Camille Claudel Camille Claudel nasceu um ano e três meses após a morte prematura, com 15 dias, de seu irmão mais velho Charles Henri. Sua mãe Louise permanece enlutada para o resto de seus dias e ³nunca beijou um de seus outros três filhos.´ A última carta de Camille escrita depois de vinte e cinco anos de internação e dirigida ao irmão Paul Claudel é ainda um apelo a um lugar no desejo da mãe, eterna enlutada. Ela escreve: ³eu penso sempre em nossa querida mamãe. Nunca mais a vi depois que vocês tomaram a funesta decisão de me enviar a um asilo de alienados. Eu penso no bonito retrato que fiz dela em nosso jardim. Os grandes olhos onde se lia a dor secreta, o espírito de resignação... suas mãos cruzadas sobre os joelhos em abnegação completa: tudo indicava a modéstia e o sentimento de dever em excesso, era bem a nossa pobre mãe.´ Louise, a própria mãe de Camille destruiu este retrato após internar a filha, cujos endereçamentos lhe eram insuportáveis. Desde o seu nascimento Camille foi mal acolhida por sua mãe que esperava um menino para repor a perda do filho. Camille, a menina decepciona e é batizada com um nome que atende aos dois sexos. Para a mãe, ela sempre foi ³uma criatura estranha e selvagem´ com uma carreira que não era edificante para uma mulher. Aos doze anos Camille já trabalhava a argila, e aos quinze já havia esculpido David e Goliath e Napoleão. Seu primeiro mestre Alfred Boucher, a apresenta a Paul Dubois, diretor da escola Nacional de Belas Artes, que reconhece seu talento. Camille através da arte de fazer surgir seres novos, cujos traços são marcados para sempre, fixados, congelados na frieza da pedra denuncia sua posição fantasmática diante do Outro. Em 1881, com dezessete anos convence o pai a estabelecer a família em Paris para que ela e os irmãos pudessem aperfeiçoar seus estudos.No entanto Louis Prosper é obrigado a trabalhar em outra cidade, e só ia para casa aos domingos. A família nunca perdoou mais este ³egoísmo´ de Camille. O afastamento do pai é descrito por seu irmão, o escritor Paul Claudel como um cataclisma. Em Paris no ateliê de Rodin, Camille logo se sobressai, tornando-se sua aluna, modelo predileta e amante. O mestre a mantém à parte, ele a privilegia. Ela trabalha de forma incansável, dedica-se às suas orientações e lhe serve sendo responsável pelos pés e mãos das suas obras e nessa época os dois produzem ³a porta do inferno´. Até 1888 continua morando com os pais que ignoravam esta relação. Anos depois, sua mãe, escreverá que não quer mais vê-la, ³pois ela tem todos os vícios´, e a acusa de tê-la exposto levando Rodin e a mulher, para jantar em sua casa, quando na verdade já viviam como amantes. Sua filha era uma prostituta que fazia o pai sofrer. Paul que tomou conhecimento do romance com Rodin antes da família, sente-se traído, reprova a irmã. As referências de Paul à sua irmã possuem um tom enciumado e de exaltação à sua beleza e genialidade. Em 1888 Camille e Rodin passam a viver publicamente como amantes em uma velha mansão que se torna seu novo atelier. A família indignada recusa o contato público com ela. No entanto Rodin jamais abandona Rose Beuret. A crítica a reconhece como uma artista de estilo próprio e genial, a sociedade, porém a condenava, e isso impedia que ela concorresse aos concursos para obras públicas. Camille engravida e Rodin a envia de férias para o interior, aos cuidados das chamadas fazedoras de anjo. Cria aí uma obra belíssima a pequena castelã, rosto de uma menina dirigindo para cima um olhar morto. Este aborto a ³torna impura e suja´ no dizer de Paul. Por volta de 1893 Camille escreve a Rodin: ³eu estava ausente quando o senhor veio, pois meu pai chegou ontem e fui jantar e dormir em casa(....) A senhorita Vaissiers me contou toda sorte de fábulas forjadas sobre mim em Islette. Parece que saio à noite pela janela de minha torre , suspensa numa sombrinha vermelha com a qual ponho fogo na floresta!!!