A ENTRADA DA CRIANÇA ESCRITA: O PAPEL DA ESCOLA NO MUNDO DA Magda Soares1 43. Vários fatores contribuem para que se repense, no momento atual, a aprendizagem e o ensino da língua escrita, nos anos iniciais de escolarização: a organização do ensino fundamental em ciclos, com a configuração de um ciclo inicial em que o aprender a ler e a escrever sobressai como o objetivo mais relevante; a inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental, obrigando a redimensionar a prática de ensino inicial da língua escrita,fazendo-a estender-se a essas crianças, até agora atendidas segundo as diretrizes da Educação Infantil; a emergência de novos conceitos e novas propostas teóricas e metodológicas, no campo dos processos de ensino e aprendizagem da língua escrita, fruto do avanço de estudos e pesquisas recentes sobre esses processos. 44. Este texto pretende propor uma reflexão sobre os efeitos desses fatores na organização e na prática do ensino da língua escrita nos anos iniciais do ensino fundamental. Essa reflexão está orientada pela busca de resposta para as seguintes questões: quais são as condições para a conquista do mundo da escrita? quando a criança entra no mundo da escrita? o que a criança aprende, quando aprende a ler e escrever? como se ensina a ler e a escrever? há um método, para ensinar a ler e escrever? Quais são as condições para a conquista do mundo da escrita? 45. Lançando mão de uma comparação com a exigência de um passaporte, para que seja permitida a entrada em outros países, pode-se dizer que também a entrada no país ou mundo da escrita exige passaporte, mas essa exigência tem uma peculiaridade: são necessários dois passaportes, não apenas um. Um passaporte é a aquisição de uma tecnologia – o sistema de escrita alfabético e ortográfico, e as convenções para seu uso; o outro passaporte é o desenvolvimento de competências para o uso dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita. Magda Soares possui graduação em Letras Neolatinas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1953) e doutorado em Doutora em Didática pela Universidade Federal de Minas Gerais (1962) . Atualmente é MEMBRO do Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, MEMBRO DE COMITE ASSESSOR do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CONSULTA do Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CONSELHEIRA da Communitee Economique Europeen, PROFESSOR TITULAR da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade Federal de Minas Gerais, da e da . Tem experiência na área de Educação , com ênfase em EnsinoAprendizagem. 1 46. O sistema de escrita e as convenções para seu uso constituem uma tecnologia inventada e aperfeiçoada pela humanidade ao longo de milênios: desde os desenhos e símbolos usados inicialmente até a extraordinária descoberta de que, em vez de desenhar ou simbolizar aquilo de que se fala, podiam ser representados os sons da fala por sinais gráficos, criando-se assim o sistema alfabético; desde a escrita em tabletes de barro, em pedra, em papiro, em pergaminho, até a também extraordinária invenção do papel; desde o uso de estiletes e pincéis como instrumentos de escrita até a invenção do lápis, da caneta. E convenções foram sendo criadas: convenções sobre o uso do sistema alfabético, resultando no sistema ortográfico; a convenção de que as palavras devem ser separadas, na escrita, por um pequeno espaço em branco; no mundo ocidental, a convenção de que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita. 47. Assim, um dos passaportes para a entrada no mundo da escrita é a aquisição de uma tecnologia – a aprendizagem de um processo de representação: codificação de sons em letras ou grafemas e decodificação de letras ou grafemas em sons; a aprendizagem do uso adequado de instrumentos e equipamentos: lápis, caneta, borracha, régua...; a aprendizagem da manipulação de suportes ou espaços de escrita: papel sob diferentes formas e tamanhos, caderno, livro, jornal...; a aprendizagem das convenções para o uso correto do suporte: a direção da escrita de cima para baixo, da esquerda para a direita. 