso e não aquilo (“ocontexto justifica”). De qualquer maneira, sob essa perspectiva, falar de discurso implicaconsiderar fatores externos à língua, alguma coisa do seu exterior, para entender o que nela édito, que por si só seria insuficiente.As relações entre informação explícita e conhecimentos pressupostos como partilhadosestabelecem-se, como dissemos, por meio das estratégias de “sinalização textual”, porintermédio das quais o locutor, por ocasião do processamento textual, procura orientar ointerlocutor no recurso ao contexto.É por isto que o sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não dependetão-somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto como um “iceberg”).Os objetos de discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte de formalacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do texto pressupõe, da parte doleitor/ouvinte, conhecimentos textuais, situacionais, culturais e enciclopédicos e, orientando-se pelo Princípio da Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ouseja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de um texto necessitaproceder ao “balanceamento” do que necessita ser explicitado textualmente e do que podepermanecer implícito, por ser recuperável via inferenciação (cf. Nystrand & Wiemelt, 1991;Marcuschi, 1997). Na verdade, é este o grande segredo do locutor competente. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 37 . 37. O leitor/ouvinte, por sua vez, espera sempre um texto dotado de sentido e procura, a partir dainformação contextualmente dada, construir uma representação coerente, por meio daativação de seu conhecimento de mundo e/ou de deduções que o levam a estabelecer relaçõesde causalidade, temporalidade etc. Levado pelo Princípio da Continuidade de Sentido(Hörmann, 1976), ele põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cognitivasque tem à disposição para dar ao texto uma interpretação adequada. Esse princípio semanifesta, pois, como uma atitude de expectativa do interlocutor de que uma seqüêncialingüística produzida pelo falante/escritor possa ser considerada coerente (cf. Grice, 1975,Princípio da Cooperação).Verifica-se, assim, que o uso da linguagem, quer em termos de produção, quer de recepção,repousa visceralmente na interação produtor – texto – ouvinte/leitor, que se manifesta poruma antecipação e por uma coordenação recíprocas, em dado contexto, de conhecimentos eestratégias sociocognitivas e interacionais.Tanto em textos escritos como em textos orais, o produtor, visando à produção de sentidos,faz uso de uma multiplicidade de recursos que vai muito além das simples palavras quecompõem as estruturas. Em obediência à Máxima da Relevância (Grice, 1975) e com base emseu modelo do interlocutor, o falante/escritor verbaliza somente as unidades referenciais e asrepresentações necessárias à compreensão e que não possam ser deduzidas sem esforço peloleitor/ouvinte, por meio de informações contextuais e/ou conceituais (Princípio daSeletividade).Mencione-se, a título de exemplo, o emprego de uma expressão referencial anafórica, queimplica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca nocontexto, cognitivo ou situacional. Visto que o produtor do texto procede à seleção daquelaexpressão que se mostra mais adequada ao seu projeto de dizer, seu emprego vai exigir dointerlocutor a percepção do porquê da escolha feita, no contexto dado, com vistas àconstrução do sentido. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 38 . 38. Verifica-se, desta forma, a justeza da definição de Van Dijk (1997): “contexto é o conjunto detodas as propriedades da situação social que são sistematicamente relevantes para a produção,compreensão e funcionamento do discurso e de suas estruturas”.Todos os fatores aqui mencionados, que intervêm nos processos de leitura e produção detextos, são responsáveis pela produção de sentidos.Referências bibliográficas Alliende, Felipe; Condemarín, Mabel. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2005. Bakhtin, Michail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992 [1952], p. 290. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília: SEF/MEC, 1998. Clark, Herbert. Bridging. In: Wason, P.; Johnson-Laird, P. Thinking: Readings in Cognitive Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 1977, pp. 417-20. Dascal, M.; Weizman, E. Contextual exploitation of interpretation clues in text understanding: an integrated model. In: Verschueren, J; Bertucelli-Papi, M. (eds.), The pragmatic perspective – Selected papers from the 1985. International Paragmatic Conference. Amsterdam: J. Benjamins, 1987, pp. 31-46. Grice, H. P. Logic and conversation.In: COLE, P.; MORGAN, J. L. (orgs.), Sintax and Semantics, n.3, Speech Acts. New York: Academic Press, 1975. Hörmann, H. Meinen und Verstehen. Grundzüge einer psychologischen Semantik. Frankfurt: Suhrkamp, 1976. Koch, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 39 . 39. Marcuschi, Luiz A. Contextualização e explicitude na relação entre fala e escrita. 1997. mimeo.Nystrand, M.; Wiemelt, J. When is a text explicit? Formalist and dialogical conceptions. Text 11, 1991, pp. 25-41.Paulino, Graça et al. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2001.Solé, Isabel. Ler, leitura, compreensão: “sempre falamos da mesma coisa?”. In: TEBEROSKY, Ana et al. Compreensão de leitura: a língua como procedimento. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 21.Van Dijk, Teun A. Cognitive context models and discourse. In: Oostendorp, H. van ; Goldman, S. (eds.) The construction of mental models during reading. Hilldsdale, N.J.: Erlbaum, 1997. Nota: Mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP e Livre-docente pela UNICAMP. Professora-titular do Depto. de Lingüística do IEL - Unicamp. Autora de diversos livros sobre língua, linguagem e ensino. Tem inúmeros trabalhos publicados em revista e coletâneas, no país e no exterior. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 40 . 40. PROGRAMA 3 GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino Sandoval Nonato Gomes-Santos1PARA INÍCIO DE CONVERSAQuase uma década vai se completar desde a publicação dos Parâmetros CurricularesNacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental. Hoje, parece que já temos,reunidos, alguns elementos importantes para avaliar os efeitos das diretrizes curriculares queforam expostas nesse documento nas práticas de ensino-aprendizagem da disciplina LínguaPortuguesa. Principalmente, as implicações que as discussões sobre um currículo centrado nosgêneros (textuais ou discursivos) produziram e têm produzido na escola, em diferentes regiõesdo país.Desde a publicação do documento até hoje, só cresceu o interesse em compreender aspossibilidades e os desafios do conceito de gênero, tanto para o currículo da formação iniciale a pesquisa na universidade, quanto para as políticas públicas de formação continuada doprofessor e de avaliação-distribuição de livros didáticos, e, principalmente, para as práticasdidáticas de ensino de língua na escola. Atualmente, com certo distanciamento em relação àsdiscussões iniciais (anteriores mesmo à publicação dos PCN em 1997-1998), é possívelretomar certas preocupações e algumas indagações que vêm marcando a apropriação daproposta de trabalho com gêneros como objetos de ensino nas práticas escolares de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa.Sem o constrangimento de que um currículo centrado no ensino-aprendizagem de gênerospudesse significar apenas “mais um modismo” da Universidade, imposto para a escola por UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 41 . 41. intermédio da lei, podemos agora avaliar o diálogo institucional estabelecido entre as váriasinstâncias envolvidas com o tema do ensino-aprendizagem de língua na escola: o diálogoentre pesquisadores do campo dos estudos da linguagem e professores (em ações de formaçãoinicial e continuada); entre os professores-alunos de cursos de graduação e pós-graduação eprofessores-pesquisadores da universidade (no ensino e na iniciação à pesquisa); entre essesprofessores-pesquisadores e o mercado editorial (por meio de consultorias à elaboração emesmo da elaboração de livros didáticos) etc. Desse diálogo, ainda em andamento, questõesiniciais retornam e outras, novas, aparecem.Algumas dessas questões foram apontadas com bastante precisão por Rojo (2000), em umtexto não por acaso intitulado Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula:progressão curricular e projetos. Ao discutir a proposta curricular que toma o gênero comoobjeto de ensino e o texto como unidade de ensino, a autora enfatiza que a apropriação daproposta curricular expressa nos PCN pelas práticas escolares de ensino-aprendizagem requerum esforço que envolve três eixos de atuação: a) “a construção de currículos plurais eadequados a realidades locais”, b) “a elaboração de materiais didáticos que viabilizem aimplementação destes currículos” e c) “a formação inicial e continuada de professores eeducadores” (p. 28).Para contribuir no diálogo instigado pelas percepções de Rojo, proponho enfocar, neste texto,questões relativas à “realização do currículo em sala de aula”, ou seja, às práticas de ensino-aprendizagem de gêneros, considerados objetos de ensino. Suponho que um primeiro passopara refletir sobre essas práticas seja reconhecer que elas têm uma história, que elas sãoconstruídas no seio daquilo que Chervel (1998) descreveu como cultura escolar2.Assim, quando ouvimos, por exemplo, que hoje devemos ensinar gêneros, que a gramáticadeve ser contextualizada ou que é preciso trabalhar a oralidade, essas afirmações não sãofeitas por acaso. Elas testemunham que há uma demanda de reflexão sobre o ensino-aprendizagem de gêneros pelo professor, nos mais diversos contextos socioculturais peloBrasil afora. Na base dessas questões está uma indagação primeira, de tão familiar às vezesdeixada em segundo plano: o que, para que e como se ensina quando se pretende ensinar a UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 42 . 42. língua? É nesse tripé que proponho localizar a discussão sobre o ensino-aprendizagem degêneros na escola. Ou seja, proponho que essa discussão enfoque três eixos:• As finalidades da escola como agência de produção-recepção de gêneros;• Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular;• O investimento na elaboração didática dos gêneros como objetos de ensino.1. Gênero e forma escolarUm dos passos principais na construção de uma proposta curricular para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa é o reconhecimento de que a Língua Portuguesa é umadisciplina escolar. Uma disciplina escolar não aparece ao acaso. Para Soares (2002) 3, suaconstituição é resultado de motivações socioculturais e históricas: aquilo que supomos ser adisciplina Língua Portuguesa e seu ensino não é definido pela ação isolada de cada professor,mas está ligado àquilo que se pretende ensinar (quais os objetos de ensino visados?), àsfinalidades do ensino (para que ensinar?) e aos meios de ensino (como ensinar?).Ao se apropriar de objetos de saber e de práticas variadas de linguagem que se constroem nasociedade, a escola os transforma em objetos a serem ensinados. Quando falamos de umcurrículo centrado no ensino-aprendizagem de gêneros, podemos então pensar na escola,como muito bem sugeriu Schneuwly (2006) 4, como uma agência “inventora” de gêneros, oschamados gêneros escolarizados. Assim, os gêneros, ao se tornarem objetos a seremensinados (ao adquirirem uma forma escolar, no dizer de Schneuwly), não se configuram demodo igual àquele modo com que aparecem nas práticas do cotidiano, embora estejamvinculados intimamente a essas práticas. Um relatório da visita ao museu, por exemplo,produzido por crianças da 3ª. série do Ensino Fundamental, necessariamente será diferente doesboço produzido por um jornalista que visa, a partir de suas anotações, à produção de uma UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 43 . 43. reportagem sobre o museu. Será diferente, ainda, do relatório do biólogo que faz umapesquisa sobre zootecnologia. Será diferente porque o gênero, uma vez escolarizado:i) é apropriado em uma situação diversa daquela em que seria apropriado fora da escola, ouseja, a forma escolar implica certa ruptura com o quotidiano;ii) torna-se passível de segmentação em dimensões que podem ser objeto de ensino-aprendizagem;iii) integra um desenho curricular mais amplo, que inclui uma determinada programação deconteúdos, além de procedimentos e instrumentos de avaliação;iv) adquire uma forma textualizada (em geral, um caráter escritural), ou seja, ele sematerializa em textos que permitem sua circulação e seu reconhecimento públicos.A escola pode ser considerada inventora de gêneros também pelo fato de criar seus própriosgêneros: os chamados gêneros escolares. Alguns, entre eles, são criados para servir ao própriofuncionamento da instituição escolar – como histórico escolar, diário de classe, plano deaula, requerimento escolar etc. –, e outros são tornados objetos a serem ensinados. Oexemplo mais representativo, nesse caso, é a dissertação escolar.Esses dois modos de invenção de gêneros pela escola podem ser considerados, para umdeterminado discurso pedagógico, um artificialismo, uma forma pela qual a escola reduz oconhecimento, corrompe-o, ou um mascaramento, uma forma de a escola escamotear as reaisnecessidades dos alunos quanto à aprendizagem de práticas de linguagem efetivamenteautênticas.Entretanto, com base no pressuposto de que a linguagem é diálogo (tal como propôs Bakhtin)e de que a prática de ensino-aprendizagem constitui-se na interação entre indivíduos em umdeterminado contexto sociocultural e histórico (como enfatiza a psicologia de base UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 44 . 44. vigotskiana), é possível pensar que a invenção de gêneros pela escola é condição para ainserção dos indivíduos em determinadas práticas de letramento (de leitura-escuta e produçãode textos), especialmente em se tratando daquelas práticas em que circulam gêneros de que osalunos não se apropriariam se não estivessem na escola, como é o caso, por exemplo, dealguns gêneros orais formais públicos (solicitação de informações, debate, conferência,entrevista para emprego etc.). A tarefa da escola na apropriação desses gêneros implicaria nãoapenas a garantia do acesso a eles, mas, principalmente, o desenvolvimento de uma posturareflexiva sobre as práticas em que eles circulam.Em síntese, se considerarmos, com Bakhtin (1929, 1952-3), que os gêneros se constituem evão-se diversificando historicamente nas práticas sociais e que sua apropriação se dá sempreem relação intrínseca com essas práticas, a principal contribuição da escola e a finalidade dotrabalho de ensino seria inserir os alunos em práticas de letramento das mais simples às maiscomplexas, transformando seus modos de agir pela linguagem, de forma que possam nãoapenas usar a linguagem adequadamente – como se costuma dizer –, mas tambémdesenvolver, ao longo da escolaridade formal, uma postura de reflexão sobre ela, sobre asimplicações, os efeitos das ações de linguagem na própria construção da sociedade e dacultura5.2. Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular: por que um currículocentrado no trabalho com gêneros?Uma das questões iniciais que sempre retorna quando se propõe um currículo que tem comoporta de entrada o trabalho com gêneros como objetos de ensino e com textos como unidadesde ensino é: já não trabalhamos com textos na sala de aula? O que muda com a proposta deensino de gêneros? Não são apenas os nomes dos conteúdos que mudaram? Essas questõessão significativas porque apontam para o fato de que, para se discutir o currículo que sealmeja construir para a disciplina Língua Portuguesa, é necessário reconhecer que já temosum lastro de práticas de ensino construídas historicamente. Por exemplo, um pressupostocomum, bastante freqüente entre os professores de Língua Portuguesa, diz respeito ànecessidade de se trabalhar uma diversidade de textos e à necessidade de adequação das ações UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 45 . 45. de linguagem aos vários contextos de uso. A questão, nesse caso, parece ser: comotransformar esse pressuposto em orientação curricular na prática didática?Podem ser apontadas diversas motivações para a opção por um currículo com base notrabalho com gêneros. Do ponto de vista histórico, pode-se dizer que essa opção vai-seconsolidando com o prestígio de uma perspectiva teórica que concebe a linguagem comoprática social, e o processo de ensino-aprendizagem como construído na interação dos trêspólos do chamado triângulo didático: o professor, os alunos e os objetos de ensino, em umdado contexto sociocultural.Essa perspectiva ganha visibilidade crescente a partir do final dos anos 1970 e início dos anos1980, no Brasil. A partir desse momento, propostas curriculares foram divulgadas,investigações sobre o ensino-aprendizagem se diversificaram, livros didáticos transformaram-se. Rojo & Cordeiro (2004) apresentam um percurso bastante interessante dos modos com quese vêm trabalhando as práticas de leitura e produção de textos na tradição escolar brasileira apartir dos anos 1980. Segundo as autoras, a proposta de trabalho com gêneros distingue-se deoutros dois modos de conceber o trabalho com o texto na escola:i) Inicialmente, o texto visto como material ou objeto empírico que, em sala de aula,propiciava “hábitos de leitura”, de produção, de análise lingüística. O texto tomado, portanto,como objeto de uso, mas não de ensino;ii) Mais tardiamente, o texto visto como suporte para o desenvolvimento deestratégias e habilidades de leitura e de redação.Uma terceira possibilidade de trabalho com o texto é aquela chamada pelas autoras deenunciativo-discursiva. Nessa terceira via, o texto é tratado em articulação ao gênero a que elepertence. Mesmo não escolarizado, o indivíduo é capaz de reconhecer, apropriar-se e produzirdeterminados gêneros, a depender do modo com que se integra às práticas em que essesgêneros circulam. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 46 . 46. Assim, uma criança que participa da prática de conversação em sua família, ocasião em que secontam histórias e piadas, ou da prática de leitura de cartas, provavelmente reconhecerá osgêneros piada e carta pessoal com certa facilidade. Se não exercita a prática de discussãocoletiva de questões polêmicas, por hipótese terá mais dificuldade de produzir o gênerodebate quando for solicitada para isso. Isso não significa dizer que os gêneros são uma fôrma,uma camisa-de-força que determina por completo cada ação de linguagem do indivíduo. Sãoformas flexíveis de materialização dos textos.Vejamos um exemplo (Gomes-Santos, 2003) que ilustra o modo com que construímosdiálogo por meio dos gêneros, tanto com outros locutores, quanto com outros textos. Apósleitura e comentário da versão de uma lenda amazônica – a Lenda da Cobra Grande – oprofessor apresenta aos alunos de 2ª. série do Ensino Fundamental a proposta de produçãoescrita – recontar a lenda – por meio das seguintes instruções:Produção de TextoComo você percebeu, na Lenda da Cobra Grande o encanto só pode ser quebrado se umcorajoso guerreiro cortar a ponta do rabo da cobra, fazendo com que ela volte a ser umaíndia bela e atraente. E você, que outra solução arrumaria para quebrar o encanto da cobra?Conte-nos esta história.Respondendo à tarefa, um dos alunos escreveu:“Para Quebrar o fentiço que o caçador colocou na índia precisa pegar um facão e cortar orabo da cobra grande, e depois liberta a índio do fentiço que o cassado colocou, eu mesmoFábio vol cortar o rabo da cobra grande.” (Texto: Quebra o encanto da cobra grande) Outro aluno atendeu à mesma tarefa assim escrevendo:Era uma vez uma índia muito bela e o Paje trasformou ela em uma cobra muito grande epara desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra e o índio deu um beijo na nele UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 47 . 47. tornou uma bela india denovo e se casaram e viveram felizes para sempre. (Texto: A bela índia)No primeiro caso, o aluno estabelece diálogo com as instruções do professor, que orientampara que “outra solução” deveria ser encontrada para quebrar o encanto da cobra. Naapropriação que faz do gênero lenda, ele se representa como figura textual, agente da quebrado encanto – “eu mesmo Fábio”. Ao fazer isso, busca, de certo modo, satisfazer a injunção dainstrução, que exige uma resposta do escrevente à questão apresentada. Nesse caso, a respostado aluno, ao enunciar “eu mesmo”, pode remeter à seqüência interrogativa da instruçãoiniciada por “E você”.Já no segundo caso, a solução para a quebra do encanto da cobra é constituída em referênciaaos “contos de fadas”. Nesse texto, a remissão aproxima-se do conto “A Bela Adormecida”, jáque “para desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra”, o que ocasionaria a quebrado encanto e, por conseguinte, o happy end do casal: “tornou uma bela india denovo e secasaram e viveram felizes para sempre”.Esses enunciados de escrita infantil testemunham o caráter dialógico do processo deprodução-recepção dos gêneros no interior de uma determinada prática social.3. A elaboração curricular dos gêneros como objetos de ensinoOs critérios para a organização e seqüenciação dos conteúdos curriculares, conforme os PCN,teriam que levar em conta os eixos USO – REFLEXÃO – USO, princípio que deve atravessartoda a escolaridade e que implica “compreender que tanto o ponto de partida como afinalidade do ensino da língua é a produção/compreensão de discursos” (PCN – 1o. e 2o.ciclos [nota de rodapé], p. 44). Trata-se, assim, de um princípio curricular “em que sepretende que, progressivamente, a reflexão se incorpore às atividades lingüísticas do alunode tal forma que ele tenha capacidade de monitorá-las com eficácia”(PCN – 1o. e 2o. ciclos,p. 48). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 48 . 48. Uma proposta de trabalho com o gênero como eixo norteador do currículo de Português exigeque se defina uma entrada para o ensino que conjuga a abordagem do texto por meio,principalmente, das condições em que ele é produzido e circula. Nessa direção, muito mais doque o ensino de estruturas globais dos textos ou de seqüências tipológicas (narração,descrição, argumentação etc.), enfocam-se os sentidos neles construídos. Isso porque o texto éconsiderado em seu processo de significação, com base nos componentes que caracterizam ogênero a que ele pertence: finalidades reconhecidas, estatuto dos interlocutores, coordenadasespaço-temporais, suporte material e organização textual (ver Maingueneau, 2004).Com base nesse princípio geral, a entrada curricular pelos gêneros:i) Amplia o repertório de textos tornados unidades de ensino, incluindo-se aqueles ligados agêneros orais (especialmente os formais públicos) e aqueles ligados às novas tecnologias decomunicação-informação (os gêneros digitais);ii) Aborda os conteúdos gramaticais, em articulação com o trabalho com os gênerosselecionados para o ensino;iii) Dá lugar ao tratamento de fenômenos de variação, relativos à modalidade, ànorma e ao registro da língua.Essa entrada curricular pelos gêneros distingue-se de pelo menos dois outros modos deorganizar o currículo de Português. Vejamos:(a) a entrada pelos objetos gramaticais: o foco é um objeto gramatical (encontro de letras,tonicidade, classes de palavras, sujeito e predicado etc.) e os textos (poemas, trava-línguas,quadrinhas, contos, receita culinária etc.) que são selecionados e trabalhados em sala de aula,em função do ensino do tópico gramatical escolhido. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 49 . 49. (b) a entrada por temáticas relacionadas a datas cívicas e comemorativas (Dia da Pátria,Tiradentes, Abolição da Escravatura, Semana do Folclore, Dia do Índio, Natal etc.) ou aquestões de cunho sociocultural (violência, drogas, família etc.). Os textos (poemas, lendas,cantigas, causos, notícias de jornal, contos etc.), nesse caso, são pretexto para a discussão datemática que está em foco. Não raro, a opção pelas temáticas é seguida pelo retorno aostópicos gramaticais.Embora a diversidade textual seja considerada em ambas as entradas, o que indica, conformemencionei, que ela é um ponto em comum nos modos como se busca encaminhar o ensino,uma questão continua a merecer discussão: qual a natureza do material textual selecionado?Tanto em uma quanto na outra entrada, os textos selecionados costumam ser aqueles ligados agêneros escritos (ou que se materializam geralmente na modalidade escrita). A oralidadeparece ser tratada com base em pelo menos três procedimentos:• como modo de motivar para a aula ou como introdução a exercícios escritos (leitura oral ecoletiva de comandos de questão dos exercícios etc.);• como oralização dos textos escritos selecionados (leitura oral);• como comentário dos textos oralizados, detectando-se o assunto de que tratam e outroselementos, ligados, em geral, à sua organização estrutural (no caso da narrativa, por exemplo,ênfase nos elementos como personagens, ações, cenário etc.). Trata-se de um exercíciopreliminar, que prepara as questões que serão pedidas no exercício escrito.Nessa perspectiva, o trabalho com a oralidade não aparece voltado ao ensino de determinadosgêneros orais, especialmente os formais públicos, mas está a serviço do ensino de outrosobjetos ou serve de suporte para o desenvolvimento de tarefas ligadas a esses objetos.Ainda no que se refere à natureza do material selecionado, caberia pensar em como se lida (ese pretende lidar) com os gêneros em que as modalidades oral e escrita se constituem em UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 50 . 50. conjunto com outros registros semióticos, como a imagem e o som. Refiro-me, por exemplo,àqueles gêneros que integram a chamada mídia eletrônica (os gêneros digitais), com que umcontingente cada vez maior de indivíduos tem tido contato, direta ou indiretamente, embora sedeva reconhecer que o acesso a esse domínio ainda não esteja democratizado na sociedadebrasileira como um todo. A consideração desses gêneros parece ser condição indispensável etarefa imprescindível para aprofundar a compreensão dos modos de inserção dos indivíduosno mundo das práticas letradas, atualmente.A diversidade textual – já presente em muitas práticas de ensino do Português – é reenfocadaem uma proposta curricular baseada no trabalho com gêneros. Isso porque se acredita que nãobasta expor os alunos a uma multiplicidade de textos (para cada aula um texto novo, de umgênero diferente!), mas selecionar e trabalhar esses textos com base no gênero a que elespertencem. Assim, um professor que planejasse trabalhar com o gênero notícia, diversificariaos textos com base em determinados critérios, como, por exemplo:• diferença de veículos de comunicação: jornais de empresas jornalísticas diferentes;• diferença de suportes midiáticos: a notícia que aparece no jornal impresso diferencia-se daquela que aparece na versão digital e daquela que aparece no telejornal;• diferença de públicos leitores: uma notícia que aparece em uma revista dirigida aadolescentes diferencia-se daquela dirigida ao público feminino ou a profissionais dedeterminadas áreas.Diferenças como essas (e outras mais) podem incrementar o processo de apropriação dostextos pelos alunos, inserindo-os de modo mais reflexivo nas práticas de leitura-escuta eprodução de textos do gênero em foco.A questão da diversidade textual e o modo com que ela deve ser encarada representam duasdas principais preocupações dos professores na construção curricular. Uma das indagações UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 51 . 51. que, em geral, aparece é: quais os gêneros que se deve selecionar? A decisão a esse respeitovai depender fundamentalmente dos objetivos da equipe de professores quando da elaboraçãodo currículo para determinada série ou ciclo de ensino. Por exemplo, há gêneros propícios aodesenvolvimento das práticas de leitura-escuta e produção textual, enquanto outros parecemmais adequados ao trabalho com um desses eixos de práticas.Assim, ao optar por trabalhar, por exemplo, com um gênero como bula de medicamentos, cujaprodução em nossa sociedade está sob a responsabilidade de um grupo muito específico deindivíduos (os chamados bulólogos), a pergunta que se poderia formular é: qual o objetivo depedir aos alunos que produzam bulas?Há vários critérios possíveis para a seleção dos gêneros a serem ensinados. Os PCN de LínguaPortuguesa para o Ensino Fundamental (especialmente aqueles relativos ao segundo segmentodesse nível de ensino) explicitam um critério – os domínios de circulação social dos gêneros:cultura literária, imprensa, divulgação científica e publicidade.Dolz, Noverraz & Schneuwly (2001/2004, p. 121), por sua vez, conjugam esses domínios decirculação social dos gêneros com outro critério, ligado ao desenvolvimento de determinadascapacidades de linguagem – narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. O quadro aseguir (ver pág. 47), proposto pelos autores, mostra uma organização possível deagrupamentos de gêneros: UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 52 . 52. DOMÍNIOS SOCIAIS DE CAPACIDADES DE EXEMPLOS DECOMUNICAÇÃO LINGUAGEM GÊNEROS ORAIS E DOMINANTES ESCRITOSCultura literária ficcional NARRAR Conto maravilhoso Mimeses da ação através da Fábula criação de intriga Lenda Narrativa de aventura [...]Documentação e RELATAR Relato de experiênciamemorização de ações Representação pelo vividahumanas discurso de experiências Relato de viagem vividas, situadas no tempo Testemunho Notícia [...]Discussão de problemas ARGUMENTAR Texto de opiniãosociais controversos Sustentação, refutação e Diálogo argumentativo negociação de tomadas de Carta do leitor posição Carta de reclamação [...]Transmissão e construção EXPOR Semináriode saberes Apresentação textual de Conferência diferentes formas dos Artigo ou verbete de saberes enciclopédia Entrevista de especialista [...]Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Instruções de montagem Regulação mútua de Receita comportamentos Regulamento Regras de jogo [...]Uma organização curricular baseada no trabalho com gêneros exige a definição de quaisaqueles gêneros mais adequados, conforme as necessidades e as possibilidades deaprendizagem dos alunos. Alguns entre esses gêneros podem retornar ao longo daescolaridade dos alunos. Nesse caso, o retorno de um gênero já estudado em uma série-ciclode ensino é orientado por um trabalho diferenciado, que leve em conta os conhecimentos jáaprendidos e permita algum tipo de progressão no processo de aprendizagem. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 53 . 53. Assim, se a escola definiu a lenda como um dos gêneros a serem trabalhados na 1ª. série doEnsino Fundamental e se também a equipe de professores da 7ª. série tiver optado pelomesmo gênero, a abordagem desse gênero será necessariamente diferenciada em cada umadas séries: ou seja, os objetivos serão outros, os recursos textuais trabalhados serão diferentes,as tarefas propostas também, além dos instrumentos de avaliação, entre outros aspectos.A aposta é que o aluno se aproprie, ao longo de sua escolaridade fundamental, de um conjuntode gêneros orais-escritos: aprenderia a lê-los/escutá-los, a produzi-los e a desenvolver umareflexão sobre eles. Essa perspectiva de trabalho distingue-se, significativamente, de outra:daquela em que, embora o texto seja considerado, sua abordagem está a serviço do tratamentode outros objetos (sobretudo dos gramaticais) ou fica muito minimizada pela falta de umasistematização curricular que o considere unidade efetiva de ensino.Além do problema da seleção de gêneros para o ensino, duas outras questões merecem sermencionadas. A primeira refere-se à possibilidade de conjugar várias perspectivas (entradas)curriculares: é possível juntar a entrada pelos gêneros com uma entrada pelas temáticas? Aprática dos professores tem mostrado que esse procedimento pode apresentar vantagens. Oimportante, a meu ver, é não perder de vista que o objeto específico do Português, comodisciplina escolar, é a linguagem. O trabalho com as temáticas parece interessante na medidaem que permitir trabalhar os modos com que elas se configuram em um determinado gênero.Assim, um professor que escolhesse trabalhar, por exemplo, o tema “Água”, poderia optarpor um gênero que seria foco do ensino (notícias jornalísticas, por exemplo) e, nesse caso,trataria dos modos com que o tema se concretiza, ganha corpo no gênero escolhido. Poderiamais: mostraria aos alunos os modos diversos com que esse tema se constrói em outrosgêneros: em uma peça publicitária de uma marca de Água Mineral, em um conto, em umalenda, em uma entrevista televisiva etc.Uma segunda questão ainda relativa à construção curricular é como a gramática e aspectosligados à ortografia podem ser integrados a uma proposta de trabalho com gêneros. Essaquestão mereceria ser tratada com bastante atenção, já que ela representa um dos tópicos maisdebatidos quando o assunto é ensino do Português. O debate sobre como se deve tratar essa UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 54 . 54. questão parece ter esclarecido melhor a indagação sobre se podemos ou não ensinar agramática e as convenções do sistema de escrita.Apenas para instigar a discussão, proporia que pensássemos na possibilidade de integrar essesobjetos ao trabalho com os gêneros. Esse procedimento parece possível quando pensamos quedeterminados gêneros, do ponto de vista de sua organização textual, privilegiam algunsrecursos lingüísticos e não outros. Uma peça publicitária, por exemplo, organiza-setextualmente em seqüências tipológicas predominantemente injuntivas (Beba Coca-Cola, Usesempre copiadoras TOSHIBA etc.). Ora, a injunção se realiza pelo modo imperativo do verboe por outros recursos gráficos ou semióticos (a depender, por exemplo, do suporteconsiderado: pontuação no suporte impresso; imagens e sons, no suporte digital e televisivo).Com esse procedimento, o professor estaria trabalhando com seus alunos tanto as seqüênciastipológicas que organizam textualmente o gênero em foco, quanto os recursos lingüísticos(gramaticais) que ajudam a construir essa textualidade.Como efeito desse trabalho, possibilitaria aos alunos perceberem uma dimensão que marca aconstituição histórica de todos os gêneros: a heterogeneidade. Com base nessa idéia, podemospensar que não existem gêneros puramente orais e puramente escritos. Os gêneros foramsempre multimodais, no sentido de que sempre se construíram nas relações complexas entre ooral, o escrito, o visual, o gestual etc6.4. A elaboração didática dos gêneros como objetos de ensinoComo traduzir a proposta curricular em seqüências de atividades de ensino? Essa é umaindagação bastante freqüente quando se discute o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa:o como fazer.Em geral, o professor elabora, consciente ou inconscientemente, de modo mais ou menosintuitivo, mais ou menos formalizado, uma seqüenciação dos conteúdos e o modo com queeles serão trabalhados, conforme o tempo (em geral, um bimestre letivo) destinado para esse UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 55 . 55. fim. Essa idéia aparece na discussão que propõem De Pietro & Schneuwly (2003/2006) sobrea necessidade de se construir o modelo didático do gênero que se pretende ensinar.Nessa direção, o ensino de um gênero exige que esse gênero se torne conhecido peloprofessor. Esse é o primeiro passo para que o professor possa definir quais as dimensões, oscomponentes do gênero que serão objeto de um ensino sistemático, ou seja, elabora-se ummodelo didático do gênero. Para isso, quatro fontes de informação podem ser convocadas:i) As práticas sociais de referência: como o gênero funciona, como se dá sua produção erecepção nas práticas sociais;ii) A literatura sobre o gênero: como se define o gênero, como ele é caracterizado nosestudos que se voltam para ele;iii) As práticas linguageiras dos alunos, suas necessidades e possibilidades de aprendizagem,segundo sua faixa etária e seu grau de letramento;iv) As práticas escolares: ou seja, o modo com que a escola vem lidando com o ensino delíngua, as experiências acumuladas, as formas de trabalho já experimentadas no cotidianoescolar.Com base nessas quatro fontes de informação, torna-se possível definir aquilo que se pretendeensinar do gênero selecionado, excluindo-se ou deixando para outro momento o ensino dedeterminadas dimensões do gênero. Por exemplo, se o professor opta por ensinar o gênerodebate: ao definir um modelo didático desse gênero, o professor pode optar por excluir deseus objetivos de ensino o trabalho com estratégias de convencimento que utilizam má-fé efalso testemunho, ou a agressão direta. Embora esses sejam componentes freqüentes em umtipo de debate conhecido pelos alunos – o debate político –, parece que eles pouco têm a vercom a função educativa da escola. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 56 . 56. Outra situação possível na definição daquilo que se pretende ensinar é aquela em que oprofessor elege algumas dimensões do gênero e deixa as outras para aprofundamento em outrasérie. Assim, um mesmo gênero – por exemplo, a fábula – pode ser objeto de estudo na 1ª. ena 4ª série. Para cada uma dessas séries podem ser definidos componentes diferentes do pontode vista, por exemplo, da organização textual do gênero: para a 1ª., pode-se enfocar o trabalhosobre a construção das personagens; para a 4ª., o trabalho se voltaria para os modos deconfiguração dos discursos direto e indireto. Decisões como essas dependem, em grandemedida, do diálogo que precisa ser estabelecido entre a equipe de professores de Português edesses com os professores de outras disciplinas.É a partir da definição desse modelo didático do gênero que a equipe pode elaborar oconjunto de atividades e tarefas e o modo com que elas serão seqüenciadas, além dosprocedimentos e recursos didáticos a serem utilizados e dos instrumentos de avaliação daaprendizagem a serem propostos.Trata-se da elaboração do que Dolz, Schneuwly e seus colaboradores (2001/2004) chamam deseqüência didática, um conjunto de oficinas de ensino/aprendizagem seqüenciadas earticuladas em torno do gênero a ser ensinado. Guimarães, Cordeiro & Azevedo (2006)apresentam os componentes de uma seqüência didática, como a seguir:• a apresentação do projeto de trabalho e da situação de comunicação (evocação dascaracterísticas mais importantes – objetivo, enunciador, destinatário, conteúdos – do gênerode texto a ser produzido),• a produção de um primeiro texto (a fim de delimitar as capacidades e as dificuldadesdo aluno),• as oficinas de trabalho (atividades e exercícios organizados em função da modelizaçãodas características do gênero) e• a produção final (em que o aluno retoma os conhecimentos adquiridos ao longo daseqüência e o professor avalia os progressos realizados).As autoras assinalam que: Preferencialmente, uma seqüência didática deve ser realizada num espaço de tempo relativamente curto e ter um ritmo adaptado às possibilidades de aprendizagem dos alunos. As atividades e os exercícios propostos devem ser variados e levar os alunos a distinguir o que eles já sabem fazer do que ainda devem adquirir. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 57 . 57. Vejamos o exemplo, apresentado pelas autoras, de uma seqüência de ensino do gêneronarrativa de aventura de viagem desenvolvida com alunos de 3ª. série do EnsinoFundamental (na faixa etária entre 9 e 11 anos):OFIC INA 1 – PESQUISA SOBRE NARRATIVAS DE AVENTURAS DE VIAGENSNesta oficina, os alunos exploraram obras originais e adaptações para aprenderem a identificar otítulo, o nome do autor, as personagens típicas, as características espaciais e temporais do gênero,assim como os momentos de ação, aventura, suspense e as unidades lingüísticas que os indicam.OFICINA 2 – PESQUISA SOBRE TIPOS DE NARRADORESEsta oficina foi realizada para que os alunos aprendessem a distinguir o autor do narrador e anarrar na 1a ou na 3a pessoa.OFICINA 3 – CARACTERÍSTICAS CULTURAIS DOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIIIEsta oficina centrou-se na descoberta das características culturais da época: profissões, modode vida de famílias ricas e pobres, vestimentas, embarcações e armas utilizadas.OFICINA 4 – IDENTIFICAÇÃO, FUNÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS PERSONAGENS NUMA AVENTURA DE VIAGENSEsta oficina objetivava a identificação das características do protagonista, de seus companheiros edo antagonista. Os alunos aprenderam também a identificar o objetivo, as situações vividas peloprotagonista e as ações por este realizadas.OFIC INA 5 – ETAPAS PARA A ESCRITA DE UMA NARRATIVA DE AVENTURAS DE VIAGENSNesta oficina, os alunos fizeram um apanhado dos elementos necessários para a reescrita dotexto inicial ou escrita do texto final (criação e caracterização das personagens;estabelecimento do objetivo que o protagonista deverá alcançar e as dificuldades a superar;organização das aventuras no espaço-tempo; criação de um título). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 58 . 58. A proposta de seqüência didática apresenta, a meu ver, várias vantagens, uma vez que leva emconta tanto o pólo do aluno – o que ele já conhece e como aprende –, quanto o pólo doprofessor – os instrumentos didáticos (as tarefas, por exemplo) de que se utiliza para ensinarse baseiam no que ele conhece sobre o repertório de conhecimentos e de práticas deletramento de que os alunos já se apropriaram e daquilo que são capazes de aprender.Além disso, tendo finalizado a seqüência didática para o ensino de um gênero, o professor teráelementos para avaliar, juntamente com os alunos, as dificuldades, os desafios e os avançosencontrados no percurso de estudo do gênero. Esses dados podem ajudar o professor a ajustara seqüência quando a propuser a outra turma de alunos, em outro ano letivo. Com o passar dotempo, o professor teria um arquivo significativo de seqüências (contendo tarefas, recursosdidáticos, procedimentos e instrumentos de avaliação da aprendizagem). Esse arquivo serviriacomo referencial didático que, ao mesmo tempo em que testemunharia a memória docotidiano de suas práticas didáticas, comporia um mosaico de experiências passível de servir aoutros professores, ao projeto educativo da escola como um todo.É preciso dizer que a proposta de seqüência didática descrita acima não é a única forma deplanejar o ensino. Essa proposta, entretanto, nos instiga a inventar outros modos de organizaro ensino de um dado gênero. O que parece significativo é a idéia de que não há ensino casual:programá-lo parece ser o passo inicial para que possamos desenvolver uma postura dereflexão constante sobre ele, na sala de aula, na comunidade escolar, nos espaços deformação, na sociedade como um todo.5. Para continuar o diálogoAs questões apresentadas neste texto pretenderam pôr em questão os desafios que umcurrículo que toma o texto como unidade de ensino do gênero como objeto de ensino colocapara as práticas de ensino-aprendizagem da língua na escola. Quase uma década depois dapublicação dos PCN, temos incrementado a reflexão sobre o ensino de gêneros com um olharmais preciso (mas não definitivo) sobre o que significa uma proposta de trabalho centrada nogênero. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 59 . 59. Diferentes contextos socioculturais em que se ensina Português, pelo Brasil afora, têm-seintegrado, de modos os mais diversos, às discussões sobre o currículo de Português com baseno trabalho com gêneros. Algumas questões têm retornado e outras são propostas. Não seriapossível tratar de todas elas neste texto. Aponto para uma que me parece particularmentesignificativa, relativa ao lugar do livro didático em um currículo centrado no trabalho comgêneros. A conversa só está começando, o diálogo continua aberto.Para saber mais... algumas referênciasTextos teóricosBAKHTIN, M., VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemasfundamentais do método sociológico na ciência da linguagem [1929]. São Paulo: HUCITEC,1979.BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal [1952-3]. São Paulo:Martins Fontes, 2003.MAINGUENEAU, D. Análise de textos da comunicação. São Paulo: Cortez, 2004.MEURER, J. L., BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros – teorias, métodos,debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.ROJO, R. H. R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In:Meurer, J. L., Bonini, A. & Motta-Roth, D. (orgs.). Gêneros – teorias, métodos, debates. SãoPaulo: Parábola Editorial, 2005. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 60 . 60. Textos que tematizam o gênero como objeto de ensinoDe PIETRO, J.-F. & SCHNEUWLY, B. O modelo didático do gênero: um conceito daengenharia didática. In: Moara – Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras daUniversidade Federal do Pará, Belém, PA, n. 26, 2006.DOLZ, J., NOVERRAZ, M & SCHNEUWLY, B. Seqüências Didáticas para o Oral e aEscrita: Apresentação de um Procedimento. In: Roxane Rojo & Glaís Sales Cordeiro (orgs.).Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas. Mercado de Letras: 95-128. (Originalpublicado em Sexprimer en Français. Séquences Didactiques pour Loral et Lécrit. Bruxelas:Editions de Boeck, 2001/2004.GOMES-SANTOS, S. N. Recontando histórias na escola: gêneros discursivos e produção daescrita. São Paulo: Martins Fontes, 2003.GUIMARÃES, CORDEIRO, G. S., AZEVEDO, I. C. M. Realidades sociais diferentes egêneros textuais: duas experiências do contexto escolar brasileiro. Moara – Revista doPrograma de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará, Belém, PA, n. 26,2006.SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas: Mercado deLetras (Roxane Rojo & Glaís Sales Cordeiro, org. e trad.), 2004.ROJO, R. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão curriculare projetos. In: A Prática de Linguagem em Sala de Aula. Campinas: Mercado de Letras, 2000._____. ROJO, R. A Prática de Linguagem em Sala de Aula. Campinas: Mercado de Letras,2000. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 61 . 61. ROJO, R & CORDEIRO, G. S. Apresentação: gêneros orais e escritos como objetos deensino: modo de pensar, modo de fazer. In: Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas.Mercado de Letras: 95-128. (Original publicado em Sexprimer en Français. SéquencesDidactiques pour Loral et Lécrit. Bruxelas: Editions de Boeck, 2001/2004.) Notas: Professor da Universidade Federal do Pará. Doutor em Lingüística - Unicamp. Pós-doutor pela Universidade de Genebra, em colaboração com Bernard Schneuwly. Temas principais de pesquisa: práticas de ensino-aprendizagem de língua materna, processos de constituição da língua portuguesa como disciplina escolar, práticas de produção-recepção de gêneros textuais. 2 CHERVEL, A. La culture scolaire – une approche historique. Paris: Belin, 1998. 3 SOARES, M. Português na escola – história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (org.). Lingüística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 155-177. 4 As considerações sobre a noção de forma escolar são creditadas a Bernard Schneuwly, em conferência intitulada “Genres et forme scolaire: enseignement e apprentissage de la langue première à l’école”, durante a abertura da Jornada de Estudos “Corpus et Genres: apport des grands corpus pour la caracterisation des genres scolaires”, em 10/06/2006, na Université de Paris X, em Nanterre (FR). 5 Agradeço a João Wanderley Geraldi por me ter chamado a atenção para a importância desse aspecto. 6 Esse aspecto foi explicitado por Roxane Rojo, por ocasião da Mesa Redonda “Análise de gêneros hoje: contribuições para a compreensão dos gêneros como elementos constitutivos das práticas sociais”, no V Congresso Internacional da Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN), realizado no período de 28/02 a 03/03/2007, na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 62 . 62. PROGRAMA 4 COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS Leitura e Escrita: Produção de sentidosEstudo dos processos referenciais como um meio de (re)construir a coerência ematividades de compreensão e produção de textos Mônica Magalhães Cavalcante1 Vista como atividade sócio-interativa situada, a língua não é uma forma de representar a realidade. Assim, é na interação (seja com um texto ou um outro indivíduo) que emergem os sentidos numa espécie de ação coletiva, o que permite dizer que as relações que possibilitam a continuidade temática e a progressão referencial no texto, fazendo surgir coerência e coesividade, não são propriedades intrínsecas apenas. Coesão e coerência não se esgotam nas propriedades léxico-gramaticais imanentes à língua enquanto código, nem no texto enquanto artefato. Embora as relações léxico-gramaticais continuem cruciais, requerem-se, ainda, atividades lingüísticas, cognitivas e interacionais integradas e convergentes que permitam o acesso à construção de sentidos partilhados (...). Portanto, mais do que um simples instrumento de representação e comunicação, a língua é uma forma de ação e interação. É neste sentido que o texto pode ser visto como um sistema de construção do conhecimento ou um lugar de explicitação da experiência humana e não apenas um artefato lingüístico. (...) E será neste contexto que a questão central dos processos referenciais deverá ser analisada (Luiz Antonio Marcuschi).Uma explicação necessáriaOs sentidos de um texto, falado ou escrito, não se esgotam naquilo que ele explicita.Compreender ou produzir um texto envolve um processo de interação contínua entre oenunciador e os possíveis interlocutores que, por sua ação conjunta de criar e recriar sentido ereferência, podem ser chamados de co-enunciadores. Como bem afirmou Bakhtin ([1929] UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 63 . 63. 1972), essa interatividade é inerente à própria língua e constitui um princípio universal dedialogismo em todos os usos de fala e escrita. Nesse processo de construção e de reconstruçãoda coerência textual, os mecanismos de referenciação são essenciais. Cada vez que, por meiode expressões nominais e de pronomes substantivos, nós nos referimos a entidades presentesno universo do discurso, para nomeá-las ou redesigná-las, estamos nos valendo de processosreferenciais. Assim, nos exercícios de compreensão de texto e de redação, mesmo quando osmanuais de ensino não mencionam tais processos, ainda assim, estão fazendo uso deles.Compete, por isso, aos professores de Língua Portuguesa chamar a atenção dos alunos para omodo como, somente através de estratégias de referenciação, é possível ir recuperando asligações entre as entidades que aparecem num texto e que se relacionam a muitos de nossosconhecimentos de mundo. É dessa maneira que se compreende o que o enunciador de umtexto quis (ou não) revelar. E é dessa maneira que, quando elaboramos um texto, vamosguiando o co-enunciador, por processos referenciais, para o rumo que pretendemos alcançar,mas que ele alcançará a seu modo, conforme suas experiências e sua visão das coisas. Foipensando nisso que propusemos, aqui, algumas atividades de referenciação que poderão serúteis nas aulas de compreensão e produção de textos.Uma estratégia fundamental para se produzir ou para se compreender um texto é ir(re)construindo, gradativamente, as entidades a que se faz referência no universo do discurso.Essas entidades, que criamos e recriamos em nossas práticas sociais e comunicativas, quandoelaboramos ou quando entendemos um texto, são os chamados referentes, que se manifestamsob a forma de expressões referenciais, como nomes próprios, ou grupos nominais inteiros,ou pronomes pessoais e demonstrativos. Assim, no trecho abaixo, podemos identificar, dentreoutros, um conjunto de referentes, designados pelas expressões referenciais grifadas: (1) "O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. (...) Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa" (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 64 . 64. Quando interpretamos o exemplo acima, não podemos afirmar que os referentes de “aspessoas”, ou de “a vida”, ou ainda de “as coisas feitas e perfeitas” sejam exatamente osmesmos para todos os leitores, nem que correspondam às mesmas entidades idealizadas pelonarrador da obra. Com certeza, o que o enunciador concebe como “pessoas” só coincide emparte com o que cada leitor imagina serem as pessoas, porque cada um tem suas experiênciaspessoais, familiares e culturais. Do mesmo modo, quando o enunciador fala do que “a vida lheensinou”, o leitor não vai recuperar com precisão como era a “vida” a que ele se refere. Essacoincidência total entre o que um escritor cria e o que um leitor recria nunca existirá. Haverá,sim, muitos aspectos em comum nos sentidos e nas representações das entidades paraescritores e leitores, e é isso que basta para que se promova a (re)construção de um texto.Nem o significado das expressões referenciais, nem os próprios referentes pelos quaiscompreendemos o mundo têm total estabilidade num texto. Eles se encontram em constantetransformação, porque dependem do modo como os percebemos, do modo como nossa culturanos influencia a vê-los e a denominá-los, do modo como julgamos que nossos interlocutoresos encaram e até do modo como os textos, falados e escritos, guiam nosso olhar para eles.Ao ser introduzida num texto uma dada entidade, constrói-se para ela uma referência, que nãocomeça nem termina no momento em que a representamos por uma expressão referencial,mas que tem seqüência num processo amplo de referenciação, do qual participa não apenasquem enuncia o texto, mas também quem há de possivelmente interpretá-lo e reconstruí-lo.Os referentes criados no universo do discurso se relacionam uns com os outros de maneirasdiversas, o que produz uma espécie de continuidade referencial. Em termos técnicos, é o quese costuma tratar como anáfora. Um tipo muito comum de relação anafórica acontece quandoum mesmo referente é retomado totalmente dentro do texto, como se dá com “Mário Lago”,no exemplo (2). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 65 . 65. (2) Ai, que saudades de Lago Mário Lago morreu, ontem, no Rio de Janeiro. Os 90 anos de vida sucumbiram a um enfisema pulmonar, que já havia causado a internação do artista entre 15 de fevereiro e 12 de março. Mário Lago deixou um rasto de histórias na dramaturgia, boemia e até na política. "O que lhe dá prazer?" Mário Lago, então com 87 anos, respondeu à jornalista: "Viver. Eu digo sempre: meus pais, quando acabaram de me fazer, riam pra burro! Então eu tenho que justificar essa alegria, né? Viver é uma grande coisa...". Até que chegou aos 90 no dia 26 de novembro do ano passado. Viveu. "Eu nunca abri mão da minha condição de boêmio. Nem na militância política. Eu dizia: A minha tarefa está cumprida, então, agora, eu vou para o meu cabaré". Na verdade, Mário Lago queria mais um bocadinho de vida. "Tenho confiança de que vou até os 100", anunciou ao Jornal do Brasil (20/01/2002). Mas a queria lúcido. "O problema não é envelhecer, é encorocar... Não pode ficar velho coroca". Aqui e agora. "Não sou aquele velho que diz: Ah, no meu tempo. Meu tempo é hoje" (O Povo, 20/5/2002).O referente que é retomado tem recebido diferentes nomes nos estudos sobre o assunto, comoantecedente, gatilho, desencadeador e âncora. No exemplo acima, a âncora para osanafóricos “Mário Lago”, “o artista”, “lhe” e pronomes elípticos é a própria expressão “MárioLago”, que é retomada outras vezes no texto. Como o anafórico e sua âncora coincidem nestecaso, porque representam a mesma entidade, dizemos que eles são correferenciais.Mas existem outras espécies de anáfora que não são correferenciais: ocorrem quando umreferente não é diretamente retomado por inteiro, mas guarda com sua âncora (que, às vezes,pode nem ser um outro referente, mas uma pista qualquer do texto) algum tipo de associaçãono contexto de uso. Em (3), por exemplo, podemos considerar como anafóricas as expressõesreferenciais “a professora” e “o fundo da sala”, não porque expressem a mesma entidade, mas UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 66 . 66. pelo modo como se associam indiretamente com sua âncora “as crianças”, compondo umcenário de escola e de aula. (3) Todas as crianças haviam saído na fotografia, e a professora estava tentando persuadi-las a comprar uma cópia da foto do grupo. – Imaginem que bonito será quando vocês forem grandes e puderem dizer: “Ali está a Catarina, é advogada”, ou também: “Este é o Miguel. Agora é médico". Ouviu-se uma vozinha vinda do fundo da sala: – E ali está a professora. Já morreu. (Essas historinhas são verdadeiras – fonte: internet)Observe-se que, ao contrário do anafórico “a foto do grupo”, que retoma uma entidade jámencionada antes, no caso, “a fotografia”, as expressões referenciais destacadas em (3)remetem a referentes que nunca foram mencionados no texto; aparecem ali pela primeira vez,mas são formalmente manifestados como se já os conhecêssemos, porque o enunciador supõeque saibamos da relação que há entre eles e suas âncoras, de acordo com os hábitos de nossacomunidade cultural. A esse fenômeno, dá-se o nome de anáfora indireta, um dos principaismecanismos de articulação das idéias num texto.Não se empregam expressões referenciais simplesmente para dar continuidade a referentesque vão sendo introduzidos, nem apenas para dar coesão ao tecido textual, mas,principalmente, para fazer as referências irem progredindo aos poucos, a partir das indicaçõesdeixadas pelo texto, que vão ativando na memória dos interlocutores informações esentimentos diversos. A seleção das diferentes formas de expressão referencial, por isso,nunca é ingênua: atende sempre aos propósitos discursivos do enunciador em contextosparticulares de uso. Leia-se o texto seguinte: UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 67 . 67. (4) Tempo de desejar, tempo de pensar Amanhecer: o mais antigo sinal de vida sobre a Terra. Amanhecer: ainda o mais novo sinal de vida sobre a Terra. Amanhecer e vida humana se entrelaçam na mesma luz. Adia-se outra vez a instauração do amor, o advento da paz? Mesmo assim, mesmo em sonho outra vez se deseja a instauração do amor, o advento da paz. (Carlos Drummond de Andrade)Veja-se que, em (4), o referente de “amanhecer” vai ganhando novos contornos à medida quenovos predicados vão sendo atribuídos a ele, como “o mais antigo sinal de vida sobre aTerra”, e, em seguida, num aparente paradoxo, “ainda o mais novo sinal de vida sobre aTerra”, até chegar ao objetivo maior de compará-lo à instauração do amor e ao advento dapaz, que se renovam na vida humana. Podemos dizer, assim, que o referente vai sendorecategorizado, isto é, vai sendo transformado, e que essas modificações podem ou não serreveladas para o leitor pelas próprias expressões referenciais, como aconteceu com o“amanhecer” no texto acima.Por vezes, porém, uma recategorização de referente pode se verificar apenas implicitamente,e, nessa situação, compete ao receptor, como co-enunciador do texto, fazer as inferênciasnecessárias, que o enunciador espera que ele faça, para reconstruir a referência, a partir deoutras indicações contextuais. Isso acontece, por exemplo, com “álcool” na piada abaixo, quepassa de “bebida alcoólica”, na voz do médico, para “álcool etílico”, na voz do bêbado. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 68 . 68. (5) O médico tenta examinar o paciente, que está completamente embriagado. – O senhor toma muito álcool? – Não, doutor! Muito difícil... Só mesmo quando não tem uma cachacinha por perto (Piadas de bêbado – autor desconhecido).Aqui, o jogo referencial se efetiva a partir da associação entre as âncoras “médico” e“paciente” e o anafórico “muito álcool”, conduzindo o leitor a inferir que o médico estariaelaborando uma pergunta rotineira sobre o hábito de o paciente consumir bebida alcoólica.Ademais, a âncora “completamente embriagado” constitui um forte gatilho para disparar essainferência. A expectativa se quebra no instante em que o bêbado opõe “álcool” a “umacachacinha”, denunciando que estava se referindo ao outro tipo de álcool, ao qual costumavarecorrer quando se acabava sua cachacinha. É neste momento que se promove arecategorização do referente e se atinge o propósito humorístico da piada.Vale notar como gêneros dos discursos humorístico e literário lançam mão do artifício dasambigüidades ou das vaguezas referenciais para obter uma ampla variedade de efeitos desentido e de transformações. O texto abaixo, como veremos, não explicita para o leitor qual é,de fato, o referente do pronome “eles” nem dos pronomes elípticos que lhe sãocorreferenciais. Essa estratégia permite um raio maior de possibilidades referenciais efavorece a leitura de uma situação comum, com a qual o leitor se identifica, em que as pessoasse aproveitam de nossa passividade, de nosso costume de não reagir às invasões deprivacidade, às perdas de direito, às agressões em geral: (6) Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 69 . 69. entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada 2.Outros gêneros do discurso também se beneficiam do recurso à vagueza dos significados edas referências, especialmente certos anúncios publicitários, como encontramos abaixo: (7) * Nenhuma mulher quer um homem bom de pia. (Colchões Orthocrin) * Nossos clientes nunca voltaram para reclamar. (Outdoor de uma casa de serviços funerários) (Slogans maneiros – fonte: internet)Existe, ainda, uma maneira diferente de estabelecer relações anafóricas de modo indireto:consiste em usar uma expressão referencial para resumir trechos inteiros de um texto, comono caso seguinte: (8) Texto do Bial para Bussunda Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos. Parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada. Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena. Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o que a morte causa em todos os que ficam. A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta. Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente? Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer. A troco? (...) Que pegadinha macabra: você sai UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 70 . 70. sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã. Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério? (...) Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça (Pedro Bial).Os anafóricos grifados no exemplo resumem, ou melhor, encapsulam os conteúdos deextensão variada a que fazem remissão. Diferentemente dos casos anteriormente analisados,aqui a âncora não é mais uma entidade pontualmente localizável, mas declarações inteiras queo anafórico encapsula numa única expressão referencial. Chamamos esses casos de anáforaencapsuladora, uma estratégia muito eficiente para sintetizar o que vem sendo dito no texto e,ao mesmo tempo, para organizar o que vai ser comentado em seguida. Trata-se de umexcelente recurso argumentativo, muito eficaz na expressão dos pontos de vista que oenunciador deseja revelar, como ocorre com o emprego de “pegadinha macabra” no exemploacima.Explorar o uso de expressões referenciais nas aulas de compreensão e produção de textos éfundamental para levar o aluno a reconstruir a coerência textual, avaliando como os referentesse mantêm e como evoluem no discurso. Um texto é uma entidade abstrata, um espaço emque se articulam relações entre o que é dito e um conjunto de informações socioculturais. Nasligações de sentido e de referência que compõem um texto, os conteúdos dados dão apoio àintrodução do novo. Cabe ao professor conduzir o aluno a conseguir lidar com os processosreferenciais, de modo a alcançar as relações entre o que está explícito no texto e o que só seobtém de maneira implícita, por inferência. Sugerimos, a seguir, algumas atividades quepodem ser úteis nas aulas de Língua Portuguesa. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 71 . 71. Faça com seus alunosUm dos exercícios básicos de compreensão leitora é solicitar aos alunos que identifiquem aque se referem as expressões anafóricas sublinhadas num texto (ou seja, qual a âncora delas).Os textos, evidentemente, devem ser adaptados a cada nível de ensino.Atividade 1: Algumas das expressões anafóricas sublinhadas no texto abaixo remetem aâncoras que podem ser precisamente reconhecíveis no próprio texto; outras podem ter mais deuma âncora e outras podem encapsular porções textuais. Diga a que se referem essas anáforasgrifadas. As meninas-dos-olhos A luteína e a zeaxantina são as novas promessas na prevenção e no tratamento da degeneração macular. Todo mundo já ouviu dizer que cenoura faz bem para a vista. Isso porque ela é a principal fonte de betacaroteno, um precursor da vitamina A, cujos poderes antioxidantes são conhecidos desde a década de 80. Pois bem, a substância perdeu o posto de menina-dos-olhos (com perdão do trocadilho) dos oftalmologistas para outros dois nutrientes – a luteína e a zeaxantina. Os últimos estudos indicam que elas, sim, são as principais aliadas na prevenção e no tratamento da degeneração macular. Com 3 milhões de vítimas no Brasil, a doença é a principal causa de cegueira de pessoas com mais de 60 anos. As propriedades das duas substâncias vieram à tona graças à descoberta de que elas estão presentes em quantidades abundantes numa das estruturas mais nobres dos olhos – a mácula, situada no centro da retina e responsável pela visão central. Constatou-se também que, nos pacientes com degeneração macular, a concentração de luteína e zeaxantina é bastante reduzida. Com isso, abriu-se uma nova linha de pesquisa para o controle da doença, a que investiga os efeitos da suplementação. Os resultados até agora são animadores. Doses extras dos nutrientes evitam a evolução do mal, UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 72 . 72. preservando a visão de doentes em estágio inicial. A luteína e a zeaxantina funcionam como uma espécie de óculos de sol naturais, protegendo a mácula dos raios mais nocivos. Além disso, como o betacaroteno, são antioxidantes, que preservam a saúde das células maculares. (...) (Veja, 07/02/2007)Comente com seus alunos sobre como, muitas vezes, rebatizamos algumas expressõesreferenciais do texto, ou para não abusar das repetições, que comprometem o estilo, ou paraacrescentar novos significados e valores que ajudam a explicitar nossos pontos de vista. Vocêpode elaborar uma atividade de compreensão e outra de produção para trabalhar a substituiçãode expressões referenciais, como as seguintes.Atividade 2: Discuta com os alunos as razões pelas quais, na reportagem abaixo, asexpressões referenciais foram recategorizadas. O objetivo, aqui, é mostrar como o emprego deexpressões que transformam o referente pode orientar a argumentação para o fim desejado.Peça-lhes que respondam às seguintes questões:a) Quais os meios de pesca da lagosta mencionados no texto?b) Esses meios são designados ora como “esses apetrechos”, ora como “equipamento depesca”, ora como “apetrechos que servem à pesca predatória”. Mas é a recategorização “amais nova e ameaçadora estratégia para a captura da lagosta” que mais apóia o ponto de vistadefendido no texto. Que ponto de vista é esse? Alerte para o fato de que, ao empregar talexpressão, ao mesmo tempo, todas as outras estratégias de captura são recategorizadastambém como ameaçadoras. Do jereré à marambaia – pelo fim da pesca predatória No começo, era o jereré, que se assemelha a uma rede de caçar borboletas. Depois, a rede caçoeira, que foi da pesca porque captura espécimes de qualquer UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 73 . 73. tamanho e destrói o hábitat das lagostas ao arrastar o que encontra no fundo do mar, mas acabou sendo reintroduzida, desde 1995. Além da rede caçoeira, difundiu-se a atividade de mergulho com uso de compressor de ar, apesar de ilegal. Agora, a mais nova e ameaçadora estratégia para a captura da lagosta é a marambaia, utilizada como recife artificial, também clandestinamente. Todos, meios ou apetrechos que servem à pesca predatória. É praticamente consenso entre os interessados no fim da crise da lagosta que o único equipamento de pesca seja o manzuá. Mas o diretor da federação dos pescadores, José Carlos dos Santos, observa que até mesmo esse apetrecho pode ser usado como predador. “A questão é o tamanho da malha usada no manzuá”. Como o esforço de pesca só cresce, os apetrechos vão sendo substituídos por outros com maior capacidade de captura das lagostas. “Estão pegando as crianças e matando”, alerta José Carlos, referindo-se aos indivíduos juvenis. No mesmo tom de apelo, como se falasse de pessoas, o pescador aposentado Zé de Nana questiona: “Mata-se o pai, a mãe, o filho. O que vai ficar mais?” (Revista Universidade Pública – outubro de 2006).Como vimos, os sentidos e as referências não estão congelados dentro de um texto: elesapenas são ativados e guiados pelos indícios contextuais, a partir dos quais os enunciadores eco-enunciadores constroem a referência em suas mentes.Atividade 3: Pergunte a seus alunos que conhecimentos culturais foram ativados pelopersonagem do texto abaixo para mencionar a expressão referencial “a etiqueta” nessecontexto. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 74 . 74. Um menino de três anos foi com seu pai ver uma ninhada de gatinhos que haviam acabado de nascer. De volta a casa, contou com excitação para sua mãe que havia gatinhos e gatinhas. – Como você soube disso? - perguntou a mãe. – Papai os levantou e olhou por baixo – respondeu o menino. Acho que ali estava a etiqueta. (Essas historinhas são verdadeiras – fonte: internet)Além de tarefas de compreensão de texto, também exercícios de escrita explorando processosreferenciais podem ser muito úteis em aulas de redação. A atividade sugerida a seguir podeser realizada com produções dos próprios alunos, exibidas em transparência, por exemplo,para que a turma, em conjunto, discuta algumas possibilidades de substituição (os alunos nãodevem preocupar-se em tirar todas as repetições, pois, em algumas situações, elas podem seradequadas).Atividade 4: A notícia a seguir foi adaptada para esta tarefa. As expressões referenciais quedesignam quem cometeu o crime foram propositalmente repetidas por meio do pronome“ele”. Você deve, primeiro, chamar a atenção para os problemas que são gerados a partir domau uso das expressões referenciais. Dependendo do nível da turma, algumas sugestões desubstituição podem ser fornecidas, como “o acusado”, “o assassino”, “o vigia” etc. Éimportante também discutir que outras recategorizações não seriam adequadas e por quê. TRAGÉDIA O vigilante Antônio dos Santos, 36, assassinou a mulher, a filha de 16 anos e um vizinho em Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza. Antes, ele teria violentado uma mulher de 20 anos e tentado estuprar uma criança de 11. Ele, segundo a polícia, desconfiava que a esposa o traía com o vizinho. Após o crime, ele teria tentado se matar disparando um tiro no ouvido. Ele se encontra internado no Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza, e não corre risco de morte. O delegado de Horizonte informou que ele será acusado em flagrante por crimes de homicídio, estupro e tentativa de estupro. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 75 . 75. As tarefas propostas a seguir têm o propósito de salientar a importância de certos empregosreferenciais vagos ou ambíguos para a obtenção de sentidos inusitados em gêneros literários,humorísticos e publicitários.Atividade 6: Nem sempre a ambigüidade atrapalha a captação dos sentidos de um discurso,pois pode se prestar à construção do humor. Solicite aos alunos que explicitem o duplosentido das expressões “uma ‘mudinha’”, “um extrato” e “um homem mais maduro”. Logoapós, comente como a âncora “o fim da picada” se recategoriza a partir do momento em que oanafórico “o pernilongo” vai embora. TROCADILHOS Por que a plantinha não fala? R: Porque ela ainda é uma "mudinha". O que o tomate foi fazer no banco? R: Tirar um extrato. Por que a mulher do Hulk largou dele? R: Porque ela queria um homem mais maduro. Qual o fim da picada? R: Quando o pernilongo vai embora.Atividade 7: Neste exercício, assim como no anterior, você deve salientar o modo criativocomo a referência é construída, o que não acontece somente com as piadas e com os poemas.Pergunte aos alunos qual o ponto de vista que o anúncio abaixo tenta incutir na mente dosleitores, chamando atenção para o modo como o referente é designado nesta situação: “umbumbum seco”. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 76 . 76. * Dê ao seu bebê algo que você não teve na infância. Um bumbum seco.(Fraldas Johnsons) (Slogans maneiros – fonte: internet)Atividade 8: Agora, você pode mostrar como a vagueza pode favorecer a reconstrução dereferentes distintos num texto literário, e a importância que isso tem para esse tipo dediscurso. Peça que identifiquem a que se referem as expressões grifadas e discuta todas aspossibilidades com os alunos. Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é sombra De árvores alheias. A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-próprios. Suave é viver só. Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses. Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 77 . 77. Está além dos deuses. Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração. Os deuses são deuses Porque não se pensam. (REIS, Ricardo. In: PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981. p. 204.)Sugestões de leitura para os professores APOTHÉLOZ, D.; CHANET, C. Défini et démonstratif dans les nominalisations. In: De MULDER & VETTERS, C. (eds.). Relations anaphoriques et (in)cohérence. Amsterdan: Rodopi, 1997. p. 159-86. APOTHÉLOZ, Denis; REICHLER-BÉGUELIN, Marie-José. Construction de la référence et stratégies de désignation. In: BERRENDONNER, Alain e REICHLER-BÉGUELIN, Marie-José (eds.) Du syntagme nominal aux objets- de-discours. TRANEL, n. 23, p.227-71, 1995. BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou A fabricação da realidade. São Paulo: Cultrix, 1983. KLEIBER, Georges. Lanaphore associative. 