Memórias de Um Sargento de Milícias Editora FTD, 2ª Ed. – 1993 Memórias de Um Sargento de Milícias é o primeiro romance brasileiro que traz como protagonista um malandro, Leonardinho. Porém, antes de contar a história deste, sabemos um pouco mais a história de seus pais: Leonardo Pataca e Maria Hortaliça. E durante a obra, Leonardinho poucas e boas com todos aqueles com que se relaciona. Até que se apaixona por Luisinha, mas esta é muito tímida para corresponder tal sentimento. Assim, Leonardinho passa a ter uma vida em meio aos ciganos, e lá conhece Vidinha, uma mulata pra lá de sensual. Ao se apaixonar por esta, arranja outros problemas em meio aos outros tantos pretendentes da mesma. Tal relacionamento não dá certo, e talvez por ironia do destino, Leonardinho se encontra novamente com Luisinha, agora uma mulher formada. E a obra termina com ambos se encaminhando ao altar... Publicado originalmente em folhetins no Correio Mercantil do Rio de Janeiro, entre 1852 e 1853. Sua narrativa incorpora a linguagem das ruas, classes média e baixa, fugindo aos padrões românticos da época, onde os romances retratavam os ambientes aristocráticos. Há quem divida a obra em duas partes, sendo a primeira uma transcrição dos costumes daquela época. E a segunda sendo mais romantizado, deixando de lado esse senso crítico para com a sociedade. Com uma descrição não tão minuciosa, a leitura de suas 184 páginas se tonar agradável. E apesar de ter em seu título “memórias”, ele não segue os moldes de Machado de Assis contando uma história passada. Ela é tratada no tempo presente e só ao final descobrimos o porquê de “memórias”... Resultado de pisadelas e beliscões, Leonardinho nasce do romance entre seu pai, Leonardo Pataca, e sua mãe, Maria Hortaliça, durante a viajem que os trazia de Portugal para o Brasil. Já ao desembarcar aqui no Brasil, Maria Hortaliça sente enjoos e constata-se estar grávida. A criança nasce sete meses após a viagem e é batizado com o nome do pai pelos padrinhos: a comadre e o barbeiro. Passados alguns anos, Leonardo se torna meirinho e confirma suas suspeitas de que sua mulher é infiel, quando chega mais cedo a tempo de flagrar um homem fugindo pela janela. Em consequência disso, ele briga com Maria-Hortaliça e expulsa até seu filho com um pontapé que o faz rodopiar no ar e sai em busca de consolo. Ao voltar mais tarde, o compadre barbeiro, o informa que Maria-Hortaliça decidiu voltar para Portugal. Leonardo abandona então seu filho aos cuidados do barbeiro e passa a viver com uma cigana, que posteriormente o abandona. Enquanto isso, Leonardinho vai crescendo sob os cuidados de seu padrinho, o barbeiro, que cada dia que passa se aperfeiçoa cada vez mais pela criança. E este passa a se preocupar cada vez mais com o futuro da criança, já que ela não mostra aptidão para mais nada senão a malandragem. O padrinho, com uma paciência sem limites, tenta encaminhar Leonardinho nos costumes religiosos colocando-o na escola e ensina a ajudar na missa. Porém, na escola ele se revela um péssimo aluno e colega, e na Igreja da Sé, onde consegue o posto de sacristão, vê a melhor oportunidade para realizar travessuras, junto com seu mais novo amigo que também era sacristão e com um caráter propenso travessuras. O ponto alto de suas brincadeiras se dá quando ele prova à todos que o mestre-de-cerimônias mantém relações com uma cigana –a mesma que se envolvia com Leonardo Pataca. Isso leva a sua expulsão, deixando assim a Igreja da Sé. Isso causa um grande desgosto em seu padrinho e em sua madrinha, que vinham na igreja a última saída para encaminhá-lo numa profissão, já que em todas as outras ele não demonstra qualquer interesse e/ou aptidão. Num certo dia, na casa de Dona Maria, uma mulher da vizinhança e muito amiga de seu padrinho, ele conhece Luisinha, sobrinha de D. Maria. De primeiro, ele se recusa a assumir-se apaixonado, mas não demora muito para que ele aceite tal “sina” e que passe a tentar de todas maneiras conquistar o coração da garota. Tal desejo não se realiza, uma vez que Luisinha é tímida demais. Nesse meio tempo surge José Manuel, que passa também a disputar o coração de Luisinha. Um dia, muito chateado por Luisinha não ter correspondido seu sentimento, Leonardo vai para casa de seu pai, que resolveu se casar novamente com Chiquinha, afilhada de D. Maria. Leonardo e ela nunca se deram bem, porém nesse dia a briga alcança proporções nunca vistas. Ao fim dela, Leonardo Pataca expulsa novamente o seu próprio filho de casa, que sai sem pensar duas vezes. Andando