48. A essa aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico de escrita e das técnicas para seu uso é que se chama ALFABETIZAÇÃO. Desenvolvimento de competências para o uso da tecnologia da escrita: LETRAMENTO 49. Apenas com a aquisição da tecnologia da escrita – um dos “passaportes” – não se tem entrada no mundo da escrita, um outro “passaporte” é necessário: o desenvolvimento de competências para o uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que as envolvem. Ou seja, não basta apropriar-se da tecnologia – saber ler e escrever apenas como um processo de codificação e decodificação, como quando dizemos: esta criança já sabe ler, já sabe escrever; é necessário também saber usar a tecnologia – apropriar-se das habilidades que possibilitam ler e escrever de forma adequada e eficiente, nas diversas situações em que precisamos ou queremos ler ou escrever: ler e escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em diferentes suportes, para diferentes objetivos, em interação com diferentes interlocutores, para diferentes funções: para informar ou informar-se, para interagir, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimento, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse... 50. A esse desenvolvimento de competências para o uso da tecnologia da escrita é que se chama LETRAMENTO. Quando a criança entra no mundo da escrita? 51. É um equívoco acreditar que é a escola a única responsável por propiciar à criança os dois “passaportes” de entrada no mundo da escrita. Muito antes de chegar à instituição educativa – de ensino fundamental e mesmo de educação infantil – a criança já convive tanto com a tecnologia da escrita quanto com seu uso, porque, em seu contexto, a escrita está sempre presente: ora muito presente, como nas camadas economicamente privilegiadas e nas regiões urbanas, ora menos presente, como nas camadas populares e nas regiões rurais, mas sempre presente; ora em gêneros e suportes mais próximos ora menos próximos daqueles que a escola valoriza, mas sempre presente. Assim, desde muito cedo a criança convive com práticas de letramento – vê pessoas assim vai se familiarizando com as práticas de também desde muito cedo inicia seu processo de textos escritos à sua volta, e vai descobrindo reconhecendo algumas letras, algumas palavras. lendo ou escrevendo, e leitura e de escrita; e alfabetização – observa o sistema de escrita, 52. No entanto, esses primeiros passos da criança no mundo da escrita, fora e antes dainstituição educativa, ocorrem, em geral, de forma assistemática, casual, sem planejamento; é a escola que passará a orientar de forma sistemática, metódica, planejada, esses processos de alfabetização e letramento. Mas quando deve a escola iniciar essa sistematização, essa metodização, esse planejamento? 53. O preconceito a ser afastado é que se possa determinar uma idade em que a criança passaria a ter condições de vivenciar esses processos de alfabetização e de letramento sistemáticos, metódicos, planejados. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o sistema de ensino se organiza pelo critério de idade em função das possibilidades econômicas e políticas do país, não propriamente em função dos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança, processos que, sabe-se, têm uma trajetória que não coincide inteiramente com a trajetória cronológica. Tanto assim é que a idade de entrada no ensino fundamental varia de país a país – aos 4, 5 anos, em países desenvolvidos, mais tarde, em países em desenvolvimento: no Brasil, aos 7 anos, até pouco tempo, agora aos 6 anos. Em segundo lugar, não é raro que a criança se aproprie do sistema de escrita – alfabetize-se – já na etapa da educação infantil, como também não são poucos os casos de crianças que se alfabetizam antes mesmo do ingresso nessa etapa. 54. Conclui-se que é infrutífera uma discussão sobre se é possível ou não alfabetização e letramento aos 6 anos, se é conveniente ou não alfabetização e letramento na Educação infantil; à instituição educativa cumpre dar prosseguimento ao processo de inserção da criança no mundo da escrita, a partir do estágio em que ela estiver – e, em nossas sociedades grafocêntricas, ela sempre estará já em algum estágio de alfabetização e letramento (ainda que, para algumas, muito inicial) – tornando esse processo sistemático, metódico, orientado por planejamento fundamentado em princípios psicológicos, lingüísticos,pedagógicos. O que a criança aprende, quando aprende a ler e escrever? 