Para uma historia cultural - Sirinelli, Jean-Francois.pdf

June 28, 2018 | Author: ginger_sassenach | Category: Anthropology, Historiography, Time, Science, Sociology
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----- ---- -~- RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean- François. Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. direcção de Jean-Pierre Rioux Jean-François Sirinelli PARA UMA HISTÓRIA CULTURAL direcção de Jean-Pierre Rioux Jean-François Sirinelli PARA UMA HISTÓRIA CULTURAL 1998 EDITORIAL ESTAMPA ÍNDICE INTRODUÇÃO- UM DOMÍNIO E UM OLHAR, Jean Pierre-Rioux ........... Um panorama .................................. ........................... .................... Questões de fim de século........................................................... O tempo das representações ..... .... ........................... .................... O lado do contemporâneo............................................................ Margens seguras·······························:············································ 11 12 15 17 19 21 ITINERÁRIOS FICHA TÉCNICA Título original: Pour une histoire culturelle Colaboradores: Jean Pierre Rioux, Jean-François Sirinelli, Maurice Agulhon, Stéphane Audoin-Rouzeau, Antoine de Baecque, Annette Becker, Yves-Marie Bercé, Serge Berstein, Jean-Patrice Boudet, Alain Corbin, Alain Croix, Georges Duby, Marie-Claude Genet-Delacroix, Augustin Girárd, Anita Guerreau-Jalabert, Jean-Noel Jeanneney, Michel Lagrée, Jean-Michel Leniaud, Gérard Monnier, KrzysztofPomian, Christophe Prochasson, Antoine Prost, Daniel Roche, Michel Sot e Philippe Urfalino Tradução: Ana Moura Capa: José Antunes Ilustração da capa: A Cidade Inteira, pintura de Max Ernst, 1935, Museu de Belas-Artes, Zurique Composição: Byblos- Fotocomposição, Lda. Impressão e acabamento: Rolo & Filhos- Artes Gráficas, Lda. 1." edição: Janeiro de 1998 ISBN 972-33-1307-3 Depósito Legal n. 0 120067/98 Copyright: © Éditions du Seui1 1 1997 ©Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1998 para a língua portuguesa, excepto Brasil UMA DECLINAÇÃO DAS LuzEs, Daniel Roche .................................... . A Sorbonne sem as «Annales» ................................................. .. Ernest Labrousse: do económico ao social .............................. . Investigação, livro e sociedade ................................................ .. História das mentalidades ou história das culturas? .............. . O estudo das sociabilidades culturais ....................................... . Esquecer Tocqueville e Cochin? ................................................ . A história dos livros e dos seus usos ...................................... .. Entre produção e textualidade .................................................. .. Quantificar ou não? ..................................................................... . Para a história dos consumos culturais .................................... . 25 28 29 31 33 36 37 38 40 41 44 MARX, A ALUGADORA DE CADEIRAS E A PEQUENA BICICLETA, Alain Croix ......................................................................................... . Da demografia ............................................................................... . ... à história cultural ..................................................................... . Que história cultural? ................................................................. .. A dialéctica ................................................................................... . ... e a vida ...................................................................................... . HISTÓRIA CULTURAL, HISTÓRIA DOS SEMIÓFOROS, Krzysztof Pomian .. A abordagem semiótica e a abordagem pragmática ............. . Os semióforos entre outros objectos visíveis ....................... . 7 51 53 58 62 63 66 71 72 76 .. .... A confusão das leituras da paisagem ..... ......... Um projecto cultural em transformação ....................................... No plural e no singular ........................................ 28I 283 285 289 Philippe Urfalino ....... ................... ................................. Bolseiros ou herdeiros? .. Foucault ......................................... ................. ..................... Jogos de espelhos? ....... ............ .... PERÍODOS Michel Sot........... ... Questões de princípio ................... ...... ... de novo .................. ...................................................................... ............ ................................. E por fim as inquietações francesas ............ Redes e homens ......................... 9 .. 237 239 250 RIQUEZA DAS BELAS-ARTES REPUBLICANAS............................................................. ...... . ................................... 97 97 99 I02 104 I07 A Maurice Agulhon ... O entusiasmo e as dificuldades ........................... ............ A excepção francesa................................ Desenhar um campo novo .................. ....................................... RUMORES DOS SÉCULOS MODERNOS.................................................................................... A singularidade de uma invenção: o momento Malraux ... Jean-François Sirinelli .... .. Os novos domínios da cultura revolucionária ..... ....................................... ....................................................Do A diversidade de semióforos ........ .......•...... Para a história social das representações ................ .................... Três problemas para conclusão . O questionário e o método ............................... ..... ........ ...... Mundialização e totalização ..... I39 I40 I43 I45 I49 I 53 I 54 MARIANA........ Um direito à solicitude pública ................. ....................... Mudança de paradigma? ..... Hugo.... ........................................ A impossível «história total» e a tentação da antropologia ............................................... 22I 222 228 «CULTUR~ DE GUERRA» DO PRIMEIRO Stéphane Audoin-Rouzeau e Annette Becker .. ..................... ........... 203 204 209 Christophe Prochasson ............................ .............................................................................................. I II A II3 II4 1I7 II8 I20 Antoine Prost ...................... A O fantasma do Monteiro-mar ......... por exemplo ............ Abismo final ........... 0 Yves-Maríe Bercé ........ Sartre.......... France-Culture........................... CASO EM TODOS OS SEUS ASPECTOS.........•.......................... . O historiador à escuta dos rumores ..... :.................... milenarismo e escatologia ............ A batalha dos arquivos .... ........................ Produções e produtores culturais ........................... Legitimidade de uma história cultural da Idade Média .................................................. Elites politicamente divididas .......... I23 I24 I25 I29 I34 Jean-Noe/ Jeanneney ..... ......... 259 260 262 265 267 271 276 278 Augustin Girard........................ ..................................... Messianismo....... A redescoberta dos momentos inacabados da história . Do emblema ao símbolo ... I63 I68 I73 I73 I74 I77 I83 I84 I86 I96 I99 OBRAS SINGULARIDADB MEDIEVAL.......................... 8 Marie-Claude Genet-Delacroix . ...................... ................................................................. 293 294 300 As ELITES CULTURAIS........ Do pitoresco provincial ao emblemático nacional ......... ................................... Da História à Arte ........ Uma história reaberta ..... .................................... ................ ........................ ............................... Afain Corbin .................. Os três períodos de uma história da França na Idade Média I78 I79 I80 VIOLÊNCIA E CONSENTIMENTO: A AUDIOVISUAL: O DEVER DE NOS OCUPARMOS DELE.................... Reconhecer a singularidade da cultura medieval .......................................................... . ....................................... Para uma história do paroxismo e do horror ..................... Notas finais .... I 59 I 59 Antoine de Baecque ........ O poder de evocação das sonoridades desaparecidas ............. As INVESTIGAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS CULTURAIS........... Poder e unidade da arte ......................... ................................................... ........................................... ...... Uma antropologia histórica do caso Dreyfus ................... ..... A sua natureza e os seus métodos .................................................. Os embaraços da 'história política ............... ........... .. Os efeitos ................... CONFLITO MUNDIAL. A HISTÓRIA DA POLÍTICA CULTURAL............... ......... .......................... Uma outra cultura para um novo homem ......................... Os seus resultados e os seus limites ................................................ . OBJECTO DE «CULTURA»?...... .................................................. ............. A História Cultural e as suas vizinhas . ....... 82 87 92 LIMOUSIN ÀS CULTURAS SENSÍVEIS.. O homem comudo da floresta do Mans .. SOCIAL E CULTURAL INDISSOCIAVELMENTE............ Anita Guerreau-lalabett e Jean-Patrice Boudet .................... REVOLUÇÃO FRANCESA: REGENERAR A CULTURA?....................... . Objectos e métodos da história cultural ............ O uso dos sentidos e figuras da cidade ........... ..................................................................................................................................... ............. A controvérsia sobre a noção de «cultura» .................................................................... ........................ .......................... Os exemplos do Verão de I598 ........................................................... ..... .......... .......... Jean-Pierre Rioux ........ .......................... Uma questão de pertinência .... ...................... caminhando lado a lado... ..............••.... Permanência da febre .................••••. HISTÓRIA DAS ARTES E TIPOLOGIA..••............ . .. ...... os que estão a elaborar teses e estudantes do ensino superior....... 409 410 412 415 AUTORES •••................•••••......... . 403 Jean-François Sirinelli ........ HISTÓRIA RELIGIOSA E HISTÓRIA CULTURAL... P........................ Les Affaires culturelles au temps de Jacques Duhamel ( 1971-1973 ).......... aplicado em tantos trabalhos históricos de hoje......••. ........................ debatidas e postas em comum por historiadores de todas as gerações.... . ......... 349 350 352 355 359 Michel Lagrée ················ Configurações .. Património rejeitado .............. de uma autêntica história cultural da França contempo1 «Politiques et institutions culturelles de la France contemporaine» no Instituto de História do Tempo Presente do CNRS de 1989 a 1991........................ Sobre os inquéritos que foram realizados..................... J ean-M ichel Leniaud ...••••...... Métodos e objectivos da história das artes .........-F....:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 0 PATRIMÓNIO RECUPERADO... Comité de História do Ministério da Cultura...................... O sismo industrial ..•••.... Jean-Pierre Rioux..................•..•........ Les Politiques culturelles municipales..•................. ............................ . ......................•••........ Uma história enriquecida .......... Património recuperado: segunda metamorfose ......... ..................... As categorias tradicionais da arte .. 365 366 374 379 Gérard Monnier .................. ... multigr.. Jean-François Sirinelli dir........ Os 10 INTRODUÇÃO UM DOMÍNIO E UM OLHAR Jean-Pierre Rioux Este livro colectivo tem por origem directa as intervenções no seminário que Jean-François Sirinelli e eu próprio orientamos desde 1989 1• Apresenta um amplo conjunto de provas e de interrogações....•......••......•• 419 ÍNDICE REMISSIVO ............ Grandes tendências ........ 421 ELOGIO DA COMPLEXIDADE........................ .... Sirinelli dir...............•..... a partir de então muito prometedora......•....•.. 307 310 314 317 322 330 0 EXEMPLO DE SA!NT-DENIS........ 335 337 339 344 347 348 Serge Berstein . Un programme de recherche..............................................A Documentação Francesa........ «Histoire culturelle de la France au xxe siecle» no Centro de História da Europa do século xx da Fundação Nacional das Ciências Políticas de Paris de 1991 a 1994 e na Columbia University in Paris desde 1994.................................. Património recuperado e transferência de cargos ........ ........•..................•... O que é a cultura política? .. 385 386 388 391 394 397 A MEMÓRIA COLECTIVA...........•...... e Augustin Girard...........................•". do seu Comité de História (sobre as indicações assim facilitadas.......••..••••..... ..... Les Cahiers de 1 'IHTP............•...................... Paris............................ Tem apenas uma ambição: dar conta da reflexão plural.......... ........... Um ganho epistemológico? ...............•............. Subida em força ........).......... Histoire des politiques et des institutions culturelles en France depuis un demi-siecle (des années 1940 à nos jours)..............•••••................. 1990.......4 vol.......... A CULTURA POLÍTICA..••.....••...•.......••.....••....... Paris..........•................ desde 1993...... e Jean-Pierre Rioux e Jean-François Sirinelli dir.... L' Histoire culturelle de la France contemporaine................................•.......... IHTP-CNRS............ ver J..... CNRS.....•••.............. Actualidades ..........................•••... Georges Duby ...................... e da afirmação........ multigr.. Um fenómeno evolutivo ........... feita a propósito da proliferação do adjectivo «cultural»......•••....... Beneficou na origem de um apoio do Ministério da Cultura e.................. Paris.............................. Uma figura imposta ... Rioux e J.......... ...............•..................•... Orientação bibliográfica .......... Património recuperado: primeira metamorfose .................... 1987. ~~%~r~~s ~~~~~.... ver Jean-Pierre Rioux dir..... mestres....... 11 .....•.... ...•..... 1995...................•........•................................ ........... MENSAGENS A HISTÓRIA CULTURAL... . Cultura política ou culturas políticas? ..... ............. ......... A metamorfose da tipologia ..... 1990.....•.. ....... ...........................•. .......Uma singularidade revisitada .. Ministério da Cultura e IHTP-CNRS.. de ordem historiográfica e metodológica............ Para que servem a cultura política e o seu estudo? ..........•......................... ...... Paris.......................... Bilans et perspectives de la recherche...•................. Éléments pour une approche historique... constitutiva como se sabe de uma parte tão forte da tradição historiográfica francesa. Numa segunda parte. é social e sonha ser total. Christophe Prochasson. Alain Corbin. o historiador do cultural continua a ser. Marie-Claude Genet-Delacroix. assinalam temporalidades de velocidade variável.de períodos anteriores precursores. 12 por aqueles que as cultivaram e que bem se sente serem as preceptoras do historiador do cultural. uma moda passageua ou um complemento de alma por tempo de latência epistemológica. incertezas ideais e acidentes mentais cuja narração contribui de ora em diante para melhor tentar restituir o real. Eles descobrem projectos regeneradores. ousadias institucionais. bastante raras. é para melhor fazer com: preender que a esperança dispõe de uma base. Jean-Patrice Boudet. 339-349) em que Michel Sot e Jean-François Sirinelli autenticam a história cultural. messianismos fora de moda cuja curvatura temporal descobre velhas regiões da alma: tantos traços culturais cuja análise fortalece o acontecimento e singulariza uma parte de século. 1945-1995. A história cultural é por dema~s VIva e estimula bastante o historiador no seu íntimo: por favor. tantas deslocações ou ponteados que postos em exergo realçam e dão cor ao traçado de uma época. Alain Croix. descrevem primeiramente. correcções de trajectória ideológica. Um panorama I: 'I I !' Alguns historiadores dos séculos XIX e XX. a montante e a jusante da fractura matricial de 1789. por que caminhos pessoais alcançaram o ponto mais sensível do cultural. determinando os alvos. que riquezas se lhes revelaram nos diversos sítios explorados. 16. de que a história cultural reforça a contemporaneidade.tudo dos períodos considerados. descendentes directos ou não de Marc Bloch e Lucien Febvre. EdttLOns de la Maison des Sciences de 1'homme. Cumpre-nos agradecer a Daniel Rache. e de que ambiciona fazer reler a demarcação utópica. Tanto mais que as suas sete realizações deixam perceber . p. por definição. que novas luzes este trouxe ao es. E se no título mostra algum voluntarismo. deixemo-la respirar livremente. prosseguindo a sua investigação. ~as escusado sera dizer que não desejamos lançar um daqueles mamfestos que provocam alguma agitação. bem agarrado aos pleonasmos herdados: toda a história. certa afirmaç~o inconsiderada que deixa fazer crer que a história cultural não se~Ia mais que «uma fórmula vazia e pretensiosa» 2 . e também aqui cronologicamente dispostos. L'Histoire et le Métier d'historien en France. no sentido pleno. O voluntarismo de uma ca~inha­ da fora das sendas trilhadas. do tempo das Luzes ao das estranhas trapeiras). Ele recusa de passagem. verdadeiras rupturas. Pans. as intuições e os esforços que. e sem polémica. mas também . a alegria de p~ilhar um trabalho continuamente delineado e também a simples fidelidade a si próprio: tantas as qualidades. isso interessava-nos muito . levaram à construção de objectos de investigação considerados culturais.e. Sete «itinerários». nem percorrer um território em vias d~ ap~o­ priação.é evidente. de um modo ou de outro. Maurice Agulhon. mas tidas por naturais 2 Jacques Le Goff e Nicolas Rousselier. Não é de admirar ter de ler esse percurso em dois tempos. recordando tudo isso livremente. com razão. mas é muito melhor dizê-lo . dizem aqui. as viragens ou os prolongamentos.rânea. por permitirem a reflexão. Por seu lado. a capacidade de recomeçar e de movar sem cuidar das precedências na escolha dos assuntos. Yves-Marie Bercé e Antoine de Baecque recordam. Esta expressão infirma o capítulo da mesma obra (pp. «Prefácio» de Franç?is !3~d. que tudo começou na história dos tempos moderno e medieval. que nada terminará sem a contribuição e o reforço constantes dos seus historiadores pioneiros. 1995. a dignidade crítica que recusa o vaguear dolorista na moda. cada um no seu estilo e cada um com o seu temperamento. Antoine Prost e Jean-Noel Jeanneney (pela ordem cronológica do resultado dos seus trabalhos.que. simplesmente um historiador. pessoais e reivindicados como tais em voz mais ou menos alta. Michel Sot. brunindo os factos e até quando reivindica uma singularidade. Stéphane Audoin13 . nove investigadores afirmam a renovação das divisões do trabalho histórico em «períodos» desde que estes sejam considerados sob o ângulo culturaL Em seis domínios que lhes são caros. as navegações com ou sem bússolas. Krzysztof Pomian.. com toda a franqueza. colectiva ou parcelar. a par e passo de uma especialização temática. Anita Guerreau-Jalabert.arida dir. mas com ambições igualmente novas. como se diz. chamar a atenção para uma ameaça de descontinuidade na aventura dos grupos humanos. fing~ i~norar o aconteci~en~o ~ a periodização. sem falar de seitas e de ideais new age que arrastam. a mais forte propensão para uma interpelação muito fim de século. O livro termina não com conclusões mas com duas homenagens que aparentemente fazem a grande separação. E por conseguinte impondo-a. com toda a sua virulência política historicamente revalorizada3. Pour une histoire politique. que as ciências e a filosofia. Os textos de Jean-François Sirinelli. Michel Lagrée. mais ou menos adiantada consoante a ordem dos capítulos. Eis que todas as confissões religiosas.' _e~tre outros. instalou-se ao abrigo de perturbações que atingem 3 Ver René Rémond dir. Depois de ter vindo falar-nos no seminário do fecundo resultado do seu itinerário. decerto. uma resposta de autores de trabalhos de história. 1996. de obras cuja delimitação foi. Porque da pr~meua­ mente conta da exploração segmentada. enquanto o Sul em sofrimento procura desforrar-se na modernidade ocidental. reinstalam no antigo mundo bipolar o indivíduo em dissidência e o identitário em gloríola. dando novamente aqui um texto redigido em Abril de 1968. ~-~t. A terceira parte. o caso Dreyfus. retornos espectaculares do religioso ao quotidiano. sob aparências menos perturbadoras. nem renunciar a trabalhar com ardor com a ajuda das disciplinas irmãs de pleno exercício. em que já colocava a história cultural no centro do prosseguimento da investigação histórica e no meio das ciências do homem. artifícios do político muito mal vividos. mas sem nunca entregar as armas do ofício. promovem ao mesmo tempo o empirismo e os valores. em que se entreverá que esta história é uma verdadeira filha do seu tempo. silêncios ou enigmas da produção artística de massa: tantas chamada~ e sinais do_ pr~se~te. a provocações da época ou. como a história religiosa ou a história de arte. isto é. como se espera. Quanto a Jean-François Sirinelli. cantam de novo a virtude analítica e o indivíduo pensante. três experiências felizes que alimentam o deseJO de dmgir o olhar cultural._____________________~l~4--------------------~·------- 15 ---------------------------~-··--·-·--- . Esta nova conjuntura. ur~ente desde há vinte anos. dará vida a este livro: o contemporâneo. renovando ao mesmo tempo os seus paradigmas. Com efeito. ela regista e interroga todas as mudanças de perspectiva que nos afectam neste fim de século e de que o ano de 1989 significou o ímpeto. e a dos períodos mais recuados. a III República triunfante e a Grande Guerra: três e~emplos.. Jean-Michel Leniaud.-Rouzeau e Anette Becker assinalam a vastidão do que é novo em três domínios que se julgava praticamente esgotados. Augustin Girard. recorda quase trinta anos depois o que então mais o preocupava e que. Eis que em dois decénios não só a ideologia do progresso mostrou os seus limites em tempo de crise da economia de mercado e de deliquescência das formas herdadas do capital e do trabalho. sobre todo o panorama contemporâneo. via bioética e inteligência artificial disposta em redes. Philippe Urfalino. como implodiu a Leste o último grande messianismo ateu e imperialista do século. Gérard Monnier e os meus próprios estão penetrados dessa provocação social e cívica. paradoxalmente. fetichismos do património. Le Seuil 1998. E a este preço que os tão activos estaleiros não passarão a ser montras decepcionantes. Recusas das elites. <<Points-Histoire». como também contribui singularmente para a aprofundar. mediatizados e individualizados num mesmo Impulso e CUJa vuulencia ignora o tempo e exige simultaneamente uma perspectivação. em boa parte. como se vê. não só participa plenamente desta história cultural. responder-se-á primeiramente com um rodeio. Serge Berstein. perturbações e desenvolvimentos dos consumos culturais. Questões de fim de século Sem dúvida que se poderá perguntar: mas de que está a falar? A esta pergunta tão legítima. insignificâncias e confusões do espaço urbano. pelo menos numa pnmeira fas~. Paris. Tentam sobretudo dizer quanto a organização dessa intimação pelos historiadores deve ser activa: seguindo. Georges Duby assina retroactivamente a sua participação na nossa reflexão. a maior parte das vezes cultural. reed. a «perguntas» a que a história cultural era particularmente sensível. gritos de lembranças antagonistas ou ameaçadas de desaparecimento. que a mundialização e a instantaneidade da troca podem. a modema e a medieval à cabeça. com a maior urgência. sistemas de funções e práticas. Paris. Valorizou igualmente. Histoire de mots: culture et civilisation. Les mutations du paysage intellectuel ou L' invention de L' intellectuel démocratique. o político gera a urgência invocando o direito. a exemplo de Lucien Febvre. 1994. o centro das representações e dos ideais. a mais antropológica. 3.. Paris.. a história cultural responde à procura social. Naissance des divinités. apropriação colectiva e condições de civilização. 5 Ver Marcel Gauchet. «Folio essais>>. as ciências sociais saíram da era da dúvida. a mais ontológica. Paris. . a memória e o esquecimento entram em discordância. é evidente. Naissance de l' agriculture. em especial. finalmente a mais «clássica» e tão «esclarecida».. mas que a atmos~ fera da época contribuiu para clarificar7• O novo rumor do mundo reabriu em primeiro lugar e de repente à investigação da história todas as acepções. instalando-se um pouco mais nos programas do ensino secundári?. Les idées en France. La Découverte.. que faz da cultura um conjunto de hábitos e de representações mentais próprios de um dado grupo num dado momento. 1945-1988. mas uma via interrompida4 . e muitas vezes até sobrevalorizou. O tempo das representações As circunstâncias precipitaram. que a história dos historiadores privilegie o cultural. Paris. François Dosse. o penhor de reconciliação da sociedade com os valores e o sagrado. de leis e de técnicas. Como estabelecer vínculos e produzir sentido? Muito simplesmente pela cultura6 • Esta resposta de fim de milénio. a verdadeira textura do laço entre os homens. Ver um verdadeiro resumo em Denis Kambouchner dir.. ~_figura em muito melhor lugar nas questões de admissão ao agregado de h1stona. o velho balanceamento inicial9 e cómodo entre cultura gerida e cultura vivida. com o seu cortejo móvel de costumes e crenças. para os historiógrafos: desde 1988-1989. enquanto abrem no EHESS e no CNRS seminários activos. CNRS Éditions. 8 . 1995. 1975. L' humanisation des sciences humaines. La Découverte. na história das ideias e na história da arte. sociais e individuais. Janeiro 1996. o actor ganha força. uma evolução historiográfica que sem dúvida as ciências sociais continham. de pensamento e mediações. ao mesmo tempo. Esta e_v~Iuç_ão foi bem assinalada por Michel Trebitsch. julgamos. Paris. um processo no decorrer do qual o indivíduo pensante estimula as faculdades do espírito8 . como também. que reconduz a cultura ao saber. vol.. La révolution des symboles au Néolithique. Face au scepticisme. número fora de série de Télérama. a realidade económica desregulada é passível de ambições e de invenções. de artes e linguagens. «Changement de paradigme em sciences sociales?>>. o explícito quer ser identitário. da palavra «cultura». portanto. 6 Um só exemplo: La Culture pour s' en sortir. «Promesses et problemes de l ~Istoue culturelle>> in Débuter dans la recherche historique. a própria história já não é uma resultante de forças. 1994. confusamente. 1989. 1989. após tantas decepções económicas e sociais. que distingue a existência humana do estado natural. produzindo incansavelmente o actual cronófago5 • E o cultural distendido e imperioso passa a ser não só a instância mais qualificante da nossa mutação. Histoire au present. seria cultural: ver Jacques Cauvin. Gallimard. Outrora colhido na antropologia. a ruptura temporal e geracional modifica a longa duração. universais. Paris. ~er Ph1hppe Bénéton. o Direito do Homem serve de viático. um mistério das origens ou uma dramaturgia dissimulada. das mentalidades e das maneiras de ser. 7 Cujo começo. fechada a cadeado. por discutível que seja. o indivíduo agita-se. Pubhcaçoes da Fundação Nacional das Ciências Políticas. 16 17 4 . Une chronologie. o alimento das utopias a relançar. uma memória vagueando. justifica plenamente. Notions de phzl~sophie. Eis que. situado entre dados imediatos e voz do silêncio na «noite» (Michel de Certeau). pelo estruturalismo nos anos sessenta. o seu modo de afirmação e de identificação do indivíduo sem bagagem. a cultura como reflexo de um destino a renovar e como teste ou rótulo de toda a interrogação sobre o futuro: a realidade social está desconstruída e tenta reconstruir-se a partir das percepções próprias de cada grupo ou agregado. Sobre as ruínas da completa alienação. -~aris. os media alimentam a cacofonia e a confusão. com sinais distintos e marcas simbólicas. na promoção das «mentalidades» e da «ferramenta mental». A notar. 1995. Gallimard-Le Débat. «Folio-histoire>>. Olivier Mongin. L' Empire du sens. n. Paris. Berlim. La Nouvelle Histoire. a fronteira demasiadamente pouco porosa entre 0 real e as suas representações. Paris. Dictionnaire des sciences historiques. <<Uma tradição de diálogo: a história cultural e intelectual». in Jean Heffer e François Weil dir. sob o impulso de Pierre Nora. Roger Chartier e Jacques Revel dir. Norbert Elias. 12 Sobre os Estados Unidos. Albin Michel.. Paris. com bibliografia. O projecto colectivo de Les Lieu. Setembro 1995. a O lado do contemporâneo Facto novo. antigos conhecimentos adquiridos que se haviam tornado demasiado normativos e pouco fecundos: a história «global» que tão dificilmente organizava as temporalidades encaixadas. Trajectoires et questtons>> (1983). Paris. de Roger Chartier . ~ 995. Alain Corbin. UGE. ver Jacques Revel. Geneses. Une autre histoire sociale: Paris. Observar-se-á no entanto que. Jan. Paris.. Jacques Le Goff e Pierre Nora dir. Gõttingen. mas que as suas latências e os seus hiatos condenavam também a história erudita a viver plenamente. entre valores e práticas. <<"Le vertige des foisonnements" . global e historicamente.. Les Formes de l' expérience. 19 18 h . contexto e paratexto. notória. Paris. e ela própria fez ouvir de forma muito vigorosa a sua voz para activar e generalizar a retoma. Ver.-Março 1992. com toda a urgência. 1982. e Herman Lebovics. e Alain Boureau. <<Da história social na "viragem linguística" na historiografia anglo-americana dos anos 1980>>. 1984-1992. ~tchel de C~rteau. Revue d' histoire moderne et contemporaine. tão valorosos.. Cadernos de síntese. a demarcação demasiado estrita entre produção e recepção das obras ou entre texto.-Dez. Autrement. liquidar primeiramente as suas dívidas. Nov. Objet et M éthodes de l' histoire de la culture. ou Jacques Le Goff. 1992. Les Lieux de mémoire. muito atraente pelo ressaltar do lado político. 0 20. 163-193. 1995. Actes du colloque franco-hongrois de Tihany. o primado da divisão social que regia as configurações e mascarava 13 a produção de sentidos. para alguns mesmo imprevisível. a história cultural não é de interesse para os grandes <<manuais» aos anos de 1970. Retz. a todo o direito de precedência. Wallstein Verlag. Wege zu einer neuen Kulturgeschichte. sqmsse panoramique d'une histoire sans nom>>. <<Propositions pour une histoire res~~mte des mentalitéS>>. Foram assim revisitados. se o estudo de numerosos objectos culturais é aí proposto. a sua «idade historiográfica» 16: a exigência cultural teve assim um lO Sobre os primeiros tempos. essencial. contribuiu para o recomeço dos trabalhos.com a excepção. sem prejuízo de uma útil ressurgência dos rasgos de um Alphonse Dupront ou de um Philippe Aries 14• entre intelectual e cultural à anglo-saxónio. 16 Pterre Nora dtr. li Título do artigo. 0 7. descurando durante muito tempo os debates epistemológicos 12 sempre muito enérgicos na Alemanha ou nos Estados Unidos • E preferiu. 1989. mas também GeoffEiey. e Jean Boutier e Dominique Julia dir. E para activar esta barrela destinada a reabilitar em primeiro lugar a singularidade das práticas e a reencontrar o indivíduo. La Culture au pluriel. in André Burguiere dir. Para uma referência de conjunto ver Bernard L~petit dir. de Isabelle Lehuu. Paris. <<Histoire culturelle et histoire des mentalités. de Roger Chartier nas Annales ESC. 1988. 7 vol. Geneses. 1986. Passés recomposés. Faire de l' histoire. 1994. Paul Ricoeur ou Michel Foucault foram postos ou repostos em exergo. 1974.esteve sem dúvida em contar demasiado com as suas próprias forças. Ver também as suas conclusões em <<A história cultural entre "Linguistic Túrn" e retorno do Sujeito». 116-125.. <<Mentalités>>. Histoire intellectuelle et culturelle du xxe siecle: Paris.. a generalização por acumulação que descurava o singular e o genérico. muitas vezes ainda conduzido a coberto da antropologia histórica mais que da história das sensibilidades. n.. ver o resumo. acertou no centro do alvo. Paris. a história contemporânea. 13 Sobre a sua situação.. Sobre o seguimento. 1989. Éditions du CNRS. Chantiers d' histoire américaine.F opos1çao entre cultura das elites e cultura popular. Albin Michel. Champs et c~antz_ers de l' histoire. tornou-se indispensável tentar abordar. adquiriu rugas sob o choque do nosso presente 10 • A partir de então. sem barulho nem renegação. 1995.. Nov. 1978. <<Uma "hova história" cultural? A política da diferença nos historiadores americanos>>.-Dez. na descida metodológica.x de mémoire. PUF. 1974. in Rudolf Vierhaus e Roger Chartier. Gallimard. Gallimard. E . sobre esta evolução. pp. ver Jacques Le Goff e Béla Kõpeczi dir. ver R_oger Chartier. Annales ESC. mostrando que o nosso contemporâneo em sofrimento aspirava sem dúvida a celebrar a memorável «beleza do morto»15 . as «mentalidades» de gloriosa memória . entre a unidade humanista e a alteridade relativizante. 3 vol. pp. «O mundo como representação» 11 • A fragilidade da investigação francesa . <<10118>>. e. ela apela para a comparação europeia e internacional. à instrução. conduzir comodamente uma perspectiva na direcção das relações entre o político e o cultural. o território é imenso e tornou-se extensível pela afirmação de uma «cultura». como é evidente. bilateral ou não. as respectivas contribuições muito ponderadas e as experiências bastante convincentes para que se possa propor um acordo quanto a uma definição operatória e programática. e mesmo mitos -. da frequência das belas-artes nas festas. Tanto e tão bem que hoje as confluências são muito fortes.pela ciência . que a liga ao cultural. contornado . 1992. «L'histoire. III. permite passar com muita facilidade do significante ao significado. question et questionnement>>. R~vue ~· histoire. O~t. 18 Assim em Pascal Ory. Histoire des droites en France. numero especial da Revue d' histoire moderne et contemporaine. Cultures. mas também um mundo codificado . Armand Colin. p. igualmente convincente para períodos anteriores: 1) a história das políticas e das instituições culturais. dois solitários premonitórios.. das marcas e dos símbolos. Essa liberdade sem vagabundagem traçou a pouco e pouco um mapa ponteado da investigação. tão fielmente francesa. esboçavam-se as primeiras cartografias 18 .o divertimento -. mas também no sentido mais amplo de inventário dos «passadores». Esta foi condensada por JeanFrançois Sirinelli: «A história cultural é a que fixa o estudo d~s formas de representação do mundo no seio de um grupo humano CUJa natureza pode variar . Gallimard. a das sensibilidades e dos desvws ganhava impulso com Maurice Agulhon e Alain Corbin. de agentes ou de culturas políticas.pelas técnicas -. as obras de Maurice Crubellier _e ?~ Paul 17 Gerbod. a relação com os outros -. além disso. 19 Jean-François Sirinelli dir. culturelle de la France Contemporanea. continuando a aumentar.» 17 Ver Maurice Crubellier.F breviário escrito no presente. Entretanto. a qual quer que o historiador. Jan. vol. Simplificando-a ao máximo. social ou política-. do trabalho nos lazeres. 3) a história das práticas culturais. eram relidas . organizavam-se os Margens seguras A amplidão da paisagem assim abarcada impõe. no sentido estrito de uma difusão instituída de saberes e de informações. Besançon. das maneiras à mesa na escola. mas cujo conjunto deveria ser. seminários. Histoire culturelle de la France (XIX'-XX' siecle). 1974.os valores. 1992. distinguem-se logo quatro maciços cuja configuração e relação são particularmente tópicos para uma história do contemporâneo. 1995. da leitura no desporto. naturalmente. dos fluxos aos stocks. pelo menos experimentalmente. Anais literários da Universidade de Besançon. aqui mesmo descrita por Michel Lagrée.. neste Finistêre a oeste da Europa que inventou o Estado antes da Nação e onde os símbolos dos poderes proliferaram. explicado . uma exploração metódica e uma convivência disciplinada com os terrenos co~siderados mais férteis.pelas crenças e os sistemas religiosos ou profanos. mas acompanhar todos esses «veículos». pensado . 2. 1987 • e Pour une hist. 2) a história das mediações e dos mediadores. o lugar do trabalho e do lazer.e parcialmente dominado . possa sempre livremente inventar o seu tema de estudo. a observação desse domínio institucional e normativo permite. dos suportes veiculares e dos fluxos de circulação de conceitos. . Vingtieme siecle. 21 20 h . Como é que. com discernimento. à educação. quer se trate de ideais. pelas 19 transmissões devidas ao meio. mas que já não se pode fechar sobre si mesma. supostamente a mais pertinente. Paris. do rito religioso em voga. desde há muito abordada. a expressão e a transmissão. e Voyages en histoire. como dizia Sorokin. os grupos humanos representam ou imaginam o mundo que os rodem? Um mundo figurado ou sublimado . de ideais e de objectos culturais.-Mar. Mélanges offerts à Paul Gerbod.pelas grandes construções intelectuais -. mas sem que a vocação cultural da diligência seja contrariada.-Dez. a história religiosa vivia mais intensamente a «tensão».nacional ou regional. Paris.pelas artes plásticas ou pela literatura-. um mundo legado. mais que em qualquer outro domínio. dotado de sentido .oire culturelle du contemporam. a densidade de um sócio-cultural firmemente fixado no horizonte da investigação. a h1stona ~os signos. como se disse. de que se encontrarão alguns itinerários seguros e bastante frequentados neste livro. e de que analisa a gestação. finalmente. as configurações e os sonhos: uma espécie de nec plus ultra. Os seus interstícios contêm sem dúvida muitos perigos: a descrição monótona. realçando as ferramentas mentais e as evoluções dos sentidos. carregada de memória e de património.. o tempo . o espectáculo sem significado. 22 ITINERÁRIOS b . Estão lançadas as expedições. a metáfora que dissimula a força.