´ Em 1892, rompe pela primeira vez o romance com Rodin e monta seu próprio ateliê na ilha de Saint Louis. Durante os sete anos que se seguem desafia o mestre, negando sua ajuda e desesperadamente tenta conseguir encomendas. Torna-se alcoólatra e é protagonista de vários escândalos. Expõe ainda duas vezes, mas não comparece em público, alegando que está feia e acabada para se expor. Em uma das cartas justifica a recusa em participar do Salão de Outono, por não poder apresentar-se em público com as roupas que tem no momento: ³sou como pele de asno ou Cinderela, condenada a cuidar da lareira sem esperança de ver chegar a fada ou o Príncipe encantado que deve mudar minha roupa de pele ou cinzas em vestidos cor do tempo´. Pele de asno é outra forma metafórica de referir-se a posição feminina, a da mulher que espera o príncipe guardando sob as vestes as insígnias paternas. Trancada em seu atelier, repete incessantemente ³o canalha do Rodin´ frase que é escutada pelos vizinhos. O meio artístico antes tido como ideal, passa a pertencer ao bando de Rodin que a todos seduz e convence contra ela. Suas ideias e seus desenhos serão roubados, executados, terão sucesso e seu nome será excluído. ³Eu serei perseguida por toda minha vida pela vingança deste monstro, o perseguidor Auguste Rodin´. Até a morte, Camille mantém inalterada a certeza delirante de que Rodin a persegue. Em uma manhã só abre a porta para Henri Asselin que viria posar, após longa conversa. Ela estava desfeita, tremendo de medo, armada de vassoura em riste e lhe diz: ³esta noite dois indivíduos tentaram forçar a minha janela. Eu os reconheci, são dois modelos italianos de Rodin. Ele lhes ordenou que me matassem. Eu o incomodo. Ele quer me fazer desaparecer.´ A partir daí Camille todos os anos, no mês de julho, destrói a marteladas suas esculturas e depois some por algum tempo. O pai que continua até o fim da vida mantendo-a financeiramente, insiste com Paul para que interceda junto à mãe a fim de que esta consinta em se aproximar de Camille ³talvez esta louca varrida melhore´. Mas Louise é irredutível e assim se manterá até a morte. Em março de 1913, Louis Claudel morre aos 87 anos. Informada por carta pelo primo Charles Thierry ela responde ³O pobre papai nunca me viu como eu sou; sempre lhe fizeram crer que eu era uma criatura odiosa, ingrata e má. Era necessário para que o outro pudesse tudo usurpar´ e afirma que a família vai logo interná-la em uma casa de loucos, por acreditarem que ela é nociva ao sobrinho quando reclama seus bens ³por mais que eu me encolha em meu pequeno canto, ainda sou demais´. A internação de Camille em Paris ocorreu uma semana após a morte do pai. Louise estava livre e conseguiu um atestado com médico amigo da família e vizinho de Camille.O laudo de internação certifica que a senhorita Camille Claudel sofre de perturbações intelectuais muito sérias; tem hábitos miseráveis, é absolutamente suja, nunca se lava, vendeu todos os seus móveis, passa sua vida completamente fechada, só sai à noite, e tem sempre o terror do bando de Rodin, e que seria necessário sua internação em uma Casa de Saúde. Camille vive a desordem absoluta, procura desesperadamente o reconhecimento. Preterida pela mãe e pelo amante, ela não tem lugar no desejo do Outro. Camille trai o pai na medida em que se apaixona por Rodin em detrimento de sua própria obra. Ela fracassa em superar o mestre e sustentar o nome do pai ± sustentar o nome Claudel para o pai. Assim já não pode pertencer ao clã Claudel. Em uma de suas cartas escreve ³teria feito melhor comprando belos vestidos e belos chapéus que realçassem minhas qualidades naturais do que me entregar à minha paixão pelas construções duvidosas e os grupos mais ou menos ásperos´, ou ainda ³esta arte está mais de acordo com as grandes barbas e caras feias do que com uma mulher relativamente bem dotada pela natureza´. Camille Claudel nos trinta anos em que passa prisioneira em um asilo escreve constantemente à mãe. Suas cartas eram repetidos apelos desesperados para que esta a tirasse do asilo, mas a resposta era implacável. As cartas da mãe de Camille para o diretor do asilo, proíbem que ela se corresponda com quem quer que seja, ³pois suas cartas poderiam servir àqueles que faziam campanha contra a família Claudel devido a permanência da escultora no asilo. Segundo sua mãe Camille tem ideias as mais extravagantes, suas intenções são sob o ponto de vista das família sempre muito más, ela nos detesta, e está sempre pronta a nos fazer todo mal que puder´ Aos pedidos endereçados à família , tanto por Camille quanto pelo diretor do asilo , sua mãe oferece uma soma maior em dinheiro para que ela permaneça internada. Sua mãe tinha horror de qualquer aproximação com