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April 14, 2018 | Author: Anonymous | Category: Documents
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O DESASTRE NUCLEAR DE CHERNOBYL –26/04/1986 Contexto Na década de 70, a URSS construiu usinas termoelétricas atômicas para obter energia e o plutônio destinado ao arsenal dissuasivo da Guerra Fria. O reator utilizado era o RBMK-1000, moderado a grafite. Nele, a água que refrigera o núcleo é diretamente aproveitada como vapor nas turbinas. Comparado com os modelos ocidentais, ele permite usar urânio com baixo enriquecimento, obtido a menor custo, tem construção mais simples e manutenção menos dispendiosa, e ainda permite substituir o “combustível” com o reator operando. Em compensação, sua concepção é antiquada e a segurança contra vazamentos é muito menor. O controle é muito instável em baixa potência e tende a disparo de reação em subidas de potência mais rápidas. Estes defeitos, agravados por um erro de projeto nas barras de controle, não estavam devidamente documentados e não eram intuitivos. A usina de Chernobyl, atualmente desativada, fica na Ucrânia, a cerca de 110 km de Kiev. Tinha quatro reatores operando e dois em construção quando o pior acidente nuclear da história ocorreu na unidade 4, basicamente por falta de cultura de segurança. A unidade 2 operou até 1991, a unidade 1 até 1997 e a unidade 3 até dezembro de 2000. Vista do painel de um reator RBMK em manobras de partida ou parada. O acidente Devido a pressões políticas, limitação de custos e pressa no comissionamento dos reatores, os responsáveis pelo empreendimento de Chernobyl assumiram muitas falhas no projeto e na execução. O erro mais grave foi colocar reatores em operação com dúvida quanto à possibilidade de manter o resfriamento seguro do núcleo no caso de uma queda total de energia. Depois de confirmada já nos primeiros testes, mantinha-se essa perturbadora pendência em segredo enquanto se esperava por oportunidades para tentar solucioná-la. A primeira parada programada da unidade 4 seria aproveitada para um experimento que consistia em reduzir a potência ao mínimo e desligar o reator junto com o corte da energia externa, simulando um blecaute. O objetivo era testar se as bombas elétricas atenderiam a refrigeração do núcleo, contando apenas com a energia gerada pela inércia da rotação das turbinas, até que os geradores reservas a diesel assumissem, o que levava no mínimo 15 segundos. Isso falhou em testes anteriores porque a tensão baixou demais com a queda de rotação das turbinas. Esperava-se que desta vez desse certo, pois dispositivos elétricos foram adicionados de modo a fornecer tensão estável para os motores das bombas durante o lapso na entrada dos geradores. Essa ocasião era a pior possível para realizar tal teste por ser o final do ciclo do combustível do reator. Nesse caso, com as barras de combustível gastas, a condição de falta de resfriamento fica mais perigosa porque o urânio consumido produziu uma grande quantidade de radioisótopos instáveis. Mesmo após desligar o reator, as desintegrações radioativas prosseguem nesses radioisótopos, produzindo considerável calor adicional, o que torna o teste mais crítico. Além disso, também seria o pior momento na eventualidade de ocorrer um vazamento, pois no final do ciclo é quando a quantidade de resíduos altamente radioativos acumulados, resultantes da fissão do urânio, é máxima. O procedimento de teste não tinha sido formalmente aprovado, e pedia uma coisa inaceitável: a desativação do suprimento automático de água de emergência para resfriamento do núcleo (ECCS) com o propósito de prevenir um choque térmico, caso viesse a atuar. Esse sistema protege o núcleo no caso de falta de resfriamento, evitando riscos incomparavelmente mais sérios do que um choque térmico. Aparentemente, não se dava muito valor a essa proteção, pois ela já estava desabilitada desde as 14:00h. No dia do teste, a potência de 3.200MW estava sendo reduzida desde as 01:06h quando uma termoelétrica convencional caiu, impedindo o cumprimento do cronograma. Como ela iria demorar a retornar, o centro de distribuição só autorizaria a parada