----- mas revisitando a religião vivida. ou de Eldorado do cultural. a história dos signos e símbolos exibidos. o mais ou menos conceptual e até o imperialismo por defeito. as memórias particulares. alegórica e emblemática. as práticas. uma topografia dos desvios de que a história cultural retira a sua força. solidamente fixada nos textos e nas obras de criação. sem exagero e bastante alto. que a história cultural está com bom vento e descobre margens seguras. No entanto. mas que muito se impõe. misturando os objectos. 4) finalmente. a adjectivação não aprovada de uma cultura que se esgotaria nesse «cultural». acreditamos que estes escolhos serão evitados. dos lugares expressivos e das sensibilidades difusas. este livro só podia ter uma ambição: recordar e assinalar. mais dificilmente acessível. as sociabilidades.o nosso tempourge e transporta-nos. Em toda a extensão destas rubricas surge uma geometria muito variável. sempre íntima. Por consequência. as promoções identitárias ou os usos e costumes dos grupos humanos. de que a melhor compreensão foi dada sem dúvida por Claude 25 h . transmitidos. Desde 1952 que Kroeber e Kluckhorn recensearam 163. objectos de luta e de imitação. faz-nos deparar com uma primeira e grande dificuldade. para outra. maioritariamente utilizadas pela antropologia alemã ou anglo-americana. A palavra cultura continua a ser um vocábulo ambíguo e de armadilha. que vê o sentido da busca orientado pelo questionário da história das culturas ou da história das mentalidades. em territórios e conjuntos geográficos historicamente construídos. hábitos adquiridos. a cultura molda-se imediatamente nas perspectivas da antropologia. históricas. com evidente autonomia. Para uns. Como definir de forma operatória e eficaz. normativas. cujo emprego nada resolve se não se considerarem as maneiras como se relaciona o «cultural» com outra coisa.. é toda a civilização e o conjunto das práticas de uma sociedade. UMA DECLINAÇÃO DAS LUZES Daniel Roche Compreender a passagem de uma geração. divulgados. é a posse da intelectualidade e dos saberes.. a palavra cultura não é empregada da mesma maneira nas diferentes historiografias herdadas de diferentes tradições culturais. inscreve-se então numa compreensão mais ampla das dinâmicas identitárias e de hierarquia das sociedades. a dos anos de 1980-1990. trajectórias. mobilizada nos estaleiros da história social e da história económica. pois podem encontrar-se quantas se queira. a dos anos de 1950-1960. o domínio do cultural? Não é fácil partir de definições. com os grupos sociais. Para os Franceses e Ingleses. uma bagagem que caracteriza alguns ou que define níveis de acesso. Para os Alemães. Além disso. Os historiadores actuais trabalham na junção das duas definições. para outros é a aposta-meio para medir exclusões ou traçar fronteiras. HoJe. história do . mais numerosas e mais seguras das suas perspectivas metodológicas estão em afirmação por toda a parte em França. ou estudado e interpretado de outro modo. mas não forçosamente ao mesmo ritmo. Esta crença trouxe desde há muito consigo a ideia da interdependência dos níveis do real. Para além. por contraste. que não surgem senão depois. os espaços. de frustrações e de recusas. com a sua parte de obrigações. desde o emprego da língua aos instrumentos conceptuais das ciências. os espaços e as temporalidades. das crenças e dos compor~amentos na França do Antigo Regime estavam apenas a começar. a evolução de L 27 . cuja compreensão passa pela recusa do anacronismo e pelo inventário dos meios de que os homens dispõem a cada momento da história. sem se ver o conjunto em que os diferentes elementos se transformam. Há um certo número de noções e de expressões que se tomaram hoje de uso habitual e comum. Pode traçar-se aqui um itinerário individual. numa diligência em que não nos vemos de antemão. em primeiro lugar. por exemplo. as sociedades. Pode-se. da variedade das etapas percorridas. história das culturas. mas também o da modéstia intelectual. cultura erudita. o estimulado pelos ensinamentos da história económica e social através da obra de Labrousse e de Braudel.» (p. tais como. Ambos eram sensíveis à cultura. perguntar se o desígnio que consiste em nos interrogarmos a nós próprios possui um sentido e uma possibilidade definidos. conscientes ou não. 325). que foge ao horizonte da nossa vida. Esta foi levada pelos seus mestres a seguir um duplo movimento e. em Inglaterra. que o mapa nunca é o território e que a diversidade deste pode induzir em erro. dos suportes sensíveis do pensamento e das comunicações afectivas aos sistemas de percepção e de construção do real no mundo das representações. pôr assim permanentemente em confronto as dinâmicas sociais e as rupturas. mas por percepções diferentes. os grupos. Uma possibilidade? A resposta a esta pergunta evoca o problema da lucidez académica. a exploração das atitudes. São menos o resultado de um programa prévio e claramente estabelecido do que o efeito das marchas colectivas e individuais. há que ver por que se seguiu o caminho escolhido e como este contribui para reconhecer e depois limitar e percorrer uma parcela do campo da História durante muito tempo baldio. o seu peso de erros. que nunca se pode recuperar. Se se fixar esta intenção teórica. de satisfações e de alegrias. Há mais de vinte anos. num teatro construído pela troca -ou pelo afrontamento.das gerações. história dos livros. compatível com a necessária tensão que anima a crença que é bom possuir. em suma questões e respostas que cada um pode fazer aos outros e deles receber. Um sentido? É honesto não conferir clareza a priori nem coerência. A distribuição dos prémios no palmarés da profissão depende demasiado dos acasos da Fortuna para que não se hesite alguns instantes antes de se atribuir publicamente um papel na evocação do que não é mais que um ofício. O assunto oferece interesse se se aceitar a ideia de que remontar o fio do tempo ajuda um pouco a esclarecer. portanto. a ferramenta mental que podem mobilizar. Nesta perspectiva. cultura popular. cuja contribuição primordial continua a ser para nós ligar as estruturas e as conjunturas. Já não existe razão para aceitar a teleologia ou o anacronismo na autobiografia intelectual do historiador quando se recusam para a História. pode ser interessante interrogarmo-nos a nós próprios. O facto de essa coincidência não ser nunca absoluta e não se produzir a todos os níveis ao mesmo tempo não deve impedir-nos de utilizar a noção de cultura. aliás. as suas interrogações quanto ao passado. novas mudanças e interrogações ao mesmo tempo. Mas nós somos igualmente dependentes da grande vontade histórica que acredita na capacidade dos historiadores para compreender a realidade total. mas também nos Estados Unidos. no respectivo lugar. porém. na Alemanha e na Itália principalmente.Lévi-Strauss em 1958 em Anthropologie structurale: «A cultura agrupa um conjunto de desvios significativos de que a experiência prova que os limites coincidem aproximadamente. mantêm-se presentes duas consequências principais: a primeira é que o estudo do cultural só pode valorizar a análise das trocas entre os indivíduos. É por isso que noções como a de apropriação ou de interferência temporal se tomaram essenciais nos trabalhos da minha geração. 26 entalidade. a segunda é que não se pode estudar a cultura sem se interrogar o sistema social em que ela se desenrola. Para o primeiro ela está ligada à política e às ideologias e para o segundo abre-se a todas as interrogações do material ao intelectual como meio de compreender os obstáculos às mudanças: pensemos nas prisões de longa duraÇão que definem as mentalidades. Todos sabem. e ao futuro.:presso. nas migalhas do festim que os mais velhos traziam dos primeiros seminários da École des hautes études. dos mais velhos. nos encontrássemos no número 62 da rua Claude-Bernard. para alguns. ou ainda do que se designa não sem aproximação. que começava a funcionar. os melhores pedagogos adquiriam os artifícios da profissão -. O triunfo. cada um pode pesar melhor a parte que ocupa no dispositivo cultural e universitário. com Emest Labrousse. Era testemunha sem ver. nem o que ele fez pela maior parte de . nas lutas políticas. geraçao n~s. uma geração intelectual. não havia adquirido a fama universal que se conhece. e até de cursos do College de France. pelo termo de École des Annales. Depois. Trata-se aqui do grupo de historiadores formados nas Escolas e Universidades a seguir à Segunda Guerra Mundial e antes dos anos sessenta. cada um vê melhor o fio vermelho que o guiou. mas que não se sabia agarrar bem. Não se falava das Annales e menos ainda de Braudel. mas não me parece totalmente evidente que sejamos de nós próprios as testemunhas mais seguras. aumentar distâncias. a que os mais espertos se atreviam. historiador das soc1e . senão em função de um diálogo implícito com aqueles que nos precedem e com os que nos seguem. Recusá-lo por razões diversas parece-me arruinar a própria base da nossa profissão. de um vasto conjunto de ideias e questões. mas smceramente que nunca se dirá suficientemente o quanto a mmha . e como também um colectivo de intelectuais se apropria desses questionários e desses problemas para deles fazer a própria trama da sua vida. A vastidão da vitória não deve velar a lembrança do compromisso. no ensino superior. uma maneira de ver e de ser.deve ao mestre. de facto. um histonador de culturas. também um estilo. por ser preciso aprender por si mesmo as regras do ofício . por alusões que os mais avisados traduziam para os outros que o eram menos. criar desvios. para além das práticas de escrita. pela n:mha parte. não deve mascarar a incerteza que pairava tanto sobre as origens da história nova como sobre o seu futuro. podendo-se ser hostil ao que me parecia naturalmente uma outra riqueza. mas ainda porque mal se sentiam as transformações então em jogo na nossa disciplina. Ernest Labrousse: do económico ao social Lon~e de mim a ideia de querer ceder à hagiografia imediata. perceber por que novas interrogações não se podem fazer. Outros o disseram ou dirão melhor do que eu posso fazer. Ele revelou-me. à falta de melhor. nas discussões das Écoles normales. O êxito dos herdeiros não deve dissimular que eles geram também um património. Não era pois totalmente de admirar que a vida política e sindical estudantil oferecesse a muitos. um dos assistentes que me ensinava a história da Idade Média. Não só nos aborrecíamos um tanto porque mestres de prestígio ensinavam muitís28 -------t 29 . Uma das minhas recordações resume bem o clima de então. eu esforçava-me com os programas e outras actividades. quando o modelo da Nova História.com a ajuda da imitação própria. disse-me: «Deixe esse estilo para a Écoles des Annales. claro.simas vezes uma história enfadonha. . antes de ter alcançado o poder e o reconhecimento do público. fazia um pouco figura de diabo. Fica-se assim imediatamente no centro do que é hoje o próprio objecto da história das culturas: importa compreender por que razão um conjunto de questões toma pouco a pouco sentido e valor no mercado das ideias.» Era para mim uma dupla descoberta de que se ajuizará a ingenuidade: a história era. Suscitar esse diálogo parece-me ser a função principal dos professores. jovem normalista. Este. a grande corrente de p~nso A Sorbonne sem as «Annales» Ainda hoje ine impressiona vivamente pensar na Sorbonne dos anos cinquenta-sessenta em que fiz os meus estudos. com certeza tambem. um terreno mais fácil de percorrer. Ao devolver-me as cópias de um exame trimestral. entenda-se. A aventura permite ver as coisas como indo por si e. pois. É uma maneira de alcançar o essencial e de se interrogar sobre o laço que se tece entre a reprodução social e a reprodução intelectual. dos mestres. Constitui-se assim uma comunidade de compreensão nas circunstâncias e ocasiões. ao alcance da mão. hoje mestre consagrado. entre os quais eu. E é menos desconcertante ainda que na altura de escolher um tema de investigação para preparar o diploma de estudos superiores. Resumindo. e. hoje em voga por todo o lado na febre editorial. é a ele que devo ter conseguido ser primeiramente um · d ades antigas · . A verdadeira vida encontrava-se noutro campo. benevolentes. pela determinação de conhecer. hconJunto foi a da mvestlgaçao des · F uret e que se concretizou . livro e sociedade ~ altura em que teve lugar pela primeira vez uma discussão de · · . enfim. Têm ainda que dar provas da sua própria especificidade e conquistar autonomia.e aqui deve-se repetir o que muitos de nós devem às sessões conduzidas por Jean Meuvret nos Altos Estudos. o que não tardará. sempre prolongadas no café Le Balzar -. onde me atrai. que tenho então como professor na École normale supérieure de Saint-Cloud. e que beneficiariam do apoio nunca avaliado de Alphonse Dupront. de elaborar a mmha ~aneira de ver. sobre o que mais adiante se falará. não é para mim essencial. publicada no papel amarelado e frágil do pós-guerra. quer dizer. das crenças ~~e esta~~l~ce~ ~ma fo~ma de consumo cultural. fazer a história social da cultura.esforçava-me por ligar o cultural ao resto do movimento social. _ autes études Franço1s na pubhcaçao dos 6 31 --------------- --~---- . a questão da mudança historiográfica «da cave para o sótão». por um lado. que sempre me deixou livre. simpatia e convicção a necessidade do estudo histórico dos grupos sociais. a Nova História. de responder à questão de saber se a história social das cultur~s é possível e conserva sentido e valor apesar da reconsideração d~s questoes e das críticas legítimas. A meus olhos.pensamento socialista e marxista sobre a qual há vinte anos eu ignorava praticamente tudo. Os estudos aqui reunidos pretendem menos mostrar as etapas de um pensamento que o seu percurso na prática e na ~scrita para os desvendar aos olhos de todos.como de Duby-Mandrou sobre a civilização da França. dos saberes. mas ainda coerente como instituição e como corpo. todos sabem o que acontece.continuava fiel à época moderna. imitando Labrousse. pela tolerância no debate. para retomar a expressão de Michel Vovelle e Maurice Agulhon. Que me perdoem este vocabulário hoje fora de moda. das Luzes à Revolução. pela simpatia pelas diferenças. o futuro mostra-se divergente e diverso como a luz filtrada por prismas. Em suma. no entanto. mas sabe-se isso claramente? Com certeza que não! Pierre Goubert. os académicos de província que viriam por fim a ocupar-me mais de dez anos. Finalmente. ao iniciar toda uma geração na história económica e social. é sem dúvida a ele que devo o ter posto o dedo numa engrenagem que jamais nos abandona: a da investigação viva e que salta de objectivo para objectivo. um possível acesso . através de algumas leituras. que me foi vedada pela distância e também pelas dificuldades da carreira de docente-investigador. só tinham à disposição a própria revista. e. Investigação. as duas teses de Labrousse e O Mediterrâneo de Braudel. por outro lado. no funcionamento de uma universidade um pouco cinzenta. Para mim. animada pela curiosidade intelectual. os Arquivos favorecia. o republicano socialista que vira Jaurês. 30 Eu era professor no liceu de Châlons-sur-Marne. que. são então mais velhos. A coerência do conjunto libertou-se progressivamente através de uma continuidade dupla: precisava. Quanto aos auditórios de estudantes. ou de Henri-Jean Martin sobre o aparecimento do livro-. em alguns seminários . que encontro no seminário de Jean Meuvret. através de documentos de arquivos. uma outra coisa diferente da história das ideias e algo que se aproximasse da história das consciências de classe. sabendo todos «que já não existe burguesia». entre o século XVII e o XVIII -. no início dos anos cinquenta. porque eu sempre quis. Faltava encontrar um terreno. e um método . estão por publicar. não se deve esquecer que. os príncipes de sangue pelos quais ele me mandou a Marcel Reinhard. Durante as suas conversas legou-me também a vontade de compreender melhor a grande ruptura do século XVIII. Depois. textos manuscntos ou em livro. quanto à consciência.colectiva · da VI secção da Ecole . introduzidos no meio e sabendo mais. Labrousse. no futuro. uma mic1açao 1mposs1vel aos poderes da cul-tura. e Labrousse desaconselhou-me então a tese re_gional. a aliança dos gestos. amigáveis. apenas Labrousse unificava a diversidade e talvez porque ele próprio era diverso: o historiador da economia e da sociedade. fez-me descobrir o tesouro de reflexão dos sociólogos franceses e ensinou-me com calor. ou Emmanuel Le Roy Ladurie. fascinante e estranha. Tudo começa para nós. a nobreza siciliana. versão de 1947. os importantes textos de Lucien Febvre. ele acolheu favoravelmente as minhas várias tentativas. a história dos camponeses. tornava as Annales vivos. professor agregado na Ecole normale. . pertence ao acaso. O seguimento. quanto a mim. sabia mobilizar-nos e reter-nos. Todas as grandes obras que farão. muito pouca classe e finalmente. ipais. Entre as obras que marcam uma discussão análoga. A resposta merece um rodeio que pode esclarecer a passagem de uma história à outra. . os historiadores de Livro e Sociedade descobriram que a cultura se encontrava em toda a parte. Por um lado. erge Fleury (Québec) e Édisud (Aix-en-Provence). já se vislumbra como o estudo das topografias sociais exige outra coisa. pelo do investimento a fazer num trabalho que só podia ser extremamente repetitivo no seu questionário. Conservei interesse permanente pelos livros que poderiam despertar neste homem discussão e imaginação. Estudando o cultural como os seus antecessores haviam analisado a economia e a sociedade. ou em concorrência . e De la cave au grenier. trabalho longo e solitário. ~ história das culturas pode criar forma porque. o que não se passa comigo. Em suma. uma nova preocupação directamente ligada. A via fecunda.~e~lo~ie et Mentalités. facilitando a constituição comum dos corpus e das séries.o com dem~sm vontade novação intelectual. em 1965 e 1967. porém. pela qual se propagava a novação em história era substituída. mas permanecendo fiel às motivações das origens. o que até então dependia da ideologia encontrava lugar no estudo das práticas. 1 L 33 . na economia como no social. criava um outro estadO' de espírito diferente do imposto pela investigação individual. Em ligação com um certo tipo de história. ao programa das Annales. pnnc · · dores d as 1'deias · e da 1·Iteratura. julga-se. mas foi também a época em que a concentração das forças no terreno da história económica e social levantou a alguns o problema da obstrução do terreno universitário. e como ao mesmo tempo se transformam. de l' histoire sociale à l' histoire des mentalités. através dos sistemas de classificação dos saberes e das noções. Daqui em diante. Paris. o estudo renovado da difusão dos livros e das ideias abria a porta a uma verdadeira história das origens culturais da Revolução e para a qual implicitamente Labrousse nos convidara. coed.F ransuaa Ao mesmo tempo. a história social permitia ver como nascem as obras e os sistemas de ideias. Pode-se. a primeira investigação aberta no campo cultural criava a diferença em duas direcções 32 . retomava assim mte maneira o problema das ongens · ·mte1ectua1s · da Revo1uçao . a' conjunto do percurso das Luzes. Rompia com a tradição da interpretação ·do século XVIII. pela renovação das gerações docentes. duplicado. permitindo comparações e questões abertas. como se propagam em livros e usos através dos meios vectores. a experiência tinha tanto mais valor quanto levava também ao levantar dos tabiques nas disciplinas. citamos: Michel Vovelle. filósofo como pensam por vezes sê-lo alguns raros historiadores. perguntar sempre o que é a cultura e por que preferir este termo ao de mentalidade. ressando-se pelo essenc1a as gran es o ras. 1982. uma vez que só se pode ler no mundo das práticas. I'd ~nti'fi1cand. Por outro lado. pela reflexão colectiva e o trabalho feito em comum. O processo de investigação introduzia na paisagem dominada pela forma quase exclusiva da tese de doutoramento de Estado. Un ~lnerazre en Provence. destacava a insuficiência da interpretação de ces · · d_o.dois volumes de Livre et Société dans la France du XVlll' siecle. A meu ver. ou em paralelo que foi o meu caso -. 1981. Maspero. progressismo social e promoçao socweconómica. De qualquer modo. pois sou por natureza ou por cultura demasiado empírico. História das mentalidades ou história das culturas? Se prefiro falar de história das culturas é porque o projecto que se elaborava na investigação visava compreender as diversas mediações que intervêm entre as condições objectivas da vida dos homens e as numerosas maneiras com que eles as representam e as dizem 1• 1 . pois dependem da evolução de conjunto do sistema que lhes dá forma. O caso teve lugar num momento crucial: foi então que a hegemonia intelectual do paradigma das Annales se instaurou na Universidade. De uma maneira ou de outra. como mostrou Jacques Revel. historiador como sonham sê-lo os filósofos. Suscitaram suficientes debates em França e outros lugares para que nos detenhamos neles. tratava-se de fazer outra coisa. a investigação conjunta. a elaboração por vários das grelhas de interrogação e dos processos de interpretação. duzida até então pelos h1stona con · 1 d d b · a' .foi a sorte de alguns outros que puderam dispensar-se de defender a tese-. mas individualista. Não encontrei eu no seminário comunitário literatos como Jean Erhard e Jacques Roger e filósofos literários como Genevieve Bolleme? Tive até possibilidade de trabalhar algumas sessões com Michel Foucault nos arquivos do Arsenal sobre os documentos dos presos e nunca vim a saber por que havia ele abandonado o projecto. a história já não pode ser apenas uma disciplina gratificante. parece-me necessário insistir nos fenómenos de enraizamento e de circulação. 2 «Histoire: hier. . na interpretação. das ideias e das mentalidades. a aceitação das diferenças. mas de elaborar a sua história não na identificação exclusiva do documento escrito. partilho a ideia de Cario Ginzburg e de Michel Vovelle de que «uma análise em termos de classe marca sempre um grande passo em frente em relação a uma análise interclasse» 3• Por comparação com a história das ideias·e dos conceitos praticada pelos historiadores literários ou filósofos. mas encontrando estruturas que organizem os usos e as práticas colectivas. Colocando a interrogação dos historiadores sob o patrocínio das ciências sociais. Le Débat. surgem como fundamentais duas noções: a primeira. desejando em todo o caso conservar as ambições globais e exaustivas. pp. 112-125. às da história das mentalidades e provêm dos objectivos essencialmente definidos por Lucien Febvre. e é desse modo. tai~ como livros. a recusa do anacronismo e do investimento prévio no sentido da colocação dos factos. pensar a relação com as ideias de outro modo que não em termos de determinação ou de influência. conserva a vontade e compreen er as maneiras gerats d sentir e de pensar. 1346. quando não a nostalgia do profetismo de uns e outros. tanto quanto possív~l. É necessário admitir em contrapartida que os factos que utilizamos são objectos construídos segundo hipóteses que influem na sua interpretação e que esta faz parte integrante do horizonte de verdade que se constitui na comparação das leituras. e de outro modo também como revelador de um discurso ou de uma textualidade explicável por si mesma. 19-20. 1980. ligando representações colectivas e condutas p:ssoais ao estado da socied~de. que continua a ser a necessidade de inventariar os elementos do material mental característico de uma época e de que os indivíduos e grupos sociais dispõem na sua totalidade.. . 3 Cario Ginzburg. nem com a d as 1·detas que d d . que as nossas convenções se distinguem das de Georges Lenôtre. na mobilização~ pelos agentes sociais. Supõem o sacrifício de três hábitos antigos. finalmente. podem admitir-se três imperativos que conservam rigor: à história dos indivíduos abstractos preferir a dos grupos sociais ou. pelo estudo da interdependência das instâncias do real e das suas modificações no tempo. «The Fate of the History of entahties in the Anna1es». c dades para dar a descrição do material mental de uma época.. mesmo inconscientes. impossível de confundir com uma simples restituição do passado. Le Fromage et les Vers. porém. L'univers d'un meunier du XV/e stecie. substituir uma história organizada por ordem de realidades. portanto ~ sua história. para mim. com o fim de legitimar o presente ou de justificar o Progresso. a segunda. Reappraisal and New Perspectives. Da primeira. mmha própria escolha é insistir. a Nação. ailleurs et demain. en marge des Annales. pp. André Burguiere. e com outros objectos pelos historiadores das ciências. a de personalidades representativas. outros praticam. 1982. É também porque já não acreditamos na antiga concepção do facto. Paris. inertes. Finalmente.~omell UP. · ou d a ·mteIectual"d d sessen 1 a e. como as instituições de sociabilidade. Estas escolhas reúnem-se.se é que este o foi alguma vez. Histoire et sciences socia1es». mas numa mobilização de conjunto de todos os tipos de documentos. . gestos a partir de objectos precisos. Em suma. p. pp. ou de instância.Assim. o Estado. sendo. 424-437. Comparative Studies in Society and History. 34 L 35 . com a das mentalidades. imaginações. trata-se de estudar comportamentos colectivos sensibilidades. 1982. mas considerando os seus limites4 • Estas escolhas levantam seguramente o problema dos meios e dos métodos. Roger Chart1er. Intellectual or Sociocultural History? The Frene h Trajectories ~nh Modern European Intellectual History. Noutros termos. isto é. como é evidente. se possível. o campo desta reflexão de história social e cultural para que contribuo quer ir ao encontro dos questionários e dos problemas da história dos modelos culturais. . apenas desvendado pelos vestígios escritos e que seria um dado tão indiscutível como o objecto das ciências positivas . de todos os dados e na anahse da construçao dos hábitos sociais para ver como se criam as condições da sua interiorização. estrangeiros ou franceses. 1985. mas a situaão das investigações actuats mostra a dtficuldade de se contentar çom elementos obscuros. ~ aca. F1a~marion. seja o que for que hoje pense François Furet2• Não se trata apenas de alargar a narrativa histórica a outros actores. A história assim definida e a que me consagro desde os anos ta não se confunde totalmente. sem contestação. das mentaliA . . operaram uma acção dissolvente das visões tradicionais do mundo. e a quem recusa reiterar continuamente as questões colocadas através das respostas dadas. a aliança confusa mas real dos saberes e dos poderes. O conjunto refere-se igualmente aos trabalhos de Maurice Agulhon. que redescobre na Provença os usos e costumes da vida associativa antiga como meios de avaliar tanto a evolução das relações sociais colhidas nas transferências. e o que depende da instauração de um mundo igualitário. o historiador podia finalmente sentir a imbricação no movimento de difusão das Luzes. Le Siecle des Lumieres en province . servem de intermediários políticos e culturais às mensagens filosóficas inovadoras. a Burguesia com maiúscula.f O estudo das sociabilidades culturais Esquecer Tocqueville e Cochin? Entre os indicadores retidos como susceptíveis de resolver as dificuldades destacadas. no domínio da história cultural. proscrito no início e admitido depois por consenso tácito5 . o futuro e o passado tentam comunicar numa coabitação incerta. Para o historiador das a~ademias. Paris-La Hayet. mas participar num pensamento gestionário e utópico. cartografando o espaço que lhes corresponde. São assim postas em causa as interpretações inspiradas quer por Tocqueville. e a comparação das diferentes formas de sociabilidade leva a separar o que provém dos modelos orgânicos. privilegiei essencialmente o estudo das sociabilidades culturais e o do livro. Ao mesmo tempo precisava-se a medida do peso real da classe cultural receptora dos escritos filosóficos. recuso a identificação simples das Luzes e da Revolução. Apesar dos insatisfeitos. Reconstituindo a rede das sodedades eruditas e das lojas. numa palavra. pelo vazio entre a opinião e o Estado. O estudo social de 6000 académicos entre 1660 e 1789 e o de cerca de 20 000 aderentes à franco-maçonaria contribuíam para a ruína de numerosas ideias recebidas. A divisão dos agentes na prova das rupturas pode confirmá-lo só por si. o termo de uma v~a em que a emergência do acontecimento não pode estar teleologicamente implícita.se contudo quiser- 36 37 . do lícito e do ilícito. No meio académico e maçónico. à única maneira que convém. a lição. como a instauração de novos modelos de confrontos políticos. socializando as Luzes. Ao mesmo tempo e sem que haja identificação total e única com um só grupo social vector. Mas distingue-se pela reconsideração da compreensão do sentido explícito para os actores sociais do momento cultural.. a quem não quer separar artificialmente realidades e representações . . do recrutamento da confraria de penitentes à loja maçónica. conformes aos hábitos sociais e susceptíveis de interferências múltiplas produzidas por leituras colectivas ou individualizadas. D~ste modo. quer por Cochin. que se decidem pela separação da inteligência e da autoridade política. a Revolução é. 5 Daniel Roche. Académicos e lojas. e ao mesmo tempo não é. mais sabedora que revoluciOnária. a da própria vida cultural.estas duas últimas só em conjunto se recolhem na circulação dos textos -. pela sua definição. 1978. A sua função não é assumir a definição de uma ideologia nobiliária ou burguesa. Estas utilizam a ideologia do poder intelectual ou a ideologia maçónica por causas e segundo práticas diversas. em que se situa o êxito da sociabilidade democrática matriz do jacobinismo. às interrogações outrora lançadas por Gustave Lanson no seu programa de estudo das intelectualidades de província e retomado por Daniel Momet nas suas Origines intellectuelles de la Révolution. A natureza do academismo modifica . e igualmente a das lojas. O estudo social mostra as motivações da «República das Letras» e como -as ideias são inseparáveis do comportamento cultural. as Luzes tomam uma outra dimensão: o fenómeno filos~fi~o foi marginal e limitado a uma intelligentsia parisiense e de pro~mc1a mais voltairiana que materialista. elas tendem em parte para a consolidação das posições antigas com novos argumentos. não deixa de corresponder. mas a história desta recepção não pode identificar-se unicamente com a das instituições de cultura. no geral as práticas da escrita. Mouton-EHESS. O primeiro caso deve muito. noutros termos. agem por e para apropriações variáveis. expressões da sociedade desigual. Luzes académicas e Luzes maçónicas não são em si mesmas contestatárias. porém. parecendo por demais simples ou honesta. 2 vol. Esta redefinição das classes intelectuais· prova bem como todo o consumo se transforma numa outra produção. No discurso social das academias existe espaço para um projecto político e cultural absolutista e esclarecido visando à sua maneira a felicidade pública e a homogeneidade das elites. por outro lado. a produção de um discurso. E por isso um dever reclamar e defender o bom funcionamento das bibliotecas públicas cujo futuro inquieta o mundo intelectual. 1982-1986. Foi porém juntos I 9 obra. 1992). Critique. colaboração e auxílio mútuo estavam fortemente ligados nas vésperas de 1968_com amigos da minha geração como Georges Benrekassa. consolidam as sociabilidades culturais. Lectures et Lecteurs dans la France de l' Ancien Régime. pois dele fazem o centro da sua investigação. fi . Todos me fizeram entender melhor o seu interesse pela textualidade e pela literariedade. Michel Launay e Éric Walter. e para perceber o seu real alcance. 'logos e inumeráveis monogra 1as regwna1s ou ur anas. 603-613. sem os quais nenhum trabalho deste tipo pode ser encarado.a leitura global do século das Luzes. As suas observações e aos seus conselhos. 8 Roger Chartier. o caminho não estava todo delineado. Perrin. o dos objectos materiais e o dos usos que engendram na sociedade. aos seus trabalhos . mesmo a cultura material. ligando o estudo dos textos. mas numa mudança de perspectiva e para c~mpreender os funcionamentos culturais profundos. A história dos livros e dos seus usos As práticas de leitura. pp. podendo-se igualmente descobrir nele o apelo à renovação e à mudança. importa deixar de ler as Luzes só à lanterna da Revolução.não se privarão dela. e a obra Livre et Société. Roger ·chartier e Henri-Jean Martin. reed. Também de maneira incidente. II de que assegurei a direcção científica. «Pouvoirs et savoirs provinciaux au xvme siecle». Ao mesmo tempo que se voltava a encontrar a ciência dos profissionais do livro. em que os trabalhos de Roger Chartierll ocupam o primeiro lugar. 4 vol. apesar dos interesses e das evoluções diferentes.. b ~ . e as primeiras abertas não se fizeram de uma só vez. . Fazer do livro um novo objecto de história exigia que se interrogasse a herança.as também. Paris. quebrado e recomposto corn tanto mais à-vontade quanto o seu vocabulário se reconhece na antifilosofia~ «uns e outros querem esclarecer e referem-se às Luzes»6 _ as palavras do corpulento abade Bergier não são muito diferentes das do magro Voltaire.como Chateaubriand: «A Revolução é filha das academias» . por vezes. ' Oints -H'Istoue». que eram também grandes livreiros como Viardot ou Jammes.d tificando as suas origens e as suas impressões em indispensáveis en . a circulação do escrito. continua a ser um modelo para todos. estas novas leituras implicavam uma reinterpretação dos trabalhos dos historiadores de literatura. A meu ver. 1982. Ambos são verdadeiramente historiadores do livro. Mas. Era nessário inspirar-se nela. Alguns . 1980. que se revelaram. mas sou mais curioso das comparações possíveis entre o livro e outros objectos culturais. Le Seuil. O discurso dos filósofos encontra-se fragmentado. 39 . eu próprio colaborei no t. Promodis.mos considerá-la. Jean-Mane Goulemot. Por meu lado conservei-me historiador das difusões e das práticas sociais do livro e.correntes e eruditos deve enormemente a nova história da imprensa. o trabalho em comum e a amizade iniciados há mais de vinte anos primeiro com Roger Chartier e depois com Robert Darnton9 . a leitura e outros gestos de cultura. Diálogo e discussão. 7 38 . após 1789. o impulso foi dado na viragem de 1960-1970 de acordo com as investigações de Henri-Jean Martin sobre o século XVII. sempre estimulantes e enriquecedores. do impresso em geral. . como eles. 1986. Se desde há uma quinzena de anos se multiplicaram os trabalhos neste campo. elas implicaram a descoberta e a utilização da história do livro. L' Aventure de l' Encyclopédie (Paris. 6 Jean-Marie Goulemot. à partida. a amizade dos bibliotec. mesmo ressoando de forma diferente. o seu desinteresse pelo objecto vector os textos e os meios produtores e consumidores. L' histoire de l' édition francaise 1 pôs em evidência o balanço actual do nosso conhecimento e as perspectivas que se abrem a novas investigações. A da bibliofilia e da bibliologia atentas ao objecto entregue.ários. Antes. Obtive em pri~eiro lugar o conhecimento e. 01erec1a ao cata · 1 · · · d historiador em busca ?e um no_vo_ matena uma _nq~e~a Imensa am a acrescida da contribmção da bibliografia matenal a mgles~. Le Seu 1•1A«psu? . foi à prospecção da história do livro que fiquei a dever 0 diálogo. oral ou impresso. Paris. O debate iniciado nos anos sessenta pelos nossos amigos professores de letras. servir para apoiar de uma nova maneira as leituras tradicionais. Inversamente. da avaliação dos conjuntos em que puderam constituir-se e em que leituras diferentes se podem elaborar. pelo contrário. tentar ver o que escreve. Este estudo quantificado dos livros pode. A razão provém -para além das transformações que ocorrem na evolução das universidades depois de 1970 . a font. nificativos. Altitudes et croyances dans l . O olhar igualitário lançado aos produtos culturais não é sinónimo de ignorância do sentido que os textos tomam através da leitura. não é. recolheu nova actualidade com a conclusão deLe Grand Massacre des chats de Robert Damton 10 • Uma 10 Rob rt D . L f debate .anc1enne Fra p .de conJunto · d a sua pro d uçao. e assim Rétif de La Bretonne. já um tanto hagiográfico. Le Grand Massacre des chats. que po dem ser mactços . meçado a percorrer. deviam estar melhor situados os momentos principais de ruptura das visões do mundo e das transferências mais importantes das ideias avaliadas no seu ritmo. Ela permitia sem dúvida passar do singular ao colectivo e ensinar as principais mudanças. mas maioritariamente difundidos. Deste modo. como Georges Benrekassa demonstrou. stgmada em consideraçao . do que a sua encarnação nos meios sociais em que pode enraizar-se e circular através dos usos que dela se faz. q • interessante é dar-se tanta tmportancta e consagrar-se tanto tempo 0 aos textos depreciados ou considerados inferiores. e que Lucien Febvre e Henri-Jean Martin haviam co. do campesinato. bem como no das sociabilidades eruditas. e este não foi sem dúvida levado até ao fim. como Jean Erhard. Entre produção e textualidade A v aliar a produção de uma época supõe o estabelecimento de séries e de classificações que perturbam a hierarquia estabelecida das obras. que pressupunha debate. além disso.d as con d"tçoes . O jogo das regras que explicam o seu aparecimento ou desaparecimento não poderia ficar entre parênteses. 1985 · pp.que tomámos. à maneira como a oralidade interfere na vida dos textos. que se substitua a análise das grandes obras como portadoras de inovação estética ou intelectual por uma vista de conjunto que atinja menos a ideia na sua vida abstracta e isolada nas obras. isto é. . fazer escolhas em relação à história literária. .