esta filha que só trazia a vergonha e desonra. Em 1930 uma última carta, esta dirigida a Paul ³ hoje 3 de março é o aniversário de minha internação! Faz 17 anos que Rodin e os marchand de objetos de arte me enviaram para fazer penitência nos asilos. Eles é que mereciam estar nesta prisão, pois eles apoderaram-se da obra de toda minha vida através de B. que conta com sua credulidade e a de mamãe e de Louise. Eles diziam: nós nos servimos de uma alucinada para encontrar nossos temas! É a exploração da mulher o esmagamento da artista de quem se quer espremer sangue! Tudo isto no fundo sai da cabeça diabólica de Rodin. ... Em outra reclama da comida e solicita que a mãe lhe envie os seus pedidos e que não gaste dinheiro pagando pelo que ela não consome no asilo. ³Tem novidades de Paul? De que lado ele está agora? Ainda tem a intenção de me deixar morrer em um asilo de alienados? É bem cruel para mim. Isto não é lugar para mim´. Camille Claudel morreu em 19 de outubro de 1943, após trinta anos de internação, aos 79 anos incompletos. Camille Claudel - Arte, paixão e loucura Com apenas 17 anos, Camille chegou a Paris, onde conheceu um dos maiores artistas de seu tempo, Auguste Rodin, de quem se tornou assistente, musa e amante. A partir daí, seus destinos estariam para sempre entrelaçados. Camille Claudel morreu em 1943, aos 79 anos de idade, pobre, sozinha numa cama de hospício, onde ficou por mais de 30 anos. Em vida, ela foi atormentada por um amor impossível, pelos preconceitos da sociedade francesa do século 19 e pela doença que a levou ao isolamento. A própria família a renegou. A sobrinha-neta de Camille, Reine-Marie Paris, autora de uma tese sobre a vida da artista (Camille Claudel, de 1984), conta que brincava entre as esculturas guardadas na casa do avô, Paul, irmão de Camille. ³Até pouco tempo atrás, a família tinha vergonha da escultora e o nome de Camille sequer era pronunciado´, diz. Mas o que essa artista brilhante fez de tão grave? Por que suas obras ficaram escondidas e esquecidas por tanto anos? Para entender a vida de Camille é preciso voltar à sua infância, na discretíssima Villeneuve-sur-Fère, na região de Champanhe, no sul da França. Ali, entre brincadeiras e pequenas aventuras ao lado de Paul, Camille foi uma criança fora dos padrões e alheia ao que se esperava de uma menina no século 19. Numa época em que as mulheres eram criadas para afazeres domésticos, ela estava sempre suja de barro e descabelada. Ela e o irmão caçula fugiam de casa para se aventurar nas montanhas que cercavam a aldeia. Paul Claudel, que mais tarde se tornaria um dos grandes escritores da França, descreveu o cenário de sua infância no livro MémoiresImprovisés (³Memórias Improvisadas´, sem versão em português), de 1954: ³Vivíamos em terra agreste e selvagem, uma paisagem extremamente austera, com ventos e chuvas freqüentes´. Para o desespero da mãe e orgulho do pai, Camille descobriu cedo o gosto pela escultura. Começou moldando argila, quase como uma brincadeira. Eram figuras inspiradas em Napoleão, Davi e Golias, além de membros da família. Na adolescência, um de seus professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela poderia participar de grandes salões de arte e conhecer a nata intelectual e artística da época. O pai de Camille acreditava na vocação da filha. E, apesar dos gastos que isso representava, em 1881 levou toda a família para Paris. Eles chegaram em uma charrete emprestada por um vizinho. ³Todos estavam exaustos, apenas Camille, então com 17 anos, e a empregada Eugènie irradiavam alegria´, escreveu a francesa Anne Delbée, no livro Camille Claudel, Uma Mulher, biografia publicada na França em 1982. Mas em Paris as dificuldades eram enormes para uma jovem artista. A escultura, além de ser uma atividade prioritariamente masculina, exigia materiais caríssimos como o mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar um espaço relativamente amplo ± os aluguéis em Paris, já naquela época estavam entre os mais caros do mundo ± e o salário do trabalho de fundidores, auxiliares e modelos. Camille alugou um ateliê com mais três jovens artistas, todas inglesas. Uma delas, Jessie Lipscomb, tornou-se sua amiga para o resto da vida e uma das poucas pessoas que a visitariam no hospício. Elas dividiam também os pagamentos para o professor Alfred Boucher, que as orientava de vez em quando. Foi numa dessas visitas que Boucher apresentou o trabalho de Camille para Paul Dubois, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a semelhança da obra da jovem com a de outro artista, que começava a despontar para a fama. ³A senhorita já teve aulas com Auguste Rodin?