total do reator após as 23:10h. Assim, a partir das 03:47h a potência foi mantida no patamar de 1.600MW e as manobras ficaram adiadas para o turno que entrava à meia-noite. A equipe deste turno não estava instruída sobre o teste, e teve que se inteirar apressadamente do procedimento. Aqueles operadores também não estavam muito familiarizados com manobras críticas nesse reator. Para piorar as coisas, houve falhas na comunicação com o escritório em Kiev e a engenharia que deveria prestar apoio já havia deixado o local. À 00:28h do dia 26 de abril, foi retomada a preparação para o teste e a potência começou a ser novamente baixada, visando atingir o mínimo de 0,7GW. A soma de falta de prática em operar o reator em modo manual, pressa em descer ao patamar de potência definido para o início do teste, e mal-funcionamento do controle quando foi novamente passado para o modo automático (investigações revelaram que falhou ao resetar o set-point para o valor final programado) levou a uma queda excessiva da potência, caindo para 0,03GW, menos de 1% da nominal, e muito abaixo do mínimo permitido, que era de 0,7GW. Com tamanha queda de potência, o reator entrou em uma condição instável extremamente perigosa devido ao fenômeno de envenenamento por formação de xenônio-135, que absorve nêutrons inibindo drasticamente a reação. O correto seria desligar logo o reator e desistir do teste, pois o decaimento desse isótopo até uma dissipação aceitável levaria 24h. O reator só continuava operando porque as proteções automáticas tinham sido desviadas para garantir que não haveria um desligamento antes do desejado. Era 01:07h. Talvez se sentindo muito comprometido com a importância do experimento, talvez querendo evitar o constrangimento de ter que explicar o fracasso na execução do teste, mas principalmente por não compreender bem o funcionamento do reator e a física envolvida, o chefe dos operadores decidiu tentar remendar a situação, subindo a potência para buscar novamente o patamar requerido. Como a resposta do reator estava muito lenta e hesitante devido ao envenenamento pelo xenônio-135, foi ordenado forçar a reação removendo manualmente barras de controle em maior quantidade e além dos limites permitidos pelas normas. Apesar de questionada pelos subordinados, essa ordem foi cumprida. À 01:22h, a potência se estabilizou em 0,2GW, porém em uma condição anormal e extremamente instável. A lógica estava invertida, tendo-se baixa potência com muitas barras de controle extraídas. Tantas barras de controle estavam fora do núcleo que provavelmente não seria possível parar o reator a tempo se houvesse necessidade. A essa altura, o envenenamento por xenônio-135 era a única coisa que ainda impedia o disparo da reação, uma situação muito perigosa e difícil de reverter. Para iniciar o disparo, bastava superar o limiar do efeito do envenenamento por xenônio-135 com um pequeno aumento de reação, ou seja, com um pequeno aumento no fluxo de nêutrons. Isso invariavelmente iria acontecer devido a um erro no projeto da barras de controle, que não era conhecido por aquela equipe. Bastava um aumento de bolhas de vapor ou o simples deslocamento da água pela seção de grafite na descida da barra de controle para fazer com que a reação, que aparentemente resistia a subir até então, invertesse bruscamente de comportamento e iniciasse um vertiginoso disparo de potência, incrementado pelo elevado coeficiente em vazio positivo característico daquele reator. Era como o um balão estando prestes a estourar. E, tragicamente, essas duas coisas aconteceram. À medida que as barras de controle eram totalmente retraídas, o que não era autorizado pelas normas, a seção de grafite ia deixando um espaço que era ocupado por água. A água absorve bem mais nêutrons do que a grafite, diminuindo a reação. Por isso, ao se retrair demais as barras de controle, a reação parava de subir e começava a diminuir (portanto, forçar a extração das barras até o fim na verdade até dificultou a penosa subida de potência do reator envenenado). Na volta, ocorria o contrário. Inicialmente, aquela água era substituída por grafite, produzindo um momentâneo aumento de