1 ed. Paris: PUF, 2001. KOCH, Ingedore G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. _____. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Atos de referenciação na interação face-a-face. Conferência apresentada por ocasião do II Congresso Internacional da ABRALIN. Fortaleza, março de 2001. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 78 . 78. Notas: Doutora em Lingüística, com pós-doutorado na área de Referenciação. Professora daUniversidade Federal do Ceará.2 Nota da edição: O texto, que aparece na Internet como se fosse de autor desconhecido, é umfragmento do poema "No Caminho, com Maiakóvski" e foi escrito nos anos 60 pelo poetafluminense Eduardo Alves da Costa. Este mesmo fragmento também já circulou bastante emfolhetos e camisetas tendo sido creditado, anteriormente, ao poeta russo Vladimir Maiakóvskie a Bertold Brecht. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 79 . 79. PROGRAMA 5 A GRAMÁTICA NA ESCOLA Língua Portuguesa: o ensino de gramática Luiz Carlos Travaglia11. IntroduçãoPara falarmos do ensino de gramática, é preciso lembrar antes que toda metodologia éresultado de uma série de opções que o professor faz, individualmente ou no contexto escolar.Estas opções configuram aquilo em que o professor acredita e, portanto, são elas que acabamdando forma às atividades de ensino/aprendizagem em sala de aula. Desse modo, uma realmudança de postura metodológica do professor só acontecerá se as opções e crenças que oguiam no ensino-aprendizagem mudarem. Por esta razão, julgamos pertinente falar, mesmoque sucintamente, de algumas opções que dão forma à proposta para o ensino de gramáticaque apresentamos a seguir2.1.1. O que é gramáticaO termo gramática pode ser usado com mais de um valor, por isto, para falar de ensino degramática, é importante saber o que se entende por gramática.Há três concepções básicas e importantes de gramática:a) Gramática é o próprio mecanismo da língua presente nas mentes das pessoas e que lhespermite utilizar a língua tanto para dizer (falando ou escrevendo), quanto para compreender oque é dito (ouvindo ou lendo). É o que se chama de gramática internalizada. Esta é o saberlingüístico que um falante adquiriu, tendo em vista suas capacidades e o meio em que cresceu.Quando o aluno chega à escola, ele já sabe esta gramática, pelo menos o mecanismo dasvariedades lingüísticas com que ele teve contato no meio em que viveu (dialetos regional e UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 80 . 80. social e registros de grau de formalismo e cortesia usados, essencialmente, por sua família eamigos) e a utiliza, quase sempre, sem problemas, sendo um falante competente dessasvariedades do Português;b) O segundo modo de conceber a gramática é o que se chama de gramática descritiva. Estagramática resulta do trabalho dos lingüistas ou estudiosos da língua que buscam dizer como éo mecanismo da língua de que falamos em a, ou seja, como a língua é constituída (quais sãosuas unidades, categorias, construções) e como ela funciona. Ao fazer isto, eles consideram asvariedades lingüísticas (dialetos, registros e modalidades: língua oral e escrita), registrandoque elas podem ter e têm gramáticas diferentes, mas com muita coisa igual e semelhante entresi. A gramática descritiva é consubstanciada em uma metalinguagem com uma nomenclaturaprópria, que compõe um conhecimento teórico sobre a língua. Ter esse conhecimento é sabersobre a língua, o que é diferente de conhecer a língua, que é saber usá-la, mesmo que não sesaiba dizer nada sobre ela;c) Finalmente temos a gramática normativa. Esta é constituída por regras que a sociedadeestabeleceu para o uso da língua. Por muito tempo a gramática normativa foi baseadaexclusivamente na variedade da língua que chamamos de “culta e padrão”. Esta variedade foieleita pela sociedade como sendo a melhor forma da língua não por critérios lingüísticos, mas,sobretudo, por um critério elitista, porque era o modo como os grupos sociais de maiorprestígio (político, econômico e cultural) usavam a língua. Além desse critério, outros foramutilizados para estabelecer o que pertence ou não a esta variedade chamada de culta e,portanto, o que deve ou não ser usado nesta variedade da língua. Estes outros critérios sãoessencialmente:a) Lógicos, baseados na estruturação do pensamento a partir da concepção de língua comoforma de expressão do pensamento. Este critério recomenda, por exemplo, usar a preposição“a” com verbos de movimento e não a preposição “em”, porque esta indica localização: “Vouà cidade” e não “Vou na cidade”; UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 81 . 81. b) Políticos, como o nacionalismo, que recomenda que não se usem estrangeirismos, ou seja,palavras e construções de outras línguas;c) Comunicacionais, pelos quais se recomenda a clareza, a precisão, a concisão da linguageme se condenam como defeitos o hermetismo e a dubiedade, a imprecisão e a prolixidade;d) Históricos, que recomendam ou não o uso de determinados modos de dizer meramente portradição, como exigir que se use o verbo “assistir” (com o sentido de presenciar) com apreposição “a” (João assistiu ao show), quando a lingüística já mostrou que este é um fato emque está ocorrendo mudança e se encontra em variação na língua e, portanto, ocorrem os doismodos de dizer. Este critério é altamente problemático, pois ele se aplica a alguns fatos e nãoa outros (por exemplo: ninguém exige que hoje se fale “asinha” em vez de “depressa”, porqueantigamente era assim);e) Estéticos pelos quais se recomenda fugir a tudo o que enfeie a língua (como pleonasmosviciosos, ecos, cacofonias) e se use o que a torne mais bela (eufonia, figuras de linguagem,harmonia).Antigamente, a gramática normativa era constituída por uma série de recomendações do queusar e de proibições de uso de outros elementos da língua. O que se podia usar era o queestava de acordo com a norma culta e era “certo” e o que não se podia usar era o que nãoestava de acordo com a norma culta e era “errado”. Hoje a gramática normativa é mais umaatitude de despertar uma consciência de que a língua apresenta muitas variedades e que,devido a regras sociais, é mais adequado ou menos adequado usar a língua de um modo ou deoutro, conforme a situação de interação em que estamos. A gramática normativa, hoje, é, pois,o conhecimento social de uma “etiqueta” de como se deve usar a língua, semelhante a outrasetiquetas sociais, como, por exemplo, as regras que nos dizem que roupa é mais ou menosapropriada ou recomendada para certas ocasiões (por exemplo: um professor – que não sejade natação – não vai dar aula de calção de banho). Do mesmo modo, a sociedade estabeleceutambém certas regras para o uso da língua: quando podemos ou não dizer palavrões, porexemplo. Assim sendo, a gramática normativa é vista, atualmente, mais como um conjunto de UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 82 . 82. normas sociais para o uso das diferentes variedades da língua. O conceito de certo e errado foisubstituído por outro: o de adequado e não adequado. Temos que ensinar a norma culta epadrão aos alunos, explicitando como ela é (em oposição às variedades não cultas) e quandodeve ser usada, mas não dizer para o aluno que o outro modo de dizer (que é permitido pelalíngua) nunca pode ser usado. A adequação que a competência comunicativa deve considerar,na escolha dos recursos da língua para compor os textos, é tanto da variedade lingüística àsituação de interação, quanto dos recursos lingüísticos escolhidos para a produção do efeito desentido que se pretende em função do objetivo que se tem (o que podemos chamar deadequação comunicacional).Como quase toda a produção cultural de nossa sociedade é registrada e veiculada na varianteconsiderada “culta e padrão”, o seu domínio é importante para se acessar com mais facilidadetoda essa produção. Cabe à escola ensinar a variedade chamada “Português padrão e/ouculto”, tendo cuidado para não impor essa variante como modelo único de uso da língua nafala e na escrita, mas sim como uma variedade importante em nossa sociedade e que devemosusar em dadas circunstâncias que devemos indicar aos alunos.É importante lembrar que a língua apresenta variedades de três tipos: 1) dialetos: de região,de classe social, de sexo, histórico, de idade e de função; 2) modalidades: língua oral e línguaescrita; 3) registros nas seguintes dimensões: A) grau de formalismo (que vai do mais formalao coloquial); B) sintonia com várias dimensões: a) status; b) tecnicidade; c) cortesia; d)norma3.1.2. Concepção de linguagemQuando trabalhamos na escola com a língua, a concepção que temos de linguagem e,portanto, da língua, afeta fundamentalmente nosso modo de agir em sala de aula. Podemosconceber a linguagem de três modos: a) como expressão do pensamento; b) como códigoobjetivo de comunicação, pelo qual transmitimos informações aos outros; c) como forma deinteração. Tudo o que sugerimos neste texto para o ensino de gramática baseia-se naconcepção de linguagem como forma de interação. Isto é, quando dizemos alguma coisa, UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 83 . 83. agimos na sociedade para alcançar os objetivos que temos. Dizer é agir. Mas, como sempreagimos sobre outro(s) e ele(s) reage(m), a ação, então, se dá entre interlocutores usuários dalíngua, por isto temos interação.A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produçãode efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em umcontexto sócio-histórico e ideológico.1.3. Objetivos de ensino de Língua PortuguesaEm nossas aulas de Português para falantes da língua, podemos agir com objetivos diferentes.Basicamente podemos: A) ensinar sobre a língua, formando pessoas que são capazes deanalisar a língua, analistas da língua que têm conhecimento teórico sobre a mesma; B)ensinar a língua, formando usuários competentes da língua, isto é, pessoas que sabem usar alíngua em diferentes variedades da mesma, de modo adequado a cada situação de interaçãocomunicativa. Isto inclui saber usar a variedade escrita e a variedade culta, padrão, mas nãosó.Nossa proposta é que a formação de usuários competentes da língua é o objetivo prioritáriodo ensino de língua materna, embora não o único. Como nos comunicamos por textos emsituações concretas e específicas de interação comunicativa (e para que haja comunicação ostextos devem produzir efeitos de sentido perceptíveis), entende-se que um usuário da línguatem competência comunicativa quando é capaz de usar os diferentes recursos da língua deforma adequada à produção e à compreensão de textos, que produzam os efeitos de sentidopretendidos para a consecução dos objetivos desse usuário da língua em situações concretas eespecíficas de interação comunicativa.O que se pretende prioritariamente, portanto, é desenvolver a competência comunicativa doaluno, ou seja, “fazer com que ele seja capaz de usar cada vez um maior número de recursosda língua, de forma a produzir os efeitos de sentido desejados de forma adequada a cada UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 84 . 84. situação de interação comunicativa em que esteja inserido” (TRAVAGLIA, 2004), paraalcançar seus objetivos.Para chegar ao domínio das diferentes variedades lingüísticas, a estratégia básica efundamental é possibilitar o contato com essas variedades e seu uso pelo aluno. É importantetambém que ele conviva com os mais diversos tipos, gêneros e espécies de textos4 paradescobrir a função e a especificidade de cada um.Os recursos lingüísticos funcionam como pistas e instruções de sentido, para transmitirelementos de significação. Estes, no todo e na relação com outros fatores, constituem osentido que o produtor do texto espera que seja percebido pelo recebedor em sua atividadepara compreender o texto. Se os recursos da língua são pistas e instruções de sentido, aotrabalhar com o ensino de gramática, adotamos, sobretudo, a concepção pedagógica de queno ensino, para o desenvolvimento da competência comunicativa, a gramática deve ser vistacomo um estudo das condições lingüísticas da significação.1.4. Organização do ensino5Geralmente, as atividades de ensino/aprendizagem de língua materna costumam ser divididase organizadas em cinco grandes blocos:1- Vocabulário;2- Gramática;3- Produção de textos;4- Compreensão de textos;5- Ensino de recursos e convenções da língua escrita, incluindo ortografia e pontuação. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 85 . 85. Essa divisão em blocos das atividades de ensino/aprendizagem de língua é mais uma questãode facilidade de organização didático-pedagógica, porque, na verdade, todos os elementos dalíngua atuam em conjunto na constituição e funcionamento dos textos e fazem parte dagramática da língua, entendida como o mecanismo que permite que nos comuniquemos pormeio dessa forma de linguagem que é a língua. Assim, o léxico (exercícios de vocabulário),bem como os tipos de textos e suas estruturas e características próprias, a significação dosdiversos tipos de recursos da língua e de cada recurso especificamente fazem parte dagramática da língua. A gramática da língua inclui: a) todos os recursos que a constituem emtodos os planos (fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático) e níveis (lexical,frasal, textual) e b) todas as regras, princípios e estratégias que tais recursos atendem aocompor textos para funcionar na comunicação, criando efeitos de sentido. Portanto, deve-seentender essa divisão apenas como um artifício para organizar o estudo da língua e o trabalhocorrespondente em sala de aula.As atividades de ensino de gramática podem ser organizadas a partir de dois pilares básicos6:a) os recursos da língua; b) as instruções de sentido. No caso dos recursos da língua podemospartir: a) de um recurso específico (cf. o exemplo 13) ou b) de um dado tipo de recurso — cf.exemplos 12 (adjetivos e locuções adjetivas), 14 (colocação de palavras e elocução), 16(pronomes possessivos) e 18 (preposições) — e trabalhar verificando que efeitos de sentidoeles são capazes de produzir em textos diversos. No caso das instruções de sentido, partimosde um valor e buscamos todos os recursos da língua que podem exprimir a instrução desentido em questão, estabelecendo diferenças entre eles. Exemplos de instruções de sentidocom que podemos trabalhar são: comparação, quantidade, as modalidades (como a certeza e aincerteza — cf. exemplo 17— obrigação, possibilidade, probabilidade, necessidade, ordem,volição), causa e conseqüência, alternativa, adição, oposição, tempo, lugar, modo, etc.Mais de uma vez falamos em recursos da língua. São recursos da língua:a) Todas as suas unidades, no plano fonético-fonológico (sons, fonemas, sílabas);morfológico (morfemas: raízes e radicais, também chamados de lexemas; sufixos, prefixos,flexões: mudanças de forma para indicar categorias gramaticais); lexical (palavras); sintático UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 86 . 