55. No processo de aprendizagem inicial da leitura e da escrita, a criança deve entrar no mundo da escrita fazendo uso dos dois “passaportes”: precisa apropriar-se da tecnologia da escrita, pelo processo de alfabetização, e precisa identificar os diferentes usos e funções da escrita e vivenciar diferentes práticas de leitura e de escrita, pelo processo de letramento. Se lhe é oferecido apenas um dos “passaportes” – se apenas se alfabetiza, sem conviver com práticas reais de leitura e de escrita – formará um conceito distorcido, parcial do mundo da escrita; se usa apenas o outro “passaporte” – se apenas, ou sobretudo, se letra, sem se apropriar plena e adequadamente da tecnologia da escrita – saberá para que serve a língua escrita, mas não saberá se servir dela. 56. Assim, para que a criança se insira de forma plena no mundo da escrita, é fundamental que alfabetização e letramento sejam processos simultâneos e indissociáveis. Respondendo à pergunta que dá título a este tópico: quando aprende a ler e a escrever, a criança deve aprender, simultaneamente e indissociavelmente, o sistema alfabético e ortográfico da escrita e os usos e funções desse sistema nas práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Mas como se pode desenvolver alfabetização e letramento de forma simultânea e indissociável? questão que conduz à penúltima pergunta das cinco que estruturam este texto. Como se ensina a ler e escrever? 57. Para melhor compreender a proposta atual para o ensino da leitura e da escrita no Início do processo de escolarização, é conveniente voltar os olhos para o passado: é entendendo o que ficou para trás que se pode explicar o presente. Aprendizagem inicial da língua escrita: olhando para trás 58. Até meados de 1980, a aprendizagem inicial da leitura e da escrita limitava-se à alfabetização, com o sentido atribuído a essa palavra neste texto: o objetivo era levar a criança à aprendizagem do sistema convencional da escrita – primeiro apropriar-se do sistema de escrita, para só depois fazer uso dele. A questão que então se colocava paraalfabetizadoras e alfabetizadores era a escolha do método de alfabetização. 59. Métodos de alfabetização se alternaram, ao longo do tempo, em um movimento pendular: ora a opção pelo princípio da síntese, isto é, alfabetizar a partir das unidades menores da língua – dos fonemas, das sílabas – em direção às unidades maiores – à palavra, à frase, ao texto (método fônico, método silábico); ora a opção pelo princípio da análise – alfabetizar, ao contrário, a partir das unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às unidades menores (método da palavração, método da sentenciação, método global). Em ambas as opções, porém, a meta era sempre a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita. Embora a aprendizagem partisse de, no caso dos métodos analíticos, ou chegasse a, no caso dos métodos sintéticos, palavras, sentenças ou narrativas, estas eram intencionalmente escolhidas ou construídas para conduzir à aprendizagem do sistema de escrita: palavras selecionadas para permitir sua composição ou decomposição nas sílabas ou fonemas em estudo, sentenças e narrativas artificialmente criadas, com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à sua composição ou decomposição em palavras, sílabas, fonemas. Em vez de convívio com práticas reais de leitura e de escrita, e com o material escrito que realmentecircula nessas práticas, a criança convivia com práticas exclusivamente escolares e com material escrito inexistente fora das paredes da escola. 60. Em meados dos anos 1980, a difusão, no Brasil, da psicogênese da língua escrita –do construtivismo – trouxe nova orientação para a aprendizagem inicial da língua escrita: apagou a até então vigente distinção entre, de um lado, a aprendizagem do sistema de ]escrita e, de outro lado, as práticas reais de leitura e de escrita, e negou a precedência, no processo de aprendizagem, do aprender a ler e escrever em relação ao fazer uso da leitura e da escrita. Nos termos dos conceitos sugeridos neste texto, apagou a distinção entre alfabetização e letramento, propondo que a aprendizagem do sistema de escrita – a alfabetização – decorresse de uma interação intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e de escrita, com diferentes gêneros, diferentes portadores – decorresse do letramento. Em outras palavras: por meio do letramento, a criança iria construindo progressivamente seu conceito do sistema de escrita, até tornar-se alfabética, e iria descobrindo, de acordo com seu ritmo e suas hipóteses próprias, as relações entre fonemas e letras. 