A narrativa cinematográfica - André Gaudreault e François Jost - capítulos 5 e 6

April 5, 2018 | Author: Anonymous | Category: Documents
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1. A NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA CAPÍTULOS 5 E 6___________________________________________ André Gaudreault e François JostUniversidade de Santa Cruz do Sul – Unisc Narrativas Midiáticas Audiovisuais ReconfiguradasCristiane Lautert Soares – PROBIC/FAPERGS 2. TEMPORALIDADE NARRATIVA E CINEMA Barthes (1964) – a fotografia parece mostrar algo que jáaconteceu, um “ter-estado-lá”. Metz (1968) – o cinema dá a impressão de um “estar-lá-vivo”. Diferentemente do verbo, a imagem cinematográfica teriaum único tempo. Laffay (1964) – “no cinema, tudo está sempre presente”. Metz (1972) – se a imagem fílmica sempre está nopresente, o filme não estaria no passado? 3. SOBRE O ESTATUTOTEMPORAL DA IMAGEM O filme como objeto estaria no passado porque registra umaação já acontecida. Por sua vez, a imagem fílmica estaria nopresente porque provoca a impressão de acompanhar a ação“ao vivo” (p. 131). “O primeiro fala da coisa filmada, o segundo, da recepçãofílmica” (p. 131). A imagem fílmica atualiza aquilo que mostra. “O espectadorpercebe sempre o movimento como atual” (METZ, 1968). Atualizar o processo é uma propriedade do modo indicativo. 4.  A língua situa a ação no eixo do tempo e a coloca ou nãocomo já acontecida. É uma questão de aspecto (p. 132). Todo e qualquer processo só pode acontecer numa duraçãoque supõe um termo inicial, um período de realização e umtermo final, de acordo com Wagner e Pinchon (1962):x................A_________B...................y x....y = eixo de duração da realização do processo A__B = intervalo de realização do processo A = termo inicial B = termo final 5.  O esquema mostra que a ação pode ser descrita deduas maneiras:a) ou me situo no interior do segmento A-B edescrevo ou relato o processo no interior da duração,que vai do início ao fim de sua duração. O processo éapresentado em curso de realização. Aspectoimperfectivo (p. 132). “Eu canto”. “Eu estoucantando”.b) ou me situo em um instante posterior àquele quecorresponde ao segmento A-B e mostro o processocomo já totalmente ocorrido. Aspecto perfectivo (p.132). “Esconderam-lhe algo”. 6.  “A imagem cinematográfica define-se mais pela suacaracterística aspectual, imperfectiva, de mostrar odecurso das coisas, do que por sua qualidadetemporal (o presente) ou modal (o indicativo)” (p.133). Paradoxo da dupla narrativa cinematográfica: mesmoque as palavras apresentem os eventos como jáacontecidos no passado, o rolo das imagens do filmesó pode mostrá-lo no decorrer de sua realização (p.133). 7. DUPLA TEMPORALIDADE: OS GRANDESCONCEITOS DE ANÁLISE DO TEMPO “Toda narrativa estabelece duas temporalidades: a dosacontecimentos relatados e a que depende do ato decontar” (p. 134). Pode-se articular esses dois eixos emtrês níveis:a) A ordem – confrontando a sucessão dosacontecimentos supostos pela diegese à ordem daaparição narrativa;b) A duração – comparando o tempo que essesacontecimentos deveriam ter na diegese e o tempo quese leva para contá-los;c) A frequência – observando o número de vezes quedeterminado acontecimento é evocado na narrativa emrelação ao número de vezes em que deveria intervir nadiegese. 8. A ORDEM Analepse – evocação de um momento da história anteriorao que se está. Retrocesso no tempo (p. 137) Prolepse – a ocorrência de um acontecimento que sepassa antes de seu lugar normal. Avanço no tempo Ambos os termos foram criados por Genette. As palavras, no cinema, permitem compreender a volta notempo, seu alcance e amplitude. Cinema mudo – cartelas. Cinema falado – representação visual + relato verbal deum narrador (p. 140). Muitas vezes, a voz off permite colocar uma data e mediras analepses com precisão. Ex. Início de Cidadão Kane (p.140). 9. O RETROCESSO NO TEMPO AUDIOVISUAL:O FLASH-BACK “O que é chamado flash-back, no cinema, geralmentecombina um retrocesso no tempo em nível verbal a umarepresentação visual dos acontecimentos relatados porum narrador” (p. 141). Em Cidadão Kane, o jornalista, ao investigar a vida deKane, conversa com várias pessoas que o conheceram.O relato dessas pessoas começa com uma ou duasfrases e, em seguida, dá espaço à visualização de umepisódio (p. 141). 10.  