· nce. a história 40 L cial da leitura procuraria incitar à exploração de corpora socialmente so. Deste modo. 239 -245 · Os principais elementos do <Otado' 'm nota ' no •rtig: :' Rog" Chm. O valor social de um texto não é indiferente ao facto de ele ser uma criação excepcional ou." jã <itodo no noto 4. retomado por historiadores das ideias em Itália como Franco Venturi e Furio Diaz. apesar de tudo. por só eles serem capazes de nos dar acesso à vida cultural do maior número. o campo do literário fica largamente aberto aos historiadores da cultura. deste modo. Perante a história literária. Uma história comum nasce de uma comunidade.do estatuto diferente que uns e outros atribuem aos textos. dos géneros e dos autores. Viu-se nisto um novo positivismo. nem desconhecimento dos pensamentos inovadores. e arnton. A • Quantificar ou não? No estudo dos livros e das leituras. um exemplo entre outros de uma produção vulgarizada e de grande circulação. o caminho aberto por Lanson e por Momet. produz e consome exige. a quantificação foi um meio essencial e não certamente um fim. o historiador da cultura não pode utilizar sem precauções os textos que se classificam na literatura e os dados que lhe fornecem. mesmo a título temporário. cada um à sua maneira. sendo-lhes recomendado não desconhecer as suas funções específicas e recusar o desvio entre o texto e o saber. falando da vida rural de um ponto de vista urbano e de uma nova encenação da ordem social. podia ser melhor compreendido e sentido o peso relativo das novidades e dos arcaísmos. Ele destaca a conquista de uma identidade e por contraste enviesa o quadro. a que se reduziu o projecto da história cultural francesa. de uma conjuntura e de um acaso em que interesses comparáveis coexistem. ans.sen do o essencta "I a ou nao. Saber o que lê toda uma sociedade. e longe de as desconhecer. é o símbolo do reconhecimento dos seus domínios. uma simples testemunha. t~e valoriza os efeitos do escrito numa cultura maioritariamente oral. O andamento da história cultural implicava. erudito-popular. que os agentes sociais mantêm com o seu sistema de valor ou de crença. a deslocação no tempo ou no espaço de uma forma de produção ou de consumo cultural é acompanhada de uma transformação dos quadros de classificação e interroga o estatuto dos objectos classificados. e. pessoal ou social. a nossa história prefere o estudo das interacções. mas lê-los.re 1ati. analisados como escolha específica e sobre um dado material. Hoje. . Num e noutro caso.necessária a outras dihgenctas. ao mesmo tempo. menta cujo alcance e 1. Aliar o conhecimento estatístico ou qualitativo · como uma forma cultural. incapazes de explicar a apropriação dos objectos culturais. Em pnm~uo de classificação e toda a tipologia revelam que as categonas em que se podem alinhar os objectos culturais são susceptíveis de mudar e o modo pelo qual elas são trabalhadas pela sua própria produção. Constituem. além disso. e por se descurar a relação.mas que são o resultado temporário e variável das operações de apropriação em análise -. para além do estudo das distribuições..que de1es se podem retirar . um msraçao . prov~ a impossibilidade de se satisfazer com correlações grosseiras para explicar o avanço ou atraso do pensamento. raciocinando sobre as classificações imaginárias ou reais do social. individual ou colectivo. mostrar o impacte prolongado da reforma tridentina nas suas fórmulas de vulgarização. Assim. cidade-campo. mesmo às tensões e às lutas que se formam entre os grupos e as classes. com o seu universo simbólico. dominante-dominado.. Pode-se perguntar.içoes sao trU mas que obrigam o investigador a reflectir na construção do v~. A história das topografias sociais levava à história social das apropriações. da cave ao sótão. fecun d i . porque também é mais sensível às especificidades sociais e s relações. Paris-província. . porque to do o uso de ~m sistema · própria natureza. na Vida de uma instituição ou na de um sábio. b·ecto que querem rodear. no Antigo Regime de limites indecisos. estabelecer entre os séculos XVII e XVIII a curva das obras científicas e filosóficas permite mostrar o desnível cronológico que existe entre inovação e tradição e. Assim. ou um motivo · mte· que mostra a maneua 42 43 A • • • • . criação-consumo. uma vez que se inscreve no meio termo. Insiste também na possibilidade de compreender ou de erigir. o estudo serial só pode ser redutor. Na realidade. a ordenação que supõe a medida utiliza quadros de classificação preestabelecidos. . mais que na muito longa ~uração. por outro. não se deve inventariar os livros. além do alargamento e da retirada das barreiras que a história serial permitiu. por que seriam os objectos culturais diferentes de outras produções do homem. Finalmente. Na grelha tradicional que hierarquiza os factos do económico ao social. Textos. esta história pretende ser a das maneiras diferentes que os homens têm de se apropriarem das estruturas mentais e dos valores culturais. de uma economia social. em verdade definitiva. imaginário-real. fenómenos sociais que são menos a expressão das manifestações significativas do homem em sociedade do que a perspectivação da sua temporalidade específica. . Pessoalmente. pois tanto se interessa pelos fenómenos de ruptura como pelas categorias estáveis e imóveis. do social ao cultural. ~esmo no curto prazo. os métodos quantitativos talvez não tenham esgotado totalmente a sua ·dade e permanecem sem dúvida mais que nunca uma prepa. em níveis sucessivos. É o meio de apreciar a partilha desigual dos bens culturais. censura-se por não se considerar o tema.dupla crítica une aqueles que recusam totalmente e os que se interrogam simplesmente sobre esta maneira de escrever a história cultural: por um lado. livros e também imagens podem depender de uma medida. é necessário considerar que opor hierarquia quantificada e apropriação qualificada reanima um velho desafio que resume a fórmula dos adversários da sociologia religiosa: não é possível medir a fé. penso que o debate induz em erro. É neste sentido que mais se diferencia da história das mentalidades com que agora nos familiarizamos. O próprio limite das opções quantitativistas permitiu interrogar as relações geralmente admitidas . é uma maneira eficaz de fazer comparações e de estudar as rupturas de uma forma completamente diferente dos hábitos intuitivos da história das ideias. noutros termos. pois utilizei complementarmente um e outro tipo de análise não contraditórios. pois não se poderia colocar no mesmo nível os grandes autores e os menores. escrito-oral. de facto. por partes ou no todo. em certas condições de crítica e de processo e para um certo tipo de questionário. o estudo dos textos permite compreender melhor o problema das articulações entre posição social e escolha cultural. Repetindo. permitmdo compreender melhor a sua 0 ~ · · 1u~ar. pois Ménétra. continua a ser uma das suas ambições fundamentais. Le Peuple de Paris (1981) propunha que se relesse a história dos comportamentos populares dos parisienses. mostrava o empobrecimento e o enriquecimento simultâneos da população urbana parisiense e respondia assim à questão levantada pelos historiadores da crise revolucionária desde Michelet (a Revolução filha da miséria) e Jaures (a Revolução filha da prosperidade) com uma explicação moderada. como podiam ter as suas ideias sobre o mundo social. desta atenção oblíqua. na construção de uma fronteira entre o privado e o público. a transcrição e a exploração de um manuscrito inédito e original de um valor incomparável. na larga difusão de novas normas nas maneiras de viver. o Journal ?e ~énétra passou a ser um texto de referência traduzido em inglês. está igualmente qualificado para forjar uma metafísica e uma visão pessoais do mundo religioso. Na visão calorosa e picaresca que Ménétra dá das suas experiências sobre a Volta a França. exige uma pluralidade de abordagens. individualizado ou colectivo 11 • ~undo das classes inferiores urbanas. que importa decifrar e compreender. permite compreender como se dá a fabricação social de um sentido. Capaz de interrogar o sentido do seu compromisso. Culture et société.. o Journal de ma vie do vidreiro Ménétra (1982).. confrontando a realidade destes pontos de vista diferentes inspirados por uma certa visão do povo e uma escolha de reforma. Isto continua a ser verdadeiro para todos os níveis sociais de práticas ou leituras. mais particularmente a dos inventários após óbito com os arquivos policiais. confirmava-se que a cultura popular não se reduz a uma alienação ou passividade. que caminham a velocidades variadas na difusão de novos consumos.ossível.. e todas as tentativas que visem transformar as práticas devem transigir com as tácticas de resistência e de desvio. sobre a própria acção política. permite corroborar uma história capaz de dar a Interpretação dos sistemas de sujeição colectiva que tomam possíveis Para a história dos consumos culturais Estabelecer a antropologia social da cultura. Italiano e.. mas ao mesmo tempo criação e produção activa de outra coisa. à análise dos textos. Retomando a leitura dos contemporâneos. pretendem abrir ao estudo dos consumos culturais que não são apenas assimilação passiva e prova de dependência. traduz bem a evolução vivida pelos agentes da Revolução. tanto quanto 11 Foi o que tentei fazer no t. Em 1981. dentro em pouco. 1985. Três obras mostram sucessivamente as possibilidades dadas pelo estudo das maneiras de habitar. operário e depois mestre. A cultura do maior número é feita desta possibilidade. II de Français et I' Ancien Régime. sobre as relações entre os homens.. No termo de uma transferência de problemática tentada por toda uma geração. Entender. Armand Colin. ou se reparte consoante os indivíduos de uma população e segundo as práticas que constituem actos distintivos. Esta análise podia ser confirmada pela descoberta. no quadro urbano em especial. 44 45 L - . observadores morais e literatos. se distribui segundo os grupos sociais. Através da autobiografia e do testemunho do artesão. descobria-se a capacidade dos homens de baixa condição de porem em prática a reflexão. em alemão porque.. ver. lia-se a capacidade cultural de todos. Através da evolução da relação com as coisas. para além do teste~unho pitoresco. Hoje. A cultura esclarecia também os mecanismos do político e dos conflitos. O problema do aumento das dificuldades é inseparável do da conquista de novos valores e de novas exigências. vestir e viver. é à dupla interrogação da independência dos factos culturais e da constituição dos hábitos sociais que tentam responder estas investigações..----------~ . que possui a sua lógica própria. consumir. A cultura popular parisiense passava a ser outra coisa que não o reflexo das intenções reformadoras e religiosas. propunha eu. uma visão complexa e contrastada do lectual. aliando o equilíbrio. com a documentação notarial. em Paris. associando várias diligências. Mas elas não visam apenas constituir uma geografia social da recepção das formas ou das ideias. um acto permanente de liberdade frágil conquistada na sociabilidade comum do trabalho e do lazer. Paris. homem dos regimentos do Antigo Regime e que se fez sans culotte. ler são atitudes sensíveis e intelectuais em que se partilham liberdades e constrangimentos. e a história social da cultura. à Sociedade de crescimento. . ensaio consagrado à história do vestuário. Mas no século XVIII também se vê que cada um pode parecer o que quer ser. e a dos fenómenos que constroem o sentido a partir das representações. da aceitação ou da rejeição dos valores de uns pelos outros. as modificações medidas pela bitola do pudor. e marca a por uma leitura estruturada do mundo. portanto. à sua história. A maneira de vestir traduzia outrora. ao mesmo tempo causa e consequência das transformações do vestuário. porque acho que é mais revelador inscrever a análise no curto prazo. h•stoncament d . é uma linguagem cada vez mais complexa que os agentes aprendem a dominar. Dá-se assim. como a história da relação das forças simbólicas e reais entre dominados e dominantes. I ' I d . É a razão por que a história das aparências regista todos os conflitos políticos. social e cultural. para todos incessantemente crescentes. de escritos médicos. A Sociedade de consumo. uma transformação capital para as sociedades ocidentais. encontram na dinâmica do vestuário a sua primeira representação. muito mais que hoje. permitindo compreender conflitos e lógicas do futuro. as linhagens. hoje. da cave ao sótã d . t' · . São explicadas pelo exame das condições económicas da procura e do mercado. porque não privilegio os elementos contínuos. Integro-me assim num modelo •stonco para o I . Ao lado dos Republicanos das letras. . da produção dos tecidos à confecção do vestuário e à sua conservação. . indispensável a uma fenomenologia social. qua conta menos a opos1çao entre diferentes tipos de escnta da h. . roubo e dádiva mostra os efeitoS de imitação numa sociedade que pretende ser estável e o talento nas 46 b' lu ões encontradas para responder à procura. o que a vontade de decifrar as actividades e as criaÇoe · · . porque penso que relacionar o trato entre classes e a ~propriação dos diversos grupos sociais é preferível ao estudo I~terclasse para compreender as rupturas e as inovações. O estudo das técnicas de fabrico e dos circuitos de difusão pela compra. O jogo das modas e a ascensão da civilização urbana provocam o esboroamento dos sinais do vestuário e surgem novos comportamentos para compensar a perturbação social. dos imperativos morais e religiosos na vida quotidiana. o vestuário tal como o livro difunde e multiplica as informações. uma dupla ausência sugeria-me que retomasse de outro modo a análise do conjunto das manifestações sociais. s os homen s em sociedades variadas e na mteracção dos campos. a passagem do Estado estacionário. inconscientes e resistentes da História. em que se instauram a ordem das trocas e o cálculo dos progressos. as constânCI~s. expressão das relações de poder. em Paris e na França urbana antes da Revolução. Estas novas manifestações estão provadas pela análise comparada dos guarda-roupas e das práticas de vestir. toda uma economia se instala. pensar. d pérfluo.e inspiram as atitudes individuais e as vontades particulares. e os encadeamentos. ideal da economia política cristã. do necessário ao suso ç .d o. a da dimensão relacional e hierárquica de conjunto. . IS ona econom1ca. podiam ver-se também os Republicanos sem letras. o exército e os seus uniformes. mesmo o que tenta ser. Para mim. O meu tema de estudo é a compreensão das prahc. . dava uma resposta à questão levantada pelo conjunto da sociedade parisiense e levava a uma interrogação mais geral da formação das sociedades modernas. pelo seu estudo em diferentes meios intermédios susceptíveis de fazer realçar os fenómenos de difusão. conhecer. La Culture des apparences ( 1989). . princípios de classificação e de percepção. Nos trabalhos que acompanhavam estes diferentes estudos. E então que se ve reve ar-se a vo ta o vestuarw. atraves e leituras romanescas. maneua~ gerais de sentir. Em suma. As convenções sobre vestuário realçam a hierarquia das aparências: cada um deve parecer o que é. uma história da liberdade e da sujeição. religiosos e sociais do mundo antigo. A h 47 . das reflexões teológicas e discussões políticas. um século largamente representado. em suma. da higiene e dos usos imaginários interrogam toda a visão do mundo. . Facto social global. trata-se de estudar mais a cultura que as mentalidades. a influência dos códigos sociais. como a evolução dos costumes. em relação ao estado de u~~ s?c•edade e. segundo uma divisão . e o caso Ménétra mostrava que se podia fazer a história da constituição das identidades sociais e culturais.as que articulam representações colectivas e condutas pessoais. parece-me possível rodear melhor as minhas opções pessoais como historiador social da cultura do século XVIII. do que no longo prazo. A leitura do mundo que um indivíduo singular propõe é inventiva mesmo não podendo escapar a imperativos sociais. de textos filosóficos. na sua posição e relação. As maneiras de organizar. O primeiro é jogar com a imbricação das temporalidades na acção da história e recusar assim a primazia da linearidade. Mas esta história não pretende abandonar a vontade de compreender a vertente cognitiva dos processos de consumo. os textos e os objectos. a imprensa. pois a relação em destaque realça. a perturbação dos comportamentos. o inerte e o modelo. É o meio de ver que tipos de acesso são oferecidos às grandes categorias que organizam mentalidade e cultura. acolhimentos e debates. comparar heranças e inovações. o meio de compreender a construção das identidades. Uma história da cultura material que considere a contribuição dos antropólogos e da sua análise da objectivação nas sociedades tradicionais pode encontrar. que corresponde a um estado do progresso das civilizações. importante dificuldade para compreender a especificidade do Século das Luzes. na acção e na interacção. o cartaz. nos fenómenos de consumo. Se é possível uma história intelectual dos factos sociais e culturais. Ainda antes. é necessário admitir as possibilidades de dependência simultâneas de ritmos e de dinâmicas históricas diferentes. que compreende o passado em função do seu resultado.r Em suma. a minha visão pretende ser mais global e reter ainda o transmitido e o recebido. convém não separar os princípios do conhecimento intelectual dos que animam o conhecimento material. na Holanda e principalmente na Alemanha. o popular e o erudito. considero a necessidade de romper com uma visão dos acontecimentos que ilustre a abordagem através da vida quotidiana e suas classificações imprecisas. O historiador avalia a acção e o efeito dos desvios observados. a sua produção. na Inglaterra. A etapa das Luzes revela-se especialmente interessante. do que se observam as apropriações. pois precede as mudanças da idade industrial e estabelece. da falta de autenticidade. o espontâneo e o ensinado. é preciso ver as situações. importa romper com uma tradição europeia que. Trata-se antes de descobrir o espírito dos estudos de Femand Braudel e a inspiração de Lucien Febvre e de Robert Mandrou e também a inventividade do questionário e da reflexão de um Guy Thuillier. recepção e consumo. Para bem avaliar modificações e mutações no quadro do espaço e do tempo considerado. sobre a comercialização das sociedades modernas. sociedades e coisas. a mobilidade dos homens e dos objectos. a religiosidade. numa perspectiva alienante. é porque ela toma para si a articulação das realidades representáveis. Já não se pode opor o que dependeria da análise das obras eruditas ou teóricas e o que seria da competência da abordagem social e quantitativa. de um dos meios cujas normas e hábitos organizam a comunidade na Europa do século XVIII. estratégias comerciais e produtivas. É também necessário considerar os trabalhos consagrados às transformações do mundo dos consumos e dos consumidores. o crescimento. Em segundo lugar. já não se deve partir das divisões sociais a priori. a loja. Se a resposta à questão levantada é compreender o que é possível numa sociedade?. tácticas intelectuais e eruditas. e da teleologia. o poder. os instrumentos de aceleração das coisas. de contar e de administrar exercem-se a todos os níveis da realidade. a importância das transformações culturais induzidas pelos processos de abstracção e de particularização. Trata-se de esquecer a quimera das origens. Da primeira. desde Marx. a inovação erudita e intelectual. condições de enunciação ou de fabricação. O êxito do meu projecto está sujeito à adopção de três princípios. É transferir para um campo mais amplo as lições elaboradas no domínio da história das sociabilidades e do livro. oscilando entre a nostalgia dos tempos da raridade e a denúncia economista e sociológica do excesso. a maior ou menor dependência de um dos mundos. partindo dos caracteres canónicos da divisão social. onde se descobrem ideias e contextos materiais. através da urbanização. o coerente e o contraditório. o tempo. nos processos de trocas. A observação estatística das obras e das coisas deve interrogar as modalidades das leituras mais intelectualizadas e o seu efeito de contrapartida no campo da inovação doutrinal. de classificar. A oferta e a procura são de tomar em conjunto. como Jean-Claude Perrot mostrou no domínio da história da economia 48 49 . concebe a relação sujeito e objecto. Em terceiro lugar. Estudam-se menos os factos. Por isso desejo com firmeza pôr em conexão a cultura material e a cultura intelectual numa relação susceptível de esclarecer as bases da identidade europeia. se os objectos de estudo são necessariamente limitados. o espaço. pois «engendram-se simultaneamente e ajustam-se ao correr do tempo». a criação de novas maneiras de ver. a formação de ideias. a publicidade. VeJo-me · hab' · uma b acta portanto Itante de Nantes pelo maior dos acasos.dezasseis anos. os contextos de inteligibilidade descobertos na variedade dos tempos e dos lugares. A meu ver. a Europa é um território natural. o comércio e a população. sem que seja necessário invocar os gloriosos precursores. difundida das cidades para os campos. de modo diferente de praticamente todos os outros domínios da História. da dos historiadores como das outras. do dos textos que os encarnam e difundem. na multiplicação das coisas. a esclerose das redes constituídas. agrónomos. professores. empresários. Uma mesma lógica poderosa. As Luzes já não se reduzem então apenas à figura dos intelectuais· surgem como o campo da nova visão do mundo e como espaço d~ uma nova materialidade. os aspectos por vezes essenciais da sua história e da sua sensibilidade. A ALUGADORA DE CADEIRAS E A PEQUENA BICICLETA Alain Croix Mais que qualquer outro. não inclinado para a intelectualização da História. Em 1993. Julgo que isto provém largamente do próprio domínio da investigação.política. que contribui para nos dar uma visão crítica dos costumes das tribos. Para a Cultura das Luzes. 51 . o jugo dinâmico. ela não conheceu os confrontos de escolas alinhadas em ordem de batalha. do nosso território: a diversidade na liberdade. nicação a outra e avaliar a força dos códigos sociais de informação. nascida da minha prática e sobretudo da observação da dos outros. engenheiros. Estou consciente de que esta declinação específica das Luzes se revela deslocada em relação ao espírito da época. obrigou a minha família a a donar a região em que desde sempre nos encontrávamos enraizados· · mdustnal · · do Norte da França. do que são testemunha debates e confrontos fundamentais sobre o luxo. O meu deve muito à bicicleta. o historiador da cultura associa o seu trabalho à sua vida. é necessário ordenar. É sem dúvida 0 único meio de mostrar que a cultura é uma produção que se consome ao produzir-se. das informações. dá à apresentação de um itinerário um interesse talvez maior do que teria noutros domínios da investigação. 50 MARX. que Montesquieu descreveu no Prefácio do Esprit des lois. Penso também que os meus trabalhos se inscrevem num movimento internacional com o qual o diálogo continua a ser indispensável. esta apresentação pode também estabelecer o que me parece uma outra característica. Uma entre outras. digamos que desde os anos sessenta. numa idade . mas por vezes constrangedor de associações especializadas e dominadoras. a crise deste sector económico. para um projecto intelectual que não pretende separar apostas materiais e conquista dos conhecimentos. Ainda que o domínio deste espaço seja difícil. Esta convicção profunda. Em 1960. As Luzes já não se confundem com a utopia. trabalha a massa social. La France des Lumieres propunha uma reflexão de conjunto e elaborava um inventário. O estudo da cultura permite passar de uma esfera de comu. é um horizonte necessário. mas tem também a ver com a diversidade dos nossos itinerários. um estudo sagaz não pode descurar as mobilizações do saber. a história cultural existe desde há muito. dos homens. arquitectos. constroem um universo de utilidade e de gestão em que agem os administradores. classificar.em q ue nos tornamos particularmente receptivos. alinhar. Por detrás do crescimento e da modificação material do quadro de vida. figuras tão importantes como as do filósofo ou do sábio. permitindo serem postos em prática. fundamental e decisiva. da sua circulação e das suas trocas através dos grupos e através dos povos. Ora. é incontestavelmente uma dimensão a ganhar para quem não pretende separar o estudo dos costumes sociais. a que fazia concorrência a~censão do Vélosolex e da Mobylette. . a da escola e dos seus professares. certos dommgos. nse du féodalisme. Era uma alugadora de cadeiras. caí num outro universo. os meus pais amav elmente. es esforços a marcar com serradura colorida centenas de varo enorrn · d. As obras .não tenho medo da palavra . . qmseram.ft_tom e ectivamente para a minha evolução intelectual e não constituem uma b·br · . nn. cuJa 52 . s. em 1970. Será lentidão particular de maturação? Cegueira? Será talvez também uma mais fiel memória do percurso de uma tese? O que é verdade é que o meu itinerário se encontra nos antípodas do evocado por Guy Bois nas primeiras páginas da sua tese 1. amda que muito selectiva. Praticava e militava com a convicção e o entusiasmo de um garoto dessa idade. o da religião. a diferença num campo que. as pessoas consagrateS. 1 wgrafia.. portanto. importante. nha vocação . com mais ass. . domingo para outro. . atraindo os olhares para o garoto que desejaria meter-se debaixo do chão. Em 1962. E. num momento em que era enorme a diferença entre dioceses «avançadas» como a de Cambrai e dioceses . Tinha descoberto a festa do Corpo de Deus e os rua que d . de bicicleta (claro . prudentes como a de Nantes. porque de certa forma isso é essencial na minha evolução: foi com a vida. sem dúvida com algum exagero. .ombro o que sentira viaJan o como . ao · deslumbramento de uma História que me arrebatava. adunca..meus pais. Também descobri. e descobri entre outros um uso cunoso. ta nalguns países estrangeuos. ainda se pagava o lugar na igreja. em 1960. talvez no único domínio em que a minha geração recebera uma educação na mudança. os cost umes estranhos que me interrogavam num domínio . conheci na igreja do meu bairro uma das grandes vergonhas que fazem corar e marcam· os adolescentes.. dos desníveis culturais.. Compreendi-a muito rapidamente. que aprendi a necessidade e depois o prazer de compreender. porque em Nantes.1stona. garoto ingénuo. mas com um olhar que já não era inocente: conservo a imagem da peregrinação feita de joelhos ao redor da Igreja de Nossa Senhora de Rumengol. para descobrir. percorri vários milhares de quilómetros na Bretanha. imaginava perfeitamente homogéneo.. e desta vez sem compreender. A esta distância. posso avaliar a sorte de ter tido o que se podia ter de melhor na época. r--• 53 . Em alguns meses descobri de facto a diferença. descobri portanto o que era rea1mente a H. d campos bretões. descobri depois que este professor também era um cidadão no mais rico sentido do termo.. 1976. um assunto de tese . de um . P erceb"1 1me JDCtrOS se tratavae de corridas de ciclistas. · 0 ato· explorar a região. exemplo para mim I Guy B01. na vida e não de outro modo apercebi-me da diferença. Da demografia. mas precisamente antes do Vaticano II. tunsNum ano. uma senhora mmto · uma mao .. ). pouco praticannao tezatambém não): nas aldeias. só foi espectacular num caso: no decorrer de um Verão passei da história das batalhas e da geografia das localizações. do bom mas já idoso professor de um pequeno liceu. Paris. COntara c~tad~s nesta contribuição foram aquelas que. a de um muito idoso mas excepcional professor de um grande liceu de província. .que idosa toda curva e toda de preto estendeu para m1m revejo. muito lenta destilação intelectual das imagens e impressões fortes sentidas então que me levou a propor a Pierre Goubert. .. por me terem ensinado que assim era. Nos meses que se segmram. Precisamente depois do peditório onde achei por b~m depor o meu óbolo e o único dinheiro que levava. sei que tive muita «sorte»: passei de um bairro operário do Norte a um bairro operário de Nantes. No que me diz respeito. em especial antigo presidente da Câmara de Nantes: daí tirei algumas conclusões sobre o compromisso do historiador com a cidade e sobre a contribuição desse compromisso para o ensino.latamente que nao d caminho semeado de fi ores.Nunca esquecerei o que devo à motocicleta: com efeito. Foi a lenta. A esta distância. foi dos choques recebidos aquando deste desenraizamento que nasceu a ll1i. e não nos livros. Presses de la FNSP-EHESS.de historiador. C. que não era inteiramente aquele que levei a cabo.. . .. Alarguei-me um pouco sobre o que pode parecer anedótico.~um contexto em que os últimos tempos da guerra da Argeha fac1htavam a descoberta de algumas realidades: que se pode agir sobre a vida e que é essencial compreender.. por diversas razões. e isto no próprio momento em que entrava na umver~1?ade. No primeiro domingo de Setembro de 1960. .1·den tifiquei imediatamente (e os . quase as únicas manifestações de conhecia. e ali permaneceu. . palavra por palavra (salvo algua disse Ç . havia sofrido dois choques importantes. . Contribution à l' histoire socia/e de la France (Paris.. Afasto um tema sobre o comércio do porto de Nantes no século XVIII por. Quanto mais me aproximo de Guy Bois na sua rejeição empirismo nos métodos. tanto verdadeiramente a «fazer História» pela demo. acabou por me impressionar.. e é necessário estudar o conjunto regressão e depois o da reconstrução. Jean Meyer propõe-me três. d_a via . De facto. sem ter quen o.. d ma demógrafo à maneira do senhor Jourdam.tanto mais surpreendente quanto sinto uma grande admiração por trabalho. . SEVPEN) é publicado em 1960. s não nas suas apostas e. de bicicleta: é a última vez que a bicicleta aparece nesta his· tória). ) á inas acrescentadas e dedicadas a Istona os nomes propnos . ainda assim. ] foram mais profundas e mais completas» constitui um território pouco estudado desse período.• . mas achava sem dúvida que era um professor excepCional.. P eu tenha tido alguma vez a mmtma ' · . do Loire ao Reno. · d ots · anos de ensmo · secund'ano · ). ' tudante em tal pista. h" . . criador da escola e da quinta de Grandjouan no século XIX. 2 Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 1730.n-em e por c . a escolha de um. capaz de apaixonar um auditório fosse sobre que assunto fosse . Uma nova grande oportunidade foi de facto a felicidade de receber lições de Jean Delumeau. este trabalho de demografia sobre a região de Nantes passava a ser um assunto de tese sobre a demografia bretã nos séculos XVI e XVII. Infelizmente o quadro regional impõe-se. . bistona ·or. Comecei' por ' num domínio o seculo XVI. em parte . p~ Ia qua1 o meu I"deta trabalho pudesse ali chegar. sem que. Resta. ·as (agregação exercito.mas. E sem verdadeira luctdez. assunto fascinante para um estudante que acaba de saber. . que soube falar-nos muito mais . pois.. Paul Bois. d . os de Jean Delumeau e de Karl Marx. . acabada 54 . . A ' oriental tem uma maior unidade. aos vinte e seis anos. · Depois · de aIgu. pois «a esta escala só o historiador descobre oa materiais necessários à sua investigação». de facto. .. ' . . salvo no entanto a de me dirigir a Pierre Goubert. que ia todas as semanas dar aulas aos rapazinhos do que mais não era ainda que o Colégio Literário Universitário de Nantes.defendida sob a mesma direcção em 1969 uma ublicada em 1974 pela Ecole pratique des hautes études 3. em que as mutações de uraem:• económica e social [. . Este quadro não deve ser nem demasiado vasto nem por demais restrito.. a impressão de ter acesso a um outro tipo de história. que 05 registos paroquiais constituem um domínio de ponta. assunto de mestrado no decorrer do ano de licenciatura..pela evolução da história cultural. o. .. difícil (80 quilóme· tros . portanto o período que ae<:one • de meados do século XIV a meados do século XVI. rta ão de mestrado tomava-se. em boa parte particulares. o que só em parte se pode e:xnlit~M'.. no melhor dos casos. A relativa banalização tipo de tese nos anos que seguem já não permite sem dúvida hoje às ~Mo"(]C'"• mais jovens imaginar o regozijo sentido pelos estudantes do início dos sessenta. paralelamente a este itinerário de Uovem) «pai tranquilo» da História. descobrir O . como explica Guy Bois a escolha do assunto dà sua tese. ejuro. Ponho de lado o estudo da obra do agrónomo Jules Rieffel. Reflecti muito no conteúdo do ulll Jovem es "d . . falava-nos de história da religião: um ano inteiro de aulas só sobre 0 jansenismo e ainda reduzido ao do século XVII! Seria fácil. Tenho tanto menos desculpa para esta lentidão quanto. Étude démographique. O único mérito que posso reivindicar é. demasiado clássico (o descaramento e a pretensão ~~e se pode ter aos dezanove anos!). no que continua a ser um modelo de construção intelectual? O problema mais fascinante para um medievista é a explicação~ «poderosa perturbação» do final da Idade Média. ulpa de um mestre gemalmente cnmmoso para lançar . mas ptese g de terceiro ciclo.. Aconteceu-me não ter acompanhado Jean Delumeau em alguns dos seus itinerários ~investigação. lendo em especial a tese de Pierre Goubert2. VI-me assim trabalho. · a um d ··· mento da rapidez desta percepção cabe decerto em larga medida dos trabos meus professores de então. mais dele me afasto na escolha de um assunto de tese construído em vários anos. alhos de p· 3 N Ierre 0 oubert que dos seus. mesmo assim. -na histonca. 5".. então professor na Universidade de Rennes.. embora dignos! antes et le Pays nantais au XVI" siecle. são de consulta incerta e. entao quase totalmente . l1l8S penpeci ' . Eis como. a demografia da regiaO de Nantes no século XVI. se entra por dez anos numa carreira de uma pobreza que. A Normandia peJrterlcell ao «vasto conjunto.. depois de haver verificado que os arquivos. 55 ------------------- . Levo-lhe o plano pormenorizado da minha futura tese que como investigador (demasiado?) organizado estabeleci antes mesmo de começar as investigações. colhia aqui e ali com deleite e olhava à uu. o ponto de partida desta evolução decisiva para a história cultural é ainda uma oportunidade e um sorriso mais que insistente. Não esqueci a minha dúvida.. 5 A Jntroduction à la France moderne.. Fazê-lo notar é felizmente hoje enunciar uma evidên- 57 ... Essai de psychologie historique (I 500. em especial a Revolução cultural chinesa. com o tempo. Paris. foi esta lentidão. Aubier) e uma redescoberta. para estabelecer convenientemente a mmha expenenc1a ?e v1da e e_m es. Diga-se de passagem que m . se centram ou são mesmo exclusivamente consagrados a uma história da Igreja-instituição e aos debates teológicos.uua.trinta anos mais tarde. Georges Duby6 . bem como uma grande admiração: Robert Mandrou5 . eva s deixando ao cultural um espaço amp I o na d"1aI'ecttca: as formu 1a' . Gramsc1. 1 a minha preocupação em compreender as realidades bretas que pectaodeavam. b"l . li por obrigação Esquisse du mouvement des prix et des rev~nus en France au XVIII" siecle (os dois volumes foram publicados em 1933). publicados ~m 1962.me apercebena de que s/) mais tar .era pois tudo salvo o catecismo I · -:._ · d" · estabei .nunca . em certos casos. seu associado na Histoire de la civilisation française. publicados entre 1948 e 1960. 6 Curiosamente talvez. em especial escnto JD8fX. que encontro pela primeira vez no Outono de 1970 por sugestão de Pierre Goubert.re. IJ]8lS Precisei sensivelmente de quat~o anos. • monopólio talvez não me pertença.. o de François Lebrun. sem dúvida porque nunca fiquei desiludido ao ler o que ele publicou depois. 8 Estudante. a minha preguiça de «pai. parei. perante o riso de François Lebrun. ainda relativamente tímida. Li-os por prazer. d mais tarde a lamentar profundamente o desapareCimento do autoramenta de Estado. e . com um pouco de atraso.. publicada em Paris por Armand Colin em 1958. tranqm"l O» e os ch oques ~tel:Ctuais que recebera. compreendia então cinco volumes consagrados à época modema. -1640). na linha de Pierre Goubert. caíram-me nas mãos por um acaso que já esqueci. O meu marxismo certamente muito pouco ortodoxo 4 A Histoire de I' Église. da miragem dos 10 números ). de _ que vergonhas a confessar . Pierre Vilar7 . que rapidamente me levou a pensar que a própria noção de revolução cultural só podia . não era ridícula. a marca de Pierre Vilar ficou mais forte.d Irei que considero enganador o retrato da sociedade francesa 0 llqllel eci a partir de famílias cuja estabilidade (uma família «completa» era . 56 ntei realmente a questão. Descobri-o ao ler historiadores pelos quais ainda hoje conservo uma afeição intelectual muito profunda. que mais me marcou: a descoberta de L' Économie rurale et la Vie des campagnes dons l'Occident medieval (dois volumes publicados em 1962. e mais que isso. descobri-o com o mesmo empirismo que devi presidir à escolha das minhas primeiras investigações e acho que es~ defeito me ajudou muito. volumes que. achar que se tratava de uma história religio ainda muito tradicional: era então nova. foi Georges Duby. ocas I llellsar ser a ao_ c_asamento dos filhos e ao desaparecimento dos pais) permitia em PriVIlegiadas. por razões de fundo que expliquei na minha tese. cedo e com mais solidez o que eu ma 1 mente pensava. e isso parecia-nos tnui: superior ao Fliche e Martin 4 • Jean Delumeau semeava os grãos q iriam levar muito tempo a germinar no terreno infértil que eu er~ Quanto a Marx. que devia levar-me dez anos lJO cu . em relação a certas ilusões da demografia histórica (as ilusões da reconstituição das famílias «completas» e.· haviam · · b em .IStas . recorde-se que era a época em que descobríamos todos os números e gráficos. embora perfeitamente dignos. Emest Labrousse 8 • Sem compromisso de qualquer espécie naqueles anos sessenta. muito sólidos.. por intermédio de Robert Mandrou. publicado em Paris Les por Mouton IO • Para resu mir. 7 Os três volumes de La Catalogne dans l' Espagne moderne. Recusei seguir o que sentia como a tentação de a erigir 9 Hommes et la Mort en Anjou aux xvue et xvme siecles. felizmente rapidamente explicado: o plano que eu lhe submetia era exactamente o plano da tese que ele próprio ia publicar no ano seguinte9! Pelo que deduzi que a minha primeira tomada de re~ponsa­ bilidade. quase um novato. assim como La Méditerranée et le Monde méditerranéen à l' époque de Philippe Il.'• volta. Mas. colecção lançada por Fliche et Martin. e?. provir do sonho. e o )Jvro entusiasmou-me. 1970 ~ 1974. O seguimento veio quase naturalmente. Cerca de 1972.~ da que os documentos permitiam acompanhar' sem falhas ' desde a constitui. do cultural.. que Femand Braudel tinha publicado em 1949. tempo de todas as maturações . é sem dúvida a obra pela qual mantive a mais constante admiração. na colecção «L'évolution de I 'Humanité» em 1961... ouso dizer. publicada em Paris por Albin Michel. por sorte.ayard.r_ . apOiando-me no trabalho excepcional de Michel Vovelle 13 . d ·-·'d s pelo Inventário dos M onumentos e R..completamente novo ~or volta de 1980. Na década de oitenta consegui ordenar. 