´ Camille nunca tinha ouvido falar no sujeito. O encontro ³Na época, Rodin ainda não era famoso, mas já iniciara a experimentação conceitual e estilística que viria a caracterizar sua forma inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou seja, os impressionistas´, diz Jacques Vilain, historiador do Museu Rodin e co-autor de Rodin: A MagnificentObsession (³Rodin: Uma Magnífica Obsessão´, inédito no Brasil). Se Camille ficou curiosa para conhecer o tal que esculpia igual a ela, esse sentimento durou pouco. ³Apenas algumas semanas depois, Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo assumir suas aulas particulares. Assim, numa tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas das jovens escultoras´, diz Vilain. Camille tinha 19 anos. Rodin, 45. Segundo Reine-Marie, Rodin teria entrado cheio de si no ateliê e não fez um só elogio sobre as obras expostas. Muito pelo contrário: apontou defeitos. Mas ele gostou do que viu. Tanto que passou a freqüentar o local e, depois de dois anos, chamou Camille para trabalhar com ele. O convite coincidiu com um momento particularmente importante na carreira de Rodin. ³Ele acabara de receber uma encomenda do governo francês para fazer As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de grande porte que precisariam de ajudantes para ser feitas´, afirma Vilain. ³Camille era uma artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso dava opiniões e discutia idéias sobre as obras com Rodin.´ Não se sabe quando a convivência entre o mestre e a aluna se tornou um caso de amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são reveladoras da paixão e do ciúme que Camille, desde o início, já sentia. ³Minha Camille, esteja segura de que não tenho nenhuma outra amiga e toda minha alma lhe pertence´, escreve Rodin. Camille responde: ³Deito-me nua para imaginar que está ao meu lado, mas quando acordo já não é a mesma coisa´. Rodin não estava sendo sincero. Nessa época, ele já vivia com Rose Beuret, com quem tinha um filho. Além disso, ostentava a fama de mulherengo. Mas Camille estava apaixonada e, em 1888, deixou a casa dos pais e passou a viver numa casa alugada por Rodin, que eles chamavam de ³retiro pagão´. ³Eles passam a freqüentar lugares públicos, tornando-se amantes assumidos. O que era um escândalo para a época´, afirma Liliana Wahba, psicóloga brasileira autora de Camille Claudel: Criação e Loucura. Essa fase da vida de ambos é marcada por obras de intensa sensualidade. No entanto, com o tempo (ah, o tempo, esse eterno vilão dos casos de amor!), Camille passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Rodin, que nem sempre aparecia.O relacionamento começou a deixá-la deprimida. Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a Camille, mas dizia que não podia abandonar a mulher que havia estado ao seu lado nos momentos difíceis. Para a historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, em Paris, no entanto, isso não passava de uma desculpa. ³Ele tinha medo de Camille. Sua inteligência e talento faziam dela uma artista que poderia suplantá-lo.´ Em 1892, Camille sofreu um aborto. Não se sabe se foi natural, mas o drama certamente a abalou. Ela abandonou o ³retiro pagão´ e decidiu se afastar de Rodin. Para recuperar o tempo perdido, se concentrou no trabalho para desvincular sua arte da do amante. É sua fase mais produtiva. Ela estuda a arte japonesa e dessa influência surgem algumas das suas mais belas obras, como As Bisbilhoteiras e A Onda. Apesar das críticas favoráveis, sua arte não era apreciada pelo grande público. ³Em parte pelo preconceito por ser mulher. E, em parte, porque diziam que ela copiava Rodin´, afirma Liliana Wahba. Rodin e Camille continuaram a se encontrar até 1898, quando romperam definitivamente. Camille passou então a viver trancada em seu estúdio, cercada por seus gatos. Ela estava com sérios problemas financeiros. Usava roupas e sapatos velhos, não comia direito e começou a beber. Depois que A Idade Madura, considerada sua obra mais autobiográfica, foi recusada pela Exposição Universal de 1900, Camille, com 36 anos, passou a achar que havia um complô de Rodin contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele continuava a intervir por ela, assegurando-lhe novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Prefere viver sozinha, no silêncio e na escuridão. Sua última escultura é de 1906. Depois desse ano, destrói tudo o que esculpe. Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os enterra, e proíbe que vejam o que faz. ³A partir de então, suas angústias se tornam idéias fixas, até instalar-se a psicose´, diz Liliana. Seu irmão estava longe, em missão diplomática na China. Seu pai estava velho, doente. Ela não tinha mais ninguém, nem dinheiro, nem saúde, nem inspiração. Restavalhe o abandono e o medo. No dia 10 de março de 1913, uma semana após a morte do pai, a pedido da família, que arranjou uma certidão médica (ela foi diagnosticada como portadora de delírio paranóico), Camille foi levada à força para um hospício. Ela não sairia do hospital até o dia de sua morte, 30 anos depois, e jamais voltou a esculpir. Camille pelos olhos de Rodin Musa Em 1888, Camille Claudel esculpiu Sakountala. Segundo AntoinetteRomain, historiadora francesa especializada em arte do século 19, em resposta, Rodin fez O Eterno Ídolo (1889). Essa obra foi criada para integrar As Portas do Inferno, mas Rodin não a colocou no monumento. ³Provavelmente porque a obra é muito delicada e sensível´, afirma a historiadora Monique Laurent. Quando Rodin finalizou esta obra, Camille já vivia, havia um ano, na casa que ambos chamavam de ³retiro pagão´. ³Eles estavam no auge da paixão e a obra reflete isso´, afirma Monique. Modelo Além de aluna, ajudante e amante, Camille costumava posar para Rodin. A Danaide, realizada em 1885, é uma das obras para a qual ela serviu de modelo. A peça é extremamente sensual e coincide com o início do relacionamento amoroso entre os dois. Rodin apresentou a escultura em mármore, pela primeira vez, em 1889, durante uma exposição que realizou junto com o pintor Claude Monet. Para Monique Laurent, não há dúvidas de que este trabalho está ligado com a memória íntima do escultor. Influência Camille foi convidada por Rodin para trabalhar com ele em 1885. Ela era a única mulher no time de escultores contratados para auxiliar o mestre a esculpir uma de suas obras mais monumentais, Os Burgueses de Calais. O conjunto começou a ser esculpido em 1884 e demorou cerca de dois anos. ³Com o tempo, Camille ganhou a confiança da equipe e Rodin passou a consultá-la para quase tudo´, afirma a historiadora francesa Monique Laurent. Era Camille a incumbida de esculpir pés e, principalmente, mãos. ³E era por meio das mãos que Rodin definia a emoção dos personagens´, afirma. Camille Claudel ³Pior ainda foi sua inércia com o destino da irmã do poeta Paul Claudel, Camille, que foi sua assistente e amante. Ele tinha 43 anos, ela 19. Enquanto Rodin se cobria dos louros, Camille foi internada no hospício do Mondevergues, de onde só saiu para a cova, 30 anos depois. Hoje seu valor é reconhecido, seja através de exposições ou do filme Camille Claudel, estrelado por Isabelle Adjani´. (Mauro Trindade) Paris, século XIX Uma mulher decide quebrar os laços com sua classe social, com a moral vigente e com as normas de conduta bem aceitas em sua época. Foi considerada louca, internada por 30 anos num hospital psiquiátrico ± até sua morte ± depois de entregar-se furiosamente a sua arte e a um mau amante, escultor abastado e famoso. Ele, o imperecível Auguste Rodin. Ela, a intuitiva e talentosa escultora Camille Claudel, personagem de filmes, razão de poemas, mulher arrasada, infeliz e mal compreendida. Ingredientes que tornam a sua biografia fascinante aos olhares curiosos. Tudo o que se acrescente como condimento de frescas novidades sobre esta escultora ± vitimada mais pela sociedade que pela loucura ± exerce, talvez por isso, um encanto hipnótico e avassalador. Não se sabe porque cargas d¶água uma certa ³intelectualidade´ sente prazer irresistível pela tragédia moral e exalta como ponto de virtude o sofrimento do artista. Ao que parece, quanto mais estilhaçados melhor; quanto mais dolorido, mais doce (veja-se o caso da pintora mexicana Frida Kallo, que atualmente tem suas obras em altíssimas cotações no mercado de arte). O que