reação, pois a grafite absorve menos nêutrons do que a água. Somente quando chegasse a porção absorvedora de nêutrons, um intervalo de água sucedido por uma seção de carboneto de boro, a reação voltaria a diminuir. Veja os esquemas a seguir: Núcleo do reator RBMK-1000. Barras de controle tubulares são inseridas por cima. O carboneto (ou carbeto) de boro absorve nêutrons, parando as reações de fissão, enquanto que a grafite permite a passagem deles, promovendo a fissão. A grafite moderadora entre as barras tem a finalidade de reduzir a velocidade dos nêutrons, deixando-os em um estado de energia adequado para iniciarem reações de fissão. Observe o intervalo de 1,25m obtido na retração máxima das barras de controle. A mistura gasosa, He + N 2, faz a inertização e a difusão de calor entre os blocos de grafite, impedindo que entrem em combustão. Visão muito simplificada da condição de envenenamento pelo xenônio-135 no reator de Chernobyl durante a frustrada tentativa de recuperação de potência. Uma grande quantidade desse isótopo estava formada devido à excessiva redução de potência. Note que a barra de controle totalmente retraída permite que água ocupe o espaço deixado pela grafite. A água que ocupa esse espaço tem maior capacidade de absorção de nêutrons em comparação com a grafite, contribuindo para diminuir a reação. (Foi representada apenas parte da emissão de nêutrons, omitindo-se inclusive a que ocorre no sentido inverso). À 01:23:04h, considerou-se o patamar de potência de 0,2GW suficiente para o teste, apesar de estar bem abaixo do mínimo permitido de 0,7GW. Simplesmente, não subia mais. Para iniciar o experimento, a energia externa foi cortada e o vapor para as turbinas foi fechado, a fim de aproveitar melhor a inércia destas. As bombas de circulação refrigerante desligaram e reaceleraram supridas através do dispositivo estabilizador de tensão. A breve queda na circulação aumentou o tempo de residência, que por vez causou um aumento da temperatura da água no núcleo, o que produziu um aumento de bolhas de vapor, inclusive na folga abaixo das barras de controle excessivamente retraídas. A menor capacidade de absorção de nêutrons nessa região devido às bolhas suplantou o envenenamento por xenônio-135, fazendo a reação voltar a aumentar. Efeito da subida de temperatura formando bolhas de vapor que permitem a maior passagem de nêutrons. Agora eles passam em quantidade suficiente para aumentar a quantidade de fissões a ponto de superar o envenenamento pelo 135Xe. Devido às bolhas, o fluxo de nêutrons se torna maior não só na seção oca abaixo da grafite, mas também ao longo de toda a extensão do núcleo. Mais fissão produz mais calor e mais bolhas. Bolhas permitem mais fissão... A partir desse momento começa o disparo de potência. E ainda pode piorar: se a barra de controle for inserida, antes de chegar a seção absorvedora, a grafite ocupa o lugar da água permitindo ainda mais fluxo de nêutrons! (Foi representada apenas parte da emissão de nêutrons, omitindo-se inclusive a que ocorre no sentido inverso). Com o aumento da reação, a temperatura da água subiu ainda mais e formaram-se mais bolhas de vapor em todo o núcleo. O espaço “vazio” das bolhas reduz o efeito absorvedor da água, permitindo mais passagem de nêutrons. Mais nêutrons passando produzem mais reação. Mais reação produz mais calor. Mais calor produz mais bolhas de vapor. Mais bolhas, mais reação, e assim por diante, exponencialmente. Este é o efeito conhecido como coeficiente em vazio positivo, característico desse reator. Às 01:23:20h, a potência saltou para 0,32GW mas os operadores ainda não sabiam que isso era o início de um disparo. A essa altura, todas as proteções e sistemas automáticos que poderiam ter ajudado a salvar o reator estavam desligados. Em seguida foi manualmente acionado o sistema de parada de emergência (o botão do “trip”), meramente para finalizar o teste. Isso inseria todas as barras de controle, inclusive as manuais excessivamente retraídas. Então se percebeu que a subida da potência não parava, como se o trip tivesse produzido o efeito oposto. E foi isso mesmo que aconteceu. Devido ao excesso de retração