61. Como o construtivismo, em decorrência de sua proposta teórica, rejeitou os métodos de alfabetização, as cartilhas e os pré-livros, até então em uso nas escolas, passou-se, numa inferência inadequada, a ignorar ou menosprezar a especificidade do processo de aquisição do sistema alfabético e ortográfico de escrita, o ensino explícito das relações entre fonemas e grafemas. Assim, deu-se prioridade à interação com práticas de leitura e de escrita – o letramento, na suposição de que a aquisição do sistema de escrita – a alfabetização – ocorreria por meio dessa interação. 62. Esta talvez seja uma das razões (naturalmente entre várias outras) das dificuldades que ainda enfrentam as escolas para obter sucesso na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crianças, dificuldades que têm sido reiteradamente evidenciadas pelos resultados insatisfatórios obtidos pelos alunos em avaliações externas à escola, como o SAEB, a Prova Brasil; pela insatisfação e insegurança atuais de alfabetizadores e alfabetizadoras; pela perplexidade do poder público e da população diante da persistência do fracasso da escola em transformar os alunos em leitores e produtores de texto competentes. 63. Retomando o que foi dito no início deste tópico – entendendo o que ficou para trás é que se pode explicar o presente: tendo olhado para o passado do ensino da língua escrita, na etapa inicial da escolarização, e tendo procurado entendê-lo, talvez possamos explicar este presente de insatisfações e incertezas pela oscilação, que marcou o passado, entre ora priorizar a aquisição do sistema de escrita – a alfabetização, ora priorizar as práticas de uso desse sistema – o letramento, resultando, no presente, em dúvidas sobre como resolver essa aparente – apenas aparente – dicotomia. Aprendizagem inicial da língua escrita: olhando para frente 64. Se é entendendo o que ficou para trás que se pode explicar o presente, é explicando o presente que se pode delinear o futuro. Este, o futuro, sugere agora o momento da síntese: não mais alfabetização OU letramento, mas alfabetização E letramento. 65. Relembrando a metáfora dos dois passaportes, proposta no início deste texto, é fundamental que a criança, para sua plena inserção no mundo da escrita, aprenda, ao mesmo tempo e indissociavelmente, a tecnologia – o sistema de escrita – e os usos desta tecnologia – as práticas sociais de leitura e de escrita. Se não houver essa contemporaneidade e indissociabilidade entre alfabetização e letramento, ou a criança não verá sentido em aprender a tecnologia, pois esta não a levará além de relações entre sons e letras, famílias silábicas, frases descontextualizadas, como a tão citada “Eva viu a uva”, ou pseudotextos como os das cartilhas e mesmo dos pré-livros; ou a criança conviverá com textos e portadores de textos reais, com práticas reais de leitura e de escrita, mas não aprenderá a ler e escrever textos, não terá condições para participar competentemente de situações sociais que demandem leitura ou escrita. 66. Mas: como orientar a aprendizagem inicial da língua escrita integrando e articulando alfabetização e letramento? 67. Por um lado, a aquisição do sistema de escrita – a alfabetização – supõe, para ser eficiente, ensino de forma explícita, sistemática, progressiva, seqüente, uma vez que as relações entre fonemas e grafemas são convencionais e em grande parte arbitrárias, não sendo, assim, necessário, nem talvez justo, atribuir à criança a difícil tarefa de “redescoberta” desse sistema de representações convencional, tão laboriosamente construído pela humanidade ao longo de séculos. Mas esse ensino não precisa ser, ou melhor, não deve ser feito com base em frases e textos (pseudotextos) construídos artificialmente apenas para servir ao objetivo de ensinar a ler e escrever; ao contrário, esse ensino pode e deve ser feito a partir de textos reais, textos que circulam no contexto da criança, para que ela se aproprie do sistema de escrita vivenciando-o tal como é realmente usado nas práticas sociais que envolvem a língua escrita. 