1980. de tal modo isto pode parecer hoje inacreditável. Aprendi muito com a descoberta da imensidade de fontes e mais ainda com a enormidade dos progressos a fazer para as tratar convenientemente.. .. para muitos investigadores . Paris pparences F · Une h"ts totre (xvue-xvme stecles). baroque et D. 1Ptete ec nsttantsatwn en Provence au XVIII' stecle. ou mesmo três casos (um exemplo ainda em 1977). . Pterre Goubert derramava. à «cultura das aparências»..outro lugar de . afinar. da expressão oral. a partir de seiS. estavam mais . Este campo era para mim . Paris. Pans. A fria leitura de números terrificantes tanto pode deixar-nos imaginar uma angústia da morte quase penna.. como os pacientes esforços por pôr em evidência a cultura da morte permitem mostrar relações naturais e equilibradas entre o medo · e a familiaridade 11 • É toda a leitura do século XVI que se encontra modificada e em especial o sentido dado ao discurso intelectual habitualmente terrorista ..____ ~ trad ida na sua maioria. f 11 Pelo menos foi a tese que desenvolvi em La Bretagne aux xvf et XVI . por um lado. o benefício dos longos anos de maturação. do tomar patente a irrupção do efémero no século XVIII. e La Culture . caso contrário os meus amigos fá-lo- )uz uase ignorada dos historiadores. h .França. O sentimento de ter desco~qa nova via tomava-me ainda mais insaciável que anteriorbeftO u lançava-me assim na análise do conjunto dos dossiers caosmente e .. . l 58 _. Do mesmo modo fui nessa época desagradavelmente surpreendido por gran· des reconstituições estatísticas em que podia verificar que esqueciam por vezes um pouco em demasia as grandes fragilidades dos documentos. Assim. e sobretuct 0 considerei que a questão decisiva era avaliar a relação entre as r ' lidades demográficas e materiais. os historiadores passaram ao estudo do modo de vida e. acreditou em mim. Mandrou e a Bretanha. .. calculadas com três decimais . que não é um simples deslizar temático.tquezas Arhshcas a Uuu. para só fazer referência às contribuições de Daniel Roche 12 . o cultural tomou-se pois o centro das minhas preocupações de historiador e pareceu-me ter recolhido então. fiquei fascinado com a evolução do tratamento reservado ao inventário pós-óbito: das primeiras explorações no Arnbito da simples história do direito sucessora! e. a d"tanta dos na Bretanha ::~e. a dos textos.. em especial François Lebrun. "' . da dança. Plon. da iconografia e ainda do que mais fosse! A minha paixão racional pela Bretanha levara-me a aprender (muito mal) o bretão: inseria pois também no campo das minhas investigações uma imensa literatura em língua bretã (felizmen· cia.. passei assim ao do lugar da morte na cultura. encorajou-me muitíssimo. quando compreendeu a evolução das minhas reflexões. Maloine. Depois. 973 59 . e. la foi. até mesmo em ciência autónoma. conselhos raros mas decisivos. a :~ percepção pelos nossos antepassados. a dos intelectuais caros a Jean Delumeau e a das práticas populares caras a Robert Mandrou. d u vetement . ou as suas repercussões no comportamento desses antepassados. siecles. . em 1975 ou 1976. . tinha -uun. Do estudo das realidades estatísticas da morte. Era também 3 época em que.em disciplina. ao da relação com o objecto e a uma série de interrogações tão apaixonantes uma quanto a outra. pubhcado em 13po. Delumeau e Marx. La vie. nas Annales de démographie historique. em 1989. depois. nas quais. aquando do nosso encontro anual. mas eu tinha sido preparado para esta evo~uçao pelas minhas investigações sobre o testamento. se podia publicar um estudo comportando «taxas de fecundidade por grupo de idades em função ~ idade da mulher no casamento». . do nível de vida. publicado em Paris em 1981. . das superstições. por Aubier. nente. por outro.e. corrigir e completar também a contribuição metodológica dos anos de tese. depois. em qualquer . 12 L de& a e Peuple de Paris. la mort. oa trabalhos que. quase de uma só vez. Devia ser uma história cultural tão : ampla quanto possível.. confirmou-me que o cultural não era a sua paixão nem o seu passatempo e encaminhou-me para um ou outro dos seus colegas. à história cultural Cerca de 197 4. recordemos.. E tive ent~o a :elici~ade de descobrir o que e um grande dtrector de tese: ate entao. ao mais ou menos. ainda mais que qualquer outra.que não acreditam de modo algum numa «crise da História». que não me impedira de compreender a importância da cultura. o que implica não poucos erros. à embriaguez e ao grande perigo do «todo cultural»: nunca. de Daniel Roche. 61 XV/e Xllle siecle ' siecle publicado ' . na ocorrência no terreno do testemunho oral. O marxismo. guérisseur d' enfants depuis le ans. A evolução dos trabalhos de Daniel Roche e também o seu enriquecimento pelo cruzamento das fontes permitiam aos alunos do mestrado realizar inquéritos de grande riqueza. da cultura. o estudo dos nomes próprios «revolucionários». descobria muito simplesmente que a história cultural se prestava. da memória e mais amplamente da cultura nessas perturbações espectaculares.) e o cultural. Com efeito. Não estou convencido .'? podido avaliar ser sempre possível ir mais longe. sem dificuldade e portanto sem mérito. ajudou-me decerto muito a resistir. que o futuro reside no que me parece ser o espírito desses mestres venerados. a ascensão dos nacionalismos na Europa Central e Oriental. e somos. a julgar pelos ensaios publicados em França e noutros lugares. das sensibilidades. ver como ali se falava de cultura material. Eramos. e eu nela encontrava a minha antiga experiência de aprendiz demógrafo. Em suma. pelo contrário. e percebi o papel da religião. Descobri igualmente a imensa margem de progresso das nossas investigações a partir dos arquivos criminais: como tínhamos passado da indispensável etapa do estudo da «criminalidade» à dos conhecimentos. vivi intensamente. permitida pelas inesgotáveis quantidades de entregas de queixas. tão cara a certos etnólogos. O risco de embriaguez que um tal entusiasmo provocava ficou afastado pela consciência do nosso balbuciar: a rapidez extraordinária dos progressos do questionário aplicado ao inventário pós-falecimento fascinou-me. em função da sua 14 Le S . L amt évrier. evoluindo para uma pluridisciplinaridade na qual já não encontro a especificidade da nossa disciplina. mas apenas na falta de fôlego de certas práticas. Éramos. Num outro sector que igualmente me apaixonava. e que público e editores incitavam ao crime com a sua expectativa e o seu interesse. espero. por exemplo. fui tentado pelo esquecimento da articulação essencial entre o so~ial (e o económico. na América do Norte. Formado num universo dominado pela ilusão do tecnológico e do economismo. L'univers d'un meunier du ces em 1980. numa palavra. o que deviam ter sentido os fundadores da École des Annales ao descobrir a imensidade dos domínios que se lhes abriam. sem dúvida. o técnico. etc. e de qualquer forma eu sentia-me empurrado pelos abundantes progressos da investigação. 1s L • · em f rane 'Fromage et les Vers. Foi também no decorrer desses anos oitenta que a evolução do mundo acabou por me convencer do papel essencial da história cultural na compreensão das sociedades do presente e do passado. Flammarion 1979 p . da sociabilidade. Quero acreditar na História total. que nela se podia brilhar bem mais facilmente que na austera história económica ou até política. Descobria que a história cultural. incessantemente postos em questão pelas abordagens de aparência sempre estimulante e que por vezes o eram com razão. quer dizer. sucumbi à miragem de uma história antropológica nem mesmo ao delicioso conceito de «sociedade tradicional».ó sacrílego . num corpo sólido capaz de conse~uir êxito.que seja justo aplicar à letra as inovações dos nossos venerados mestres. pois. como qualquer outro. para só citar dois casos manifestos. autos.minoritários. na condição de ser aceite a ideia de um progresso desigual dos sectores da investigação. creio. quando alguns dos seus mestres se encontravam ainda à descoberta do território. Faço parte daqueles . do Saint 60 Lévrier de Jean-Claude Schmitt 14 ao moleiro ~enocchio de Cario Ginzburg 1s. integrando a contribuição das outras disciplinas. sem falar da fragilidade de alguns desses próprios métodos. Guinefort. na Flammarion (Paris). Experimentei. Descobri. Lucien Febvre e Marc Bloch. nunca. os pioneiros de um território imenso. exige um enorme rigor. com paixão Le Peuple de Paris. interrogatórios e depoimentos de testemunhas. como já disse. mais do que outras. tenho a sensação de pertencer a uma geração feliz no plano profissional. tanto como. dos comportamentos. a evolução do Islão. descobria que muitos trabalhos de síntese comparavam com ligeireza números estabelecidos a partir de métodos ou de critérios diferentes. Creio. e isso deu-me vontade de ir à fonte. asseguraram uma notonedade que tena merecido a Histoire des populations françaises et de leurs attitudes devant la vie. p Ieno de conhecimentos. e algumas das re as luminosas análises para bem avaliar como Robert Mandrou já su . portanto.que damos a todas estas personagens ou a todas estas expressões culturais a mesma importância. L' Homme _de'Vant la mo~t ( 1977).o podena acentuar. qualquer escolha tem urna dimensão cultural e que. parece-me essencial encarar a história cultural no sentido mais amplo do termo. em 1932. e essencial dizê-lo de entrada. Reconheço que nessa época o clero bretão não é o mais bem formado no plano intelectual. remeto para alguns esplêndidos artigos publicados depois da Segunda Guerra Mundial e retomados na ~~ra colectiva La Sensibilité dans l'histoire.esse infeliz.. como todos sabem. Propor a minha abordagem pode simplesmente servir para enriquecer a paleta colectiva e incutir confiança nos que poderiam sentir-se menos encorajados. Não são. ouvindo Jean Delumeau. p ai de psichologte hzstonque .e não é uma precaução de linguagem . Aprendi imenso sobre o jansenismo.. Paris. especialmente diante dos estudantes . e evidentemente muito nos do social.insistir em ter essencialmente em conta no nosso trabalho a diversidade social e cultural.e só. Primeiramente. já o evoquei anteriormente. Não é o regresso forçado ao «todo cultural».. devemos trabalhar até no campo da economia. capacidade de resposta às necessidades da sociedade que nos rodei O que a história económica e social fez de maneira consideráv:i durante uma ou duas gerações. Mas. Mas deve-se .talvez seja necessáno escrevê-lo para aqueles a quem esta maneira de fazer história arrepia . em 1973). do político. os poetas da Plêiade e o quadro mutto medíocre nos confins de uma igreja rural. Robert Mandrou escreveu o que me parece ser o primeiro grande livro de história da cultura: a maravilhosa lntroduction à la France moderne publicada em 1961. as primeiras páginas de história cultural. mas Simplesmente a afirmação. e nestas circunstâncias pode-se citar Bloch 16 ..que nao pretendo de forma alguma propor a definição de história cultural mesmo quando a diversidade de abordagem é um dos trunfos funda~ mentais. . em Pans. a evidência de que qualquer gesto. L'Automne du Moyen Age. publicado pela primeira vez em francês. de 3 de Julho de 1661. reed. 19 L' Enfant et la Vi e familiale sous l' Ancien Régime (1960. a história cultural pode talvez fazê-lo durante alguns anos. 11D 62 A dialéctica. Mesmo Robert Mandrou considerado por toda a parte no estrangeiro como o pai da história da~ mentalidades. · . L 63 ... a meu ver. o s~btítulo do livro. Paris. deformando-o. . qualquer conceito. Febvre 17 ou mesmo Huizinga 18 ou Ariesi9 . 1948. . Les Rois thaumaturges. O nosso domínio é Rabelais e a h~bilidade do torneira de madeiras.. Ess ler este livro afinal conciso. É também . o que não quer dizer. Não são do técnico . em 1924. pessoas cujo «senismo» era decerto condenável.. por Payot.. encarava ou pelo menos pressentia que nenhum domínio. Self. mas muito distanciado dos debates sobre a graça com que Jean Delumeau mantinha de respiração suspensa o seu público estudante. 16 De quem foi publicado. o desbravar dos novos domínios da História. nenhum · campo se manteria estranho à ~istória cultural.. será ainda necessário acordar sobre o que é a história cultural. A _história cultural é também a arte de manejar a dialéctica: um ~=n~JO t~nto mais delicado quanto deve ser subtil. G.ideologicamente e concretamente muito mais importante . ou um pouco mais. de tal modo o termo história das mentalidades prejudicou. nunca isolou o seu trabalho na estreita e incerta exploração susceptível de se desviar para os pântanos do inconsciente colectivo. publicados em Paris. mas nunca falei da mesma maneira do bispo Jansen. pela Seuil. evena Citar quase tudo! Mas como é preciso escolher. 1987. mas aprendi quase tanto lendo o registo paroquial de L<~ndéhen (actuais Côtes-d 'Armor). Sem dúvida que phcaçao mais evidente é a da relação entre meios sociais diferentes.áginas definitivas. Que história cultural? _ Escusado será dizer . Monfort. no momento em que os padres da paróquia declaram assinar «O formulário de profissão de fé contra as gens senistes». os bailarinos da ~avota e os magistrados.. sob o título enganador de Déclin du Moyen Age. pelo menos. entre o cultural e as outras realidades económicas.. mas o historiador da cultura não dispõe de dias mais longos que os dos seus confrades . No entanto. às diferenças geográficas entre regiões.pensarão . O que não quer dizer equilibrado.. 1987/4. mais evidentemente ainda. desde o século XVII. Actas do colóquio do Centro de História Religiosa. quelques résultats». concretamente esta preocupação pode traduzir-se em simples questões: uma enorme atenção dada aos indícios da inovação. em especial o contacto entre Europeus e Índios da América. Do movimento de sentido único passámos . o paralelo entre Índios e Bretões. ouco mais tarde. número especial das Annales de Bretagne et des Pays de l'Ouest. as reformas protestantes. Também descobri. el~ 's nem sempre jogavam no mesmo sentido. mas também indivíduos. avaliando ao mesmo tempo as resistências. bons autores estabeleciam. interesse tanto mais justificado quanto. com os desníveis cronológicos que. por exemplo. Klincksieck.não sem razão. na ocorrência de um comportamento dos Franceses reduzido ao das classes abastadas e «eruditas».. ainda em pleno século XVIII. O nome de Philippe Aries é decididamente incontornável·. Daí me ficou um grande interesse pelos trabalhos relativos a contactos de civilização.. com a diferença por vezes 111 ~nne entre Paris e a província. Travai/ et cadre de vie (xve-xxe siecle). A dialéctica entre lentidão e inovação parece-me capital. um criador notável.. sem dúvida que me ajudou muito. médiateur du changement domestique? Quelques remarques méthodologiques. como é evidente. O facto de 64 ! seguir as investigações sobre os séculos XVI e XVII. o Renascimento.e o próprio Robert Muchembled . com a maior seriedade do mundo. a análise não pode ignorar o papel de personalidades marcantes. Rennes. a proposição inversa não é verdadeira. quando o acaso de um colóquio nos levou a partilhar o mesmo carro na estrada de Saint-Maximin. Paris. in Cleres et Changement matériel. de uma «história em balão». 95. Isto torna-se complicado . às rupturas.r '(' questão que Robert Muchembled abordou frontalmente em 1978 na sua Culture populaire et Culture des élites. 1987. a diferença cultural. com tão grandes novidades como o humanismo. Michel Vovelle falou um dia. pp. como é capital articulá-la com os dois outros grandes domínios de aplicação deste modo de análise acima expostos. O muito subtil Philippe Aries reconhecia aliás perfeitamente os limites das suas investigações: recordo-me de uma conversa apaixonante sobre este tema com o «historiador de domingo». 459-474. a não ser a enorme atenção ou. não as diferenças. Não disponho de nenhuma solução.modo de reflexão herdado da nossa base comum de método histórico .a um muito mais subtil movimento dialéctico. «intermediários culturais» ainda relativamente anónimos ou perdidos num colectivo tranquilizado. a reforma católica. um a 1a . Simplesmente é mais fácil destacar as lacunas de uma investigação do que preenchê-las: pode-se fazer excelente história económica ignorando tudo (ou quase) do cultural. bela e gentilmente. o que me abriu de passagem algumas pistas de reflexão sobre as sublevações nesse mesmo Oeste durante a Revolução. 21 «Le clergé paroissial. t. activas e passivas a estas mutações. A dialéctica aplicada ao tempo pareceu-me ainda mais natural: ao trabalhar os séculos XVI e XVII. L 65 . pequeníssimas ilhas de detentores de livros se perdiam num oceano sem palavra impressa21 . com aplicação do clássico quem? quando? onde? como? dos ° 2 Culture et Sociétés urbaines dans la France de i' Ouest au xvme siecle. É sem dúvida mais fácil aplicar convenientemente esta dialéctica ao espaço >e ao tempo. como também a uma grande vila (Guérande na ocasião) os métodos de análise da penetração do livro utilizados por Jean Quéniart para as cidades do Oeste20 . sociais e políticas . apesar ou graças aos seus exageros. a preocupação de articular da melhor forma possível a cultura no seu contexto. confrontei-me.. Cedo p senti sensibilizado. Além disso. numa altura em que o sucesso dos trabalhos de Philippe Aries relançava a concepção implícita do unanimismo. 1978. favorável aos primeiros . O livro de Robert Muchembled. mas a enormidade de diferenças ~o seio de uma mesma província: ao aplicar a sectores rurais da região de Nantes. dispensando muito simplesmente uma grande atenção aos desníveis cronológicos. possuía também o imenso mérito de colocar no centro do seu propósito os mecanismos de evolução da cultura. entrei num universo onde. Não creio que tenhamos chegado até hoje a tratar de maneira satisfatória essa dificuldade. mas também e sobretudo entre cidades e campo. como é evidente. pois os seus trabalhos também levantam a questão de uma outra aplicação da dialéctica.e. e em grande p:e sobre uma província. para conservar algum crédito quando afirmo ter progredido consideravelmente. Creio precisamente que o contacto com a vida é um modo de trabalho (e de vida . os «famosos» e LAve1s. nulll. em língua bretã) . Porém. os inventários pós-falecimento ou as gwerzioil (lamentações. a minha indiferença por todos os catecismos. A confrontação das linguagens. século XVI vivido pelos contemporâneos como o século do humanismo ou num século XVII dominado pela «escola francesa da espiritualida~ de» . o. ou de certo modo uma abordagem um pouco menos banal que as que precedem. o meio de pôr em execução. pelo outro. o embelezamento sincero do passado. no plano profissional. I . seja viver a sua complexidade. h ão transpus. e em particular este ponto merece sem dúvida algumas explicações por poder suscitar. a minha leitura da obra de Robert Muchembled sobre este tema.. d e uma nqueza . ) essencial para o historiador da cultura.. de diferença e. em suma. de uma França pluricultural. essa actividade foi de certo modo um banco de ensaio metodológico. .por meu lado estou certo de que a segunda hipótese é a boa . comiseração ou piedade ou.ainda que.. em especial no seio de grupos de historiadores amadores. isto por urn lado e. sobretudo.md'tcto .historiadores. É afinal a minha maneira especial de me precaver contra o perigo e a tentação do «todo cultural». Ultrapassámos. tanto quanto lendo e escrevendo.. Julgo também nunca ter falado de «cultura popular» da maneira simplista e redutora de que troçava com razão Natalie Davis. desigualmente sensível. neste fim de século. mesmo muito longo prazo. Mas. 67 . em 1978. por exemplo. e dou-lhe tanto mais importância quanto é talvez também a minha diferença. em especial no domínio da história local22 • Ainda que não a tenha evidentemente concebido como tal. o que é muito simplesmente o reflexo da vida. 0 Afeganistão ou a participação dos comunistas no governo. lações entre cultura das «ehtes» e cultura popular. beneficiou também muito directamente desta experiência. llJ. de questões tão fundamentais como a das afiUl ' . estamos ainda no estádio da infância: da abundância actual de investigações sairão parcelas confusas ou . à escala do possível . os momentos e os meios. 1990. o que se tradu em inquéritos no longo. durante uma boa dezena . cepticismo. dirão as más línguas . no seio ou como animador de diversas associações culturais.. Le Seuil. consoante os lugares.. Paris. às resistências à mudança..explicação para o leitor que vivesse uma imagem um pouco estereotipada . enriquecida por alguns outros.a visão diferenciada confinando-me ao meu campo. ·" . sem nisso ver outro mérito que não. ·xonantes porta-a-porta deram-me uma percepção quase carnal e. Não se trata. à lentidão. a dos conhecimentos. a discussão entre m1htantes e. 66 bém não se trata de generalizar: vivi anos de militância aborre- ~am de morte. A necessária inserção da história cultural numa história total tornou-se igualmente uma prática graças à experiência da vida associativa. sob a direcção de Alain rotx e de Didier Guyvarc'h. que vivi também os riscos da «história-memória». durante o qual pelo menos alguns de nós acreditaram na cultura dos Franceses. no melhor dos casos.. Mas calma: eu re . A minha reflexão sobre o espaço essencial do cultural. e ainda sobre os seus limites. apatal muito concreta. e a vida A vida . mais visível é o Guide d' histoire locale. bem próximo do simpático mas muito pernicioso r~m~~tismo que. Espero ter mostrado suficientemente o meu pragmatismo. nos anos setenta em especial.. a articulação entre o cultural e «O restante».. ao mesmo c!dOS 22 C .pouco significativo -. ou pelo menos cre10 não aver transposto as mm as ~rcepções do século XX para as análises dos séculos XVI ou XVII. militando no seio do Partido Comunista. às inovações e às tradições. s num meio po1'1ttco e a bertura bastante nodean O • . .de misturar o célebre (?) Programa Comum. Foi praticando. idealizava um tanto a histona «popular». obrigou-~e a afinar os meus conceitos e talvez sobretudo impregnou-me hteralmente da noção de contactos culturais. h .. Muito devo às minhas práticas militantes de cidadão. o estado da inocência. aberta~ influências exteriores. foi por ela consideravelmente influenciada e pude assim sentir bem depressa a necessidade de diferenciar sensivelmente a sua análise. e o perigo de u z excessivo deslizar para a antropologia. no exacto momento desses ricos anos de militância. Mas tive a sorte de viver. tiva do simples confronto entre duas culturas na realidade amplamente comuns. Éd. de todas as recusas oficiais e do sobressalto indignado de muitos interessados. 68 ~------------------------------ 69 L . político e técnico. ou para a análise das razões da recusa por alguns do direito à diferença. Foi este mesmo alargamento que engendrou as perigosas ilusões do «todo cultural». também neste domínio.. Se a minha experiência pessoal me deu uma certeza. passei pouco depois a uma outra tecnologia. Simplesmente.. pouco importa: a riqueza das experiências . penn ar bed. Histoire de Cheviré: 1953-1986.» É verdade que tem razão. mas creio que não seja perigoso. Thonon.r p tempo. é a história em 23 Une centra/e et ses hommes. Jean-François Sirinelli escrevia: «Nenhum historiador faz mais que história cultural. de I' A1baron. cidadão antes de historiador.. Cidadão-historiador e. mas um pouco fria acabe por desaparecer. com a ajuda das circunstâncias (e de outras capacidades!). infelizmente responsável. finis terrae. em especial. Este sentimento baseia-se naquilo que se apercebe como evidência. permitindo agir sobre ela.. à contribuição cruzada da história cultural e da história económica e social. O exemplo daquilo a que chamarei sorrindo «complexo da aldeia gaulesa» sitiada . e sobretudo à cultura de empresa24 • Alguém pouco sensato consideraria que me desviei do meu caminho. «experiências» no sentido que se daria a este termo num laboratório. mas acredito no contributo da História. o desenvolvimento da minha prática da história cultural. e deve.parece-me o complemento indispensável da riqueza da erudição. Mas penso. esse complexo existe. e digo três vezes infelizmente. nas edições ACL. em certos habitantes na metade ocidental da Bretanha. que marca profundamente a minha leitura dos arquivos criminais. É esta expenencia. Nós formamos.. «estar em contacto com a vida». graças à história. Histoire du Service des pensions des industries électriques et gazieres.parece-me particularmente expressivo.. e a meu ver. a do terciário e da informática. uma terra aberta aos grandes espaços e a encruzilhada da Europa . os condicionalismos da natureza que fazem desta terra uma extremidade da França e da Europa. avalio-o hoje bem.. pelo menos. é também essa experiência que me poupa sem dúvida uma interpretação redutora na perspec. Por falta de competência e de experiência. aprendi enormemente ao iniciar-me na cultura tecnológica: dois anos de trabalho colectivo e a escrita da história . de traços ou comportamentos comuns. estando a dificuldade em encontrar o justo equilíbrio. não evocarei a imensidade da «nossa» contribuição potencial para a compreensão dos nacionalismos. da confrontação das culturas.cada um construindo-a à sua maneira . no entanto. situada na Bretanha . na busca muitas vezes tão confusa e por vezes pervertida de uma identidade. no sentido comum.. pelo acaso dos encontros e por vezes também pelo interesse que despertava. se necessário escolher. o contacto entre duas culturas aquando dos interrogatórios ou depoimentos de testemunhas. Com apostas consideravelmente menores vivi-a um pouco como desforra no domínio bretão. Isto poderia ter sido. Para além das contribuições provenientes. pelo menos no que respeita à época modema. e é de certa maneira compensado pela imagem do Bretão tenaz e inquebrantável sobre os seus rochedos. num outro contexto económico. e mais precisamente em Finisterra. a noção e sobretudo o campo da história cultural têm vindo a alargar-se incessantemente. Ao dirigir um dos seminários de onde esta obra proveio. capazes de mostrar que a natureza é ·bastante rica e que esta terra foi -nos séculos XVI e XVII-. de uma central eléctrica23 • Tendo o resultado suscitado ofertas.. 1992. 24 De Frédéric à Mathilde. claro. só ter feito história cultural desde há uma quinzena de anos ou menos. Foi também a prática associativa que me proporcionou. publicado em 1987 em Nantes.recordo a de Astérix. Para além. e portanto humano. jovens investigadores directamente para a história cultural. uma investigação sobre a cultura dos Esquimós ou sobre a dos camponeses do Yunnan. é tentador. pelo menor atractivo de outros domínios da história. Espero que um dia esta identidade sedutora. foi a de que é impossível praticar uma história cultural sem uma cultura tão rica quanto possível em todos os outros campos da História: caso contrário. creio enfim que esta história cultural pode. ao afastar-me tanto das minhas bases profissionais: cerca de dez anos de distância desde o início destes desvios permitem-me pensar o contrário. É sem dúvida a expressão do meu inextirpável optimismo. A história como conhecimento universitário. profundamente consciente do que sinto como um perigo. Estou profundamente convencido da importância essencial da história social (também aqui. A primeira.* balão ou. cada uma privilegia um outro objectivo. . A partir de então. No segundo. até mesmo incompatíveis. simplesmente. no sentido que damos a esta expressão . pois. as classes sociais diferenciadas pelo lugar que ocupam na produção ou ~a repartição dos rendimentos e portadoras dos interesses e das aspuações opostas. corn efeito . Os duzentos anos que de então nos separam são divididos em três grándes periodos. pelo menos. HISTÓRIA DOS SEMIÓFOROS Krzysztof Pomian Devo agradecer a Faí'ích Roudaut e Yvon Tranvouez pela amável leitura crítica das primeiras versões deste texto. que terminou no decurso dos anos setenta do nosso século. no essencial. Creio. Mas também não poderia esconder a minha certeza da felicidade de ser historiador. A terceira. integrá-lo numa totalidade inteligível. No primeiro. Mas. as obras ~orn os seus autores individuais ou colectivos e os comportamentos ~ grupos humanos a que pertencem.não o comentário das obras de antigos historiadores. que os jovens investigadores mais lúcidos compreenderão rapidamente a necessidade de a~argar o seu campo de investigação ou. E' dela que trataremos de imediato. pertence à história antropológico-cultural. o Estado enquanto detentor da soberania. que durou até à segunda metade do século XIX. que definem o carácter espec1 1 ~ 0 desses grupos. no sentido mais amplo. habilitado para concluir os tratados e fazer a guerra. de cultura histórica. único agente legítimo das relações internacionais. promotor das leis cujo respeito por ele imposto assegura a or~em no seu território.e não apenas os menos bons. Estou. pior ainda.dos nossos estudantes. mas o estudo. da prática social da história. todos contribuindo para criar o seu sentimento de Id ·d enh ade. Na época da sua preeminência.. esse papel competiu à história económica e social. como é evidente) e ainda.. sem jogar com as palavras. 70 71 25 . cada uma destas disciplinas tenta tratar as outras duas como auxiliares ou fornecer-lhes os conceitos que supostamente lhes permitem pensar o passado que sondam. tem as suas origens em Goettingue na segunda metade do século XVIII. a explicação e a descrição do passado -. ainda que o não sobrestime. a péssima antropo-história cujos estragos observamos entre os menos bons . e que a maior dessas felicidades é ser historiador da cultura25 • HISTÓRIA CULTURAL. A segunda. foi a história político-diplomática que teve o papel dirigente no conjunto de disciplinas históricas. A obra literária é. A obra literária existe fora do tempo e do espaço.ceiros que hoje levanta aos b"bl" 1 wtecanos. permite produzir um livro. O livro. muda. por definição. misturadas uma na outra sem se dar por isso. num espectáculo da bngua . é necessário dispor de uma capacidade que ultrapasse. Ao inventário das diferenças entre o livro e a obra literária. Para passar destas páginas e destas manchas à obra literária. deve poder ser lido sem a mediação de uma máquina. daí os problemas jurídicos e ' · · fitrvro. sendo embora tão numerosas como os leitores. qualquer significado. a obra literária só requer duas pessoas: o narrador que a cria e o leitor a quem é dirigida e que é apenas um leitor virtual. Basta. E verdade que acontece as obras conservarem-se num único manuscrito ou num único exemplar impresso. como objecto visível. mas também táctil. mos que são aplicadas com conhecimento de causa e constância e não como acontece frequentes vezes. sempre e em toda a parte. satisfazer certas condições para que a identidade da obra não seja afectada. com o que designam e com o que exprimem. pois. A obra literária é. uma ~ez a máquina ligada a uma impressora. não podemos lê-los sem um leitor apropriado. continua a ser a mesma.:omédia. Mas esses casos. e é unicamente a obra que permite encontrá-los. pesa. É preciso saber ler. podemos agora acrescentar algumas mais. É. e de longe. ao passo que pode ser muitíssimO deformada nas outras duas. no seu quadro. Consegue-se mesmo . um rolo de papiro ou um códice em pergaminho são formas diferentes do livro. ela conserva-se idêntica a si mesma. as microformas não são livros: embora vejamos a olho nu que estão cobertas de signos. a olho nu. porém. falar de uma mesma obra. porque um livro.!3# A abordagem semiótica e a abordagem pragmática Tomemos a título de exemplo narrativas que habitualmente s atribuem à literatura. É invariante em relação às suas realizações psíquicas. diferencia-se dele no seu princípio. Na qualidade de entidade ideal. quando ela é transposta fora pres_erva-ge'm numa sequência de imagens imóveis. única: só existe uma Madame Bovary e não mais que uma I!ivina ç. E comparemos duas abordagens. isto é. E estas são apenas as condições mínimas necessárias. se só existir entre elas uma correspondência biunívoca. 0 que torna possíveis as traduções. a de ver de forma correcta. pois. Suponhamos também que nenhuma utiliza processos. inseparável da sua forma física. imprimi-la. e neste. Um e outro têm uma existência tão ideal como a própria obra. e o livro um objecto visível. Esta diferença de estatuto ontológico tem por consequência vários outros. na ocorrência. estes podem. de um conjunto de folhas de papel brancas ou cobertas de manchas sem. Neste sentido é uma entidade ideal. um objecto invisível. A cada obra literária correspondem porém vários hvros. conquanto que disponham das competências que lhes permitam compreendê-la. da qual não sabemos se é virgem ou se contém um registo antes de a termos introduzido numa máquina a que é adaptada. trai ou num filme. manuscrito ou impresso. Mesmo u!do parece realizar uma ou outra obra literária e até quando. a obra literária. Começamos por verificar que a obra literária é invisível. relacioná-los com os sons de uma determinada língua e compreender as associações desses sons: relacioná-los por sua vez com o que significam. são cada vez mais raros. 72 73 A • . Porque o que vemos é sempre um livro. páginas cobertas de manchas de tinta de formas diversas. E é invariante finalmente em relação às suas realizações linguísticas. Dito isto. falando a seu respeito. existe evidentemente no tempo e no espaço: ocupa lugar. Porém. e é por isso que. Sob este ponto de vista. de entre a~ quais uma as toma por obras literárias e a outra por livros. O que não acontece no caso de uma disquette. é preciso saber pensar. numerá-la. Suponha. tea É "nútil demonstrar prolongadamente que nada disto se aplica ao 1 . · d nte de acordo que uma sequenc1a e numeros reg1sta a numa : uette e lida por uma máquina não é inteiramente um livro. um livro oferece-se à percepção na qualidade de livro na medida em que 0 distinguimos. pode-se recitá-la. sempre excepcionais. ed"1tores e I'1vre1ros a managação das técnicas informáticas de registo. escrevê-la. Estaremos provavelprop d . Noutros termos. ilegítimos. necessário possuir ao mesmo tempo a memória da língua e a da escrita. no primeiro caso a obra não sofre qualquer deformação. em cada caso. la de forma a ser reconhecível. reconhecer essas manchas como signos de uma escrita. A obra literária é invariante em relação às suas realizações físicas. isto é estabelecer entre as unidades linguísticas de diferentes níveis laços que constituam um todo. pois. não é tanto uma história mas uma combinatória imperfeita. do direito. portanto. derivando uma de diferentes teorias. Produtos de puro trabalho intelectual dos indivíduos desinteressados. E que tentam estabelecer não que são as ideias que se supõe veicularem imperturbavelmente uma ou outra narrativa.a uma mo da1·d · de pincel ou tesoura. investiga-se sobre a leitura em função do sexo. por entidades invariantes em atenção às suas realizações. pela mão e pela vista de certo indivíduo. h P em quase todos os om1mos as Ciencias umanas. e sendo a outra representada pelo conjunto de investigações sobre o livro. como aborragmática. da justiça e do Estado. económicas. ps decénios do sécu1o XX. analisam-se os custos da produção e da distribuição.falaremos também de tratamentos ou perspectivas. CUJa 1 ad e d a 1llpiS. por entidades ideais e portanto designadas justamente por um nome de ressonâncias platónicas. e livres de qualquer ligação a um tempo ou um espaço. principalmente fenomenológicas e estruturalistas. os encargos fiscais. existem varias mvestlgaço~s. Quanto à geografia. da preferência por certos géneros de escrita. a Ic?no og1a. deparamos com a «história das ideias» unicamente interessada. entre as coisas. as tintas. toda uma co~ lectividade: o autor como pessoa física e papel social. os periódicos e as bibliotecas. publicidade. cada uma coloca questões diferentes. oposições. a ir de agora. aplicações de diferentes técnicas. numa palavra. dos indivíduos. lh 1. do tempo que se lhe dedica. as acções e as séries temporais. atestada pelos preços pagos por eles. da maneira mais flagrante. ou das doutrinas filosóficas. que mal entendidos causou. Falando de um modo estrito. a segunda. no sentido em que uma não deixa qualquer lugar à outra. A primeira. desenham-se mapas da propagação de certos títulos. Estuda-se a sua história. No pólo op~sto. nao mas nmeiro d . dado estas últimas serem entidades ideais. no estudo das artes p1'asti~as. que reacções suscitou. da possibilidade de ler numa biblioteca. em todos os sentidos do termo. desdobrando-se em realidades diferentes. as maneiras de os expor e os comentários feitos a seu respeito. exige também impressão energia. os lugares em que se expõem. que produzem 0 papel. d . das organizações e das instituições situadas num tempo histórico e ao mesmo tempo num espaço físico e social. 74 75 part A • .* O livro.excluem-se reciprocamente. 