das barras de controle, a grafite que descia ia ocupando o lugar onde estavam as bolhas de vapor que já tinham suplantado o efeito do envenenamento por xenônio-135. Como já vimos, a grafite absorvia ainda menos nêutrons do que a água com bolhas de vapor, aumentando dramaticamente a reação. Com a potência disparando de modo alarmante (saltou de 0,32GW para 1,4 GW em 3 segundos!), o botão de parada de emergência foi inutilmente acionado de novo, já em reflexo de pânico. Se estivesse habilitada, a injeção de água de resfriamento de emergência do núcleo (ECCS) talvez retardasse o superaquecimento, dando tempo para completar a inserção das barras de controle e evitando a explosão. Infelizmente, ela estava indevidamente desativada desde a tarde do dia anterior. O sistema de parada de emergência inseria todas as barras de controle simultaneamente para cessar a reação, mas tinha o defeito de ser muito lento (levava 18 segundos para completar a inserção). O superaquecimento do núcleo foi tão rápido que deformou os condutos das barras de controle, trancando-as a um terço do curso. Gráfico mostrando a variação de potência até o momento do acidente. A região mais clara corresponde à faixa de operação segura. Aos operadores só restou esperarem, impotentes, enquanto a potência continuava subindo assustadoramente, ultrapassando 100 vezes a normal. No início da madrugada, à 01:23:43h de 26 de abril de 1986, o superaquecimento do reator quatro da usina de Chernobyl resultou em uma catastrófica explosão no sistema de vapor. Após dois a três segundos, ocorreu uma explosão ainda maior, causada pela combustão do hidrogênio e do monóxido de carbono formado pela reação do vapor a 1100°C com os materiais das barras de controle (zircônio e grafite): Zr + 2 H2O = ZrO2 + 2 H2, C + H2O = CO + H2. As explosões espalharam 1.700t de grafite moderadora altamente radioativa e causaram 30 incêndios, um deles comprometendo o teto do reator 3, que seguia em operação ao lado. Parte do prédio dos turbogeradores também foi atingida por destroços. As explosões romperam tubulações e vasos de vapor, levantaram a cobertura de 2.000t da proteção biológica, expondo o núcleo do reator, e destruíram a parte superior do edifício. O incêndio da grafite em meio aos escombros e o núcleo transformado em um “magma” de 3.000°C emitiam uma coluna de fumaça constituída por particulados, gases e vapores de diversos radionuclídeos. Formou-se uma nuvem altamente radioativa que foi levada pelo vento e atingiu vastas áreas da Ucrânia e principalmente da Bielorrússia, onde foi intensamente precipitada pelas chuvas. Também atingiu a Rússia e regiões próximas, alcançando a Escandinávia e parte da Europa. A contaminação de Chernobyl poderia ameaçar o mundo inteiro, caso houvesse a temida terceira explosão. Foto obtida logo após o acidente. A fumaça mortífera continha partículas de uma grande variedade de isótopos radioativos, entre eles o nosso tristemente conhecido Césio-137 (Uberlândia, 1987). Em um esforço desesperado para conter a emissão de material radioativo, até 10 de maio foram lançados mais de 5.000t de materiais extintores e inibidores de reação por helicópteros com soalhos revestidos com chumbo sobre os restos incandescentes do núcleo. Até junho, o total lançado chegou a 14.000t de materiais (areia, chumbo, ácido bórico, argila, dolomita, fosfato trissódico e líquidos polímerizáveis) em mais de 1.800 missões. Alguns especialistas afirmam que tais esforços causaram abafamento e podem ter atrapalhado mais do que ajudado, e consta que nenhum material absorvedor de nêutrons acertou nos restos do núcleo. De qualquer modo, após 10 dias, a emissão diminuiu. Realizou-se, então, uma gigantesca operação de remoção do material radioativo espalhado e foi construído um confinamento provisório envolvendo todo o prédio para conter a radiação no reator destruído. Oficialmente, até 2004 admitiu-se o total de 56 mortes devidas ao acidente, um número muito aquém da realidade. Mesmo após a diminuição dos incêndios, uma monstruosa quantidade de radiação invisível era emitida. Causas da catástrofe de Chernobyl: • Insistência em conceitos deficientes quanto à