A forma mais habitual de flash-back é acompanhadapelas seguintes transformações semióticas (p. 142):a) passagem do passado linguistico ao presente daimagem e, de maneira mais geral, passagem doperfectivo ao imperfectivo;b) diferença de aspecto entre o personagem que narra esua representação visual (roupa, idade etc);c) transposição do estilo indireto (relato verbal) para oestilo direto (diálogos). Contudo, imagens, palavras e sons podem ter umarelaçãobem mais complexa.Temporalidadeespecificamente cinematográfica. Ex: Hiroshima, monamour (p. 143). 11.  Os retrocessos no tempo podem ter várias funções emrelação à organização geral da narrativa. Duas delas são(p. 143): Complementar uma lacuna ou omissão: para explicar ocaráter de um personagem, volta-se a uma cena de seupassado. Criar uma suspensão: têm o efeito de atrasar a realizaçãode certos acontecimentos. 12. AVANÇOS NO TEMPO - PROLEPESES São menos frequentes que o retorno ao passado. Embora desvele os acontecimentos, prende o expectadorao suscitar uma pergunta (p. 145). Flash-forward – imagens são antecipadas em relação aoseu lugar normal na cronologia. 13. ALGUNS PROBLEMAS DE ORDEM ESPECÍFICANA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA Ao contrário do romance, o cinema articula muitaslinguagens de manifestação (cores, gestos, vestimentasetc) multiplicada pela pluralidade de materiais deexpressão (além das imagens em movimento, asmenções escritas, as falas, os barulhos e a música).Signos (e eventos) simultâneos são colocados diante doespectador. A simultaneidade das ações diegéticas estáligada à sucessividade (p. 146). Diacronia (sucessão) e sincronia (simultaneidade) estãointimamente ligadas ao cinema. 14.  Quatro maneiras de exprimir a simultaneidade de ações (p. 147): A co-presença de ações simultâneas num mesmo campo: duasações que se desenvolvem num só enquadramento. A co-presença de ações simultâneas em um mesmo quadro: asduas ações não se produzem no mesmo espaço profílmico, mas sãoreunidas artificialmente na mesma imagem (fusão, tela dividida etc). A apresentação, em sucessão, de ações simultâneas: as ações sãoexibidas sucessivamente. A segunda ação não é exibida até que aprimeira tenha sido completada. A relação é expressa por uma mençãoescrita (enquanto isso...), pela presença de um evento comum nos doisquadros locativos (o barulho de uma explosão), por uma mençãoexplicativa (por voz over), ou pela lógica inferida pelos diálogos. A montagem alternada de ações simultâneas: as ações são exibidassucessivamente, mas segmento por segmento, por intermédio damontagem. 15.  Dois planos sucessivos na tela (A e B). O tempo da açãodescrito no segundo plano pode se referir a três segmentostemporais: Um segmento temporal que é simultâneo a uma parte ou àintegralidade do plano. Cavalgamento temporal (p. 149). Um segmento temporal que se sucede de modorigorosamente contínuo ao da ação descrita no plano A.Continuidade. Um segmento temporal que, mesmo sucedendo àquele doplano A, é separado dele por um intervalo mais ou menosimportante. A elipse. 16. A DURAÇÃO Para Genette, na literatura, há quatro principais ritmosnarrativos (p.150): A pausa: a uma duração determinada da narrativa nãocorresponde nenhuma duração diegética (da história).Descrição. No cinema, pode corresponder ao movimentoda câmera que só descreve o cenário, sem que aconteçaalguma ação. O tempo da narrativa é infinitamente maisimportante que o tempo da história. A cena: a duração diegética é considerada idêntica àduração narrativa. No cinema, corresponde a cada planodo filme no qual não haja aceleração ou retardamento. Otempo da narrativa equivale ao tempo da história (p.151). 17. A DURAÇÃO Sumário: resume um tempo diegético presumido comomuito longo. No cinema, essa configuração evitadetalhes tidos como inúteis e acelera a ação. O tempoda narrativa é mais curto do que o tempo da história (p.151-152). Elipse: Corresponde a um silêncio textual sobre eventosque, na diegese, são reputados como tendo um lugar. Éuma supressão temporária que intervém entre duasações diferentes. O tempo da narrativa é infinitamentemenos importante que o tempo da história (p. 152-153). 18. A DURAÇÃO Uma outra categoria pode ser vislumbrada: A dilatação: corresponde “às partes narrativas nasquais o filme mostra cada um dos componentes da açãoem seu desenvolvimento vetorial [...], mas ornando seutexto narrativo com segmentos descritivos oucomentativos”, alogando o tempo da narrativa. O tempoda narrativa é mais importante que o tempo da história(p. 153). 