86. (sintagmas, orações, frases, períodos simples ou compostos); semântico (semas = traços designificado de uma palavra, campos semânticos); textual (os textos e suas diferentescategorias: tipos, gêneros e espécies7);b) Todas as formas de construção (ordem direta ou inversa, a ordem em geral, coordenação,subordinação, repetições, concordância, etc.);c) As categorias gramaticais: gênero, número, pessoa, tempo, modalidade, voz, aspecto;d) Recursos supra-segmentais, tais como entonações, pausas, altura de voz, ritmo;e) Outros.2. Ensino de gramáticaComo vimos, uma vez que nosso objetivo prioritário é o desenvolvimento da competênciacomunicativa, a gramática, pedagogicamente, será essencialmente o estudo das condiçõeslingüísticas da significação, o que vai orientar a escolha dos recursos da língua em função doefeito de sentido que se quer produzir e de acordo com a situação de interação comunicativa.Por exemplo: Se tenho sede, e quero conseguir água numa dada situação (por exemplo, umprofessor dando um curso em uma escola para colegas até então desconhecidos), posso usarum dos textos de (1), mas qual ou quais será(ão) mais ou menos adequado(s)? Na situaçãodada, certamente o texto (1a) seria inadequado (embora dito em norma culta), porque trariaefeitos de grosseria por parte do falante. O texto (1e) seria mais adequado, por exemplo, parainstruções escritas passadas pelo organizador de uma atividade de caminhada ou trilha.Certamente um dos outros três seria mais adequado para a situação dada acima e a escolhadependeria de outros fatores, inclusive o grau de cortesia. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 87 . 87. (1) a) Fulano, vai buscar um copo de água para mim, anda! (com entonação de ordemperemptória)b) Estou com a boca seca.c) Fulano, seria muito difícil me arrumar um copo de água? (com entonação de pedido gentil)d) Por favor, alguém podia me arrumar um pouco de água para beber? (com entonação depedido gentil)e) Trazer uma garrafa de água para a caminhada.A gramática da língua é uma só: é o mecanismo lingüístico que permite ao usuário da línguafalar, escrever, ouvir e ler, comunicando-se por meio de textos lingüisticamente compostos.Sugerimos em Travaglia (1996), como modo de abordar esse mecanismo e desenvolver acompetência comunicativa dos alunos, quatro tipos de atividades de ensino de gramática quechamamos de:a) gramática teórica;b) gramática de uso;c) gramática reflexiva;d) gramática normativa.Estes tipos de atividade não precisam ser usados sempre separadamente, às vezes, paraabordar um dado tópico, podemos lançar mão ao mesmo tempo de mais de um tipo deatividade. É o caso, por exemplo, do que pode ser feito ao estudar a correspondência entreoração adjetiva e adjetivo (Cf. atividades 10 e 12 mais adiante). Uma atividade pode ser aomesmo tempo de mais de um tipo, como as atividades (15) e (16), que são simultaneamentereflexivas e de uso. Na atividade do exemplo (21), trabalha-se com a normativa, em seguidacom a teórica e, finalmente, com a de uso.2.1. Gramática teóricaRealizamos atividades de gramática teórica quando ensinamos e cobramos do aluno ametalinguagem com a nomenclatura própria da gramática descritiva a que nos referimos no UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 88 . 88. item 1.1. Ensinamos classificação de unidades e outros recursos da língua, regras defuncionamento e, depois, pedimos aos alunos que façam classificações e explicações deelementos da língua que apresentamos. Assim são atividades de gramática teórica aquelascom instruções como as que registramos de (2) a (7) e todas aquelas que, de um modo ououtro, cobrem conhecimento lingüístico sobre a língua, conhecimento teórico presente nagramática descritiva. Uma atividade como a de (8) já é uma atividade de gramática de uso,mas exige um conhecimento teórico prévio.2) Classifique as palavras sublinhadas no texto (ou nas frases) abaixo.(3) Sublinhe os pronomes pessoais usados no trecho acima.(4) Justifique a concordância do verbo com o sujeito nas frases abaixo.(5) Diga o grau em que está o adjetivo sublinhado na frase abaixo.(6) Qual das orações sublinhadas abaixo é subordinada adverbial causal.(7) Relacione as duas colunas, usando a seguinte legenda: a) prefixo; b) sufixo.(8) Complete as frases abaixo usando a forma do modo indicativo do verbo indicada entreparênteses (presente, pretéritos imperfeito, perfeito ou mais-que-perfeito, futuro do presenteou futuro do pretérito).Nossa sugestão é que o ensino teórico, que muito comumente predomina nas aulas dePortuguês, deve ceder espaço para os outros tipos de atividade, ocupando um mínimo dotempo disponível. Quando se trabalha com o ensino teórico, sugerimos8 que ele deve terobjetivos, tais como: a) facilitar, no ensino, a referência a elementos da língua, mas não deveser cobrado dos alunos, sobretudo no Ensino Fundamental e em especial em suas sériesiniciais (1ª a 4ª ); portanto, ser um instrumento de mediação e não um fim em si; b) ser objetode uma cultura científica necessária na vida moderna; c) ser usado como um instrumento paraensinar a pensar (objetivo geral da educação e não um objetivo de ensino de língua).2.2. Gramática de usoO próprio nome desse tipo de atividade já diz o que ela é. Temos uma atividade de gramáticade uso, quando o aluno é levado a usar recursos e regras da língua. Assim, são atividades de UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 89 . 89. gramática de uso: a) todos os exercícios estruturais9 (veja exemplos 9 e 10); b) exercícios decompletar lacuna; c) todos os exercícios de vocabulário em que o aluno deve construir frasesou textos, usando determinadas palavras; d) todos os exercícios de construção de frases outextos com determinados recursos da língua (por exemplo: uma dada classe de palavras, umtipo de construção, uma figura de linguagem, etc.); e) atividades com variedades lingüísticas(como passar de uma para outra ou, dada uma situação, identificar e usar a variedade esperadae adequada; veja o exemplo 11, em que se trabalha com o registro de sintonia na dimensão dacortesia); f) todas as atividades de produção e compreensão de texto, porque nestas atividadeso falante usa os recursos, regras e demais elementos da língua, que tem internalizados, paraconstruir ou para compreender o texto.(9) Exercício de transformação, que leva ao uso do pronome pelo nome, evidenciando aequivalência entre os dois.Modelo: P- Meu colega desenhou seu cachorro.A- Meu colega o desenhou.P- Meu colega desenhou seu cachorro.A- Meu colega o desenhou.P- Eu desenhei meus brinquedos.A- Eu os desenhei.P- Minha irmã arrumou a cozinha.A- Minha irmã a arrumou.P- Eu arrumei minhas roupas.A- Eu as arrumei.P- José comprou os ingredientes.A- José os comprou.P- Antônio comprou o carro de Pedro.A- Antônio o comprou. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 90 . 90. (10) Exercício de transformação, que leva à percepção da equivalência entre adjetivos eorações adjetivas e o uso de um pelo outro (ver o comentário em gramática reflexiva).Modelo: P- O aluno que estuda é aprovado.A- O aluno estudioso é aprovado.P- O aluno que estuda é aprovado.A- O aluno estudioso é aprovado.P- Um homem que trabalha é bem visto por todos.A- Um homem trabalhador é bem visto por todos.P- As empresas que competem ganham muito dinheiro.A- As empresas competitivas ganham muito dinheiro.(11) Diga de maneira mais educada, gentil, cortês:a) Passe-me o arroz!Os alunos poderiam responder:A1- Por favor, passe-me o arroz!A2- Por favor, poderia me passar o arroz!A3- Você quer me passar o arroz, por favor?A4- Por favor, você me passaria o arroz?A5- Tenha a bondade de me passar o arroz.b) Saí da frente, sô!c) Anda logo, sua pamonha!2.3. Gramática reflexivaAs atividades de gramática reflexiva ocorrem quando perguntamos:a) O que significa? UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 91 . 91. b) Quais seriam as alternativas de recursos lingüísticos a serem utilizados? Se trocarmos orecurso ou elemento da língua escolhido e usado, muda o sentido?c) Em que situação pode e/ou deve ser usado determinado recurso ou elemento da língua ecom que fim, produzindo que efeito de sentido?d) Se mudarmos a situação o sentido muda? Ou seja, comparar os efeitos de sentido que umrecurso ou diferentes recursos podem produzir em diferentes situações de interaçãocomunicativa.Portanto, as atividades de gramática reflexiva se ocupam, sobretudo, com a forma de atuar emsociedade usando a língua, o que se faz graças aos efeitos de sentido que se pode produzircom os textos compostos para tal atuação social, e não se preocupam com a nomenclatura(metalinguagem) usada na classificação dos elementos lingüísticos.Observe-se que as atividades de gramática reflexiva, por discutirem o efeito de sentido, asescolhas de recursos da língua em função do efeito de sentido, do objetivo e da situação são,além de uma aula de gramática, também uma aula de produção de texto e de compreensão detexto e, freqüentemente, também de léxico. Este fato faz com que estas atividades sejam umfator de integração das diferentes áreas em que o ensino/aprendizagem de língua geralmente édividido.Vejamos alguns exemplos.No exercício (10) o professor pode perguntar ao aluno se os textos com a oração adjetivasignificam a mesma coisa que os textos com o adjetivo correspondente e, se não, qual adiferença de sentido. A resposta é que não têm o mesmo sentido. Com o adjetivo parece quese tem uma qualidade intrínseca da pessoa, algo que é permanente e que, muitas vezes, ela fazcom prazer. Assim “aluno estudioso” é aquele que sempre estuda, gosta de estudar, faz partede seu modo de ser estudar muito e sempre. Já “aluno que estuda” é aquele que estuda, mas UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 92 . 92. estudar não é uma característica intrínseca do aluno, significa que ele estuda para determinadofim, mas nem sempre o faz com prazer. O mesmo tipo de diferença se nota nos demais textosdo exercício (10). Todavia nem sempre esta diferença ocorre, sobretudo quando a oraçãoadjetiva é uma espécie de definição do sentido do adjetivo, como no caso em (12).(12) a- Os leões são animais carnívoros.b- Os leões são animais que comem carne.No exercício (13), trabalha-se com as várias funções e valores que um recurso da língua (nocaso a palavra “como”) pode exercer e ter em diferentes textos.(13) 10 “BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA, como membro da livre imprensa que é, tentafixar tão-somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e quotidiana desses novosmestiços nacionais e nacionalistas.”No trecho acima do texto “Artigo de Fundo” a palavra “como” significa “na condição de”,“na qualidade de”. A palavra “como”, como vimos, pode ter muitos outros valores. Relacioneos valores indicados na primeira coluna com os trechos da segunda coluna. a) Modo b) Causa c) Conformidade (algo ou alguém que age de acordo com algo estabelecido anteriormente por alguém, ou por uma instituição, lei, etc.) d) Comparação e) Admiração, espanto f) Na condição de, na qualidade de g) Introdutor de exemplo h) Forma do verbo comer UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 93 . 93. i) No lugar de, substituição(f) Divulgado como símbolo de Goiânia, é exibido como cenário nas fotografias dos turistas.(g) Ele tinha muitas habilidades como tocar piano, cultivar plantas muito bem.(d) Como Goiânia, outras cidades têm belos monumentos.(a) Como posso chegar a São Paulo?(b) Como não tinha medo mudou para o Brasil para tentar a sorte, para buscar uma vidamelhor.(i) Não podendo comprar um lindo ursinho de pelúcia, a menina tinha como ursinho uma latade leite.(e) Como São Paulo é grande!(d) Não deixando Pasqualino brincar com seu ursinho de lata, Lisetta agiu como a meninarica.(b) Como Ugo pediu, sua mãe parou de bater em Lisetta.(c) Preparou a festa como sua mãe pediu.(h) Eu não como carne de porco.(a) Ela queria saber como devia se comportar.(d) Entre elas uma alegre, que pisou na terra paulista cantando e na terra brotou e se alastroucomo aquela planta, também imigrante, que há duzentos anos veio fundar a riqueza brasileira.No exercício (14) temos uma atividade que enfoca, ao mesmo tempo, a colocação de palavrase a elocução (no caso, o uso das pausas), evidenciando como a elocução interfere com osentido.(14) A- A palavra “só” pode ser usada em diferentes posições em um texto. Conforme aposição, o sentido do texto muda. Além disso, podemos falar o mesmo texto, fazendo pausasem diferentes lugares, o que também pode mudar o sentido do texto. Nos textos abaixo a barra(/) indica o lugar da pausa ao falar. Compare os textos, comentando a diferença de sentidoentre eles e quais têm o mesmo sentido, apesar da colocação diferente de “só” porinterferência do modo de falar (a elocução) UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 94 . 94. a- Só Maria veio à reunião.b- Maria só / veio à reunião.c- Maria / só veio à reunião.d- Maria veio só / à reunião.e- Maria veio / só à reunião.f- Maria veio à reunião só.Provável resposta: No texto a o sentido é que apenas Maria veio à reunião, as demais pessoasesperadas não compareceram. O texto b mantém o mesmo sentido, apesar da colocação dapalavra “só” depois de Maria, porque a pausa leva a esta leitura de que apenas Maria veio àreunião. Já o texto c, com a mesma colocação de palavras de b, devido a uma elocuçãodiferente, com ligeira pausa após a palavra Maria, significa que a única coisa que Maria fezfoi vir à reunião. O texto e tem este mesmo sentido, mas devido à posição da pausa tem-seuma espécie de ênfase no fato de ela ter vindo apenas à reunião, contrariando uma provávelexpectativa do interlocutor de que ela provavelmente viria para mais alguma coisa. O texto dassim como o texto f significam que Maria foi à reunião sozinha, desacompanhada. Nestecaso o texto f parece ser o melhor para exprimir simplesmente este sentido. Já d pode conter aidéia adicional de que Maria poderia ter vindo sozinha a outros eventos.(15) Tendo em vista a situação indicada, diga qual dos dois textos abaixo você usaria.Textos: A) O doce está uma delícia. B) Este doce está uma delícia.Situação: Você foi almoçar na casa de sua amiga X. No final do almoço, ela serviu um docemuito gostoso. Quando todos terminaram a sobremesa, ela retirou o doce da mesa e o guardouna geladeira. Vocês ficaram conversando e chegou outro amigo, Y. Sua amiga X oferecedoce para o amigo Y, que acabou de chegar. Ele recusa. Você, que já comeu o doce e sabe UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 95 . 