segurança . O desenvolvimento forçado do programa nuclear soviético deveu-se à paranóia político-militar da Guerra Fria e à centralização burocrática em líderes incompetentes. Para o Kremlin, a urgência por plutônio justificava a imposição de metas absurdas, o uso de tecnologia ultrapassada e o descaso pelo ser humano e pelo meio ambiente. Problemas e defeitos mantidos em segredo. Mesmo na URSS, seria difícil justificar tantas falhas no projeto de usinas atômicas. Evitavam-se desconfianças e descréditos simplesmente omitindo-se informações “inconvenientes”. Detalhes e informes importantes acabaram sendo ocultados até de quem operava os reatores. • • Gestão irresponsável. Evidente em toda a cadeia hierárquica, nos erros de planejamento, na decisão de partir os reatores mesmo com um sério problema mal solucionado, na formação deficiente dada aos operadores, na má condução de um teste arriscado, sem as devidas análises e autorizações, e no tratamento autoritário dispensado à equipe operacional. Operadores mal treinados. Os manuais eram incompletos e faltava treinamento estruturado, com noções científicas e habilitação específica para os maliciosos RBMK-1000. Tal despreparo não era bem percebido devido a uma sistemática de ocultação de problemas que criava um clima artificial de sucesso e segurança. Não se priorizava a segurança na prática operacional . Temendo não atingirem metas sob o opressivo regime soviético, os operadores desrespeitavam normas e assumiam riscos para parecerem eficientes. Confiavam demais na sorte e em si mesmos, pois não estavam devidamente alertados sobre potenciais perigos. Só havia contenção parcial contra vazamentos. Pelos custos devido ao grande tamanho do prédio do reator, não existia uma contenção reforçada de concreto e aço, hermética e à prova de explosão, ao estilo dos reatores ocidentais, que impedisse escapes para a atmosfera no caso de ocorrerem vazamentos radioativos. Aparentemente, os projetistas também confiavam na sorte, e apostaram que tal contenção nunca seria necessária. Faltaram bloqueios para os desvios graves de segurança . Em um bom projeto, se os sistemas de segurança forem degradados por defeitos, descuidadamente desligados, ou violados por trapaças, sempre prevalece a condição mais segura. O RBMK, porém, podia funcionar normalmente com todas as proteções desviadas. Faltaram alarmes e instrumentação mais adequados . Se a situação perigosa do núcleo fosse claramente mostrada aos operadores através de uma instrumentação abrangente e eficiente, eles certamente teriam tomado decisões corretas. O sistema de parada de emergência era extremamente falho . Lento e prejudicado pelo erro de projeto das barras de controle, por ironia, ele praticamente consumou o desastre, em vez de evitá-lo. • • • • • • Fatos que agravaram os efeitos do acidente: Houve demora, tanto na tomada de ciência do ocorrido quanto na de providências por parte da gerência da usina. Após o acidente, os medidores de radiação bateram no fim da escala, pois não eram adequados para os enormes níveis de radiação que ocorreram. Estranhamente, o supervisor não foi averiguar os estragos e considerou que todos os medidores tinham defeito. Essa atitude resultou na exposição dos funcionários do complexo e dos bombeiros a doses letais de radiação. Na base da usina os níveis de radiação chegavam a 2080 Roentgens/hora. Em algumas partes do edifício, chegava a 20.000Roetgens/hora, o que equivale a doses mortais em poucos minutos. Faltou preparo e informação aos bombeiros, além de não terem sido avisados sobre o perigo da radiação. Apesar de estarem lotados em uma área com riscos atômicos, os bombeiros não tinham nenhum equipamento de proteção ou medição para radioatividade, e nunca foram treinados para lidar com isso. Ninguém os avisou do perigo da radiação naquele desastre, e eles acabaram se expondo sem nenhum cuidado, recebendo doses letais. Seus heróicos esforços protegeram o reator 3, que ainda operava no prédio adjacente, mas contribuíram para inundar o espaço sob o reator 4, potencializando o risco de uma terceira explosão. Houve demora na decisão da evacuação . O fato foi comunicado às autoridades