importa em Claudel; aliás, o que deveria importar num momento em que se faz a revisão de sua obra, seria destacar o seu alto valor estético, sua ruptura com uma manifestação escultural adormecida e que era já, depois de um certo tempo, construcção oficial das formas em Rodin. Deveriam ser exaltadas estas coisas, não sua desgraça. Não se pode negar o gênio a Rodin, mas deve-se questionar o quanto de preconceito e de sua postura como inverso de mestre prejudicaram um talento manifesto. Que não era mais florescente apenas, mas que exigia ar e aparecimento: ela, Camille. Ela, que num sopro poderia ser, sim, mais do que ele. E isso lhe era insuportável. Camille era pouco conhecida do público. O reconhecimento de seu talento ficava restrito a artistas e intelectuais, mas mesmo entre eles o seu comportamento incomum assumia feições de desvario. Sua família era rica, mas a adolescente apaixonada pela escultura não se deixava ficar entre rapapés, na condição de mulher passiva e obediente, à espera de um marido bem aquinhoado e cordato, largada das coisas impuras da arte. Muito pelo contrário. Desde menina fugia de casa para extrair barro para suas esculturas. A mãe, no entanto, se opunha à ambição de ser artista da pequena Camille. A sociedade francesa, preconceituosa e machista, também colocava muros à sua frente. Ela tentou passar por todos eles. Era mulher, e a escalada se tornava ainda mais difícil. O lance crucial de sua vida ocorreu quando decidiu empregar-se no estúdio do escultor Rodin, com quem pouco tempo depois passa a conviver na condição de amante. A união marginal atiçava os comentários. Uma jovem impetuosa e um homem rico, famoso e mais velho, convivendo sem casar oficialmente... Mas o fator determinante para os transtornos que se seguiriam a essa união não partiram exatamente daí. Tratava-se, no fundo, de um embate de natureza artística entre a intuição criativa de Camille e o apuro conquistado em anos de estudo pelo escultor oficial do governo francês, Auguste Rodin . O rompimento entre os dois era a única saída para a sobrevivência criativa da jovem aluna que abalara de forma tão radical o universo artístico de seu mestre. Rodin não admitia as diferenças de potencial criativo entre ele e Camille. Quando a artista percebeu estar sendo usada por Rodin, veio o rompimento. Camille ficou só. O irmão Paul Claudel, poeta, viajara para os Estados Unidos e lhe faltava mais esse amparo. Passou a criar obsessivamente; percebia-se, contudo, que perdia a sanidade. O golpe final veio quando, durante uma exposição, não conseguiu vender nenhuma escultura. O fracasso, o álcool, e agora o descrédito, somados às suas muitas decepções, fizeram-na indignar-se a tal ponto que, em dado momento, destrói as peças que havia criado. Acaba interna como louca. uma expressividade artística vigorosa, adaptando de uma maneira extremamente pessoal algumas importantes conquistas do modernismo. Ao lado de Auguste Rodin, de quem foi parceira criativa, musa e amante, ajudou a consolidar definitivamente o movimento de renovação nas artes escultóricas. À parte da mitologia que foi criada de que a culpa única e exclusiva da deterioração mental de Camille seria de Rodin, seu posterior isolamento tem um caráter muito mais abrangente, e serve de lição até os dias de hoje aos artistas em geral e às mulheres em particular, acerca do papel nefasto que cumpre o capitalismo também na área da cultura. Após ter perdido tudo, até mesmo o contato com sua atividade criativa, ela concluiria, revoltada com a sociedade sua época: "A imaginação, o sentimento, o imprevisto que surge do espírito desenvolvido é proibido para eles, cabeças fechadas, cérebros obtusos, eternamente negados a luz´. Camille Claudel Com sua personalidade e sua carreira destruídas, Claudel tornou-se um dos mais revoltantes exemplos de como um artista pode ser esmagado pela brutal engrenagem capitalista. Exemplos como os dela existem inúmeros na história da arte, de Van Gogh a Pollock. Pela sua condição de mulher, porém, deixou exposta de maneira ainda mais evidente as duras exigências do capitalismo para com os artistas, especialmente violento com as mulheres, e as absurdas imposições que estes são obrigados suportar para a manutenção de sua atividade. Apesar de todas as barreiras que lhe foram impostas, ainda assim conseguiu desenvolver