1 . além disso. transporte.so. dos rendimentos. das bibliotecas. . pois. que devem dispor não só das competências apropriadas mas também do poder de compra que lhes permita adquirir o livro ou. similitudes. Estas duas abordagens . os livreiros. nos estud os 1"Iterarws. significados e estruturas. estas estão excluídas por definição. das imprensas. por certos autores. como abordagem semiótica. na sua falta. à sociologia ou à economia das obras literárias. . etc. . sejam elas quais forem. objectos da parte dos indivíduos ou dos grupos desta ou de uma outra recepção. entre signos. empréstimos.e e:p ICitar as significações.. q~e tratam principal. A primeira será designada. o pessoal de imprensa. em cada caso. Acontece o mesmo com o estudo da ciência em que àqueles que a tratam como ideal. os preços. teológicas. . em pano de fundo. Necessita. Requer capitais e normas que regulem as relações entre os diferentes agentes do mercado. que ~e ·oritariamente pelo que se mantem mvanante em relaçao jnteressa Prl ssagem da escrita e. a qual presumivelmente o historiador põe em evidência. das obras enquanto VISIVeis ou observáveis: produzidas. . religiosas ou ideológicas. transformações. assim. Uma e outra encontram-se presentes. mas como esse escrito foi c~mpreendido pelos seus leitores em épocas sucessivas da sua recepçao. a segunda.. aliás. desde os tJagem . No estudo das crenças mágicas. Todas estas coisas. jurídicas. esse. Passa-se de outro modo com o livro. conjuntos de certos materiais de determinadas dimensões. só foram aqui recordadas para destacar. da literatura e dos géneros literários. considerando a sucessão temporal. que controvérsias desencadeou. A história das obras literárias está organizada através de relações puramente formais. o material de imprensa. . no qual dá lugar a todo um conjunto de transacções. o editor com a sua equipa. da obra literária. . põe a trabalhar indústrias completas. sociais. senão exclusivamente. dos grupos. no entanto perfeitamente conhecidas. o contraste entre duas abordagens dos escritos atribuídos à literatura. o distribuidor e os seus serviços. os transportadores. os leitores. bé m tamTemos . Mobiliza. Opõem-se-lhe investigações que colocam os discursos proferidos oralmente ou por escrito entre os comportamentos visíveis. ou que o foram. políticas. sobretudo em alguns dos seus adeptos. das profissões exercidas. da linguagem usual a traços de à"' pa · ass1m1 · ·1 açao . das livrarias. e que portanto assemelham a sua história a uma sucessão de teorias. por certos assuntos. da idade. do nível de educação. linguagem autoriza uma leitura das o?ras de -~e ~ara . pois acontece durarem sem modificação desde o século passado. coladas ou cosidas numa determinada ordem. Mas eles só raramente avançam de rosto descoberto. nas ciências humanas contemporâneas. mas olhando-os agora de outra forma. os manifestos e os programas. Trata-o também como semióforo aquele que o preserva por ver nele um livro. uns terceiros agem de forma ligeira. Voltemos à obra literária e ao livro. de uma loja de alfarrabista.e de um suporte desses s1gnos: tma . Todavia. como a maior parte das vezes não a justificam através de considerações teóricas. o livro já não é só um objecto visível: remete para um destinatário que lhe é exterior ou para um significado invisível que se supõe poder ser extraído por aquele ao lê-lo. se ninguém for capaz de lhe reconhecer capacidade de exercer essa função. numa perspectiva pragmática. gens a preto e branco ou a cores . Outros ainda tentam. com os seus conflitos e as suas rivalidades em redor de objectivos como o poder. dos instrumentos que se manipulam. Por outras palavras. como união de signos que supocrevem essa obra . 0 Visto sob este ângulo. E aquele que o manda queimar. Evidentemente que isto não esgota a pluralidade de abordagens manifestadas nas publicações respeitantes aos domínios passados rapidamente em revista. Uns encaram os objectos que estudam numa perspectiva semiótica. com o fim de destruir esse mesmo grupo. Mas quando se calça com um livro um móvel que abana ou quando se utiliza um livro para alimentar o lume. numa certa medida. assunto a que voltaremos. Mas isso não basta para ser actualmente um semióforo. mesmo exclusiva.por exemplo. encontrar uma perspectiva unitária. É verdade que a própria aparência de um livro sugere que foi produzido para ser lido ou olhado. entre os anos vinte e os anos cinquenta. pois existe realiter no intelecto do leitor: quando ele lê um livro e o compreende. por essa razão. Folhas 1mpressas. para que alguém as leia pela ordem que prescrevem. convencido de que pode exercer uma influência nociva sobre os leitores ou por querer destruir as produções escritas de um grupo. conjugam uma e outra como se não fossem incompatíveis. noção que se explicará mais tarde. o seu modo de ser interior e por vezes até os seus comportamentos. o direito de cidadania e. uma posição dominante. há cerca de três decénios que reina nas ciências humanas uma coexistência pacífica. Subsiste que. mais exactamente. o livro é um semióforo: um objecto visível investido de significado. este programa. Mas não o é de uma vez por todas. em primeiro lugar. Nesta perspectiva. para programar comportamento de um destinatário e fazer dele um leitor. em todos os sentidos do termo. de uma livraria. que depende do seu conteúdo e das circunstâncias. não é só uma entidade ideal. resolve guardar. bem como na dimensão social e material da investigação. não se distinguem dos que ilegitimamente misturam as duas. multiplicando as polémicas. Temo-lo de um livro como rte da obra literária. inconscientemente. outros. E para clarificar a noção de semióforo e mostrar o seu alcance em toda a sua generalidade. Só aqueles que contestam as ciências humanas no seu próprio princípio poderiam introduzir um pouco de dissensão. sem no entanto estar disposto a lê-lo. argumentando que elas só produzem ficções e que os dados apresentados para justificar as afirmações ali enunciadas são processos retóricos utilizados para impor ao público opiniões irremediavelmente arbitrárias. Abandonemos aqui o exemplo do livro.r * l consignados em escritos. Ser semióforo é uma função que o livro só conserva quando se adopta face a ele uma das atitudes programadas pela sua própria forma: quando o lemos ou o folheamos ou. por seu lado. pelo menos. ele deixa de ser um semióforo e toma-se uma coisa. para observar que não temos geralmente experiência nem do significado puro nem do objecto visível. portanto. Mas a obra literária. quando o colocamos nas prateleiras da nossa biblioteca. • de acordo com as regras de uma determmada hngua ou de das · . ou que só vê nele um objecto estranho ou precioso que. folhas de papel coladas ou cosidas sob a mesma capa. os promotores do tratamento semiótica lutavam por lhe assegurar. o dinheiro ou o prestígio. se opõem aqueles que insistem no papel da experimentação e. por vezes com êxito. procedamos a uma classificação do conjunto de objectos visíveis 76 77 Os semióforos entre outros objectos visíveis . a linha divisória principal opõe o tratamento semiótica ao tratamento pragmático. essa dualidade faz a tal ponto parte da paisagem que já nem se dá por isso. letras do alfabeto latino reunitr~ . pois. Se. depois. de modo diferente das formas que. tiveram todos um destino e empregos a que já não se prestam. Passemos aos que não têm qualquer emprego.r (deixaremos portanto de lado todos os objectos percebidos pelos outros sentidos que não a vista). Têm. são tratadas como casos particulares das funções mais gerais. no entanto. no interior das quais se pudesse então proceder a especificações tão afiançadas quanto se deseje. regra geral. não deixarão de nos retorquir que existem tantos destinos conferidos aos objectos como tipos de objectos e que. para nós não pertinentes. Veremos mais tarde exemplos. e tentamos por conseguinte dividir o conjunto de objectos visíveis nalgumas classes funcionais. Destinados também a permitir aos homens proteger-se ou protegerem outros objectos contra as ameaças L 79 . enfim. por mais específicas e precisas que sejam. se deixam uns e outros dividir em numerosas rubricas. O nosso projecto seria no entanto fácil de realizar. Porque. o que traduz a sua eliminação do espaço em que vivem. De facto. as matérias-primas. que modificam em graus variáveis estes ou outros aspectos da aparência original. Mas os empregos reais do objecto podem por vezes distanciar-se muito. quer sejam provenientes de uma transfor. são qualitativamente irredutíveis umas nas outras. mas continua a ser realizável. quer sejam corpos. como todos os materiais. Quanto ao emprego ou empregos. marcada pela sua diferenciação progressiva. Assim seria. A nossa intenção é pois determinar as funções mais gerais que permitissem dividir o conjunto de objectos em algumas classes. segundo a sua génese. o critério funcional não permite evitar a multiplicidade quase ilimitada em que nos encerram os critérios morfológico e material. portanto. as plantas e os animais selvagens. eles trazem-lhe uma confirmação. dos quais uns não têm qualquer destino. Tomemos os objectos destinados a t~ansformar a aparência visível ou as propriedades observáveis. a terra. · d maçã o previa os corpos. repartem-se outras classes de objectos. ou ~Inda ~modificar a localização de outros objectos. o destino de um objecto não coincide com o seu emprego ou empregos. Antes de terem sido transformados pelos homens. de tais transformações. por exemplo. dos quais os mais prováveis são determinados pelas suas aparências visíveis ou pelas propriedades que se lhes observam. Torna-se um pouco mais difícil. observemos primeiro que o destino fixado para um objecto pelo seu produtor. o próprio corpo humano. ateado pelo sol. elementos tais como a água. por não terem sido produzidos pelos homens. E o que os constitui numa classe funcional à parte que reune tudo o que os homens abandonam. Observemos agora que existem com toda a evidência objectos visíveis. É o que os constitui numa classe funcional à parte que reúne tudo o que os homens encontram à sua volta. Como se pode então comparar a função de um objecto com o seu destino e o seu emprego? Para responder. dita a escolha dos materiais utilizados para o fabricar e a forma que lhe será imposta. frequentemente muito longa. Apresenta-se também uma outra objecção segundo a qual. Entre os corpos e os restos que. individual ou colectivo. o que ilustra a história das ferramentas. o ar e o fogo. pelo raio ou pelos vulcões. individual ou colectivo. quer porque os seus próprios utilizadores m~daram. não têm nenhum destino original. Uns e outros parecem levantar o problema de uma classificação funcional dos objectos visíveis. as funções. o seu destino 78 inicial determina o leque dos seus empregos mais prováveis. deixam em geral vestígios. Inscrito na aparência visível do objecto. A função de um objecto está pois inscrita na sua aparência e é por esta tornada visível. Inclusive o corpo humano. eliminam ou destroem. mesmo de uma cadeia. se classificássemos os objectos. se ficássemos reduzidos à classificação dos objectos apenas segundo as suas formas e os seus materiais. os objectos que fazem parte deste grupo recebem o nome de restos. e ao emprego que dele fazem os utilizadores. por cada um. empregos. ao destino que lhe confere o produtor. Tal classificação exaustiva de objectos visíveis composta de um pequeno número de rubricas. diferentemente dos corpos. evidentemente. os objectos que dela fazem parte recebem o nome de corpos. Os sinais que apresentam mostram que. Mas não é assim. em produções naturais e produções humanas. Neste ponto. em virtude da sua extrema heterogeneidade. quando apelamos a funções dos objectos identificados. e os outros sem qualquer emprego. de facto. Entre um e outros desenvolve-se toda a história do objecto nas mãos do homem: consequência das variações da sua função no tempo e no espaço e das mudanças que por esse facto sofre a sua aparência visível. quer por causa das mudanças sofridas na sua aparência visível ou nas suas proprie?ades observáveis. parece antecipadamente condenada ao fracasso. servem todavia de linguagem. Donde. . devendo ainda. 80 proporcional à posição de cada tipo de semióforos na hierarquia. Nada proíbe. punções. . a importância atribuída aos caracteres da sua aparência que manifestam o invisível e que são portanto signos: isso leva a rodeá-los de uml). lápis.seJa . as ferramentas. Já estudámos um destes espécimes e voltaremos a encontrar vários outros quando propusefQ10S a sua classificação. isto é os semióforos. finalmente. a produzir semióforos. nao . a serem directamente consumidos ou transforma. os semióforos e os media.dos a fim de se prestarem ao consumo. São também as coisas não necessariamente inanimadas. portanto. eles próprios se transformem. sem formar sempre uma linguagem. mas a de produzirem ou transmitirem os signos com os seus suportes visíveis ou observáveis. sinais. um objecto não fica ligado definitivamente c1asse a que per tence na ongem. que sao por sua vez d. . cassetes e filmes. Recebem o nome de semióforos. com os seus discos. inutilizáveis. devem destacar-se do meio ambiente. ou a conservar-lhe o vestígio. se transformam inevitavelmente elas próprias ao ponto de se tomarem irreconhecíveis e. magnetoscópios. Na medida em que substitui alguma coisa invisível. existe finalmente uma classe de objectos que. completar ou prolongar uma troca de palavras. Entretanto. computadores. transformem a aparência visível dos corpos ou de outras coisas para neles fazerem surgir signos e. a alimentação e os medicamentos. portanto. que. O primeiro é serem compostos. buris. máquinas de escrever e de imprimir. São destinados. quando não examinado nos seus mínimos pormenores. deste modo. pois cada um remete prioritariamente para alguma coisa actualmente invisível e que não poderia. pincéis. de um suporte e de signos que. o vestuário e as armas. em cinco classes funcionais: os corpos. os instrumentos. Fazem parte da classe de objectos visíveis como selos. pois cada um é composto de um suporte e de signos. pois resultam da sua própria função. a recorda ou conserva dela vestígio. transformando os coros ou outras coisas. receptores de rádio e TV. sofrendo o desgaste.externas. somente de uma maneira derivada e secundária acontece os semióforos remeterem para alguma coisa presente aqui e agora. Mas isto é secundário no seu caso. a mostra. para produzirem este efeito. protecção. fotocopiadoras. a indica. finalmente.s ulhmos correspondem a patamares de uma sucessão histórica: as COisas são bem . . emissores com as suas antenas. tornando visível e estável o que de outra forma ficaria evanescente e acessível unicamente ao ouvido. O conjunto de objectos visíveis pode assim dividir-se. porque cada quanto mais um corr 0 · e nsco de passar a ser cedo ou tarde um resto. telex.as coisas. ser raros. os reAsto!. Todos os objectos que fazem parte desta classe recebem o nome de coisas. quer se trate de variações do meio ou de agressões. um semióforo é feito para ser olhado. E são ainda os homens quando os seus corpos são sujeitos a semelhante tratamento. aparentados em diversos graus com umas e outros. com efeito. ~ mais antigos que os media. câmaras. bússolas e todos os instrumentos de observação e medida. Vê-se à primeira que os tre. como é secundário para uma máquina o facto de ter uma marca de fábrica e que a toma acessoriamente um semióforo. que os obJectos mudem de função no decurso da sua 7 81 . São as máquinas. as plantas cultivadas e os animais criados com a finalidade de se lhes atribuir um dos empregos que se acabam de enumerar. esferográficas. os semióforos formarem uma hierarquia consoante a raridade dos seus materiais e das suas formas. Concordemos em dar-lhes a partir de agora o nome de media. Daí a escolha dos materiais e das formas susceptíveis de atrair e fixar o olhar. à semelhança das coisas. destinados. comparados aos componentes deste. réguas graduadas. disquetes. magnetofones. de maneira aparentemente exaustiva. balanças. destacamos os traços que lhes são comuns. se distinguem todavia pelas suas funções. Por outro lado. o. À classe seguinte pertencem os objectos destinados a substituir. cada um. São todos semióforos. e em seguida. Cada semióforo é inserido numa troca entre dois ou mais parceiros e entre o visível e o invisível. mais antigas que os semiOtoros. Também é secundário que alguns. Porque a primeira função de todos estes objectos não é a de serem investidos de significados nem a de fabricarem coisas. não tendo começado estes últimos a ~stmguir-se ao mesmo tempo de uns e de outros senão a partir do ulo XVI.+ be . p A par das coisas e dos semióforos. as habitações. . os meios de transporte. Dela fazem também parte relógios.. Para impor aos seus destinatários a atitude dos espectadores. para lhes poupar a usura que sofrem as coisas que. Donde. microfones. mas unicamente evocada pela palavra. ser designada por um gesto. aparelhos fotográficos. por outro lad . Em especial. Reunamos os desenhos. sendo cada combinação apreciada consoante o efeito que produz no espectador. gravados. desenhados. Dar-se-lhes-á a partir de agora o nome de textos. acidentes da feitura. . no interior da função que faz deles semióforos e que consiste. o conjunto de mercadorias contra · ·~ as qums se poderá trocá-las chegado o momento. passemos às imagens. Exactamente como os textos. os modelos. marcas de fábrica. as imagens forrnam uma classe ao mesmo tempo funcional e morfológica. sob outros aspectos. os tecidos. bordados. que se deixem ver directamente ou por intermédio de um registo. Comecemos portanto por aqueles que. Os signos de escrita. recordemo-lo. em certas paisagens urbanas onde lugares com vistas são expressamente preparados para 82 permitir fixá-los como quadros. mas. esta última porque os signos de escrita que contêm são os elementos constitutivos da sua aparência visível. São as notas de banco e as moedas. A própria irreversibilidade do percurso conduz os corpos a outras classes de objectos. ela é em geral muito limitada. idênticos aos signos da escrita. impressos oficiais. Vários traços os distinguem dos signos de escrita. pois já muito falámos dele. são muito heteróclitos. são produtos para serem lidos e que. a ser visto. Os textos descrevem todas as modalidades do invisível. o vidro ou as matérias plásticas. Os primeiros são autónomos em relação aos seus suportes. entre os suportes dos signos. A diversidade de semióforos Voltemos agora ao livro por ser cómodo escolhê-lo para ponto de partida de um estudo mais aprofundado dos semióforos. por essa razao ' con sIt"t uem uma classe funciOnal. De igual modo. quando a têm. mímicas e gestos . folhas soltas. as Imagens que pretensamente o dão a ver só veiculam visões. Mas. devem conformar-se com um modelo. de qualquer autonomia e. em substituir. tecidos. funções específicas muito diferentes. ou como os conceitos relativamente aos ideogramas. pois não poderia ser visto antes de se ter realizado. d"t embora tendo formas mmto i~'er~ntes. a transparência ou a opacidade. nada representam.história: veremos mais tarde que isso acontece mais frequentemente do que se pensa. partituras. Os segundos deixam-se combinar livremente. como o livro. as instalações. a degradação de um objecto entre os restos não é necessariamente definitiva. s fotografias. compostos também de plantas e de bosquezinhoS em jardins de recreio. Estes são inseparáveis da linguagem. rótulos.e as relações que se estabelecem entre eles. Os signos icónicos dependem totalmente daquele que os traça. . os metais. j . es mstrumentos de crédito. dísticos juntos a quadros ou a outros objectos expostos. jornais. Conhecen:os todavia semióforos que remetem para o futuro e que. superfícies. é necessário conjugar vários e separar o conjunto assim criado do exterior para que possam eventualmente representar alguma coisa. Assim. São. prioritariamente. amda que as situemos na realidade transcendente. eles têm. o polido ou a rugosidade. cujos sons representam como as letras do alfabeto.. cores. para serem reconhecíveis. Os outros só têm com a linguagem um laço extremamente subtil. Por vezes. compostos de homens e de objectos como em espectáculos.. ou ainda de imóveis. aos quadros. os mapas. pintados. E. o brilho ou o mate. isto é. prolongar ou completar uma troca das palavras ou conservar os seus vestígios. por conseguinte. em primeiro lugar. linhas. em relação a estes últimos. Sempre a partir do livro. Os primeiros só podem ser combinados segundo certas regras. como vamos ver. As imag~ns podem mostrar somente algumas. Mas. encontram-se. Tomados cada um à parte. a pedra. as :sculturas. no seu caso. São mesclas do preto e do branco. comparadas com os textos. as estampas. são também dimensões. a par do papel. placas com nomes de rua ou de instituição. São as publicações periódicas. reunidos com diversos materiais. Com os d herent · . são como ele compostos cada um de um suporte e de signos de escrita. manchas. pois conhecemos os casos de reconversão dos restos e especialmente da sua promoção ao nível de semióforos. tabuletas. cujo significado é enhco ao seu poder de compra. manuscritos e escritos à máquina. cartazes. Os segundos podem não dispor. além disso. as maquetas. quadros numéricos. distinguem-se principalmente pelo carácter dos signos que contêm e que já não são. os planos. volumes. Concordemos em dar a estes elementos das imagens o nome de signos icónicos. inscrições. O futuro não pode ~er mostrado. pertencem a uma classe distinta de 83 A -. Eles constituem ao mesmo tempo uma classe funcional e uma classe morfológica. que pode destinar-se não só a ser lido. as que pertencem ao passado. será designada como a dos substitutos dos bens e de que faziam parte. E.semióforos que. O que contribui para chamar a atenção sobre o objecto e para mostrar que a contemplação modifica aquele que o fixa. separá-lo com uma barreira. em plena expansão. São também prova disso os comentários orais ou escritos que lhe são dedicados. etc. por vezes certos traços da sua personalidade. tatuagens. Outros semióforos remetem também para o futuro. É assim porque colocar um objecto. num herbário. e 1 era ante produzidas para atrair a atenção do espectador para alguma me . quando os fazemos usar esta ou aquela insígnia. sob certos aspectos. um cordão. mesmo directamente sobre o corpo humano. não remetem nem para o passado nem para o futuro. atendendo ao critério morfológico. o que acontece no caso dos uniformes. Acontece também com plantas ou animais. No entanto. o seu lugar na hierarquia social. Manifestam também caracteres invisíveis do objecto sobre o qual se aplicam: a natureza da instituição que se encontra em certo edifício. A prova é a decoração do edifício ou do interior onde o objecto se encontra. a maneira de falar e de se moverem são apreendidos como manifestações do lugar a que pertencem e da sua classe. venficamos com efeito que se encontram entre eles os representantes de todas as classes de objectos visíveis. As luzes da sinalização nas estradas e os numerosos ideogramas que prescrevem a feitura disto ou daquilo. luzes contínuas ou intermitentes. suspendê-lo da parede ou do tecto. qualquer objecto se transforma em semióforo em consequência da descontextualização e da exposição. o gado. mas por terem sido investidos dessa função por outros me. tudo isto vai impor às pessoas que se encontram à volta a atitude de espectadores. Também neste caso. Notemos de passagem que os objectos inanimados não são os únicos a ser semióforos. sendo rodeados ao mesmo tempo de cuidados e de protecção. não por terem sofrido determinada transformação. à falta de melhor. vai incitá-las a virar-se para o objecto e a deter nele o olhar. Existem todavia objectos visíveis que são semióforos. mudanças cosméticas. noutras sociedades. Quanto aos homens. as conchas. o aspecto das suas mãos. a olho vtstvets I d b. o vestuário ou as coisas. pois. d l"b d ee ' nu. linhas ininterruptas ou entrecortadas. são sempre semióforos. mas por regerem os futuros comportamentos dos homens. manifestam caracteres presentes mas invisíveis do indivíduo cujo corpo fornece o suporte: a sua inserção num grupo étnico. imagens. indicam o local de tal serviço. a fim de afrouxar tanto quanto possível a acção corrosiva dos factores físico-químicos e de impedir o roubo e as depredações. confessional ou profissional. os lingotes de ouro ou prata. coisas. jóias. cores. Mas os semióforos de que . fornecem outros tantos exemplos desta classe de comandos. uma rede ou simplesmente com uma linha desenhada que não deve ser transposta. o nível da pessoa que usa determinado vestuário. . . adereços. mas acontece apelarem também a textos. da moldura que b rodeia ou do pedestal em que assenta. o facto de certa coisa pertencer a determinada pessoa ou grupo. que passaram a semióforos depois de sujeitos a um duplo tratamento. media e restos. a protec- 84 85 A • . sobretudo. num álbum. Quando tentamos pôr em ordem a profusão de semwforos. . Colocadas sobre os edifícios. modificações do estado natural da cabeleira. isa invisível e assim programar os seus modos de ser mtenores ou ~~ seus comportamentos. são transformações físicas da aparenc1a os o Jectos. proíbem a eqtrada em tal porta. . do móvel em que está exposto. que consistia em extraí-los da natureza ou do uso e em mudar entretanto a sua função. E é-o durante tanto tempo quanto estiver exposto. as insígnias utilizam signos icónicos e mesmo imagens. seja ele qual for. os seus elementos são muito heterogéneos: textos. numa vitrina. . pois traz-lhe alguma coisa de que de outro modo ficaria desprovido.i?s. depara-se-nos uma classe exclusivamente funcional. sobre um pedestal. ou ainda os ícones sobre os quais é necessário carregar para obter a resposta desejada do computador. alguns tecidos. as suas atitudes. mandá-lo vigiar por um guarda ou colocar-lhe ao lado uma inscrição com proibição de se aproximar e sobretudo de lhe tocar. para serem colocados depois de maneira a poderem ser vistos. os traços dos seus rostos. corpos. não por representarem objectos contra os quais se possam efectuar trocas. Já nos afastámos muitíssimo dos livros. algumas cerâmicas. escarificações e mutilações rituais. Por outras palavras. aparentados com ate s pois todos os signos que acabámos de menciOnar. . mesmo quando não trazem nenhuma. agora tratámos continuam. ela só pode vir dos seus laços com o invisível. Depois da segunda metade do século passado. Vê-se agora. mostra· -los como realizações diferentes de uma mesma função e dar a esta um nome. pois só são úteis os objectos que circulam entre os homens e aos quais eles con. sobretudo literários e filosóficos. são textos. . os comandos. em suma. passava-se o mesmo nos túmulos. para o separar dos outros. precisamente porque está isolado deles. A cultura material engloba todos os produtos do trabalho manual. e o autor surge pois como um verdadeiro criador. os substitutos dos bens.ióforos e pelos quais se interessa prioritariamente a hl~­ tória culfural. Finalmente. embora esta mesma expressão só tenha aparecido nos anos vinte do nosso século.• ção que o envolve. Não obstante. e os seus suportes nas suas relações recíprocas e que permita ar com a própria oposição entre a perspectiva semiótica e a u}trapass ' . um filólogo. pode-se alar~a­ -la sem dificuldade a objectos descobertos por outros sentidos alerJI da visão. que são todos objectos visíveis investidos de significados. stnaJ. Os semióforos que pertencem a esta categoria serão designados pelo nome de expósitos. a espiritualista e a psicologista. daqueles a que . as insígnias e os expósitos. Noutros lados. Pois quando reflectimos no que é comum a objectos tão diferentes como o são os textos. por assim dizer. fabricados pelas massas e à escala de 87 . confere-lhe por essa razão uma estatura heróica. é uma nova abordagem dos objectos visíveis e. que cada um possui um lado material e um lado significante. d perspectiva pragmatlca. o essencial é o projecto que ela encarna. A transfiguração da qual eles são o efeito realiza-se. com todas estas inovações terminológicas. mesmo quando não resultam de urna intervenção deliberada do homem. Mas não se trata senão de palavras. Uma abordagem unitária que reúna ao mesmo tempo os 86 b . A forma visível conferida à obra é. nesta perspectiva. recebe o nome de hermenêutica. . a sua personalidade excepcional. são excepcionais. . por essa razão. caracteriza-a a ausência de qualquer utilidade. dado que a forma visível das obras parece ser ali o menos importante. ao conjunto de produtos do espírito humano ou do psiquismo ~:mano. é única. o caracter um atera propno e uma e outra. Passam a sê-lo com tanto mais facilidade quanto distinguem esse objecto. que a identifica com a cultura material. O leitor. Um tal método de estudo da cultura. nos santuários. justamente como ele. 'I I . como realização de um projecto livremente concebido pelo seu autor. quando consegue elevar-se desse modo à sua altura. Porque o que aqui se propõe.se chamou sem. que lhe permite produzir algo de radicalmente original. Um historiador de cultura exemplar é sobretudo. na nossa sociedade. o único válido. Como não poderia devê-lo à sua relação com outros objectos visíveis. e as suas propriedades visíveis passam a ser signos. extraordinárias. seja ele qual for. os traços da personalidade do autor expressos na sua obra. admitem em conjunto que cada produto do espírito e do psiquismo humano é uma obra com o seu autor individual e que. admiráveis e contribuem. . senão exclusivamente. Esta protecção é uma manifestação visível do alto valor de que o objecto é investido. esta posição é contestada pelo tratamento pragmático da cultura. sobretudo nas colecções e nos museus. Os objectos que privilegia. em especial. a cultura foi identificada com a cultura s iritual. as imagens. Para a compreender.S A controvérsia sobre a noção de «cultura» Até meados do século XIX. tesouros e palácios. chegamos à conclusão que cada um é composto de um suporte e de signos. que a noção de semióforo não foi introduzida apenas pelo prazer de alongar a lista dos neologismos. Assim. As duas noções não são sinónimas. as duas perspectivas. Além do seu Caiácter desinteressado. como os nossos exemplos demonstram. o espectador ou o ouvinte acede a essa compreensão quando consegue introduzir. é a negação de qualquer determinismo externo. · ferem préstimo. vê-se investido de significado. ern virtude da descontextualização e da exposição. mas começar a diferenciá-las aqui afastar-nos-ia do assunto. surpreendentes. A palavra semióforo ten~a reunir precisamente o que todos os objectos têm em comum. qualquer objecto. em si próprio. é pelo menos o que esperamos. embora sendo absolutamente inútil. secundária. na medida do possível. e recriar em si próprio o projecto que era o seu. o que nos obrigou a descrever também outras funções que podem exercer objectos visíveis e introduzir para esse efeito toda um~ terminologia. é pois necessário cotejá-la com o projecto do seu autor. culinários ou de vestuário. das ciências do espírito (Geisteswissenschaften) -. E um historiador da cultura exemplar pratica a arqueologia pré-histórica ou étnica. é ao mesmo tempo exaustiva e disjuntiva. depende dos fenómenos espirituais ou da psicologia individual ou que as toma objectos legítimos das ciências humanas. A cultura surge. cujo substrato é. São massa. para a sua distribuição espacial e temporal. por exemplo. os únicos a formar um sistema: por outras palavras. ao mesmo tempo.--. a abordagem semiótica rejeita o pressuposto segundo o qual é exaustiva e disjuntiva a divisão de tudo o que possa ser objecto de conhecimento em fenómenos acessíveis a uma intuição sensorial.ou a antropologia.diferente da arqueologia clássica. segundo terceiros. Rejeita também o pressuposto segundo o qual seria exaustiva e disjuntiva a divisão dos fenómenos em individuais e colectivos (ou sociais). ao contrário da palavra [parole]. os ritos. Mas estas controvérsias não conseguiram invalidar as oposições conceptuais incorporadas na própria base das perspectivas incompatíveis que são a perspectiva espiritualista e psicologista. Privilegia também as regras da permutação matrimonial e das relações de parentesco. mostrando que a literatura. as obras literárias. que escapam ao intelecto humano. como estudo do equipamento somático e material das sociedades primitivas. implicitamente integrada na oposição entre a cultura espiritual e a cultura material. objecto de debate. a economia e a técnica. da indústria. segundo outros. que acompanha os progressos da agricultura. na vida sexual. sujeitas ao determinismo e devem. por um lado. o etnólogo ou o semiólogo que praticam de maneira exemplar a análise estrutural não são historiadores da cultura. Isto só termina com o aparecimento da perspectiva semiótica. não é nem um nem outro. mostrando que a técnica. Os domínios privilegiados da cultura são.---. por outro. a sua submissão a um determinismo. Produtos que exprimem que o homem pertence à natureza e. nesta perspectiva.. Como a cultura releva do repetitivo. para satisfazer as necessidades corporais. Nem faltaram tentativas opostas de contestar a abordagem pragmática. Esta rejeita primeiramente o pressuposto segundo o qual a divisão dos fenómenos em espirituais (ou psíquicos) e corporais (ou físicos). A abordagem semiótica pretende. por esse facto. ou ainda aos modos e condições de produção com as regras da troca e da apropriação dos bens materiais que lhes estão ligadas. na organização espacial das sociedades. a arte ou a filosofia estão. à imagem e semelh<mça da linguagem: é o conjunto de sistemas de signos. Pretende com efeito ter demonstrado que a língua [Zangue]. Tudo isto deve ser explicado: reconduzido aos caracteres do meio ambiente. na linguagem. as crenças. do comércio. que permite pôr em evidência a regularidade por detrás de aparentes flutuações.ou melhor. e por esse facto à razão teórica. O linguísta. da hermenêutica. ou seja. e. intelectual e sensível. os usos que deles se fazem e o mercado onde circulam. incapaz de o inferir directamente. e as produções humanas só farão parte dele se forem sistemas de signos. próxima da filologia . também elas. só se interessa por factos síncronos. o único método correcto de a estudar é a estatística. das invenções e descobertas. mas que constitui um sistema de signos em que cada um une uma face intelectual e uma face sensorial num todo tal que as componentes não se deixam separar de outro modo que não seja em pensamento. portanto. como o seu domínio. do equipamento biológico. e a perspectiva pragmática. 88 l 89 . Esta perspectiva orienta a atenção para a forma visível dos produtos humanos. que trata os objectos a que se aplica como sistemas de signos e que. em coisas em si fora do seu alcance. elimina o tempo que não sabe como utilizar. para a sua diferenciação. O método idóneo de estudo da cultura é fornecido pela análise estrutural. por conseguinte.