com incorreções e atrasos, e sua gravidade foi inicialmente muito subestimada pela má interpretação das medições feitas na usina. Inclusive, houve insistência em se achar que a situação era mais simples e poderia ser logo remediada. A confusão inicial, causada por erros de julgamento, temor de repreensões, e mentiras para evitar pânico, só terminou com a confirmação da gravidade do acidente pelo comitê de investigação enviado por Moscou. Isso custou a demora de um dia e meio na ordem de evacuação dos 43.000 habitantes da cidade de Pripyat, situada a 3 km da usina de Chernobyl. Para não se perder tempo recolhendo bagagens (que de qualquer forma seriam descartadas como material contaminado) foi dito que seria uma evacuação temporária. O governo estava excessivamente preocupado em proteger a própria imagem . O Kremlin hesitou em comunicar ao povo e ao resto do mundo a gravidade do que tinha acontecido. Mesmo sendo impossível esconder o acidente de satélites espiões e dos medidores de radiação pelo mundo, havia relutância em expor a todos, especialmente aos inimigos, a URSS fragilizada por tamanha catástrofe. Somente após a Suécia cobrar explicações sobre a elevação alarmante da radiação na sua atmosfera é que o governo soviético se resignou a admitir um acidente, mas sempre tentando encobrir a escala do desastre. Muita exposição poderia ter sido evitada se as pessoas estivessem mais bem informadas. Cidadãos foram sacrificados para o controle daquela emergência . Coube a cerca de 650.000 pessoas (algumas fontes citam 800.000), militares e civis, chamados de “liquidadores”, a missão de reparar o monstruoso estrago nuclear causado pela incompetência de seus governantes. Como essa tarefa era extremamente perigosa e se afigurava quase impossível, as autoridades manipularam inescrupulosamente as informações para garantir a colaboração total, evitando fugas ou resistências. Embora nunca tenham sido contabilizadas entre as vítimas, essas pessoas acabaram tendo a saúde comprometida na batalha contra a radioatividade, muitas tendo a vida abreviada, algumas com morte quase imediata. Os dados citados a seguir se referem a 2008: Todos as tripulações dos enormes helicópteros MI-6, MI-8 e MI-26 que lançaram chumbo e outros materiais sobre o reator nos dias críticos acabaram recebendo doses brutais de radiação. Fala-se em 600 mortos, mas faltam fontes confiáveis. Dos 10.000 mineiros que trabalharam nas escavações sob o reator, sem nenhuma proteção além de uma máscara contra pó, consta que cerca de 2.500 morreram antes de completar quarenta anos. Milhares de veículos contaminados (helicópteros, caminhões, tratores, blindados, guindastes, escavadeiras, ônibus, etc) jazem descartados no imenso cemitério de equipamentos usados em Chernobyl. Eles fornecem um indício consistente: como até hoje é perigoso se aproximar de muitos deles, pois ainda emitem de 10 a 30 Roentgen/hora, é evidente que as pessoas que os utilizaram foram expostas a doses altíssimas de radiação. Vista parcial do cemitério de veículos contaminados de Chernobyl. Foram usados muitos veículos militares devido à sua proteção radiológica originalmente projetada para conflitos nucleares. Caminhões e máquinas em geral tiveram as suas cabines revestidas com folhas de chumbo. Os chamados “biorrobôs” eram soldados com lâminas de chumbo enroladas no corpo e atadas com cadarços, servindo como armaduras improvisadas contra radiação. Eles removeram com força braçal os destroços altamente radioativos que jaziam sobre o teto do reator 3 para permitir a construção do confinamento. Isso foi necessário porque a radiação no local era tão alta (7000 Roentgen/hora) que interferia nos equipamentos eletrônicos e incapacitava quaisquer robôs. Um ser humano não pode absorver mais de 2 Roentgen/ano. Por isso, centenas de “biorrobôs” aguardavam, enquanto em pequenas turmas eram enviados para trabalhar apressadamente por apenas 40 segundos, confiando na proteção oferecida por suas roupas. Depois que eles voltavam atordoados e extenuados pela radiação, eram definitivamente dispensados. Estima-se que 20.000 liquidadores já morreram por causas ligadas à radiação. Os