sem destino, este acaba por encontrar por acaso com seu antigo companheiro de sacristia, Thomas, num almoço com uma família de ciganos. Leonardo se junta a eles, e se encanta por Vidinha, uma das três jovens ciganas daquela família. A partir desse almoço, Leonardo passa integrar a família, porém surgem outros problemas. Um desses é que Vidinha corresponde seus sentimentos, mas ao fazer isso ele acaba comprando a inimizade de dois primos da Vidinha, que eram apaixonados por ela. Esses armam poucas e boas para cima dele. E é nesse contexto que Leonardo conhece o Major Vidigal, o terror de todos os vagabundos. Vidigal é o tipo de homem que faz de tudo para manter a ordem, e por isso, ele passa a ficar no encalço de Leonardo. O relacionamento de Leonardo com Vidinha não dura muito, uma vez que esta morre de ciúmes, e numa de suas crises faz com que Leonardo perca o emprego. E ele, cansado de tudo isso, resolve voltar para sua vida de antigamente. Assim, Leonardo ressurge para a felicidade e alívio do seu padrinho e de sua madrinha que ficaram todo o tempo sem notícias suas. Nesse meio tempo, Luisinha acaba se casando com José Manuel e, posteriormente, se tornando viúva. Então entra na história com mais influência a Dona Maria e a Comadre, para tentar unir novamente o casal... E enfrentando alguns empecilhos, elas até conseguem o cargo de sargento para Leonardo, que parece ter tomado o rumo de sua vida. Ou melhor, ele se torna um sargento de milícias – motivo de a obra ter esse nome. E assim a obra termina, Leonardo, o primeiro malandro da história, se arranjando com Luisinha. Durante todo o livro, a leitura fluiu muito bem – principalmente depois que ele toma ares mais românticos, deixando a descrição da sociedade um pouco de lado. Gostei bastante, principalmente dos personagens. Acredito que não teve um que não fosse muito bem construído, até a vizinha que só ficava na janela atormentando o barbeiro e seu afilhado, tem sua dose de carisma. Leonardinho, ah Leonardo... Não posso deixar de citar também o amadurecimento desse personagem. Acredito que o que mais me encantou na obra tenha sido a transformação do garoto sem limites no rapaz que morre de amores por Luisinha. Essa transformação foi sutil, mas encantadora e que quando ela é jogada em sua cara, não dá para não torcer em favor dos dois. “Leonardo havia pois chegado à época em que os rapazes começaram a notar que seu coração palpita mais forte e mais apressado, em certas ocasiões, quando se encontra com certa pessoa, com quem, sem saber por que, se sonha umas poucas noites seguidas, e cujo nome se acode continuadamente a fazer cócegas nos lábios.” Em suma, o livro é muito bom. Apesar de constar na lista dos temíveis livros obrigatórios para o vestibular, e por isso todos eles tendem a serem visto com mau olhos, “Memórias de Um Sargento de Milícias” é um dos mais prejudicados dentre eles. Dessa lista, muitos realmente podem ser chamados de chatos, mas não este. Com uma linguagem nada arcaica – e com isso eu quero dizer, de fácil leitura – o livro se torna um bom entretenimento, não somente nas mãos de futuros vestibulando, mas sim na de qualquer um que queira se aventurar na primeira obra que resolveu explorar o lado do mocinho que não é tão mocinho assim. Boas gargalhadas o acompanharão durante a leitura se você se permitir emocionar. Não duvido nada se você chegar ao final da obra e quiser mais... Porque eu tenho que confessar: a maneira como Manuel Antônio de Almeida termina a obra foi simplesmente genial, escolhendo um final em aberto já que, palavras dele, “seus protagonistas passaram por tantas coisas que não cabe a eu dizer que acabou”... Então, somos nós sua obra a nossa maneira. “Dizem todos, e os poetas juram e tresjuram, que o verdadeiro amor é o primeiro; temos estudado a matéria, e acreditamos hoje que não há que fiar em poetas: chegamos por nossas investigações à conclusão de que o verdadeiro amor, ou são todos ou é um só, e neste caso não é o primeiro, é o último. O último é que é o verdadeiro, porque é o único que não muda.” Manuel Antônio de Almeira morreu com trinta anos de idade, sendo “Memórias de Um Sargento de Milícias” o seu único romance. Porém, apesar de ter vivido tão pouco, bebeu das mesmas fontes que Machado de Assis, o qual teve o prazer de conhecer pessoalmente e ainda, trabalhar com ele quando foi nomeado diretor da Tipografia, onde Machado era o aprendiz de tipógrafo. A causa de sua morte precoce foi um naufrágio do navio Hermes, na costa fluminense, em 1861. Guilherme Schneider