19. DURAÇÃO DO FILME TH = 0 – tempo da história é reduzido a zero. Tempoparado (p. 154). TN = TH – tempo da narrativa é igual ao tempo dahistória. História se desenvolve ao mesmo tempo quea projeção. Ex: Matar ou morrer, de Fred Zinneman:a hora durante a qual o xerife espera o trem que trazum fora-da-lei à vila é narrada em uma hora. TN< TH – é a mais comum. Tempo da narrativa émenor que o tempo da história. Ex: contar setentaanos em uma hora e meia. TN = 0, TH = n – a elipse, na escala de um filmeinteiro é contraditória. Se a ação fosse nula, nãohaveria filme. 20. DURAÇÃO DO FILME TN > TH – Embora raro, o tempo da narrativa émaior que o tempo da história. Ex: La Paloma ou letemps d’un regard, de Daniel Schmid – o filme contao que se passa na cabeça de um homem durante otempo de um olhar trocado com uma mulher (p.155). 21. FREQUÊNCIA Número de vezes em que um evento é evocado pelanarrativa e o número de vezes que deve retornar àdiegese. (p. 155). Uma narrativa pode narrar (Genette): Uma vez o que se passou uma vez na diegese:“Ontem eu me deitei cedo”. Narrativa singulativa. N vezes o que se passou N vezes na diegese:“Segunda-feira eu me deitei cedo” (terça, quarta, quintaetc). N vezes o que se passou apenas uma vez Uma vez o que se passou muitas vezes: “Por muitotempo eu me deitei cedo”. Essas distinções podem se aplicar mais à narrativa verbaldo que à imagem (p. 156). 22.  Narrativa singulativa: é o caso maisrecorrente. Cada sequencia é constituída deplanos que mostram uma ação ou gestoparticular, trazendo um evento diferente daqueleque o precedeu (p 156). Narrativa repetitiva: a repetição pode reprisarparcialmente uma ação sob outro ângulo, oupode ser o mesmo gesto mostrado várias vezes. Narrativa iterativa: “uma só emissão narrativaassume conjuntamente várias ocorrências domesmo evento” (Genette, 1972). 23. O PONTO DE VISTA Surpresa x suspense (ler exemplo da p. 165). Na ordem da “surpresa”, a narrativa só transmiteas informações conhecidas pelos personagens àmesa. Na do “suspense”, a narrativa fornece maisinformações, desconhecidas para os personagens(p. 165-166). Qual é o núcleo que alimenta o que Genettechama de “perspectiva” narrativa? 24. A FOCALIZAÇÃO EM GENETTE As relações de saber entre narrador e personagempodem ser resumidas pelo sistema de igualdades edesigualdades, proposto por Todorov, em 1966 (p.166): Narrador > Personagem: o narrador sabe mais queo personagem, ou, mais exatamente, diz mais do quesabe qualquer um dos personagens. Narrador = Personagem: o narrador só diz aquiloque sabe o personagem. Narrador < Personagem: o narrador diz menos doque sabe o personagem. 25.  Para evitar a carga semântica visual dos termos visão,campo, ponto de vista, Genette propõe o termofocalização, que remete ao núcleo da narrativa (p. 167).a) Narrativa não focalizada ou com focalização zero: onarrador é onisciente, diz mais do que sabe o personagem.b) Narrativa com focalização interna: fixa (narrativamostra os acontecimentos como que filtrados pelaconsciência de um único personagem); variável (opersonagem focal muda no decurso do romance); múltiplo(o mesmo acontecimento é evocado várias vezes segundo oponto de vista de diferentes personagens).c) Narrativa com focalização externa: ao leitor ouespectador não é facultado conhecer os pensamentos esentimentos do herói. 26. SABER E VER: FOCALIZAÇÃO EOCULARIZAÇÃO Romance: focalização – sentido metafórico. Cinema - o filme mostra o que o personagem vê e diz oque ele pensa. Separação entre o ponto de vista visual e o ponto devista cognitivo. A ocularização caracteriza a relaçãoentre o que a câmera mostra e o que o personagemdeve ver. Modelo ocular (p. 167-168). Como determinar que o que vemos, no cinema, é oponto de vista de um personagem? (Ex. na p. 168) “A imagem é percebida como vestígio, que liga aquiloque é visto na tela a uma posição real ou situaçãodiegética (atropelamento)” (p. 169). Assume função deíndice. 27.  Três possíveis atitudes em relação à imagemcinematográfica: “[...] ou é considerada como vista por um olho, o quefaz com que se remeta a um personagem, ou o estatutoe a posição da câmera vencem e passamos a atribuí-losa uma instância externa ao mundo representado,grande imagista de qualquer tipo; ou tentamos apagaraté mesmo a existência desse eixo: é a famosa ilusão detransparência” (p. 169). As três atitudes resumem-se a uma alternativa: ou oplano está ancorado no olhar de uma instância interna àdiegese (ocularização interna), ou não remete a talolhar (ocularização zero) (p. 169). 