sobreviventes seguirão sofrendo as conseqüências da exposição à radioatividade até o fim de seus dias. Destes, cerca de 200.000 ficaram incapacitados para o trabalho e vivem com pensões miseráveis. Não há um acompanhamento médico e um devido amparo social a essas pessoas e suas famílias. Foram esquecidos pelos governos das exrepúblicas soviéticas e pelas organizações humanitárias internacionais. Embora tenham contido a terrível ameaça de Chernobyl, para alívio do mundo inteiro, os liquidadores nunca receberam o reconhecimento e a gratidão merecida. “Biorrobôs” removendo escombros radioativos sobre o teto do reator 3. A foto foi manchada pela radiação. Os “Biorobôs” corriam e jogavam o material recolhido direto dentro da “cratera” do reator 4, logo ao lado. As autoridades se omitiram e mentiram quanto às conseqüências do acidente para a população. Talvez para evitar despesas com tratamentos, pensões e indenizações, praticamente não há acompanhamentos, estudos científicos, estatísticas, e tão pouco interesse oficial pelo que aconteceu aos habitantes das vastas áreas que foram afetadas pela contaminação de Chernobyl. Pelo contrário, houve intensa censura e omissão de informações. Cerca de 8 milhões de pessoas vivem hoje em áreas contaminadas. Também faltam estudos independentes confiáveis (há exageros para mais e para menos), mas estima-se serem da ordem de milhares as prováveis vítimas na população do lado soviético. Seriam casos de câncer, doenças desconhecidas, e má formação em bebês. Uma criminosa decisão dos burocratas de Moscou manteve os desfiles de comemoração do 1º de maio em Kiev, a cerca de 110km de Chernobyl, e em Minsk, capital da Bielorrússia, durante o período mais crítico das emissões radioativas. O povo desinformado foi exposto ao ar livre sob a perigosa nuvem de radiação que se espalhava no céu acima apenas para tranqüilizar o mundo e dar a impressão de que tudo estava “normal”, evitando propagandas negativas. O governo soviético demorou a dar instruções básicas à população, tais como evitar sair de casa (especialmente as crianças e as mulheres grávidas), evitar consumir leite, vegetais frescos e água de chuva, e, no caso da necessidade de se expor ao ar livre, proteger-se contra a inalação de pós, e lavar bem roupas, calçados e a si mesmo ao voltar. Conseqüências A análise do acidente levou à adoção de contenção total nos demais reatores soviéticos existentes, à redução do tempo para inserção das barras de controle em situações de emergência (de 18s para 12s), à reformulação do desenho das barras de controle, ao aumento do enriquecimento do urânio para reduzir os problemas de controle (de 1,8% para 2,4% de U-235), à implementação de melhorias diversas, à resolução de pendências técnicas, à revisão dos procedimentos, à restrição de acesso aos desvios de proteção, e a ao melhor treinamento dos operadores. Mesmo com o projeto dos reatores posteriores (MKER) aprimorado, o ambicioso programa nuclear soviético foi cancelado. O prejuízo financeiro colossal com o acidente (da ordem de 18 bilhões de rublos) ajudou a apressar a saída dos soviéticos do conflito no Afeganistão. Um preço alto também foi pago em sofrimento por muitas pessoas pelas suas perdas em comprometimentos de saúde, além dos incalculáveis prejuízos de ordem material e moral para os evacuados, disseminando descontentamento e decepção. Ao perceber as contradições, censuras e mentiras sobre Chernobyl, o povo, até então completamente à margem das deliberações, começou a exigir uma participação mais eficiente e democrática no controle e vigilância do governo. As nações cativas da URSS despertaram do transe de opressão que os burocratas de Moscou lhes impunham, impulsionando a Glasnost, cinco anos depois. Por razões óbvias, a divulgação dos fatos sobre Chernobyl também não interessou, e ainda não interessa aos países capitalistas com grandes investimentos em energia nuclear. Esta é a possível razão para que, ao longo dos anos, tanto a imprensa mundial, como certas autoridades científicas e órgãos internacionais venham tentando conduzir o entendimento dos fatos de forma a minimizar o impacto dos efeitos do acidente e a criar