68. Por outro lado, o desenvolvimento de competências para a leitura e a escrita – o letramento – deve ser orientado por objetivos específicos: familiarização da criança, na leitura e na escrita, com diferentes gêneros de texto e suas características específicas, manipulação adequada de diferentes portadores de textos, particularmente livros, utilização de livros de referência (dicionários, enciclopédias), conhecimento e uso de biblioteca, entre muitas outros objetivos orientados pelo e para o letramento. Mas essas atividades podem e devem aproveitar-se de todas as oportunidades que levem a criança a identificar e a compreender a tecnologia que possibilita a produção do material escrito com que convive. 69. Concluindo, pode-se finalmente responder à pergunta que dá título a este tópico: como se ensina a ler e escrever? mais especificamente: como se ensina a ler e escrever na etapa inicial de escolarização? 70. A resposta é: alfabetizando e letrando, simultaneamente e indissociavelmente. Mas: como se orienta a aprendizagem inicial da língua escrita? Ou seja: há um método, para assim fazer? Há um método, para ensinar a ler e escrever? 71. Como alfabetização e letramento são processos com múltiplas facetas, infere-se que um ensino que oriente adequadamente a aprendizagem inicial da língua escrita deve desenvolver essas múltiplas facetas: na área da alfabetização, a aquisição do sistema alfabético e ortográfico da escrita, que envolve a compreensão e apropriação das relações fonema-grafema e as técnicas e convenções para seu uso; na área do letramento, o desenvolvimento das diversas competências necessárias para participação adequada e eficiente nas diferentes práticas sociais de que a língua escrita faz parte integrante, entre outras: aprender a reconhecer, ler e compreender diferentes gêneros de textos, com diferentes objetivos, para diferentes interlocutores, em diferentes situações; da mesma forma, aprender a escrever diferentes gêneros de textos, com diferentes objetivos, para diferentes interlocutores, em diferentes situações; conhecer e saber utilizar fontes escritas de informação; desenvolver atitudes e comportamentos positivos em relação à leitura... 72. Cada uma dessas múltiplas facetas tem uma natureza específica, é esclarecida por determinadas teorias e, conseqüentemente, envolve determinados processos cognitivos, para sua aprendizagem. Por exemplo: as relações fonema-grafema são um sistema de representação, compreendido por meio da análise comparativa entre a cadeia sonora da fala e a notação gráfica da escrita, de que se ocupam as teorias fonológicas, e aprendido por meio de processos cognitivos que conduzam à formação de automatismos; já as práticas de leitura são processos de interação, esclarecidos por teorias da enunciação, da leitura, dos gêneros, de que se ocupam as ciências lingüísticas e psicológicas, e desenvolvidos por meio de processos cognitivos que conduzam a habilidades de compreensão e construção de sentido. 73. Portanto, se método de ensino implica a orientação da aprendizagem de determinado objeto do conhecimento, um método deve definir-se pela natureza do objeto do conhecimento, pelas teorias que o esclarecem e pelos processos cognitivos para sua aprendizagem. A conclusão é que, sendo de naturezas diferentes e sendo esclarecidas por diferentes teorias cada um dos objetos de conhecimento, que aqui estamos denominando faceta, tanto no âmbito da alfabetização quanto no âmbito do letramento, cada faceta pressupõe um método de ensino específico, definido por sua natureza, pelas teorias que a esclarecem e fundamentam e pelos processos cognitivos específicos de sua apropriação. 74. Assim, e em conclusão, sendo muitas e diferentes as facetas da alfabetização e do letramento, e considerando que esses dois processos, como foi afirmado, devem ser desenvolvidos simultaneamente e indissociavelmente, já não se pode pretender a UM único método para a orientação da aprendizagem inicial da língua escrita, é preciso lançar mão de MÉTODOS, no plural: uma articulação de procedimentos que alfabetizem e letrem, propiciando à criança uma entrada plena no mundo da escrita, que é a finalidade última da aprendizagem inicial da língua escrita. Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2007.