28. { Primária { Interna SecundáriaOcularização Zero 29.  Ocularização interna primária: Quando a materialidade de um corpo está marcada nosignificante, imóvel ou não, ou a presença de um olhopermite que se identifique um personagem ausente daimagem. Sugerir o olhar (p. 170). O olhar também pode ser construído através dainterposição de uma máscara, sugerindo a presença deum olho (buraco de fechadura, binóculos). A representação de uma parte do corpo tambémpermite remeter ao olho por contiguidade. O movimento de “câmera subjetiva” que remete a umcorpo (tremido, brusquidão, posicionamento em relaçãoao objeto olhado). 30.  Ocularização interna secundária: A subjetividade da imagem está construída pelos raccords,por uma contextualização (p. 171). Ocularização zero (p. 172): A imagem não é vista por nenhum personagem. O planoremete ao grande imagista.a) a câmera está fora dequalquer personagem.Simplesmente mostra a cena.b) a posição ou o movimento da câmera podem sublinhar aautonomia do narrador em relação aos personagens dadiegese.c) a posição da câmera pode remeter a uma escolhaestilística que expõe e identifica o autor. 31. A ESCUTA: A AURICULARIZAÇÃO Ponto de vista sonoro, auricular. Construir a posição auditiva de um personagemencontra várias dificuldades:a) a localização do som – som fílmico é desprovido dadimensão espacial (p. 173).b) a individualização da escuta.c) a inteligibilidade dos diálogos – ambiências muitoaltas ou músicas muito altas podem interferir nainteligibilidade. 32. SISTEMA DAS AURICULARIZAÇÕES Auricularização interna secundária (p. 174):A restrição entre o que é ouvido e escutado constrói-seatravés da montagem. É o caso mais comum. Auricularização interna primária:Quando não se sabe a distância da origem do som e não háreferências que signifiquem uma escuta ativa, fica difícilsaber se o som é filtrado pelo ouvido do personagem. Auricularização zero:A intensidade da sonorização está subordinada às variaçõesde distância aparente dos personagens, ou a mixagem fazos níveis variarem por critérios de inteligibilidade (p. 175). 33. AS IMAGENS MENTAIS Traduzem as visões que passam pela cabeça dopersonagem: imaginações, lembranças, alucinações (p.175). Operadores de modalização: códigos que permitemdiferenciar as imagens introduzidas não declaradas reais(balões, fusão, fade). 34. A FOCALIZAÇÃOCINEMATOGRÁFICA O que é visto não pode ser automaticamente assimilado aoque é sabido, pois:a) o valor cognitivo das ações pode depender das açõesrepresentadas e do cenário (p. 176);b) o valor cognitivo da ocularização pode depender da vozover – narrador explícito é o personagem que se vê na telaou o intermediário pelo qual perceberemos a realidade (p.177). 35. FOCALIZAÇÃO INTERNA EEXTERNA Interna - a narrativa está restrita àquilo que pode saber opersonagem (p. 177). Externa – em literatura, os acontecimentos são descritos doexterior, sem que se tenha acesso aos pensamentos dopersonagem. No entanto, mesmo sem a ajuda da voz off,pode-se saber como o personagem se sente pela atuaçãodo ator: sua mímica, seus gestos, suas expressões (p.178). 36. FOCALIZAÇÃO INTERNA EEXTERNA Interna - a narrativa está restrita àquilo que pode saber opersonagem (p. 177). Externa – em literatura, os acontecimentos são descritos doexterior, sem que se tenha acesso aos pensamentos dopersonagem. No entanto, mesmo sem a ajuda da voz off,pode-se saber como o personagem se sente pela atuaçãodo ator: sua mímica, seus gestos, suas expressões (p.178). 37.  Focalização espectatorial - o espectador tem vantagemcognitiva sobre os personagens graças a sua posição(atribuída pela câmera) (p. 180). Focalização e gênero – A focalização varia ao longo deuma mesma estrutura narrativa. A focalização internapermite a elucidação progressiva dos acontecimentos. Daídecorre ser a forma mais privilegiada da investigação. Afocalização externa é a figura do enigma: arma a intrigaou coloca uma pergunta sobre o que o filme vai tratar. Afocalização espectatorial opera como motor do suspenseou do cômico (p. 182-183). 38. REFERÊNCIAS GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativacinematográfica. Brasília: Editora Universidade deBrasília, 2009.


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