a percepção de que o problema desapareceu e pode ser esquecido. Aparentemente isso também explica as enormes discrepâncias existentes nas informações e estatísticas sobre o acidente. O mundo inteiro tomou consciência de que a energia atômica para fins pacíficos precisava ser tratada com mais cuidado e respeito. Alertados pelo acidente de Chernobyl, os países detentores de tecnologia atômica passaram a fiscalizar melhor sua pesquisa, seu uso e sua implementação, e países antes interessados em adquirir essa tecnologia repensaram suas prioridades. O acidente também revelou que a URSS já estava no limite de seu poder econômico, de sua tecnologia e de sua competência industrial, incapaz de continuar competindo com os vastos investimentos bélicos americanos impulsionados pelo então presidente Reagan. Ficou claro que a absurda Guerra Fria estava perdida e que tratados de não proliferação de armas nucleares precisavam ser levados mais a sério. Os escombros radioativos sob o confinamento, incluindo uma imensa massa do magma agora solidificado, (apelidado “ elephant foot”, com cerca de 180t), constituirão um problema enorme e permanente por dezenas de milhares de anos (só para se ter uma idéia, o Pu-239 tem meia-vida de 24.100 anos). O "sarcófago" já ultrapassou o prazo de durabilidade previsto, de 20 anos, e o governo da Ucrânia não dispõe de verba suficiente para tratar desse problema, dependendo da cooperação financeira internacional. A humanidade teve uma assustadora amostra do que seria a destruição do planeta por poluição atômica, seja em guerras, seja no manejo irresponsável. Extensas áreas do leste europeu estão isoladas por contaminação radioativa. Em alguns locais o dano pode ser considerado permanente, pois a radioatividade perigosa persistirá por milhares de anos. Na Bielorrússia, o solo contaminado chega a quase 30% do território. Em memória Enfrentando aquela crise, muitos cidadãos comuns tornaram-se heróis anônimos. Que não sejam esquecidos, ao menos: • Os 186 bombeiros das brigadas de Pripyat e Kiev, e em especial os primeiros 32, que mesmo atordoados e enfraquecidos pela radiação mortal que os atingia, protegeram o reator 3 que ainda operava ao lado; Os três voluntários que conscientemente mergulharam para a morte na água radioativa empoçada sob o reator 4, abrindo as comportas de escoamento para evitar uma nova explosão de vapor que poderia lançar uma quantidade monstruosa de material radioativo na atmosfera; Os tripulantes dos helicópteros que sobrevoaram a mortífera nuvem de radiação que emanava do magma formado pelo núcleo derretido do reator e dos incêndios de grafite, jogando materiais para deter as reações e emissões; Os 10 mil mineiros da Ucrânia e Rússia que escavaram um túnel embaixo do reator, sob condições terríveis, fazendo uma contenção criogênica para impedir que o magma do núcleo atingisse o lençol freático; Os chamados “biorrobôs”, que removeram os destroços altamente radioativos que jaziam sobre o teto do reator 3, permitindo a construção do confinamento; Os médicos e enfermeiros que fizeram o possível para tratar as vítimas e dar conforto ao que morreram sofrendo os horríveis efeitos da radiação; Os operários que construíram o imenso confinamento de concreto e aço (apelidado de “sarcófago”), uma obra apressada, complicada, dificílima de realizar e sem margem para erros; Todos os que trabalharam na descontaminação, delimitação e evacuação de áreas atingidas por material radioativo. • • • • • • • Esse mapa de contaminação refere-se ao césio-137. Devido ao fim de ciclo do combustível, a explosão de Chernobyl funcionou como uma “bomba suja” (arma atômica grosseira em que um explosivo convencional espalha na atmosfera uma carga de resíduos radioativos) feita de toda uma gama de produtos de fissão. Texto e desenhos por Vitor Dalavia; mapa da contaminação e fotos coletadas na Web; 12/07/2009; Leituras sugeridas: The truth about Chernobyl - Grigori Medvedev, Evelyn Rossiter, Andreĭ Sakharov Chernobyl record - Richard Francis Mould Safety Series n° 75-INSAG-7 – Report by International Nuclear Safety Advisory Group


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