---1 ~- ~ . e que estes dois aspectos são tão inseparáveis como o rosto e 0 verso de uma folha de papel. nesta perspectiva. Evidentemente que não faltaram tentativas de contestar a abordagem espiritualista ou psicologista no seu próprio terreno. ser estudadas pelas ciências sociais com os seus métodos estatísticos. para o trabalho que os modela. ou ainda a história económica. a par da própria linguagem. daí o interesse pelos recenseamentos e pelas conclusões que lhe advêm. isto é. Mais ainda. os princípios de classificação dos homens e dos objectos inscritos nos diferentes costumes. com efeito. estes dois aspectos também já não se deixam separar. bem como os mitos. e mesmo a economia. Também a investigação privilegia. do regime social. psíquica e física. pois pretende ter demonstrado que. nos anos vinte do nosso século. ter demonstrado que a linguagem é. consoante cada fenómeno pertença ou a um ou a outro destes domínios. segundo uns. portanto. A questão da génese perde então a primazia. da abordagem psicologista ou materialista tomavam do espiritualismo a ideia da humanidade una. a primeira pergunta que se deve fazer a um objecto que se estuda. uma instituição . uma pessoa. a rejeitar a identificação da humanidade a um indivíduo. e a própria história é a obra da tendência.um acontecimento. A perspectiva semiótica impõe um outro questionário. A história da cultura surge como a única forma legítima do saber de cultura somente numa perspectiva espiritualista. da espécie humana. de que a humanidade é suposto ser a encarnação e que é ao mesmo tempo o substrato e o criador da história. as únicas capazes de satisfazer esta exigência. porque a sua produção sucessiva não se faz de um modo qualquer. ser justificada num tal quadro pela ideia de evolução das espécies biológicas e. a humanidade ou os seus equivalentes. daí o apelo às matemáticas. as suas manifestações visíveis. para além da sua diversidade. como toda a teoria. com todas as suas consequências. a vida. Bastaria isto para estabelecer a convicção de que a história será a única forma concebível de saber sobre a cultura ou que ela divide esse privilégio com a psicologia.eram obrigados. na sua plenitude. Todas as tentativas de integração na perspectiva semiótica de uma diacronia saldaram-se até hoje por fracassos. neste caso. no entanto. O psicologismo radical e o também radical materialismo. do seu desejo de realizar. E elas desviam-se da história. dos esforços dos indivíduos e dos grupos para se apoderarem do melhor lugar. como acontece no caso das obras de arte plásticas e de 90 91 . A convicção de que a história é a única forma possível de saber sobre a cultura . mas a um indivíduo imortal.p r teóricos destes ou daqueles sistemas de signos. Substrato. Do seu ponto de vista. que. O substrato da história é. pois ela não conhece nenhum substrato das mudanças. isto é do sistema de relações imanentes ao objecto estudado. um e outro. Daí. Criador. Versões. e que se vê obrigada a fazer entrar pela porta de serviço os suportes dos signos expulsos pela porta de entrada. a direcção da história é a resultante dos conflitos. das rivalidades. Ela estava no entanto presente na linguística sob a forma da questão que incidia sobre as relações entre os fonemas e os sons. sobre a sua pertença a um ou outro estádio da história da humanidade. Concluindo. reduz a realidade a relações. porque os indivíduos e as colectividades empíricas cujos actos e obras a preenchem são apenas as suas exteriorizações. capazes de ganhar a luta pelos bens que permitem a sobrevivência e dominar os outros.variante extrema da atitude pragmática . recusando a tal humanidade uma orientação teleológica. pois ele aspira insaciavelmente à perfeição. Com a abordagem semiótica as ciências humanas descobrem com efeito a teoria. em proveito da questão de estrutura. sobre os factores de que é o produto e sobre os meios que o trouxeram à existência. Na medida em que para ela só existem signos. mas numa ordem que resulta da sua orientação teleológica. infinito. identificado com a vida de que os indivíduos e as colectividades empíricas representam as manifestações visíveis. senão mais importante. que se desenvolve da nascença até à maturidade. E substitui-se a história pela teoria. mais moderadas porque menos rigorosas. segundo as necessidades da vida ou as leis da natureza. que só conhece as relações e os seus sistemas. O espaço era para eles não menos importante. cuja maturidade durará eternamente e cujo desenvolvimento nunca se deterá. quando não a pertinência. tanto para os que defendem a abordagem espiritualista como para os que escolheram a abordagem pragmática.incide sobre a sua génese: por um lado. o bem e o belo. inerente à vida. que o tempo. Consideravam a humanidade. Tal é a mais simples definição do espírito. sendo um signo idêntico ao conjunto de diferenças entre ele e os outros signos. pois esta resulta da assimilação da humanidade a um indivíduo. Mas a perspectiva geral não lhe reserva qualquer lugar. para fazer triunfar os indivíduos ou os grupos melhor adapta- dos às ex1gencias desta. o verdadeiro.ou a única a par da psicologia . Ora a concentração na estrutura leva também a marginalizar e mesmo a eliminar a problemática das relações entre os sinais e os seus suportes.podia. por outro. tais como o espírito. como dividida numa pluralidade de grupos dispersos na superfície da terra e diversificados em função dos meios que ocupavam. se é certo terem sido declarações de intenção não seguidas de efeitos. sobre o seu lugar na história. evidentemente. o carácter limitado e incompleto da abordagem semiótica quando depara com um objecto que não se deixa reduzir aos signos que contém. deve em primeiro lugar ser não contraditória. pois eles não existem para os suportes dos signos numa ontologia semiótica. para libertar as grandes articulações e situar os semióforos entre os outros objectos. entre os quais Bloch e Febvre. dos suportes sem signos. que me parece caracterizar. do estruturalismo. são sempre insuficientes. Não reclamo a limitação das leituras. a sua influência foi duradoura. objectos cuja aparência. com benefício para este último. No tas finais Introduzirei aqui uma nota pessoal. pois é o reconhecimento do laço entre um objecto e o invisível que faz desse objecto um semióforo. foi necessário esboçar toda uma ontologia do mundo 92 ~-------------~-------------------\ visível. Vem depois toda a problemática das relações entre os destinos e os empregos. por muitas que sejam. os historiadores só se interessavam pelo escrito. na condição de ultrapassar a oposição entre a abordagem semiótica e a abordagem pragmática. um dos acontecimentos mais importantes. a descrição e. Menciona-se. como na de várias pessoas da minha geração. diferente nas diferentes classes de semióforos. É o que hoje se faz na prática da história cultural: na história do livro. embora tenha lugar num terreno diferente. a problemática das relações entre os semióforos e o invisível. empreendida por Vidal de La Blache e pelos seus continuadores. A promoção dos semióforos ao nível de objectos privilegiados da história cultural traz várias consequências. Portanto. sem que eu soubesse então exprimi-lo claramente. Primeiro o presente. No meu caso. de Trubetzkoi. para o qual remete. a teoria e a história. depois o passado. na trajectória temporal dos objectos em geral e em especial dos semióforos. da abordagem semiótica da cultura ou. É o que ilustra o contraste esboçado no início entre a obra literária e o livro. só produziu efeitos limitados. à abordagem pragmática. pois neste caso o problema do suporte e considerado sem razão como não pertinente. Continuo a pensar que o aparecimento desta abordagem abriu uma nova época na história das ciências humanas e que todos os retornos a abordagens anteriores e à sua problemática são apenas regressões e nada mais. Ora hoje assistimos a uma nova tentativa nesse sentido. sendo a definição do invisível. depois o invisível. A outra. introduzindo a noção de semióforo. só depois. como na época se dizia. Modifica em especial a importância respectiva da leitura e do olhar. Durante muito tempo. de forma tópica. mesmo nos domínios em que até há pouco só se estudavam os textos. de Jakobson e sobretudo de Lévi-Strauss.r -~- arquitectura e de todos os semióforos em que o papel de suporte pertence ao corpo humano. depois a função. não pôde ser aqui tratada e que no entanto é essencial. Também pertence à teoria o problema do lugar dos semióforos no conjunto dos objectos visíveis e das suas relações com as categorias diferentes destes. entre os produtores e os utilizadores. o que assemelha a abordagem semiótica à abordagem espiritualista e a opõe. 93 . e segundo a qual o estudo da cultura só poderia tomar inteligíveis os objectos tal como os percebemos na experiência. por fim. Uma ocupa-se dos signos sem suportes. nas obras de Saussure. Notemos de passagem que do que acaba de ser dito resulta ser esta que a história cultural deve privilegiar e não a sua génese. em certos trabalhos de história de arte. E foi o que tentei teorizar aqui. que se condicionam reciprocamente numa certa medida. A tentativa de os fazer sair para o exterior e de os fazer ver as paisagens. Mas os trinta e cinco anos decorridos desde os tempos de uma assimilação entusiasta das regras da abordagem semiótica apenas reforçaram a convicção que já nessa época germinava. foi na minha vida intelectual. A descoberta. A história cultural volta-se com efeito para os objectos e as imagens. nem coisas materiais. a localização ou ambas mostram que estão investidos de significados. em primeiro lugar. Primeiro o visível. o que leva a propor algumas regras simples. na nova história política. Primeiro a forma. na história das colecções. À teoria pertence em primeiro lugar o problema geral das relações entre a dimensão significante e a dimensão material. que. o tipo de objectos privilegiados pela história cultural de hoje: nem entidades ideais. na esteira desta. entre os significados virtuais e os que foram actualizados pela recepção. Daí um reequilíbrio das relações entre a leitura e o olhar. Ao mesmo tempo. que lhe confere este ou outro significado. Mas o que prioritariamente deve saber quem hoje pratica a história cultural é ver e descrever o que vê. Daí também o privilégio concedido ~ linguagem e aos textos. por falta de lugar. Ela é também inerente aos corpos. os seus papéis e as suas identidades. os comandos. mostrando os estratos provenientes. no caso dos semióforos. a menos que se trate de algo absolutamente novo. A historicidade caracteriza não só cada semióforo tomado à parte mas também classes inteiras. pois nenhum objecto pode passar a ser um corpo e a função de media só pode ser assumida mediante certas propriedades físicas. mais se encontram objectos que já prescreveram. que. significados. que faz com que em geral quanto mais um estrato é profundo mais antigo seja. entre as diferentes modalidades do invisível. as imagens. Da definição dos objectos. de uma outra época. mas porque sendo visíveis e portanto consideráveis e temporalizados. outras desaparecem. codetermina o seu significado. Mas pela mesma razão os homens e os seus comportamentos não poderiam ser encarados sem os objectos de que se servem e que co-determinam o seu lugar na hierarquia social. e cada classe de determinados objectos muda exactamente como a hierarquia que todas em conjunto compõem. por outro. coisas. Muda também o próprio número de classes. descurando todo o seu passado. não se podem encarar os objectos independentemente dos homens. não em termos substanciais. ao seu papel de intermediários entre os homens e o invisível por um lado e. quando não são abandonados como restos. ao mesmo tempo. Não porque remetam para um substrato metafisico de continuidade. A história está pois inscrita no presente. media e restos. às suas relações com os corpos. as coisas. Com efeito. assim como os significados de que estão investidas. coexistem objectos que não puderam aparecer simultaneamente. mantendo-se semióforos. mudam de lugar e de significado. Basta fazer um corte sincrónico no conjunto de objectos visíveis presentes na nossa sociedade para verificar que. a sua frequência. na medida em que lhe modifica a aparência e deixa vestígios na memória dos homens ou noutros semióforos. no sacrifício. 94 muitas vezes num mesmo espaço. legitimamente. que mudaram de função ou de significado. A imagem patenteada através de tal operação é pois comparável a um perfil geológico. A historicidade é por fim inerente ao conjunto dos semióforos. os lugares onde se encontram. subvertem-se. os critérios de hierarquização dos seus componentes e os lugares que cada uma ocupa na hierarquia. os papéis que os fazemos desempenhar. tais como os textos. os media e os restos. cada um. No entanto. ou se tomaram mesmo restos. por vezes também espacial. Embora a passagem de uma classe a outra não seja totalmente arbitrária. que. pois enquanto umas se formam. transformam-se. É por isso que.r . ao seu lugar na produção. lhes conferem funções e. Cada um deles tem a sua trajectória temporal. Cada objecto visível percorre a sua trajectória no tempo. o que é raro. no consumo. a sua sobreposição. criamos uma ficção. e também no conhecimento. h 95 . exactamente como ela o é na aparência de cada objecto. na adoração. e quase todos podem passar a ser uma coisa. os substitutos dos bens. as insígnias e os expósitos. ao servirem-se deles. a prova é a sua aparência exterior. aos quais se aplica tudo o que acaba de ser dito sobre os semióforos. a composição de cada uma muda. ou perdem a sua função. Mudam as relações entre umas e outras. deixam de circular e começam a ser utilizados como coisas. É por isso que quando tratamos o significado de um semióforo como se fôssemos os primeiros a explicitá-lo.I I Mas os semióforos diferem dos sistemas de signos especialmente quando no seu caso a história é o complemento necessário da teoria. qualquer objecto visível pode tomar-se um semióforo. segue-se que nenhum está ligado definitivamente à classe a que pertence em virtude da sua génese. na troca. mas em termos funcionais. é aqui substituída por uma distribuição horizontal: quanto mais nos afastamos de certos lugares. as suas dependências recíprocas e os lugares que ocupam numa hierarquia que formam em conjunto e que também muda. Herdeiro ao mesmo tempo de François Simiand e dos fundadores das Annales. Emest Labrousse distribuía os feudos e as prefeituras. revelou-se uma terra angustiante. Animado de um optimismo indestrutível. um ministro do Interior. tive de escolher um assunto para tese. historiador prestigiado e defensor de um projecto entusiasmante: o de deduzir o cultural da análise das técnicas. Emest Labrousse enraizava nos jovens investigadores a crença na possível detecção de um sistema simples de causalidade. depois. Eu pensava numa história dos gestos. pela autoridade de Emest Labrousse. Em 1962. projecto que pertencia então ao absurdo. a seguir a uma estada de vinte e sete meses na Argélia que me havia dispensado dos programas da agregação e me permitiu reflectir em liberdade. ou antes. comovente ambição de uma história total. Como outrora um suserano ou. No quadro desta departamentalização da história de França. Com 97 . este apóstolo da história quantitativa e de uma história ainda não baptizada de serial. depois apreciada pelos historiadores americanos em virtude da sua aparência de conservatório. O campo da história contemporânea estava dominado. e Bertrand Gille foi encarregado pelo mestre de dirigir a minha investigação. em França. recebi por encargo o Limousin.DO LIMOUSIN ÀS CULTURAS SENSÍVEIS Alain Corbin A impossível «história total» e a tentação da antropologia \\ I I ! ( ~. operada na salvaguarda da objectividade. já criticada por Jacques Rougerie. das estruturas económicas e do jogo da conjuntura. Esta vasta região. Convidava o historiador a situar-se num ponto nodal de onde poderia desenvolver-se um esquema elucidativo que explicasse a totalidade. preconizava a assombrosa. colheitas. caça. A história dos comportamentos políticos não é unicamente a da difusão das ideologias. Surgem várias lacunas no trabalho passado: um estudo mais subtil das relações de autoridade no interior da família e da comunidade dos lugarejos é o que se impõe de futuro a todo o investigador desejoso de descobrir as redes de solidariedade. de policultura de víveres. fabricada pelas elites parisienses. 98 dos sistemas de normas. o cesarismo democrático permitira exibir a identidade política de um campesinato vermelho. interrompido dois anos pbr um inquérito oral que me permitiu compreender melhor o objecto da minha investigação. de que se apercebe claramente constituir de futuro um precedente indispensável. Entre 1770 e 1850. finalmente. as estatísticas elaboradas no século XIX cedo se revelaram desprovidas de valor. voltei a esta terra. a granel. maneira de transgredir um dos mais evidentes tabus da disciplina: o que consiste em pôr em causa a sua própria investigação. a configuração dos antagonismos e as modalidades do exercício do poder no seio da sociedade rural. facilmente assinalado entre o século XVI e o fim do século XVIII. A estrutura da família. Evoco-os aqui. dos mecanismos do rumor e dos outros canais pelos quais se transmite a informação. numerosos são os historiadores desta lenta evolução das sensibilidades. dedicar-me ao estudo de alguns processos importantes que me pareciam merecer investigação. para modelar as atitudes políticas.efeito. Para uma história do paroxismo e do horror A liberdade conferida pelo acabamento da tese permitiu-me. A rápida evolução dos graus de tolerância à dor e ao seu espectáculo autoriza a nova vulnerabilidade ao 99 . o socialismo que triunfa no Limousin no final do século XIX participa desta consciência identitária nascida da depreciação. Nesta região de pesca. De Emmanuel Le Roy Ladurie a Pieter Spierenburg e Denis Crouzet. dos anos 1960 (1962-1972). Em suma. o comportamento biológico. desde a alvorada dos Tempos Modernos. Mais grave: a imagem depreciativa. publicada em 1975 sob o título Archai'sme et Modernité en Limousin au XIX' siecle 1• No Verão de 1988. da pesquisa de que Maurice Agulhon esboçou o processo em La République au village. Antes dele. Levantava-se um dilema: limitar-se a uma investigação artificial e medíocre ou descobrir outra coisa. antes. Longo trabalho. 2 vol. igualmente decisivas revelam-se a análise das lutas de poder que se desenrolam no quadro da localidade e a dos processos de inscrição das clivagens nacionais no jogo destas rivalidades. 1975. o imaginário do espaço e a elaboração da imagem regional não haviam sido suficientemente considerados. quase unânime no seu apego ao imperador. A percepção desta maneira de reinterpretar os grandes debates e de os vergar ao serviço de apostas específicas implica um conhecimento sólido das relações interpessoais. para evitar a falaciosa construção a posteriori que esconde a noção de itinerário e para evitar também a esclerose que a atenção voltada para a sua própria história não pode deixar de causar. contribuiu para forjar a identidade regional e. faltavam aos Limusinos do início do século XIX · o papel e o saber para ser possível desenhar de uma maneira científica os ritmos da conjuntura. Riviere. O Limousin. profundamente interiorizada. o sistema de crenças. Os habitantes da região revelaram-se incapazes de elaborar uma contra-imagem capaz de a valorizar. a permuta e a troca de serviços. não resulta apenas dessa propagação ou. a rede das tensões e solidariedades no seio da comunidade de aldeia e de lugarejo e a identidade política prenderam-me alternadamente a atenção. nesta terra de trigo e de castanha. Daí o resvalar para uma história cultural que não ouso qualificar de antropologia histórica. 1 Paris. a detecção do movimento dos preços e sobretudo da produção e dos rendimentos transformava-se em pesadelo. há um terço de século era difícil conduzir o estudo sistemático das representações do espaço. foi vítima de uma imagem negra. de uma população obsidiada pela provisão. No decorrer do meu trabalho. a ascensão da intolerância ao espectáculo do sofrimento desenham o primeiro destes processos. recebida do exterior. o processo de alfabetização modulado segundo a prática da migração temporária. A lenta desagregação das formas rituais do massacre e do suplício. do território. enquanto o humanitarismo se afirma e se aprofundam as exigências da alma sensível. de criação familiar do porco e de aves. desde 1973. da sociedade e da política. dá-se uma verdadeira oscilação. de natureza antropológica.ga~a. na sua inobservância. mas o de discernir a mutação das formas do desejo da prostituta. A literatura de horror que triunfa no romantismo negro contribui para exorcizar a crueldade. A percepção do mundo da miséria encontra-se ordenada pelo sentimento de estranheza monstruosa de uma base social. feita da percepção de uma distância cultural. a repulsa em relação à crueldade estimulam a inovação. Em 1832. Nesse dia. para operar uma desrealização da violência. Novas figuras do monstro. . o massacre diurno. parece-me. e é assim com todos os processos de distinção que entram na composição das imagens de si. Em 1870. 1982. brutalmente revelada pelo excesso de crueldade. modifica radicalmente os processos de suplício. e as matanças expulsas da cidade. Mas a evolução não se dá ao mesmo ritmo no seio do corpo social. os combates de animais proibidos na capital. não completamente desligada. a exposição é suprimida. acompanhar sistematicamente esta história do excesso. 1978. repetimos. Thermidor et la Révolution. do horror e da teratologia. a marca a ferro em brasa é abolida em França. e Champs-F1ammarion. o que em 1978 me levou a escrever Les Filies de noce3 não era tanto o projecto de fazer o quadro da prostituição no século XIX. acentua a estranheza dos comportamentos do Outro. 1986. Além da estranheza aparente dos sistemas de representações sociais e políticas em função dos quais se desenvolve a crueldade. contrarirnmente ao que se produziu em 1792. ser estudada nas suas frustrações. O desnível dos comportamentos acusa a distância cultural. como o trabalho das aparências subtilmente traçado por Philippe Perrot. e Champs-F1ammarion. julga-se. Bronislaw Baczko soube analisar. com esse propósito. pela sua instantaneidade. supliciaram durante duas horas e depois queimaram vivo (?) um jovem nobre acusado de ter gritado: «Viva a República!». A acentuação e a mutação da figura do monstro obsidiam os dois primeiros terços do século. A sexualidade masculina que cria a prostituição devia. Entretanto. A percepçao de uma distancia cultural. a revolta do ser confrontado com o que existe de abjecto no homem. A dissociação espacial operada entre o abate e o comércio a retalho põe fim ao espectáculo público do derramamento de sangue. 1982. Tal história não pode ser desligada da do imaginário social. O livrinho que recentemente intitulei (1982) Le Miasme et la Jonquille2 não tinha por finalidade estudar a história dos perfumes. o sentimento d horror que se apoderou de todo o corpo social. Aubier. convinha analisar a recepção do crime. no campo da feira de Hautefaye. das manifestações toleráveis do político. do «Canibal». A guilhotina. Parece-me difícil compreender o século XIX sem estudar mais adiante esta rápida deriva que confina com um passado longínquo de horríveis comportamentos de crueldade. O sistema das emoções experimentadas e a sensibilidade decretada entram no desenho da figura de si e da do outro. isto é. Em 1848. 100 101 2 3 L Paris. A repugnância. pequena aldeia da Dordogne. longe das autoridades. cometido a 16 de Agosto de 1870. a dissecação foi regulamentada. trezentos a oitocentos camponeses. dos laços que a prendiam à animalidade e em que os seres que a compõem só dificilmente podem aceder ao estatuto de pessoa. permite além disso à sociedade abrangida acalmar a angústia pela execração dos monstros.r sentimento de horror. entre 1988 e 1990. Comment sortir de la Terreur. essa renovação da teratologia. a guilhotina deixa a praça de Greve pela barreira Saint-Jacques. Aubier. dominam o imaginário a seguir aos massacres da Revolucão. do paroxismo. na esfera da barbárie. Conservam-se apenas o gosto pelo espectáculo macabro e a contemplação do cadáver da morgue. num livro magnífico. perante comportaeentos que parecem vindos do fundo dos tempos. reunidos por ocasião de uma feira. Conviria. As clivagens sociais acompanham a tomada de consciência de uma diferença radical. O «mau cheiro do pobre» não constitui senão um dos aspectos desse refinamento da delicadeza. Paris. relega-o para as franjas da animalidade. A afinação da sensibilidade no seio das elites rejeita o outro. realizado num :spaço descoberto. Foi à percepção deste desvio que me apliquei. O estudo dos últimos sobressaltos da ferocidade colectiva autoriza a percepção da mutação das sensibilidades. Do mesmo modo. há pouco geradores de alegria. através do estudo do crime de «canibais». No ano seguinte. mas a maneira como a utilização do olfacto entra nos processos de elaboração do imaginário social. já ~ão entra na . inocenta o matadouro. isola-o na proximidade da morte. as que resultam de sistemas de apreciação. da flora. A simultaneidade de comportamentos desnivelados desqualifica uma generalização apressada. Foi o que determinou os prazeres do campo. Aqueles que primeiramente se interessaram por ela. 4 Paris. Ora. a este respeito basta pensar na fabricação da imagem da suíça. do sublime ou do pitoresco. reo. isto é.na maior parte geógrafos . fazer leituras radicalmente diferentes da paisagem que se desdobrava sob os seus olhos. nacionais. Des e meados d o secu entra na construçao daS entidades locais. um outro importante processo conduz a evolução das sensibilidades e a das representações: estou a falar do prolongamento infinito da duração geológica. Elaborou-se uma história ecológica estreitamente associada à dos modos de intervenção do homem. Em suma. Foi o que me fez tomar consciência do trabalho necessário à redacção do Territoire du vide ( 1984-1988) 4 • Conviria analisar mais adiante como se amalgamam e interferem os múltiplos sistemas de representações do ambiente e da sociedade. ascensão da ansiedade biológica e a sua focalização no perigo vené. o que leva a elaborar todas as tácticas que vão da caça à paisagem pitoresca e que nos esforçamos por encerrar num quadro ou numa fotografia. As grelhas de leitura da paisagem que variam ao infinito e se dispõem confusamente têm cada uma a sua história. o que compete à morfologia e à ecologia. ao mesmo tempo. contribuiu para desenhar a fisionomia da prostituição «fim de século» e para determinar a condição da mulher venal. 1990. e Champs-F1ammarion. ordenou a emoção suscitada pela imensidade do mar. Ora a noção de paisagem é múltipla. segundo a tectónica. Há as que. Para uma. Esta revolução sem precedente modificou radicalmente os sistemas de percepção e de apreciação da natureza e. Duas pessoas sentadas num rochedo. o que correntemente se chama paisagem é indissociável da sua representação «artealizada». A. as formas do relevo. o do sábio geólogo.da aparenc1a d a sed . para a outra. da fauna. 102 ' lo XVIII que a pmsagem . segundo os sistemas de produção e de troca. Sabe-se tudo isso. da mecânica do olhar e. No decorrer dos séculos. A história cultural é feita destes entrelaçados. A história da paisagem privilegiou durante muito tempo a vista. da desenvoltura e da cegueira. Ao mesmo tempo que as representações entrelaçadas do tempo e do espaço. A fascinação recentemente exercida pela fotografia aérea traduzia o triunfalismo de uma ciência ávida de objectividade. a sua transparência e o seu contacto. sem nunca se reflectir suficientemente na vastidão das consequências desta mutação. frente ao oceano e mergulhadas uma e outra na sua contemplação. regionais. suscitou paisagens marcadas pela estratigrafia. A confusão das leituras da paisagem I \ l I I I L Enquanto cede o limiar do intolerável. ela própria evocadora de sabores. provêm do deleite. a visão e o gosto do pitoresco transformam-se de acordo com essa renovação.começaram pelo que se impõe com maior evidência e 0 que à primeira vista parece mais sólido. as maneiras de perceber e apreciar a água. podiam. o resultado da usura do tempo. às formas da desatenção. ora existe uma paisagem sonora e uma paisagem olfactiva. também neste domínio a história é feita de sedimentação de sistemas de representações. Aubier. ou ainda a busca de ar puro. 103 --~ . Por isso a sua história surge confusa. das modalidades de atenção e de escuta. variáveis ao infinito consoante a diversidade das culturas. as maneiras de ser do indivíduo no conjunto que o rodeia. se modifica a configuração do horror. 1988. A título de exemplo. a evolução dos meios naturais.ao mesmo tempo que a ' uçao. indiferentes a tais finalidades. em busca dos arquivos da terra.Td A propagaçao . O desejo de saber. por exemplo. de que se tornou um atributo essencial. à busca do belo. o cartógrafo e o economista alimentaram projectos de domínio ou de intervenção que determinaram outras leituras. os rochedos costeiros figuravam os restos imutáveis do dilúvio. ao mesmo tempo. A história das paisagens foi em primeiro lugar a da maneira como se construíram e como evoluíram. Impôs-se a pouco e pouco a noção de uma paisagem vista em primeiro lugar como uma leitura sujeita à evolução dos desejos. o estratígrafo. cerca de 1800. do deserto ou da floresta. são as modalidades do bem-estar e as figuras do desejo que então se modificam. o sinal da infinita sucessão dos ciclos geológicos. Depois as interrogações complicaram-se. também eles sujeitos à influência dos códigos estéticos. pode felizmente contribuir para tais projectos. Paysage sonore et culture sensible dans les campagnes au XIX" siecle. Albin Michel. a própria qualidade do silêncio associam-se a uma série de sinais sociais. a importância dada às percepções do ouvido -. os dos pássaros . Para levar a bom termo um tal desígnio. Limitar-nos-emos aqui ao exemplo da sociedade rural do século XIX. ultimamente. Este inquérito não se baseia apenas na convicção da historicidade da gama dos ruídos e dos sons. Poder-se-ia. do circuito. não parei de reflectir nas histórias emaranhadas das representações e das práticas do espaço e. a das representações do meio e a dos usos quo5 I L L . O mesmo ~contec~ com tudo o qu~ diz respeito à his~óri~ da atenção prestada as sonondades e ao sentido que se lhes atnbut. de tácticas de salvaguarda. de modos de deleite. Acompanha a da cultura somática· os prazeres do corpo na montanha ou na praia. os ruídos da natureza . o prefácio e os cânticos impregnam a memória dos auditores e sugerem muitas árias profanas. evocar a especificidade dos ruídos do Car- 104 105 O poder de evocação das sonoridades desaparecidas I I I \ I De 1984 a 1994. cuja história é inseparável da dos ritmos biológicos. modulada consoante as dependências sociais. Por isso. pressupõe que se considerem hábitos perceptivos que desenhem uma cultura sensível. Estão sujeitos a factores externos. com efeito. impõe-se a influência dos «dadores de tempos sonoros». nem pode resumir-se à simplicidade do inventário sonoro.. A história social u de a tomar-se a dos processos de construção das identidades. Paris. como noutros. isto é. se tomam a arranjar e se desfazem. convém interrogar-se em primeiro lugar sobre à natureza. da exploração e de todas as formas de percurso do espaço. Ora. O historiador deve pois aplicar-se a discernir a sucessão e o emaranhado deste conjunto de dados objectivos.o do galo. "dianos. Estes sincronizadores sociais variam segundo os dias da semana. as emoções do deslizar no gelo contribuem para a ordenar. Sabe-se que estes não dependem estritamente de um relógio interno e central. esta história foi. mas também os ruídos de vizinhança. na do espaço sonoro5 . de arranjo e de criação que constituem a paisagem. A sua história está sujeita à das modalidades do passeio. na primeira fila dos quais se impõem os sincronizadores sonoros. o pano de fundo em que se destacam os ruídos e os sons que toma mais ou menos perceptíveis. Neste meio. das maneiras como estas se constituem. o silêncio das actividades e o quase-monopólio das sonoridades próprias da igreja garantem a autonomia da paisagem dominical.pois o ruído acompanha o movimento . Implica conhecer o equilíbrio estabelecido entre os sentidos . Este constitui. o chantre é uma personagem respeitada. -.. a qualidade da escuta. Mas o seu interesse não se limita a isso. as formas de aventur~ submarina. quase totalmente negligenciada. como durante muito tempo se julgou. e o ambiente sonoro do dia determinam os ritmos biológicos. as modalidades da atenção. de códigos de apreciação.Mas a paisagem é também indissociável das práticas que detenninam a sua apreensão. inten dividuais ou colectivas. Esta disponibilidade auditiva contribui para explicar a influência do canto de igreja nos ouvidos campesinos. da viagem. segundo a sua própria intensidade. é evidente. da excursão. Nos campos do século XIX. assim como os sistemas de apreciação da sonoridade. os ritmos. e a das maneiras como se desenham as representações e se organizam as relações sociais. de desejos. no comer e na actividade sexual. Os sinos. em especial por Chateaubriand e por Michelet. com efeito.na ocorrência. 1994.e o esquecimento do poder de evocação das sonoridades desaparecidas. de maneiras de intervenção. É também o calendário sonoro do ano. exactamente como o sineiro. nesta perspectiva. as qualidades e os significados do silêncio no seio do espaço e da sociedade considerados. tão destacado recentemente pelos românticos. Convém destacar a relativa desenvoltura a propósito do que animava o meio em redor . Em Les Cloches de la terre. mostrámo-lo a propósito dos sinos. As antífonas. os patamares de tolerância em relação ao volume e à frequência das mensagens. Entre estes. de que se mostrou a influência no dormir. Em suma. A história dos espaços e das paisagens sonoras contribui muito para a das emoções. Curiosamente. a história das paisagens sonoras. Como o sino. Cria-se na interacção daqueles que habitam a cidade. em larga medida. 107 . caldeiros e campainhas é também um elemento essencial da paisagem sonora das sociedades rurais. Os gestos sonoros informam igualmente sobre as maneiras de viver o espaço. Os ruídos do quotidiano designam e balizam o território do agricultor ou do artesão. li li I li naval e. a centralidade autoritária dos sinos. de cheiros. Sobre este pano de fundo. Resulta. A cidade assim sugerida por fluxos de sensações. o tambor e a corneta. É continuamente apreendida através do filtro de mitologias. tanto quanto o seu desenho e as suas perspectivas. a sua cultura sensível. a anarquia sonora das matracas e a libertação dos sinais individuais substituem. durante esses dias. a sua mais ou menos estreita submissão às nostalgias e à fascinação do imaginário. Acontece também frequentemente com os ruídos e a algazarra que sancionam as condutas de embriaguez. como os da família ou da comunidade na aldeia. também. A riqueza da paisagem sonora resulta da escuta atenta. A intensidade sonora de todas estas mensagens. a percorrem ou visitam e lhe conferem uma multiplicidade de sentidos. facilita aqui a leitura e a influência dos sinais. de um emaranhado de leituras simultâneas que constituem outras tantas paisagens. do carrinho-de-mão ou do moinho. e segundo os ritmos sonoros da colectividade. os quais ele precisa continuamente de interpretar. O ruído dos passos. A apreciação sensorial da cidade não poderia. Estes. do postigo. A maior parte dos ruídos indica ao auditor que movimentos ou deslocações se estão a dar. Detenhamo-nos alguns momentos neste assunto. cujo uso tem a sua história. a qual só pode ser parcial. eles próprios arrastados num deslizar incessante. dos processos identitários. as onomatopeias e o piar das aves. reduzir-se a uma arquitectura de pedra. do machado ou do maço. do martelo. O ruído das próprias coisas é recebido como um signo identitário que marca as memórias. de ruídos. o dos tamancos e. Daí. apercebida nos seus movimentos e nos seus ritmos. desenvolvem-se os ruídos e os sons da actividade quotidiana. a dificuldade de fazer a história da cidade. de todas as práticas de itinerância. O uso dos sentidos e figuras da cidade Este exemplo tende a recordar que a história cultural engloba a partir daqui uma rica antropologia sensorial em que o campo mais trabalhado é constituído pela cidade sensível. As chamadas e ordens ao animal. Participam. do sino ou do cântaro. A espacialidade urbana não existe em si mesma. que visa a constante decifração dos gestos e das condutas sonoras do outro. Acontece que hoje eles entram deliberadamente na gama dos sinais destinados a identificar a região. Quer se trate da roda da carroça. que as normas da civilidade ainda não vêm amortecer. consoante os seus hábitos perceptivos. contribuem poderosamente para a riqueza da paisagem sonora dos campos franceses até meados do século XIX. como se sabe. isto é. os nomes que se lhe dão. a gama das suas ansiedades e dos seus cuidados. Resulta de um fluxo incessante. Os seus ruídos. visa proclamar a autoridade e destacar o domínio exercido sobre um território. com maior razão. bastam para designar os indivíduos. momentânea e determinada por práticas de espaço específicas.I I I I. humanas e animais. Significam a posse dos elementos da terra. o das vozes. do carro. repetimos. Os numerosos trabalhos consagrados ao charivari destacaram a maneira como esta prática visa significar a influência temporária do grupo juvenil na comunidade de que tem por missão assegurar o respeito do sistema de normas. resulta também do sentimento de que excede os limites da apreensão perceptiva. pois cada um dos que a vivem realiza com essa cena quotidiana uma montagem que lhe é própria. de rituais preexistentes. mas a algazarra conseguida com caçarolas. a uma natureza morta. os seus odores e o seu movimento constituem a identidade da cidade. os do período que vai da Quinta ao Sábado Santos. Ultrapassa em muito essa materialidade. como acontece no seio do espaço de vida da burguesia. a paisagem sonora é 106 r então essencialmente constituída por objectos móveis. da porta ou da fechadura. Em muitos lugares. ensinam muito quanto aos processos de construção das identidades. mais ainda. e esse é um outro problema desde há muito levantado por Timothy J. decretar hoje as divisões desse saber e proceder às exclusões. estes textos não deixaram de ensinar a perceber a vida modema. melhor informam sobre o que liga o uso dos sentidos às figuras da cidade? Que tratamento reservar aos códigos estéticos. compreender o imperceptível e o indizível no seio do que constitui um quadro fixo. Trata-se de um imenso território mal descoberto. portanto. É disso prova a flexibilidade das noções de mentalidades. o que impõe. a das ideias. A quebra da duração do trabalho. 108 r A história da cidade sensível encontra-se assim. as modificações do ritmo nictemeral e das modalidades de aparecimento das estações. . dos sistemas que lhes regulamentam o funcionamento. eles próprios. quer se trate da Dublin de Joyce. isto. as formas de domínio ou de dependência e a própria textura da existência. a fim de melhor discernir. uma vez que estas correspondem em primeiro lugar a um projecto literário que provém da ficção ou da criação poética. Baudelaire. de esticar ao infinito a cadeia que une Edgar Poe. O mesmo acontece. de antropologia histórica.. o recuar das sequências de vida polícronas.. A delimitação inicial. dos saberes e da sua distribuição . a das práticas culturais e dos conjuntos de normas que as ordenam. é toda ela mobilidade. a imposição progressiva de uma leitura linear do tempo e. a reconstituição dos processos em função dos quais essa montagem foi realizada. Assim concebida em relação com a individualidade da diligência. manejar as fontes que. o enriquecimento e a satisfação da curiosidade dão-se no desenrolar da busca conduzida por cada investigador. em primeiro lugar.que os transformou. pela detecção da lógica dessa construção. às tradições retóricas. de representações. o que provém do cliché. qualquer tentativa de definição só pode ser artificial. Mas não está no nosso propósito entrar aqui no interminável debate sobre a anterioridade das formas colectivas do desejo e a autonomia das lógicas económicas. a aceleração das cadências e das velocidades. Sem dúvida . O mesmo acontece com a história cultural. ignorando a extensão social e até a própria consistência de tais leituras. bem como de outros dados. o aumento da intolerância ao atraso e da impaciência. modificaram radicalmente a estrutura temporal das sociedades. muito poucos à dos seus usos e à mutação de ordem antropológica. da Nova Iorque de Dos Passos ou da Buenos Aires de Robert Arlt. feita num emaranhado de tempos sociais. mais que outras. assediada pelo anacronismo. o investigador de hoje corre 0 sério risco de interpretar o espaço sonoro da rua de acordo com as modalidades de uma escuta contemporânea sujeita a formas de recolha cuja imposição constitui um facto histórico recente. desde que foram publicados. dos agentes que as animam. a apreensão perceptiva e emocional do espaço urbano? Privilegiá-los será talvez correr o risco de fazer essencialmente a história das retóricas da modernidade urbana. Consagraram-se trabalhos brilhantes à história da medida e da conquista do tempo. uma história cultural poderia ser alimentada pela deter109 . da Paris e da Londres de Céline. Walter Benjamin à «cidade sensível» de Pierre Sansot. Marx. evocadoras da vida modema. as novas exigências de exactidão. com mais forte razão.que anteciparam o devir da cidade e incitaram os arquitectos e bem assim os administradores a conceberem e construírem cidades já esboçadas no imaginário. Resta a história das representações e dos usos do tempo a que mais especialmente me dediquei no decorrer dos dois últimos anos. com o tratamento das grandes obras-primas da literatura romanesca do século XX. As histórias culturais actualmente elaboradas são múltiplas: a dos objectos culturais. Deste modo. do eixo ou da simples manutenção de uma tradição retórica. No entanto. a das instituições culturais. à primeira vista. aos sistemas de representações que contribuem para determinar a apreciação.Como. isto é. a analisar e a efectuar as montagens que acabo de evocar.. portanto..sem equivalente desde o Neolítico . Neste campo. e mal se percebe como especialistas que têm exactamente por finalidade analisar as instâncias e os mecanismos de legitimação poderiam. da Berlim de Dõblin. Clark. quando a apreensão perceptiva da cidade. O historiador não pode porém agir de outro modo que não seja utilizar os vestígios sujeitos eles próprios à montagem realizada por quem os construiu. Haverá objecto mais decisivo de história cultural? Verificamos hoje uma incerteza na denominação dos campos no seio da disciplina histórica. Existiram. do estudo das modalidades do bem-estar. Ver também. de angústia e de horror que fragmentam as sociedades é indispensável neste domínio. 1979. 110 111 7 1 . das maneiras de sentir a dor e também de se preservar dela. e. muitas ideias ambiciosas. evitar a crispação e a reprodução estrita. indissociavelmente ligadas. 2 É em todo o caso o partido que quis manter nas obras de que resumo aqui as contribuições e onde se encontrarão as referências pormenorizadas de todas as afirmações produzidas. por outro lado. le Désir et I 'Horreuró. Num tal projecto. La Défaite de la pensée. por ver «subordinar as capacidades activas a antigas capacidades extintas que. Paris. Aubier. uma vez que por excepção é aqui permitido falar na primeira pessoa. que nunca decidi escrever história «cultural». 