95. que ele é muito bom, quer convencê-lo a aceitar, usando este argumento. Qual dos dois textosdiria? A ou B? Pode explicar por quê?Provável resposta: usaria A, porque o doce não está visível. Se ele ainda estivesse sobre amesa, por exemplo, teríamos que usar o texto B. Esta é a diferença entre “o” e “este”. Osegundo só pode ser usado em textos quando o elemento que ele acompanha está presente nasituação de fala.O exercício (16) explora valores não de posse dos pronomes possessivos. A forma pode ser decoluna relacionada, conforme o grau e competência dos alunos.(16) A- As palavras meu, teu, seu, nosso, vosso e seus respectivos femininos e plurais, comovimos, indicam posse, isto é, que alguém é possuidor ou proprietário de algo. Você acha quenos trechos abaixo essas palavras indicam posse? O que elas estão indicando?a) José certamente tem seus cinqüenta anos.b) Como vai, minha madrinha?c) O nosso personagem teve então uma idéia mirabolante, meio maluca.d) Mariana, o que acontece? Por que você faz estas coisas? Certamente você não saiu aosseus.Provável resposta: Embora haja uma idéia de posse, ela se atenua e podemos notar queaparecem os seguintes sentidos em cada trecho: a) quantidade aproximada, estimada; b)afetividade: carinho, cortesia; c) familiaridade; d) parentes, familiares.B- Escolha uma das palavras indicadoras de posse listadas acima e construa um pequeno textocom um dos valores encontrados e que não seja de posse. Diga o valor com que vocêempregou a palavra11.(17) 12 4) a) No texto “O sonho de voar”, que frase do quarto parágrafo demonstra que onarrador não está seguro de estar mesmo ficando mais leve que o ar? UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 96 . 96. b) Que palavra da frase “Parecia que eu estava quase flutuando no ar”, do mesmoparágrafo, indica que o garoto não estava certo se realmente flutuava?5. Leia e responda no caderno:a) Realmente eu estava flutuando no ar.b) Provavelmente eu estava flutuando no ar.c) Certamente eu estava flutuando no ar.d) Eu estava flutuando no ar.e) “Parecia que eu estava flutuando no ar.”- O falante mostra certeza de flutuar em quais frases?- O falante mostra incerteza, dúvida a respeito de flutuar em quais frases?Respostas: 4a) A frase é “Ou era só impressão?”; 4b) A palavra é “parecia”; 5) Certeza:frases a, c, d; Incerteza: frases b, e.(18) 13 Estudo de valores de preposições3) Leia: “A reportagem da Folha percorreu na sexta-feira e ontem o quadrilátero entre asavenidas São João e General Olímpio da Silveira, Pacaembu, Rio Branco e Duque de Caxias eencontrou entulho acumulado havia semanas.”Nesse trecho, a palavra “entre” indica, em conjunto com os nomes, uma posição intermediáriaa dois ou mais pontos citados. No trecho acima, são vários pontos no espaço. Esses pontospodem ser também no tempo ou em outra idéia ou noção qualquer. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 97 . 97. Copie, do quadro, o que a palavra “entre” indica nas frases seguintes:a) posição intermediária no espaço;b) posição intermediária no tempo;c) posição intermediária em outra idéia ou noção.a) Entre 1990 e 2004, a inflação no Brasil subiu e desceu várias vezes.b) Nosso jardim era muito bonito. Entre a sibipiruna e o flamboyant, havia várias palmeiras..c) Joãozinho estava entre alegre e triste com a notícia de que a família ia se mudar. Alegreporque ia conhecer novos lugares, triste porque ia ficar sem seus amigos.d) Entre surpreso e assustado, ele subiu para receber o prêmio.e) Todas as manhãs eu caminhava muito para ir à escola, pois entre minha casa e a escolahavia dois quilômetros.f) Trabalhei muito entre o amanhecer e o anoitecer, mas à noite fui descansar.Resposta: a) posição intermediária no tempo; b) Posição intermediária no espaço; c) Posiçãointermediária em outra noção: a dos sentimentos; d) Posição intermediária em outra noção: ados estados; e) Posição intermediária no espaço; f) Posição intermediária no tempo.4) Faça três frases com “entre” indicando posição intermediária no espaço, no tempo e emoutra idéia ou noção. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 98 . 98. (19) Diga os valores ou sentidos que a palavra “por” pode ter no texto abaixo. Dê exemplosde situações em que esses sentidos podem ocorrer.-“Antônio falou por Teresa”Resposta possível: a) “no lugar de Teresa, representando-a, um porta-voz”. Por exemplo,numa reunião ou solenidade a que Teresa não pôde comparecer; b) “a favor de Teresa”. Porexemplo, numa situação em que a acusam de algo ou numa situação em que ela precisa deajuda de algum tipo (por exemplo, financeira) por algum motivo (por exemplo: doença); c)“por meio de Teresa”. Neste caso, Teresa é como se fosse um aparelho. É um sentidosemelhante a “Falei com meu pai pelo telefone”. Numa situação de comunicação mediúnica,em uma casa religiosa em que a mediunidade é exercida. Neste caso, Antônio seria umespírito que falou com as pessoas por intermédio da médium, que é Teresa.(20) As duas concordâncias abaixo são permitidas pela norma culta quando os sujeitos sãounidos por “com”. Mas os dois textos têm uma diferença de sentido, conforme usemos umaou outra concordância. Diga qual é a diferença de sentido.a) O noivo com sua noiva entrou no salão de festas, sorrindo alegremente.b) O noivo com sua noiva entraram no salão de festas, sorrindo alegremente.Resposta: Em a com o verbo no singular entende-se que os dois entraram, mas somente onoivo sorria, em b, com o verbo no plural, entende-se que os dois sorriam.2.4. Gramática normativaNas atividades de gramática normativa, como já dissemos, sempre se valorizou a norma cultaescrita em detrimento das demais variedades da língua, inclusive, da língua falada. Comovimos em 1.1, hoje se vê a gramática normativa como uma conscientização da existência de UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 99 . 99. muitas variedades lingüísticas e do modo de usá-las de acordo com as normas estabelecidaspor nossa sociedade. Evidentemente, devido à importância social da norma culta, temos deensiná-la aos alunos que não a dominam, fazendo o contraste claro entre o que é da normaculta e o que não é.Na escola, as atividades de gramática normativa vão sempre mostrar as diferenças entre asvariedades lingüísticas, orientar quando usá-las ou não em termos de adequação, social ecomunicacional, dando um destaque à norma culta.A atividade (11), vista como uma atividade de gramática de uso, é também uma atividadenormativa. A atividade (20) também envolve questões de normatividade: a regra deconcordância verbal com sujeito composto com os núcleos unidos por “com” (Cf. também21). A seguir apresentamos mais alguns exemplos de atividades de gramática normativa.21) Assinale os trechos em que a concordância do verbo com o sujeito não foi feita de acordocom o que pede a norma culta. Explique porque não atende à norma culta14. Reescreva otrecho para que fique de acordo com a norma culta15.a- Eu com meus colegas exigem uma explicação.b- O presidente com sua comitiva chegou pela manhã a Paris.c- Eu com minha família oferecemos-lhe toda ajuda de que você precise.d- Exige uma explicação, eu com meus colegas.e- Meus pais com meus irmãos fizeram uma festa surpresa em meu aniversário.f- Chegou para a festa meus amigos da faculdade com suas esposas.g- Dançava sem parar os rapazes com suas namoradas.h- Reformou a capela o padre com todos os paroquianos.Resposta: Não estão de acordo com a norma culta: a (Eu com meus colegas exigimos umaexplicação.); d (Exigimos uma explicação, eu com meus colegas); f (Chegaram para a festa UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 100 . 100. meus amigos da faculdade com suas esposas); g (Dançavam sem parar os rapazes com suasnamoradas). (Aqui não explicamos porque não atende à norma culta).(22) Minha amiga chegou e disse-me:“O meu primo que eu falei dele para você chegou. Está lá em casa.Ao dizer isto, ela não usou a norma culta. Como ela deveria falar para usar a norma culta?Resposta: O meu primo, de quem lhe falei chegou. Está lá em casa.(23) Nos trechos abaixo, aparecem algumas formas de verbo muito usadas pelas pessoas, masque não pertencem à norma culta. Assinale-as e diga qual seria a forma do verbo na normaculta.a) Espero que você seje feliz.b) Eu vou ponhá seu livro aqui, depois você o leva.c) Não que eu esteje com raiva de você, mas você não foi minha amiga.d) Quando eles vieram para a festa, eu já tinha chego há muito tempo.Resposta: a) seje à seja ; b) ponhá à pôr ; c) esteje  esteja ; d) tinha chego  tinhachegado.Evidentemente as atividades de gramática normativa não se resumem a diferenças entre anorma culta e outras variedades da língua, mas aqui não temos espaço para mais. No caso danorma culta é preciso que se faça sempre um tipo de gramática contrastiva, mostrando como éa forma ou construção na norma culta em contraste com a de outras variedades, pois não sepode exigir norma culta dos alunos sem mostrar objetivamente como ela é. Além disso, não sedeve passar para os alunos a idéia de que se um texto está na norma culta ele está ótimo, nãotem problemas. Não é este o caso. Serve aqui o exemplo do repórter que disse “No tempo do UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 101 . 101. frio as pessoas ficam mais favoráveis a ter problemas respiratórios”. O texto está em normaculta, mas tem um problema de escolha lexical que cria uma inadequação comunicacional emrelação ao que ele queria dizer. “Ficar favorável” significa querer ter problemas respiratórios,o que é pouco provável em nosso mundo. Talvez fosse mais adequado o repórter dizer “Notempo do frio as pessoas ficam mais sujeitas a terem problemas respiratórios / maisvulneráveis aos problemas respiratórios”.3. Considerações finaisComo se pode perceber, o ensino de gramática é um problema complexo, que envolvemúltiplas facetas que o professor não pode negligenciar ao preparar as atividades deensino/aprendizagem para trabalhar com seus alunos. Nosso objetivo, neste texto, foi chamara atenção do colega professor para questões básicas envolvidas no ensino/aprendizagem dagramática da língua, dentro de uma perspectiva textual-interativa, recomendada pelos PCN.Esperamos ter chamado sua atenção e despertado seu desejo de saber mais. A pequenabibliografia que colocamos contém textos importantes para este fim e, para quem deseja irainda além, boas indicações em suas referências bibliográficas.Referências Bibliográficas FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C.V.O. e AQUINO, Zilda G. O. Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de língua. São Paulo: Cortez, 1999. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: ALB/Mercado de Letras, 1996. RAMOS, Jânia M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1997. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 102 . 102. SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: Uma abordagem pragmática. Campinas, SP: Papirus, 1995.TRAVAGLIA, Luiz Carlos, ARAÚJO, Maria Helena Santos e ALVIM PINTO, Maria Teonila. Metodologia e prática de ensino da Língua Portuguesa. 3a ed. Uberlândia: EDUFU, 1995.TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo: Cortez, 1996. (11a ed.: 2006).TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: Ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003.TRAVAGLIA, Luiz Carlos (2003a). “Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos”. In: FÁVERO, Leonor Lopes; BASTOS, Neusa M. de O. Barbosa e MARQUESI, Sueli Cristina (org.). Língua Portuguesa pesquisa e ensino – Vol. II. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2007: 97- 117.TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipologia textual, ensino de gramática e o livro didático. In: HENRIQUES, Cláudio Cezar e SIMÕES, Darcília (org.). Língua e cidadania: novas perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: Europa, 2004, p. 114-138.TRAVAGLIA, Luiz Carlos, COSTA, Silvana e ALMEIDA, Zélia. A Aventura da Linguagem – 4 volumes: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries. Belo Horizonte: Dimensão, 2005.TRAVAGLIA, Luiz Carlos, COSTA, Silvana e ALMEIDA, Zélia. A Aventura da Linguagem – Manual do Professor. Belo Horizonte: Dimensão, 2005a. 64 p.VIEIRA, Sílvia Rodrigues e BRANDÃO, Sílvia Figueiredo (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 103 . 103. Notas: Professor Associado de Língua Portuguesa e Lingüística do Instituto de Letras e Lingüísticada Universidade Federal de Uberlândia.2 Para maiores informações e exemplos sobre tudo o que dizemos neste texto, recomendamosa leitura de Travaglia (2006), Travaglia (2003) e Travaglia, Araújo e Alvim Pinto (1995).3 Veja o capítulo 5 de Travaglia (1996).4 Cf. Travaglia [2003a] (2007).5 Parte deste item foi transcrita do Manual do Professor, de Travaglia, Costa e Almeida (2005a,p. 14).6 Para maiores detalhes e exemplos veja Travaglia (2003) capítulo 4: A sistematização doensino de gramática.7 Veja Travaglia [2003a] (2007).8 Sobre os objetivos de ensino de gramática teórica ver o capítulo 5 (Para que ensinar teoriagramatical) de Travaglia (2003). Sugerimos também a leitura de Travaglia (1996), capítulo 12(Gramática Teórica).9 Sobre este tipo de atividade e outros de gramática de uso, ver Travaglia, Araújo e AlvimPinto (1995).10 Exercício elaborado por Luiz Carlos Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha e Vania MariaBernardes Arruda-Fernandes, em 2007, para o livro 6 da Coleção A Aventura da Linguagem, asair pela Editora Dimensão, Belo Horizonte.11 (16B) e (18 – 4) são atividades de gramática de uso.12 Exercícios do exemplo (17) extraídos, com pequenas adaptações, de Travaglia, Costa eAlmeida (2005): A Aventura da Linguagem, 4ª série, pág. 11. Aqui está sendo explorada amodalidade do verbo.13 Exercícios do exemplo (18) extraídos, com pequenas adaptações, de Travaglia, Costa eAlmeida (2005): A Aventura da Linguagem, 3ª série, pág. 153. Naturalmente é o valor daspreposições que está sendo explorado.14 Esta parte é uma atividade teórica.15 Esta parte é uma atividade de uso. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 104 . 104. Presidente da RepúblicaLuís Inácio Lula da SilvaMinistro da EducaçãoFernando HaddadSecretário de Educação a DistânciaRonaldo MotaTV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURODiretora do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a DistânciaLeila Lopes de MedeirosCoordenadora Geral de Produção e ProgramaçãoViviane de Paula VianaSupervisora PedagógicaRosa Helena MendonçaAcompanhamento PedagógicoMaria Angélica Freire de CarvalhoCoordenadora de Utilização e AvaliaçãoMônica MufarrejCopidesque e RevisãoMagda Frediani MartinsDiagramação e EditoraçãoEquipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TVE BrasilGerência de Criação e Produção de ArteConsultoras da sérieMaria Angélica Freire de Carvalho e Rosa Helena MendonçaEmail: [email protected] page: www.tvebrasil.com.br/saltoRua da Relação, 18, 4o andar - Centro.CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)Abril 2007 UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 105 .


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