201-202. concebida ao mesmo tempo como a das representações do eu e do outro e como a das sensibilidades. 1992. Paris. talvez com o único fim de não ver pôr a sua existência em questão» 7 • MARIANA. Gallimard-La Découverte. dos desníveis geradores de figuras de desejo. pp. uma vez que nos pedem para falar dela numa antologia de exemplos e de experiências reunidas sob o título Para uma História Cultural? Pode-se responder. Expliquei-me mais demoradamente sobre isto em Le Temps. para uma exploração mais extensa das relações entre cultura política e vida popular. 1989. os antagonismos. Diria no entanto. Paris. Le Curé de village. Mas os exemplos aqui propostos admitem todas as outras maneiras de agir. l' imagerie et la symbolique républicaines de 1880 à 1914. o volume colectivo Cultures et Folklores républicains. Gallimard. para figurarem na cultura de sentido nobre.minação da existência e da evolução de hierarquias sensona1s. OBJECTO DE «CULTURA»? Maurice Agulhon Mariana. como é evidente. 9. sem se limitar a escolher entre os sentidos talvez antagónicos da cultura-como-pensamento e da cultura-como-prática-social1. 6 Paris. ver Alain Finkielkraut. Marianne. objecto de «cultura»? Por que não. Pocket. as denominações tradicionais dos elementos do campo da investigação histórica são levadas a fundir-se como num crisol. alteram ou desnaturam em geral as concepções que lhes são sujeitas. à volta da representação da República. Flammarion. em colaboração com Pierre Bonte. este herói de Balzac sofre. l'imagerie et la symbolique républicaines de 1789 à 1880. É possível reler as tensões. da distância. Levado a dirigir um olhar ao seu itinerário intelectual. julgando agirem melhor. da análise dos patamares de tolerância. Flammarion. Paris. Estas investigações. 1991. Se bons peritos. com efeito. p. que provêm do que Lucien Febvre recentemente baptizava de história das sensibilidades. Paris. deviam ser apoiadas por estudos sólidos saídos da história do imaginário social. Marianne au pouvoir. neste campo. edição comentada por Gérard Gengembre. é conservar a disponibilidade. Honoré de Balzac. A percepção dos desvios. 1994. O essencial. muitos costumes e ritos para merecerem ser integrados num folclore muito francês2. Marianne au combat. Paris. visages de la République. de sistemas de percepção. acompanhadas de algumas obras de arte. de apreciação e de emoções. mais peritos que eu próprio não sou em 1 Sobre esta distinção. Comité dos trabalhos históricos e científicos. 1987. 1995. Que os jovens historiadores compreendam a mensagem do engenheiro Gérard. os conflitos e as solidariedades à luz desta história cultural. que dependia da sociologia -. não serei eu a descobri-las . A ideia de dar traços de mulher à abstracção Liberdade remonta de facto à Antiguidade greco-romana. esta conclusão derivava da história das «mentalidades colectivas».da República. que contém o essencial da tese aqui evocada. construir e depois destruir um manequim. Le Seuil. 3 Uma cena deste género estava já referenciada e comentada na minha République au village (Paris. Porque. Não voltarei aqui às razões que outrora me levaram a trabalhar para uma tese de doutoramento de Estado sobre a adopção da opinião republicana por uma porção apreciável do campesinato provençal. é melhor estudar o facto bruto desta representação em todas as suas metamorfoses nacionais. para fazerem representar o papel já histórico da «deusa da liberdade» («deusa razão». disfarçar-se. de carne ou de cartão em 1850. ainda hoje visíveis. nas paredes dos seus locais de re~~ião.na própria Provença . mas trazer alguns novos conhecimentos e produzir reflexões que possam ter. rebeldes depois perseguidos. atirar para o ar tiros de espingarda. construir ou demolir em conjunto um muro..feminina . de todo o expressionismo republicano então registado. consolidava-se em bronze cerca de 18894 . de tempos a tempos. Do pitoresco provincial ao emblemático nacional Mas aqui o trabalho da história devia bifurcar. foi pois sob a rubrica «mentalidades» que me recrutaram quando um princípio de notoriedade me permitiu ser recrutável.da mesma forma entre os camponeses ou entre os «senhores». A «deusa». Plon. são outras tantas práticas cuja evocação podia fornecer o pitoresco «colorido» que repousa o leitor de páginas mais áridas.. Antes de saber como e porquê se diferencia na extensão dos séculos e na dos territórios a atenção dada à deusa República. valor de explicação. após o 2 de Dezembro. cujo maior interesse é serem «diferenciais»..epistemologia ou em história da história. cerca de 1848. não o contestarei. pedra a pedra. O outro interesse do trabalho consistia numa certa atenção às formas de expressão das ideias assim adoptadas: desfilar. que uma canção em occitano 112 r I I Jhe chamara «Mariana» e que este nome entrou na sua língua. se um certo grau de exuberância ao redor da «mariano latria» era provavelmente muito provençal. nem da mesma maneira na Provença como em Paris e . assim transformada em representação . punham de bom grado a sua imagem. as do arquivo e a do cenário. reed. Apenas registo nas minhas recordações o encontro. A explicação proposta. a República-mulher impunha-se à nossa atenção na encruzilhada destas duas vias. cit. diziam com apreensão os burgueses e os prefeitos) 3. e a comprovação recente proveniente da paisagem: estes vermelhos exuberantes de 1848 a 1851. levav~ com muito gosto à fren~e dos cortejos uma mulher m1htante (hav1a-as. por vezes grosseiramente desenhada. essa explicação não será agora dada. e a ideia de substituir o retrato do rei e o selo do Estado real por uma «figura da liberdade».. o facto em si era verdadeiramente nacional. raras. 1979). quiserem considerar que 0 meu último campo de investigação e de estudo tem a ver com 0 cultural. Assim apresentada. Por que foi que. 4 Pormenores em Marianne au pouvoir. 113 I I . mas era ainda o mesmo «culto» e a mesma feminilidade. 1970. O essencial em história não é preencher rubricas. mas tanto ma1s preciosas). merecer ou honrar etiquetas. Assim. de uma convergência. concentrando o seu ódio sob o Império. em que se combinavam de maneira plausível razões de política pura com determinismos económicos e sociais afinal muito clássicos . é uma decisão da Convenção Nacional de Setembro de 1792. op. a minha curiosidade pessoal reteve com uma atenção mais insistente o «objecto» feminino? Se nisso existem razões inconscientes.mas com um avanço um pouco mais original no exame de «estruturas de sociabilidade». mas também fazer notar que não se era republicano em 1848 do mesmo modo que em 1793 ou 1900. sabiam que a República era mulher. haviam retomado o poder com a República dos anos 70 a 80 e erigido então nas praças públicas. cantar e dançar. Os camponeses «vermelhos» de 1848-1851. É a comprovação antiga retirada dos arquivos. estátuas ou bustos do novo regime personificado. que eu conhecia através dos arquivos. provavelmente esclarecedor. a de uma mentalidade antiga com um cenário mais recente. E irei até continuar. que representa a Liberdade. ao mesmo tempo patriota e radical. cinquenta anos depois de Delacroix. na Ora se as efígies da República têm geralmente o barrete frígio. Talvez um facto «cultural». de facto. em busto ou med alh-ao ) com um b arrete fr'1g10 · rnu cabeça. se tornou para toda a posteridade republicana o mais exaltante dos seus símbolos. por exemplo. é a inspiração que se supõe comum a todos os combatentes de Julho. as esculturas do cenário cívico simbólico. uma questão averiguada. por um lado. Do emblema ao símbolo Mais ainda que a dificuldade de documentação que se acaba de enunciar. todas as mulheres de barrete vermelho ou. ou para a praça pública. para uso interno (os «bustos da Câmara». têm os seus historiadores . Reciprocamente. inicialmente.. Delacroix. essa outra «representação» feminina que é a sua pe~sonificação em palavras. Seja como for. incluindo orleanistas. e que poderiam manter-se separados. nem ainda nos mais antigos bustos da Câmara5 • Estudar. um e outro provenientes da iconologia. consagrando deste modo entre o barrete e a ideia liberal a ruptura de um laço convencional que remontava à Antiguidade clássica6 • São 5 Sobre a desconfiança a respeito do barrete frígio (considerado muito popular e demasiado revolucionário) por parte da República moderada de 1849 ou dos anos de 1870 a 1880. «0 República. nos papéis timbrados das administrações públicas. etc. reportar-nos-emos a Marianne au combat. enquanto se faz de «Mariana» a parceira de diálogos mais familiares. As efígies do Estado nas moedas. As que possuem um estatuto de obra de arte. o «Ceres» de 1849. retirou-lhe o barrete. passar por intruso em tantos domínios especiais . nos selos postais. Maio·Junho 1977. o cartaz e sobretudo a caricatura de imprensa. sendo o verdadeiro problema o da sua interferência. em que toda a gente pensa). cujo tema é um dos fios condutores.. leva a um catálogo bastante absurdo de investigações especializadas. Finalmente. existem representações muito oficiais e muito difundidas da República francesa que não arvoram o famoso barrete. querendo-o completo. Não era simples reunir estudos tão diversos. E a mulher do barrete frígio passara de tal maneira a ser. a rnais célebre das quais é a de Delacroix. Bem se sabe. 115 . em pintura (Gros. La Gazette des Beaux-Arts. nas medalhas das condecorações. na poesia ou na canção. Bartholdi. na linguagem. por outro. 6 O nosso artigo «Bartholdi et le Solei!». Assirn.«Liberdade. as figuras clássicas que têm barrete frígio. Deve-se comparar ainda a massa enorme das figuras desenhadas pela gravura. «deusas» que se imploram nos modos da retórica de colégio.. ntariar? Pela sua forma? Ou pelo seu sentido? A forma é a de uma mveIher (figura de pé. Daumier.desconhecidos. conhecidos em algumas grandes cidades. obra-prima de Delacroix. Sem esquecer o conjunto de objectos e monumentos que nos haviam atraído em primeiro lugar.o que porém tentámos. Mas essa distinção retirar-lhes-ia muito do seu interesse. 114 Corno definir. Mas era abandonar a história regional pela história nacional. a da conceptualização bem depressa se revelou. pois o nosso objectivo era constituir em objecto de estudo a questão da representação-personificação feminina da nossa entidade política nacional. em 1830.. para completar. Por um lado. Falguiêre) possuem os seus. nem nas medalhas da Legião de Honra. os matena1s visuais a . não a encontramos de cabeça coberta nem no selo do Estado. todas as mulheres ditas República seria constituir dois dossiers relativamente simples. que quando Bartholdi quis traduzir em escultura a ideia específica de Liberdade Universal. descobrem-se nesta ligação do sentido e do emblema duas séries de excepções. O senti"do e' o da Repu'bl"1ca. a Liberdade que. que a Liberdade de 1830. utilizar os que existem e preencher os vazios dos que faltam. Henri Rousseau) ou em escultura (Dalou. querida liberdade . O estudo das formas desta representação. pelo menos durante um Verão. nem no primeiro (e portanto mais célebre) dos selos de correio franceses.. e a proble·~ática das «mentalidades colectivas» pela busca de um objecto que diremos provisoriamente «não identificado» . » . e era sem dúvida a escolha mais lógica.Foi a direcção que tomei. abstracta e transnacional.. que todos podem ver nos escudos dos notários. é lógico acrescentar à representação feminina stricto sensu. nas notas de banco. o emblema evidente da República francesa. com forma visual e plástica. ». mais notórios. mas quase ignorados nos sítios rústicos antes de os assinalarmos.. porém. para a significação de «França». Representaçao hm1tada.. a pintura e a gravura. Ver.. . Ousadia. institucionalizadas e eventualmente repressivas. se perder inteiramente a conotação inicial de liberdade. ridicularizada.concorde-se. O seu aspecto principal situa-se. com que profusão de sentidos! desde a República que se afi~a com a ajuda do povo contra o poder dos reis. a existir. Mas sem. Da História à Arte Que se trata muitas vezes de uma questão de Arte. • a. que não é (pelo menos para nós) evidente à partida. bem como a «recepç_ao» da mensagem pelos c1da~aos. a bela Mariana juvenil e animada 1ai . República francesa. no entanto. operariado. mas principal e cedo exclusivo) foi retirado do modelo preexistente da Liberdade. a dos nossos dois últimos seculos. E barretes frígios disputados entre partidos antagonistas. IS onca. tão necessária como perigosa. portanto. Por exemplo. etc. Este interesse. na própria 1deia de República. ela existe tanto no lápis do «reaccionário» de ontem como no dos da extremaerda do século xx. passando pela República. uma epoca a nossa 1stona nacwnal. um interesse para «marianólogo» mais que para «marianólatra» . Quanto à ousadia.d · d · po 1 1c~. Revue Tocqueville. luta popular pela liberdade e finalmente de Revolução. tes para evocar a extrema-esquerda de anteontem.mais científico que «republicano». cum grano salis. Estado francês republicano e até. É deste modo que ainda se verá por várias vezes no século XX «Marianas» de extrema-esquerda oponentes das «Repúblicas» oficiais. anarquistas ou bolchevistas. porque se abrange a escultura. um devoto de «Mariana». como procuraria eu restaurar um culto (-latria) da Mariana de então quando classifiquei (-logia) essa deusa proteiforme como inspiradora de mensagens tão diversas? Da Revolução libertadora à ~rança militar e colonial. O historiador que aborda o estudo de uma representação complexa e completa é forçosamente levado a introduzir-se na história da arte. ainda que para tanto tenha de combinar muita ousadia com um pouco de timidez. No entanto. e em suma de Representaçao que tratamos. proveniente da revolução de 1789-1792. guardiã da lei e capaz de repetir a revolta de todos os extremismos! 116 . deformada. De certeza que não me considero. mas. simplesmente. talvez até ajudem a percebê-las melhor. . quanto à servm an Mariana feia. nós próprios tivemos consciência de com maior segurança nos situarmos no imbróglio incrível do uso francês da palavra República7 depois de termos aprendido a decifrar as fortes e simples expressões que as artes proporcionam.tigaçã0 h' t' · . o nosso artigo «Républicain à la française». esse modelo derivou pois entre nós para 0 significado de «República». 1992-1. ainda que talvez o pensem. ao nível da interpretação. é preciso dizê-lo. Ultrapassando a Iconologia. As correspondências postas em evidência pela observação global entre uma determinada disposição formal e uma tendência ideológica não podem ser desmentidas por uma determinada escolha singular proveniente do temperamento irredutível de uma artista? Por exemplo. O modelo (não único. -esqu As representações visuais têm assim correspondência com as grandes opções ideológicas. ' · . Do seu significado de «Liberdade». c~muns. até à República instituída. vilipendiada. · . o verdadeiro interesse desta inves.pois_ estas interferências e estas evoluções que constituem a verdadeirMariana representada como majestade e solenidade foi sobrematena e a nosso ver. é portanto a da polissemia dos símbolos. mas legalista. é. cedo foi representado. porque há interesse tanto pelas criações como pelos objectos produzidos em série pela indústria de fundição e moldagem. . A primeira conclusão a retirar. noutros termos. a audácia da Liberdade de Delacroix provém inicialmente do entusiasmo revolu7 Já nos explicámos muitas vezes sobre este tema desde há alguns anos. Muito simplesmente timidez. atento ~s mtençoes os ena or~s e _dos que dec~dem. se arrolam ao mesmo tempo obras-primas e mediocridades. Esta história pode enunciar-se sumariamente da seguinte maneira: o novo ideal da França. dado que não se é formado nesta disciplina. conservando o contacto com a história l'f ' · . repetimo-lo. De facto. Eu diria. afinal. na verdade ' d h' . 117 -~---~~------- ---- . 'mbolo da República compreendida como democracia liberal tudo o SI ' ·ca e progressista. de novo Não se poderia enfim abandonar o dossier «Mariana» sem se deparar. Em monarquia. quando o Estado tem necessidade de figura. em República. É-o talvez também porque vai encontrar a reflexão sobre o grau de solidariedade que têm entre si as diversas actividades do nosso espírito colectivo. Essa an~ cívica pública foi pois criticada ao mesmo tempo pela sua mensagem e pelo seu estilo. e desde há mais tempo. a razão era evidente. ou bateram-se entre eles (Danton. Mas existem dificuldades mais gerais. Não será por isso que. domínio eminentemente de cultura no sentido mais usual da palavra. nos Estados Unidos. A elevação a heroína pelos seus está à altura da hostilidade que durante mais de um século lhe votou a parte da nossa nação que não queria a Revolução nem os princípios de 1789. ~e aqm a este respeito. Foi assim que a alegoria e as imagens republicanas foram alvo da coligação dos polemistas da direita contra-revolucionária. Robespierre). a figura do Estado. explicar esta diferença pela história e continuamos a pensar que está nela uma grande parte da verdade. não há derivação necessária! E os Estados Unidos da América.r r I! ~ionário da conjuntura? Ou antes do génio romântico do seu autor? Nem Britannia nem Germania tiveram. figurar Estado é «desenhar» uma abstracção. assim abatidas. Em França. de uma tradição republicana. as grandes «deusas» do final do século XIX tenham sido menos representadas no XX . O civismo americano exprime-se mais pela veneração dos «pais fundadores» (Washington. a temos de honrar na sua abstracção anónima? Mariana teria pois crescido em França. na origem desejada por uma minoria que levou um século a tomar-se maioria. etc. do século em que vivemos. Como venerá-los? A história dotou-nos. portanto.). como historiador. Enquanto a França foi uma ilhota republicana na Europa dos reis. contra uns. em que já não há reis nem imperadores.como se vê . embora eminente . vida tão agitada. Franklin. não viram nascer equivalente a Mariana. não fizeram tantas estátuas ou retratos do Estado republicano como nós fizemos. não só por causa dos reis. . tão bons republicanos como nós. mas também por causa dos heróis.. num sentido já um tanto alargado. tais como: as representações da liberdade. da pátria floriram na segunda metade do século XIX. ligada com a que se tem pelos presidentes mais notáveis (Lincoln). e a República americana. o que é um problema da cultura. à falta de poder honrar a República através de pais fundadores. mas também quase contra os outros. uma desconfiança directamente proporcional à sua grandeza. de uma certa maneira. ao mesmo tempo que desabrochava a arte académica impregnada de convenções dos antigos e de ênfase retórica. Aconteceu-nos. fundador e fundamental da Consti- 118 119 E um caso particular. que comporta. em relação aos «grandes homens». como é evidente. nascida com a própria Nação. ou personificá-la como «Mariana». respeito inicial. Jefferson.e nada mais diremos hoi . com a interrogação que hoje se tomou banal sobre a singularidade francesa. É que a República americana tem «pais fundadores» apresentáveis! A nossa República francesa não tem: os heróis da nossa Revolução ou se voltaram contra ela (Mirabeau. Afinal. guerra civil moral. ou então voltaram à monarquia (Napoleão). La Fayette). é normalmente a do soberano reinante. busca desvairada da Constituição ideal. Mariana foi em França tanto mais facilmente considerada heroína quanto levada pelo entusiasmo de um combate difícil.não é pois «cultural» só porque tem relação com a da Arte. Por outro lado. A excepção francesa. da República.! Mas qual foi a razão principal? Seria porque os fervores haviam declinado? Porque a arte banal tinha sido vencida? Ou por que dosagem das duas motivações? E com que grau de consciência nas convergências? A história do nosso objecto global . multiplicidade de peripécias políticas. Não é de admirar que. nem apresentaram o carácter próprio de uma percepção ao mesmo tempo conflitual (amor-ódio) e familiar (nome de baptismo). dos polemistas da extrema-esquerda anarquizante e dos sarcasmos de artistas de vanguarda apoiados pelas pessoas de gosto. É mais uma diferença entre a República francesa. Seja. mas daí a venerá-la como «deusa». Mariana não tem «irmãs» além-fronteiras 8• 8 . recorrer portanto a uma figura 0 alegórica e (na tradição greco-latina) feminina. . mais que outras: irneiro. no entanto) dos seus princípios da quase totalidade dos descendentes daqueles que a haviam combatido (a Direita. e já muito escrevemos para contar esta história. a quem colocar o barrete frígio? A «Prostituta» que se abomina? Ou à França que se exalta? Quem é «Mariana»? A megera que se vilipendia ou a irmã mais nova de Joana d'Arc? Podem encontrar-se aliás situações simétricas: uma extrema-esquerda conseguiu conservar uma ideia positiva da República. Mas toma-se mais grave se se passar da iconologia à ideologia.tuição única. de conservantismo autoritário e clerical. instruídos. tudo muda. modernidade através de uma longa guerra civil. e detestar a pátria por chauvinista. acompanhar os seus pormenores. porque passou a. da imagem à ideia. A confusão República-Pátria cria assim vários patamares de dificuldades. Era isto natural? Acima de tudo. de mentalidades colectivas. Quem sabe se não nos estamos aproximando aqui da forma contemporânea do famoso Mal Francês 10 ? Retomando aqui a reserva anteriormente expressa. forma actual e designação por perífrase da França. um acréscimo de legitimidade do esclarecimento com que contribui também. porque é da natureza dos povos civilizados. as controvérsias sobre a interpretação da Revolução. finalmente. oponível ao estrangeiro. entre Revolução e contra-revolução. Num tal país. legitimá-las. p~bora desigualmente. por seu lado.). Por exemplo. mesmo ammada de paixão. realidade geográfica. debateram largamente este tema. para falar com simplicidade. É bem uma outra razão ~lausí~el para que a ~magem da R~pública seja aqui. O general De Gaulle passou por isso. Plon. criadora da sociedade política. Talvez esqueça algo. só diz respeito aos criadores de imagens e de símbolos visuais. sistema e ideal político antónimo de monarquia (ou de ditadura. 121 . Existem tantas outras vias possíveis! Mas esta bem pode trazer algumas sugestões complementares e. em França. dissemos nós. etc. O mais simples é o da iconologia. porque a França foi muito cedo pluri-religiosa. e a «República francesa». todas as diversidades e todas as contradições são possíveis. e imperial. não concluiremos que a análise dos símbolos possa servir de análise à França. Mutabilidade dos símbolos. como bem se sabe. oferecia dúvidas que a mesma figura servisse para significar «a República». a República em França acabou por se impor e por conseguir a adesão ao seu sistema e à maior parte (não a todos. . mas pouco importa. de conteúdo político em geral que separam a história da França da história americana. o resultado desta imensa evolução é. Neste caso. se necessário. Mariana se se quiser. constituírem por isso mesmo um mosaico social. que opuseram François Furet aos detentores da tradição «jacobina». existiram sectores de opinião em que se professava ao mesmo tempo detestar a Repúbl~ca e venerar a Pátria. A França é uma sociedade complexa e. :pois. situada na ncruzilhada das influências antagonistas do pólo mediterrânico catóelico e das da Europa do Norte. e lá. Como se sabe. Em termos de iconologia. Não há nisso nada de dramático . por que não. uma mulher com barrete frígio.. como se diz). aspirava tomar-se o do Estado e da Nação. além-mar calma na serenidade da evidência. 120 r 10 Para retomar o título de um notável ensaio de Alain Peyrefitte (Paris. para o «grande problema». que o emblema mais usual da República. aqueles que os decifram na caricatura de imprensa e os que os comentam. O incrível imbróglio do discurso político francês desde há trinta anos em tomo das palavras «Républica» e «republicano» não deixa de contribuir para perturbar militantes e cidadãos.. tudo se complica pela chegada de novos dados. e levados a uma divisão do trabalho incrívele ente refinada.mvestlda e como colonda. 1976). Mas também não seria inoportuno reflectir nas consequências deste facto singular. flutuações e modalidades. como portadora da revolução humanitária. ' É evidente que para tratar os grandes problemas das diferenças de ideologias. 9 Nas vésperas do bicentenário. E por fim as inquietações francesas Existem várias. talvez. Foi no entanto o que se passou de facto. Na época em que nos encontramos. existem outro~ meios além do desvio pelo simbólico9 • Mas este parece-nos todavia sugestivo e receberia. por exemplo. e esta obra dá disso conta à sua maneira. Estudemos pois os factos. portanto.de conferir a uma pessoa viva. a história cultural produ_z mil novidades e anuncia-se como a história de amanhã. a que convem a um tempo mais desencantado e mais narcísico. tratar-se-ia de um outro elixir. obteve um certo êxito de difusão. barrete frígio na cabeça. impondo ao busto (quando não à estátua) da República uma série de verdadeiras mutações: mutações da plástica como é evidente. Mas se a questão é antiga. Com efeito. Talvez até a história cultural de hoje não seja exactamente a de ontem? Sob o mesmo rótulo. no vocabulário do gaulismo do que no da esquerda. Enquanto a história económica e social. I 123 J . 11 \ l i I I l Aliás. embora esse «tanto» tenha mudado tudo na nossa retórica e no nosso simbolismo 11 . vale a pena levantar a questão que convida a uma discriminação atenta entre o que a história cultural não quer ser e o que ela é. nas suas últimas metamorfoses. não deixaremos de prosseguir esta via. publicada há já mais de vinte anos por Armand Colin (1974). mas também mutações do papel e dos significados publicamente recebidos. sem falar de Maurice Crubellier e da sua Histoire culturelle de la France (XIxc-xx• siecle). por definição. a história cultural não é uma verdadeira nov_idade: sem sequer remontar ao memorável Rabelais de Lucien Febvre. Ilustraram-na vários historiadores da geração precedente. Mesma observação que na nota anterior. 122 SOCIAL E CULTURAL INDISSOCIAVELMENTE Antoine Prost A história cultural tem hoje um interesse muito vivo. Sob condição. 12 O busto para o município com a efígie da célebre actriz. o inquérito é possível. Mais que de uma descoberta. sem nos preocuparmos demasiado com os seus rótulos e sem especularmos demasiado com as palavras.r não por derrubar a estãtua da República. em preparação. tenham sido mais ou menos contemporâneos. Por um lado. de tomar de novo consciência do facto de que um quadro de Delacroix provém do cultural na acepção clássica do termo. o gaulismo promove um imaginário e um simbolismo visual mais concorrentes da tradição republicana. é o que dá que pensar aos curiosos da sensibilidade (ou das sensibilidades) nacional(ais). na obra de Robert Mandrou ou de Philippe Aries. pertence ao cultural dos antropólogos. seria necessário falar de uma redescoberta. e por outro lado lançou a ideia. Isto não nos desviaria no entanto do «cultural» que nos convidaram a expor. É nela que os nossos contemporâneos pensam encontrar resposta satisfatória para as suas curiosidades fundamentais. e que a marianolatria contemporânea. claro. Mas encontramo-nos no presente. posta em evidência por outros méritos. Pense-se. Que estes dois sismos. o político e o folclórico. mas por redesenhã-la um tanto. uma espécie de função de representação da França. Esperam dela uma abordagem global e pedem-lhe que esclareça o próprio sentido do nosso tempo e da evolução que a ele leva.outrora impensável . criado por Aslan. ) relativo ao período de 1914 aos nossos dias.. Está aqui em jogo a nossa identidade colectiva. preocupada com os grandes conjuntos e de compreensão ~lobal: se vê progressivamente abandonada. Em todo o caso.. O «fenómeno Bardot» também passou por isso 12. Como é evidente. como tal. é evidente que «República» e «republicano» tendem hoje a ter tanto lugar. Mas por outro. Aprofundaremos estes problemas no último volume (Marianne . busto que. ela é hoje colocada com uma acuidade e uma insistência novas. efeitos complexos. Saímos. do domínio da história para o de uma etnografia em que. ou mesmo mais. A história cultural e as suas vizinhas Sob este ponto de vista, é mais importante distinguir claramente a história cultural das suas vizinhas imediatas do que da história econóO:ica, ~ocial ou ~olíti~a à Labrousse. Com esta, de facto, as diferenças sao evidentes e Imediatas. Em contrapartida, é mais interessante procurar o que a separa de formas de história que se propõem objectos próximos dos seus e que, no entanto, procuram objectivos diferentes. Em primeiro lugar, a história cultural não deve ser confundida com a dos objectos culturais. Não que esta seja contestável: ela apresenta um enorme interesse e uma legitimidade assente. A história da literatura da pintura, da escultura, da música, do teatro, em suma, de todas a~ formas de arte, mas igualmente dos cartazes ou das caricaturas, é uma disciplina há muito tempo constituída, que possui os seus métodos, as suas problemáticas e as suas obras importantes. Mas antes de tomar com um Francastel, por exemplo, um significado maior no conjunt~ da sociedade, foi muitas vezes uma história sectorial, ocupada com elucidar o seu território próprio, sem grandes relações com a história geral. A separação institucional da história de arte e da história geral, em muitas universidades, mostra bem que existem dois caminhos paralelos que podem ser percorridos durante muito tempo sem convergirem. E o mesmo com a história das ideias. Desde há muito que produziu obras importantes; estou a pensar, para só citar grandes clássicos, em La Crise de la consciente européenne de Paul Hazard, ou na Histoire littéraire du sentiment religieux do padre Bremond 1• A importância do movimento das ideias para o da civilização não escapou a nenhum historiador, e a maneira como um François Furet ou um Claude Nicolet retomam hoje o estudo do século XIX parece-me inscrever-se nesta tradição. Estamos aqui mais perto de uma história cultural no pleno sentido do termo, mas a história das ideias conhece também simultaneamente, o que se pode chamar uma regressão. Pode-s~ tentar ultrapassar a história económica e social, mas é preciso primeiro 1 _Padre Henri Bremond, Histoire littéraire du sentiment religieux en France depU!s la fin des guerres de Religion jusqu' à nos jours, Paris, Bloud et Gay, 19~6~I928, _II vol.; Paul Hazard, La Crise de la conscience européenne, Paris, Bmvm et Cte., I935. 124 assar por ela. Desprezá-la seria uma condenação ao contra-senso. ao livro de Zeev Sternhell, Ni droite ni gauche, l' idéologie fasciste en France: reduzir a história das ideias à de enunciados extraídos dos seus contextos, desligados das circunstâncias que os suscitaram, dos homens que os formularam e de toda a espessura do seu enraizamento social e humano, sem considerar os públicos concretos a que se dirigiam, é tomar esses enunciados em primeiro grau, correndo o risco de se ~eixar apanhar pelas int~nções pouco inocentes dos seus autores e sau do real para construir com todas as peças um objecto histórico imaginário2• A história das políticas culturais, que Pascal Ory acaba de ilustrar para a Frente Popular3 , destaca as mesmas observações. Ele próprio, aliás, evita confundi-la com a história cultural do mesmo período; é em primeiro lugar a história de uma política pública, das decisões que a definem, das forças que se combinam para a promover ou deter. Capítulo seguramente apaixonante de uma época de cuja originalidade careceríamos se o descurássemos. Mas um capítulo entre outros. Ora a história cultural já não quer hoje ser uma história entre outras, uma das mercadorias com que se guarneceria uma das gavetas da célebre cómoda de Lucien Febvre: em cima à direita, a política interna, à esquerda a externa... Ela pretende uma explicação mais global. Na verdade, aspira substituir a história total de ontem. Bela ambição, que supõe outras ... ~ a crítica oposta por Jacques Julliard Para a história social das representações Com efeito, a história cultural não pode pretender destronar a história económica e social de ontem se não se propuser um objectivo igualmente ambicioso. É-lhe necessário, pois, pretender ser de utili2 Jacques Julliard, «Sur un fascisme imaginaire: à propos d'un livre de Zeev Stemhell», Annales ESC, n. 0 4, Julho-Agosto 1984, pp. 849-861. As críticas de Jacques Julliard encontraram uma verificação decisiva no artigo de Renaud Poumarede, «Le Cercle Proudhon ou l'impossible synthese», in Mil neuf cent. Revue d' histoire intellectuelle, n. 0 12, 1994, pp. 5!-86. 3 Pascal Ory, La Bel/e lllusion. Culture et politique sous le signe du Front populaire, 1935-1938, Paris, Plon, 1994. 125 A história cultural e as suas vizinhas Sob este ponto de vista, é mais importante distinguir claramente a história cultural das suas vizinhas imediatas do que da história econó~ica, ~ocial ou ~olíti~a à Labrousse. Com esta, de facto, as diferenças sao evidentes e Imediatas. Em contrapartida, é mais interessante procurar o que a separa de formas de história que se propõem objectos próximos dos seus e que, no entanto, procuram objectivos diferentes. Em primeiro lugar, a história cultural não deve ser confundida com a dos objectos culturais. Não que esta seja contestável: ela apresenta um enorme interesse e uma legitimidade assente. A história da literatura da pintura, da escultura, da música, do teatro, em suma, de todas a~ formas de arte, mas igualmente dos cartazes ou das caricaturas, é uma disciplina há muito tempo constituída, que possui os seus métodos, as suas problemáticas e as suas obras importantes. Mas antes de tomar com um Francastel, por exemplo, um significado maior no conjunt~ da sociedade, foi muitas vezes uma história sectorial, ocupada com elucidar o seu território próprio, sem grandes relações com a história geral. A separação institucional da história de arte e da história geral, em muitas universidades, mostra bem que existem dois caminhos paralelos que podem ser percorridos durante muito tempo sem convergirem. E ~ mesmo com a história das ideias. Desde há muito que produziu obras Importantes; estou a pensar, para só citar grandes clássicos, em La Crise de la consciente européenne de Paul Hazard, ou na Histoire littéraire du sentiment religieux do padre Bremond 1• A importância do movimento das ideias para o da civilização não escapou a nenhum historiador, e a maneira como um François Furet ou um Claude Nicolet retomam hoje o estudo do século XIX parece-me inscrever-se nesta tradição. Estamos aqui mais perto de uma história cultural no pleno sentido do termo, mas a história das ideias conhece também simultaneamente, o que se pode chamar uma regressão. Pode-s~ tentar ultrapassar a história económica e social, mas é preciso primeiro ~adre Henri Bremond, Histoire littéraire du sentiment religieux en France ~epu~s la fin des g.uerres de Religion j~squ' à nos jou~s, Paris, Bloud et Gay, 9 ~ 6. 1928, .11 vo!., Paul Hazard, La Cnse de la consClence européenne, Paris, Botvm et Cte., 1935. 1 124 assar por ela. Desprezá-la seria uma condenação ao contra-senso. de Zeev Sternhell, Ni droite ni gauche, l' idéologie fasciste en France: reduzir a história das ideias à de enunciados extraídos dos seus contextos, desligados das circunstâncias que os suscitaram, dos homens que os formularam e de toda a espessura do seu enraizamento social e humano, sem considerar os públicos concretos a que se dirigiam, é tomar esses enunciados em primeiro grau, correndo o risco de se deixar apanhar pelas intenções pouco inocentes dos seus autores e sair do real para construir com todas as peças um objecto histórico imaginário2 • A história das políticas culturais, que Pascal Ory acaba de ilustrar para a Frente Popular3, destaca as mesmas observações. Ele próprio, aliás, evita confundi-la com a história cultural do mesmo período; é em primeiro lugar a história de uma política pública, das decisões que a definem, das forças que se combinam para a promover ou deter. Capítulo seguramente apaixonante de uma época de cuja originalidade careceríamos se o descurássemos. Mas um capítulo entre outros. Ora a história cultural já não quer hoje ser uma história entre outras, uma das mercadorias com que se guarneceria uma das gavetas da célebre cómoda de Lucien Febvre: em cima à direita, a política interna, à esquerda a externa... Ela pretende uma explicação mais global. Na verdade, aspira substituir a história total de ontem. Bela ambição, que supõe outras ... ~ a crítica oposta por Jacques Julliard ao livro Para a história social das representações Com efeito, a história cultural não pode pretender destronar a história económica e social de ontem se não se propuser um objectivo igualmente ambicioso. É-lhe necessário, pois, pretender ser de utili2 Jacques Julliard, «Sur un fascisme imaginaire: à propos d'un livre de Zeev Stemhell», Annales ESC, n. 0 4, Julho-Agosto 1984, pp. 849-861. As críticas de Jacques Julliard encontraram uma verificação decisiva no artigo de Renaud Poumarêde, «Le Cercle Proudhon ou l'impossib1e synthêse», in Mil neuf cent. Revue d' histoire intellectuelle, n. o 12, 1994, pp. 51-86. 3 Pascal Ory, La Bel/e /llusion. Culture et politique sous le signe du Front Populaire, 1935-1938, Paris, Plon, 1994. 125 \ i ! [i lj L dade para um largo conjunto, um grupo social, toda uma sociedade. Para o conseguir, passará a ser uma história social das representações, ou, se se preferir, uma história das representações colectivas. Esta definição, que tende hoje a impor-se, constitui a finalidade provisória de uma evolução lexical interessante, que os termos «civilização» e «mentalidades» delimitam. Para compreender esta emergência progressiva, pode-se partir da história sociallabroussiana, que tinha fixado por tarefa fazer a história de grupos sociais ou de classes sociais nas suas relações complexas de confronto e de solidariedade. Mas não se interrogava sobre a própria definição do seu objecto de estudo: o grupo social. Dava como adquirida a existência de realidades fortes, tão depressa designadas pelo termo «classe», como pelo de «grupo»: a classe ou o grupo social eram percebidos como evidência, como realidades duras ao redor das quais se organizava a história e cuja consistência em longa duração nada tinha de problemático. Compreende-se que Popper tenha falado de «essencialismo» a propósito destas realidades 4 . Labrousse não duvidava de que houvesse operários e camponeses, ou antes, uma pluralidade de grupos operários e de grupos camponeses, definidos pelo seu estatuto objectivo de rendeiros ou de proprietários, de assalariados à hora, ao dia ou à tarefa, e burgueses definidos pela renda sobre prédios ou terras, a propriedade dos meios de produção e a participação nas instituições do Estado. A constituição destas «essências» históricas, capazes de conservar a sua identidade embora mudando continuamente no decorrer do tempo, permitia à história labroussiana ultrapassar a contradição entre a narrativa e a estrutura, entre a explicação narrativa (o acontecimento) e a explicação sociológica (as regularidades). A meia distância entre o indivíduo único da história acontecimental e as forças sociais cegas das regularidades estatísticas macro-sociais, os grupos sociais constituíam agentes colectivos, capazes de acções deliberadas, de emoções, de sentimentos («a burguesia tem medo ... », «OS operários estão descon4 Karl Popper, Misere de L' historicisme, Paris, Plon, 1956 (I." ed. em inglês, 1944), pp. 30-31. Este panfleto visa muito particularmente a história como his- : tória da luta de classes. Na passagem a que aludimos, refere-se à maneira como os historiadores pretendem que uma instituição conserve a sua identidade essen- ciru~wmdo ·~·~·-~:_~=v~ r tentes ... », etc.), capazes sobretudo de condutas racionais, conformes aos seus interesses objectivos e, portanto, susceptíveis de uma explicação histórica da mesma maneira que a crónica dos reis, mas partindo de agentes infinitamente mais respeitáveis dado serem colectivos. Nesta perspectiva, os factos de ordem ideológica, mais que cultural, constituíam como que o terceiro andar do edifício: na base, a economia, por cima, a sociedade, mais acima, a ideologia, a cultura, a política, determinadas em última instância pela realidade das relações de produção, mas beneficiárias de uma autonomia relativa. Esta história de inspiração marxista consagrava amplos debates a esta autonomia relativa, mas, totalmente voltada para a luta das classes, retinha sobretudo, na ordem cultural, as ideias políticas e sociais que lhe pareciam «traduzir» ou «reflectir» as contradições sociais e as relações de domínio. O apogeu desta tendência foi a noção de «aparelho ideológico de Estado», cara a Althusser. A cultura não estava verdadeiramente integrada na síntese histórica senão sob a forma de dependência, de uma tradução, ou inculcada em proveito da classe dirigente. Porém, as coisas eram menos simples e o trabalho histórico mostrava-o em cada dia. Os grupos sociais não obedeciam sempre às racionalidades que deviam logicamente defender. Se tomarmos por exemplo os padrões de 1936-1937, confrontados com a lei das quarenta horas, o seu interesse económico teria sido investir para poder fazer funcionar as suas oficinas em duas equipas de oito horas, reduzindo assim os custos com uma melhor rentabilidade dos equipamentos. De facto, alguns deles adoptaram esta solução economicamente racional. Mas a maior parte encerrou-se numa espécie de recusa, mais conforme com a ideia que faziam de si próprios e da sua função de «patrões». Não só não investiram como também não procuraram encontrar um novo tipo de relações industriais com os operários, que lhes teria permitido gerir a situação da melhor forma para ?s seus interesses imediatos; ou opuseram aos sindicatos uma Intransigência que relançava as greves, ou deixaram agir os delegados das oficinas, sem sequer apoiar os técnicos nos seus esforços para manter a produção. Pode-se decerto afirmar que ao defender assim a entidade patronal preservavam o seu poder e, portanto, a fonte dos seus benefícios ulteriores. Mas acontece que esta atitude lhes fazia --~-•c•o•rr_e_r_v_e-rdad-ei-ro~i-s-co-s. &tá~~:;' m~ifes~ente presença~ _lg-un-s _tr_a_ç-os-q-ue-se-te_n_h-am-m-an-t-id_o_. 6 em Michel Vovelle. Com mais forte razão. com efeito. Estudando na sua tese os operários parisienses durante a Grande Guerra8 . A atenção centra-se nas produções simbólicas do grupo e. bem assim. Ou antes. finalmente.que o ângulo sob o qual ele é considerado. que recusa o plano labroussiano dos três patamares sobrepostos. mesmo apelando a outras fontes . De súbito. Objectos e métodos da história cultural A partir de então. Plon. La Nuit des prolétaires. Foi primeiramente posta a questão quanto ao modo de evidência em grupos transversais. Paris. Essai sur la culture populaire au XV/II" siecle. Fayard. Mas tomar efectivamente em consideração o que então se chamava «mentalidades» modificava insensivelmente as perspectivas. interclassistas. Esta história das mentalidades teve um des~nvolvimento particularmente brilhante exactamente onde a história labroussiana triunfara: o fim do século XVIII e as proximidades da Revolução Francesa. 6 128 8 Só foi publicada a parte dos acontecimentos desta tese de Estado (UniverSidade de Paris-I. dos modos de vida ou do trabalho. Paris. quando a análise histórica se interessou por grupos sociais menos estreitamente definidos pelo seu lugar no sistema de produção. O livro que sem dúvida exerceu mais forte influência é aqui o de Maurice Agulhon. o mais incontestável aos olhos dos marxistas: os próprios operários. 1987. Os historiadores da minha geração receberam um choque com a sua leitura: era não só legítimo mas possível e fecundo ter interesse por outros fenómenos sociais além dos rendimentos. Roger Chartier. 5 Paris. Piété baroque et Déchristianisation en Provence au XVJ/f siecle. quer dizer cultura. No texto. Lectures et Lectures dans la France d' Ancien Régime. Pénitents et Francs-Maçons de l' ancienne ProvenceS. a situação que pretende descrever. O que. O grupo só existe na medida em que existe voz e representação. 1981. 1968. como os antigos combatentes que estudei7 • Na medida r ern que esse grupo existia. Jean-Louis Robert. Tomava-se impossível tratá-las como simples superestruturas sem se interrogar sobre os laços que estabeleciam entre os indivíduos. 1914-191 9. l 129 . Este campo historiográfico havia sido objecto de tais desenvolvimentos económicos e sociais. 1995. la Patrie et la Révolution. Les altitudes devant la mort d' apres les clauses des testaments. Les Ouvriers. nos seus discursos enquanto produções simbólicas. Paris. Aubier-Montaigne. o que quer dizer. La Sociabilité méridionale. Besançon. ele devia-o à experiência comum da guerra e ao trabalho de comemoração e de rememoração a que se entregava. o acontecimento que entende contar. que era inútil esperar renová-lo privando-se de algumas mercuriais suplementares. pepois pôs-se a questão para outros grupos e. Era necessário mudar de objecto. Les Anciens Combattants et la Sociétéfrançaise. Daniel Roche e Michel Vovelle. 7 Antoine Prost. a história habitual prende-se àquilo a que os linguístas chamam a função referencial: o que o texto diz. a história política. de que Jacques Ranciere bem mostrara provar mais uma vontade de reconhecimento do que exprimir uma condição9 . e foi ao que se dedicaram. Enquanto a história Jabroussiana colocava o rendimento e o trabalho na base de tudo. põe em evidência o processo colectivo de identificação pelo qual o grupo se define. . archives du rêve ouvrier. 1973. muda é menos o objecto de estudo .o historiador sempre trabalhou e trabalhará ainda durante muito tempo sobre textos. Le Seuil. Le Peuple de Paris. 9 Jacques Ranciere. definindo os seus adversários: a voz operária. 1981. os fenómenos de «mentalidade» ganharam uma consistência e uma autonomia que justificavam uma análise específica.um conjunto de atitudes e de representações que não se podem explicar directamente por uma lógica económica. tornou-se o material de uma identidade colectiva. nos discursos que faz. dando corpo aos valores em que se legitima o grupo operário. 1914-1939. antes mesmo de Roger Chartier6 . Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. numa edição de Aix de 1966. uma nova dimensão vinha enriquecer a história religiosa e. 3 vol. Paris. 1989). o historiador que pretende reconstituir as representações constitutivas de um grupo social é levado a privilegiar certos objectos de estudos que requerem métodos de análise específicos. 1977. em primeiro lugar. Paris. Fayard. primeiro intitulado. Daniel Roche. Jean-Louis Robert. a ética é aqui reconhecida com um papel fundador. para o mais evidente. Paris. ou mais complexos na sua estrutura. com o sucesso que se sabe. que e' tudo . pelos termos que utilizam. capitalistas são relativamente pouco frequentes. Ela mostra que o termo operário recebe quase sempre uma determinação: fala-se dos operários desta ou daquela fábrica. sem determinação concreta: fala-se da organização ou da emancipação dos trabalhadores. independente dele. Ce que par ler veut dire. pela realidade extratextual que visa. ou dá-se ao termo um alcance universal: são então os trabalhadores do mundo inteiro. As maneiras de falar não são inocentes. deve ocupar o pnmezro · · 1ugar na socze · da d e.118 . Em compensação. Esta fala singular é dita num~ língua comum que define o espaço dos enunciados possíveis. 277-307. Trajecto ires et questions». Opõe evidentemente o s~upo operário e o grupo patronal. Paris. A análise centra-se então nestes termos e nos enunciados nos quais eles se encontram. Descobrem-se também afirmações como: o trabalh o. a preponderancza e a grandeza. 1983. toma-se um conjunto de textos da época. trabalhadores e trabalho são muito mais utilizados. Mas qual era a realidade desta ~posição? Que representação faziam os sindicalistas da sua condição de operários? Para o saber. é dá-lo como existente na cena social. Fayard. 11 Ver-se-á em Reinhardt Koselleck. num dado momento e para um dado grupo. do trabalho cnador e única fonte de riqueza. ou antes dos conceitos: termos como burgueses ou cidadãos têm por detrás uma longa história 11 . é fazer. in Le Futur Passé. «Histoire des concepts et histoire sociale». estabelece uma nova abordagem dos textos. Contribution à la sémantique des temps. e a língua que se fala estrutura as representações do grupo a que se pertence ao mesmo tempo que.A história toma o texto como sinal de alguma coisa que se passou e que permite descobrir e reconstituir. se encontrem designações tais como camaradas ou cidadãos. Operário designa assim os indivíduos concretos. e a exploração é caracterizada como o roubo do fruto do trabalho dos outros. nas suas particularidades. Tomemos o exemplo do IO Reunimos aqui. ~ a. e analisá-la é analisar também a emergência ou a resistência dos grupos que estes termos designam. nos seus apelos. Os sindicalistas designam-se como produtores e estigmatizam os patrões como improdutivos: são rapaces. Pelo contrário. levanta-se a questão da significação destes usos diferenciados de dois termos aparentemente sinónimos: operários e trabalhadores. Nesta altura. as conclusões de Roger Chartier. Mas ela permite além disso elucidar as bases destes conflitos e os significados que os agentes lhes dão. pp. e examinam-se sistematicamente os termos ou as expressões pelas quais os operários que falam nesses textos se designam a si próprios e designam os seus adversários. 11se. 1990. operários. proletários. Paris. de determinada cidade ou ainda dos operários em greve.os 111-112. «H isto ire intellectuelle et histoire des mentalités. é no entanto destinado a leitores ou auditores que dão aos termos o mesmo sentido sem o que ele seria incompreensível. por vezes. classe operária ou capitalista. A atenção volta-se então para trabalho. parasitas. Ela interessa-se pelo que está no exterior do texto. que por vezes se encontra a designar o conjunto dos trabalhadores. um bom exemp Io des te tipo de ana. por outros caminhos. de certa profissão. n. pp. ·ndicalismo francês no fim do século XIX. por um processo circular. historiques. Verifica-se também que. É por isso que os debates sobre a designação dos grupos sociais. Em compensação. Verifica-se a fragilidade das designações. ou a·1 d . Ao trabalho opõe-se evidentemente o capital. dizer o grupo. Ed. pelos campos semânticos que traçam. dele resulta. surgem expressões como classe ociosa. os seus limites e as suas condições de pertença ou de exclusão são igualmente lutas sociais 12 • A história das representações remete assim para os conflitos reais de que estas representações são o objecto. que se interessará menos pelo que eles dizem do que pela maneira como o dizem. de EHESS . que remetem para uma análise teórica ou política: proletariado. Revue de synthese. L' économie des échanges linguistiques. ainda que. Esta verificação está carregada de consequências. a unzca verdadezra. trabalhador é muitas vezes utilizado de maneira absoluta. os sindicalistas se dirigem aos seus camaradas chamando-lhes trabalhadores e não operários. 99 . priva de verdadeiro significado a distinção por vezes operada entre o estudo das produções culturais e o da sua recepção 10• Por outro. mas a oposição não é muito frequente. O que se resume em fazer do trabalho li 130 1 1 A • . Pierre Bourdieu insistiu muito na função performativa dos discursos: dizer. escolhidos segundo critérios lógicos. individual ou colectivo. Enunciado por um locutor. no campo das designações do adversário do sindicalismo. 131 • • . Por um lado. . nomeando-o. Podemos em primeiro lugar consagrar-nos à história das palavras. 1982. 12 Pierre Bourdieu. capitalismo. -Dez. Vocabulaire des proclamations électorales de 1881. 17 Archives sensibles. por falta de observar o lugar ocupado pelas bandeiras no espaço simbólico do monumento e por falta de observar em que encenação e em que conjunto de gestos são utilizadas: as bandeiras que desfilam não têm a mesma função simbólica e. Essais sur l' histoire de la mort en Occident du M oyen Age à nos jours. o sindicalismo tem por tarefa explícita tomá-los conscientes da sua eminente dignidade de produtores e criadores de riqueza. Noeiie Gérôme. 14. tanto com as epresentações da mfanc1a como com as da morte 16 • r . porém. Não está :~quecido o uso q~e ~el~s soube fazer Philippe Ariês. Arbei· terbewegung. especialmente Benoit Habert e Robert Benoit 15 • Mas seria dar prova de cegueira limitar-se ao estudo dos textos. para realçar a coragem. 14 Ver o livro que escrevi em colaboração com Louis Girard e Rémi Gossez. 1885 et 1889. do ENS de Cachan. As imagens. Teria podido tomar outros exemplos. 133 . uma bela ocasião falhada. Ed. «Les rituels contemporains des travailleurs de l'aéronautique».o valor central. na Alemanha. os historiadores devem ir colher nos antropólogos ou etnólogos o seu método em todo o seu rigor: a sua observação é muito mais precisa. pp. 1973. os emblemas. por exemplo. Para as abordar. a história cultural deve interessar-se pelo que Noelle Gérôme chama justamente os arquivos sensíveis: as imagens. Mas a capacidade de confronto parece valorizada em França. Imagens e objectos ganham sentido no interior das séries. o interesse de uma abordagem linguística dos textos para a história cultural. na medida em que ali o sindicalismo aparece muito mais frequentemente preocupado com a organização. ou ainda nas investigações de Maurice Toumier e da sua equipa. 1995. 255-285. Le discours mythologique sur Ia politique entre les deux guerres». L' Enfant et la Vi e família/e sous l' Ancien Régime. As bandeiras sindicais só contam os seus segredos se se dispuser de um largo conjunto e se se conseguir determinar em que circunstâncias eram exibidas. as mais interessantes a meu ver. Existem muitas outras produções simbólicas em que o historiador pode ler sistemas de representações de grupos sociais determinados. pp. 132 d vista. 1975. Paris. ou ainda nos discursos de circunstância dos antigos combatentes do período de entre duas guerras 14. pp. com este exemplo. e a de organização. portanto. Ethnologie francaise. sob esse ponto 13 Este exemplo é tirado de uma comunicação que apresentei com Manfred Bock no colóquio organizado pelo Centro de Investigações sobre a História dos Movimentos Sociais e do Sindicalismo da Universidade de Paris-I na Sorbonne. A análise da cultura operária tem muito a aprender com os usos e a qualificação dos espaços da fábrica ou com os rituais. «Les mots». Paris. embora também 0 sejam. Le Seuil. 18 Ver. 177-196. mas também as fotografias de amadores ou os bilhetes postais.-Jun. 1960. 197 4.De uma forma mais geral. 0 85. Paris. Pour une histoire politique. 0 2. Abr. PUF/ /Publicações da Sorbonne. em redor do qual se deve organizar toda a sociedade i Compreende-se então melhor que o sindicalismo tenha tomado a fonn~ de uma Confederação Geral do trabalho: os sindicalizados não são à ' primeira vista pobres. por exemplo nas proclamações eleitorais de 1881. se são ou não significativos e porquê. e o meu artigo «Combattants et politiciens. na minha contribuição para a obra dirigida por René Rémond. e os objectos 17 • As insígnias. n. antes de os ter todos coleccionados. Noeiie Gérôme dir. como o valor «nacionalista» atribuído por alguns à presença de'bandeiras nos monumentos aos mortos constituía um contra-senso. A comparação com a Alemanha é muito esclarecedora. 1mages et objets du monde industriei et ouvrier. a mesma significação que 16 Philippe Aries. sobre «L'invention des syndicalismes. Le Mouvement social. fornecem representações particularmente instrutivas. 117-154. O fosso que separa a história da arte da história sem mais. pois recusa decidir. constitui. miseráveis ou oprimidos. t. Paris. 1984. Cachan. de disciplina e de reflexão. para quem realmente e olha. É sobretudo necessário colocá-los no quadro das práticas em que são utilizados. no sentido mais geral. com um campo semântico estruturado em tomo da expressão «movimento operário». Poder-se-ia resumir este sistema de representações dizendo que o objectivo do sindicalismo é transformar os operários em trabalhadores 13 • Espero ter mostrado. P!on. muito mais sistemática que a dos historiadores. Le syndicalisme en Europe occidentale à Ia fin du XIXe siecle». Out. Também creio ter mostrado. 15 Dei" uma bibliografia das investigações de tipo linguístico aplicadas à história política. ao analisar as cerimónias do 11 de Novembro do período entre as duas guerras. como quando alguém sai aposentado 18 . em 12-14 de Outubro de 1995. 1988.. Ela esforça-se por não deixar escapar nenhum pormenor. Le Seuil. por exemplo. a dedicação dos sindicalistas. Os termos com conotação ética abundam nos dois discursos. os estandartes. mas na condição de assentar numa observação minuciosa. n. E o limite dos estudos a que fazia alusão mais acima. Paris. Gallimard. ou ainda um capitão arrastando a sua companhia num impulso arrebatado. Na falta de tal inquérito. por exemplo. que consulta ~stão elas próprias muitas vezes socialmente divididas.. pela experiência da guerra. de certo modo no sentido oposto. sobr~ as autodesignações no sindicalismo francês no fim do século XIX. ou factores culturais estão na base da sua identidade. Chegamos aqui ao segundo problema: o da cultura como factor de identidade. Culte republicain? Culte civique? Culte patriotique?».. em primeiro lugar.Paris. Les Lieux de mémoire. Paris. Armand Colin. A história cultural é indissociavelmente social. apresenta.é cultura de um grupo. por exemplo. Sem dúvida que convém também limitar-lhe a ambição a determinadas dimensões. sobre os desvios. I.terão se desfilannos nós diante delas. e nunca se produzir a todos os níveis ao mesmo tempo. Les Lieux de mémoire de Pierre Nora reúnem múltiplos exemplos. profissionais. pp. Anthropologie structurale. que toda a cultura é cultura de um grupo. [. pms ele tem pernpre tendência para aceitar os grupos como já lá estando. Amda que dispunhamos de um corpus de textos proveniente d~ um determinado grupo social. 134 Definir assim a cultura. Mas a cultura é também mediação entre o indivíduo e a sua experiência. a história cultural perde uma parte do seu valor heurístico. as representações que se poderiam imaginar antes de a abordar. já vastas.. É essa mesma a sua definição. por exemplo. Vemo·los descrever. as bandeiras que se inclinam não são das cores das que sobem ao alto de um mastro 19• Desta diligência atenta às produções simbólicas. do ponto de vista da investigação. através dos buracos dos obuses. ara 0 historiador é partir da cultura e não dos grupos. Toda a cultura . É o que estabelece entre eles comunicação e comunidade. Le Village des cannibales. La République. através do conjunto dos meios sociais.. 1990.e siecle . Mas não se poderia limitar a eles a lista: tudo pode ser introduzido no universo das representações de um grupo. inclusive os factos mais excepcionais. 1984. o qual se tomou arcaico através de uma sociedade que pratica o sufrágio universal de há uma vintena de anos para cá20 • A violência excepcional enquanto expressão simbólica de uma identidade perdida . A dificuldade v~. pois a cultura é mediação entre os indivíduos que compõem o grupo. É pois raciocínio sobre as diferenças. sociais. O facto de essa coincidência nunca ser absoluta. 21 Claude Lévi-Strauss. eles próprios nem sempre conseguem dizer o que vivem sem retomar involuntariamente essas imagens grandiloquentes e absurdas. uma vez que as fontes. não poderemos desde logo conclmr de forma válida que as representações fornecidas pelos textos definem esse grupo diferentemente dos outros: para saber realmente quem se reconhece nos valores do trabalho.dizíamos . dizê-la a si mesmo dizendo-a aos outros. . Só existe cultura partilhada. dado que está ligada ao que diferencia um grupo de outro. em relação a outras. os Boches carregando em passo de ganso baioneta no cano.. e localizar exactamente onde passa a fronteira e onde se situam as clivagens. é o que permite pensar a experiência. Observar-se-á. «U». sob condição de o saber ler. seria necessário examiná-los transversalmente. Isto vê-se bem quando a experiência vivida toma. pp. ] O termo cultura é empregado para reagrupar um conjunto de desvios significativos cuja experiência prova que os limites coincidem aproximadamente. que os descrevem ávidos de se baterem com os Boches. citado por Maurice Crubellier. 195-225. Enriquece a descrição dos grupos sociais e não permite avaliar quais dos factores económicos. tendo em consideração Claude Lévi-Strauss: «Chamamos cultura a todo o conjunto etnográfico que. através 135 . Histoire culturelle de la France. Quando os soldados da guerra de 1914-1918 não cessam de denunciar a comoção militar-patriótica dos jornais da rectaguarda. Três problemas para conclusão O campo da história cultural abre-se assim à medida das pretensões totalizantes desta história no presente. como sreexistentes ao seu inquérito. 20-21.. Aubier. 20 Alain "Corbin. não deve impedir-nos de utilizar a noção de cultura. 1974. XIX'-xx. in Pierre Nora ed.. como um conjunto de desvios significatié considerá-la como o que divide os grupos sociais. desvios significativos. É assim que Alain Corbin analisa a violência assassina de uma aldeia enquanto manifestação de um sistema de representações políticas. »21 19 «Les monuments aux morts. Tomemos. porque isso seria renunciar a compreender. E mesmo os públicos não foram instantaneamente misturados. o historiador não poderia decifrar essa cultura sem conhecer a experiência vivida. 0 41.. É muito difícil dizer quando se produziu esta evolução. toda a história social um pouco ambiciosa e preocupada em apreender o real na sua totalidade deve ser também história cultural. no entanto. que nos daria um quadro definitivo da evolução da humanidade das origens aos nossos dias. Ela surge depois das outras. por exemplo. uma vez que é um vaivém constante entre esta e as representações que os contemporâneos dela fazem. passando despercebidas. A história cultural deve transitar constantemente da experiência ao discurso sobre a experiência. a história cultural é o coroar da investigação. Adivinha-se a dificuldade em descrever as evoluções culturais mais antigas. Porque muito retira de disciplinas marcadas pelo estruturalismo. como a linguística ou a etnologia. sob pena de se perder no nominalismo. aqui. i i ! k 22 Ver as referências no meu artigo: «Les représentations de la guerre dans la culture française de I'entre-deux-guerres». bem como os episódios mais importantes da existência. o amor ou a morte. por vezes úteis de um ponto de vista metodológico. Mas os grupos só se identificam na diferença relativamente a outros grupos através e no interior dos conjuntos de representações. Pois sendo a história de grupos. O que levanta todas as dificuldades. trata-se de evoluções que muitos dos nossos contemporâneos viveram.. aquilo através do que o indivíduo formula a sua vivência. no termo desta reflexão. Deve ser história e não apenas antropologia retrospectiva. E. Haveria neste caso toda uma investigação. depois de muitos outros. social e cultural. Como se vê. Mas essas evoluções seguem ritmos mal conhecidos. o trabalho. De uma certa maneira. pouco importa -. tanto bruscos como muitíssimo lentos. mas os liceus de raparigas e rapazes continuaram vários anos as suas vidas distintas. A história cultural deve esforçar-se por ultrapassar a fase da verificação das diferenças. 25. pois sabemos que os interesses se deslocam e que as questões postas à história estão sempre a mudar. difícil de levar por diante. Toda a história é. as preocupações quotidianas. nacionais ou outras. a história cultural é exímia em descrever coerências na sincronia.quer sejam religiosas. para explicar as evoluções. étnicas. toda a história é social. Trata-se de uma evolução importante e que prova uma notável transformação das representações relativas à diferenciação sexuada dos papéis e à sua importância. São sobretudo e muitas vezes dissimuladas. n. 22 Tentem pois ganhar arrebatamento na lama!.. ao mesmo tempo e indissociavelmente. entre os quais Seignobos e antes dele Fustel e mais.da lama que lhe sobe até ao meio da perna . 136 l_ m . As separações. Revue d' histoire. trai a realidade a que se Tefere: os termos que permitem pensar a guerra vivida ainda não foram todos forjados. Mas se a cultura é aquilo que permite ao indivíduo pensar a sua experiência. é evidente que as culturas se transformam. a introdução do misto nos estabelecimentos escolares. Se temos de renunciar ao sonho de uma história cumulativa. Foi provavelmente nos anos setenta que a fusão se operou. de colectividades . porque é impossível compreender uma representação sem saber de que é ela representação. Daí o risco que se corre ao abordar a história pela história cultural. sociais. De que experiência vivida se fala numa cultura? Como e de que experiência se alimenta uma cultura? A história cultural propõe por isso um programa de investigação muito mais árduo que a simples história.-Mar. eu hesitaria em instituir a história cultural num domínio inteiramente autónomo. são sempre mutilações. Jan. . A Educação Nacional já não constrói estabelecimentos diferenciados desde 1959. p. Último problema. o das evoluções em história cultural. O discurso. Não existe portanto história que não seja das mudanças e das evoluções. Bloch e Febvre disseram-no admiravelmente. 1994. não devemos renunciar a essa história total que une num só conjunto os aspectos múltiplos e solidários de uma mesma realidade. No entanto. que evoluem. Vingtii~me siecle. por razões ao mesmo tempo práticas e epistemológicas que nada têm a ver com o marxismo. menos para alimentar uma satisfação de «ego-história».e suséitar talvez novos entusiasmos. a partir de então tão poderosamente marcada. a rádio e a televisão. deparei com a considerável influência das mitologias colectivas nos comportamentos cívicos e confrontos sociais. sustentada por uma visão elementar das evoluções da nossa democracia. em Novembro de 1977. uma «instituição» e um símbolo 1• E. que por me parecer que a evolução das dificuldades ultrapassadas é capaz de esclarecer as seguintes. nos rituais como nos comportamentos e génese das 1 «Le Monde» de Beuve-Méry ou le Métier d'Alceste. ao peso dos meios dos negócios na política. paralelamente. de cumplicidade com Jacques Julliard. descrevendo. no quadro do muito recente Ciclo Superior de História do Século XX. um seminário dedicado ao audiovisual. A intuição era simples. É com agrado que respondo a essa solicitação. 139 1 . Treinei-me com a imprensa escrita. E tomei gosto em trabalhar também um outro conjunto de forças exógenas. François de Wendel. 1979. defendendo uma tese consagrada. lancei em Ciências Políticas. a propósito de uma personagem mítica. constituídas pelos jornais.AUDIOVISUAL: O DEVER DE NOS OCUPARMOS DELE Jean-Noel Jeanneney Os iniciadores deste livro pedem-me que descreva o longo esforço desenvolvido para levar a admitir pela historiografia universitária o interesse que se prende com o estudo dos media audiovisuais. o itinerário do Monde de Beuve-Méry. O meu recuo é de vinte anos. Le Seuil. Em 1975. Paris. pela rádio e sobretudo pela televisão. Em conjunto. como Marc Ferro ou Pierre Sorlin. o Belo e que colhera como réplica: «Mande. com André-Jean Tudesq. no volume 3. se quer realmente vender nas bibliotecas das estações . numa das primeiras grandes emissões de arquivos no pequeno ecrã: Trente Ans d' Histoire. Por outro lado. no entanto. Por tentativas. De 1977 a 1982. Alguns sinais positivos eram encorajadores. intitulado Nouveaux Objets. Alguns dos nossos colegas. Fernand Braudel e Georges Duby. Tinha ficado admirado com a anedota que Jean Favier me contara.. mas não se deve esquecer que o próprio Pierre Renouvin trabalhou. as satisfações de uma pedagogia alargada a um público bem mais vasto. e Alain Decaux. Nesta feliz evolução participaram simultaneamente os indivíduos das Annales e a escola de René Rémond (organizada segundo o eixo Nanterre-Ciências Políticas). e contávamos aproveitar bem pelo lado da televisão. vários dos quais adquiriram hoje os seus diplomas e conduzem ou animam investigações neste campo. reuni. que 140 141 O entusiasmo e as dificuldades I ~' I ! l: . argumentando que as instâncias que geririam as suas carreiras as rotulariam provavelmente de frivolidade. graças ao tubo catódico.era suspeita. por onseguinte. de criaturas miseráveis embrutecidas pelas suas tarefas». por um lado. enegrecer o quadro. ainda que esta não pudesse esperar alcançar o mesmo prestígio a curto prazo. depressa avaliámos que as separações eram porosas com todos os aspectos da vida social e cultural do país. caricatura.. Não quero. Até a imagem fixa . uma pequena equipa de estudantes tão novatos como nós próprios.desenho. tinham começado a fazer sair o estudo do cinema das «capelas especializadas» e das nomenclaturas.decisões. Era o tempo em que muitos universitários eminentes ainda recusavam aceitar um receptor de televisão em casa. os historiadores procuravam excluí-las de qualquer con~ideração científica. Tinham de decidir se queriam correr o risco de contar com evoluções futuras no nosso meio profissional. evoluções que a qualidade dos seus trabalhos contribuiria para acelerar. De bom grado lhe teriam aplicado a famosa definição de Georges Duhamel nas suas Scenes de la vie future. um pequeno grupo havia dedicado trabalhos à rádio. Raramente um trabalho foi de facto mais colectivo. no início dos anos trinta. No início dos anos sessenta. meu pobre amigo. a propósito do cinema americano: «uma máquina de embrutecimento e de dissolução. Recordo-me de ter prevenido à minha volta o entusiasmo nascente de vários estudantes. fotografia . de parceria com Monique Sauvage. nos anos oitenta. acrescido de gratificações materiais e de notoriedade. como eu esperava. quando p:o embrutecedora. a pedagogia tradicional. Faire de l'Histoire. demo-nos ao trabalho de medir obstáculos originais com que poderíamos deparar. » Acrescente-se que os mesmos pontífices apoiavam espontaneamente as reticências espalhadas no ensino primário e secundário em que as «estranhas clarabóias». por outro. se 0 nosso ponto de partida foi a história política. Não obstante. esboçava-se a aproximação. Resultavam vários das tradições do meio. em 1964. É surpreendente que não se descubra vestígi~ da rádio e da televisão na obra colectiva de Jacques Le Goff e Pterre Nora publicada em 1974. Em Bordéus. de que poderiam desfrutar antecipadamente. dissera ao director da sua tese consagrada a Enguerran de Marigny que projectava mandar reproduzir na capa do livro o selo daquele grande ministro de Filipe. fomo-nos formando uns aos outros. se assim posso dizer. Experimentavam-se re~ativamente a elas sentimentos misturados de desprezo e inveja. outrora impensável. na época investigadora no INA. Em resumo. Ele. mande. que fez com que se relacionassem na Academia Francesa. Não havia dúvida: a nossa disciplina ficaria privada de uma fonte essencial para a compreensão do nosso século se continuasse a descurar este campo e a abandoná-lo apenas à curiosidade dos sociólogos e politólogos. dando ao filme o seu lugar como fonte original dos factos e matriz das sensibilidades. fazendo-lhes pagar caro as suas fantasias. como dizia na época Le Canard enchafné. um passatempo de iletrados. eciam ameaçar com uma rivalidade brutal e degradante. uma nova geração de historiadores estava a descobrir os encantos de um audiovisual capaz de lhes conseguir uma audiência imprevista. E. Le Seuil. resultava da dificuldade de acesso às fontes. a liberdade de espírito que favorecia a rua Saint-Guillaume podia juntar-se à do INA e permitir o nosso avanço. manifestou na idade avançada uma abertura às novas correntes. desde a origem desta: essa montagem. de fazer nascer o Instituto Nacional do Audiovisual. depois. que intitulámos Le Discours et la Cravate. 1959-1968. 1994. O nosso seminário esclareceu o estudo das relações da televisão e da história (sem omitir comparações úteis com a rádio) em três direcções. pelo que muitos de nós lhe ficámos reconhecidos. a produção das imagens e dos sons: tratava-se de realçar a influência das forças do exterior sobre as decisões pontuais e sobre as estratégias da informação. em 1982.. A batalha dos arquivos Era. artigo retirado de «Le dépôt Jégal de la rad1o 0 et de la télévision)). 125-128. Monique Sauvage et al. pp. Sentíamo-nos como um quebra-gelos que tivesse cada vez mais dificuldade em progredir numa grande massa de gelo. já eu argumentava nesse sentido4• O que me valeu algumas raras aprovações entre os historiadores mais ousados e ser consultado pela Comissão dos Assuntos Culturais do Senado. isto é. em Riva dei Garda. d . nstrangido pelos poderes públicos a viver com os seus propnos co rneios. ente anglo-saxónicas. . para encerrar este peno o e _Pnn. por sugestão de Pierre Schaeffer e sob a autoridade de Pierre Emmanuel que foi o seu primeiro presidente. A lei adoptada em 1974. necessário que os poderes públicos tomassem consciência do interesse nacional desta forma particular. . a Monique Sauvage e a mim.-Abr. . de acordo com as nossas ideias. no início do septenato de Valéry Giscard d'Estaing e que fazia a ORTF em bocados. tivera o feliz efeito. n.soal. por fim. publicámos. mas que. o movimento afrouxou. Primeiro. pp. d d · rnais tarde. teve para nós a grande vantagem de nos iniciar concretamente na caverna de Ali Babá. que fizéssemos um filme consagrado à evolução do aparecimento dos homens políticos na televisão. aproveitaram uma rara flexibilidade administrativa. o estudo do audiovisual como narrador de história dirigindo-se ao seu próprio público. 1981 (ver sobretudo as intervenções do nosso seminário. Os primeiros anos desta casa. De facto. JJ-19. 57-63.antes da chegada da informática . espe0 ternP · anos . Télévision nouvelle mémoire. da comercialização dos seus bens. e. que inquietava os dirige?tes e o pes. parece que o acesso às fontes se tomava cada vez mais difícil. Assim. Conhecemos os seus defeitos de organização .e sobretudo as suas imensas riquezas. como muitas vezes acontece. E . 2 Atti del Convegno su la storia in televisione. Significativamente. ao mesmo completamente. O INA estava. 3 Jean-Noel Jeanneney. à beira de se fechar há pouco contribuíra para desviar a investigação do estudo dos decénios mais recentes. 1982. de memória colectiva e consentissem em dedicar-lhe um orçamento próprio. e que foi primeiramente apresentada no Senado para agradecer àquela assembleia o seu papel na criação do Instituto. d01s c1a1rn . este muito concreto. e de importância crescente.Um outro obstáculo. 2 Abril de 1982. s: avíamos encontrado a propos1to do caso das revistas e m1orque h 3 rnação dos anos sessenta. Pierre Emmanuel interessou-se logo à primeira pelas questões de memória audiovisual. Um colóqui9 organizado pela RAIem Setembro de 1980. pediu-nos. em 1976. Os circuitos não estavam imobilizados. Dossiers de l'audiovisuel. porém. . a reflexão sobre este media como constituindo arquivo indispensável à compreensão do século XX. ~eix~va-lh~ cada vez menos meios para servir gratuitamente a mvestlgaçao desmteressada. 4 Le Monde. 178. a partir de então: encarregado da recolha e da conservação das fontes audiovisuais. Turim. pois. Edizioni RAI Radiotelevisione Italiana. ' 142 i l 143 . 54. ·antes um livro colectivo que dava conta dos problemas de metodo clpl ' . proporcionou-nos a ocasião de fazer o ponto. e essa necess1'dad e. especialmente Cinq Colonnes a la Une . . por ocasião do seu relatório sobre o projecto de lei Fillioud. 186-190. de 1982: de onde saiu uma emenda apresentada pelo relator Charles Pasqua. O INA via-se . I 0-11. Num artigo que Le Monde se dignou aceitar em Abril de 1982. Esforcei-me por facilitar essa evolução.que nos confrontava com investigações estrangeiras. Mar. 239-240). les magazines de grand reportage. a curto prazo. e essa concentração de responsabilidade foi útil. complementares das nossas 2. Paris. dominada pel~ embriaguez reagano-thatcheriana do «tudo pelo mercado». Pouco a. os grupos voltavam ao INA. um diálogo com os filósofos e os sociólogos que. colocou-se à frente do movimento. os pnmeiros tempos da aplicação prática deste texto. em ligação estreita com Ciências Políticas. o acesso dos mvestlga ores as suas co ecçoes. Pudemos avaliar as frustrações acumuladas no mtervalo pelo nuro e pelo entusiasmo das vocações que ressurgiram logo que o ~ ' caminho reabriu. que até então lhes havia faltado por vezes. simo bem. A • fo! 144 Desenhar um campo novo Será isto o advento da facilidade? De forma alguma. como Régis Debray.ou teórica. no governo de Pierre Bérégovoy. me fosse concedido o privilégio de defender perante as assembleias . Os debates servi. De tal modo que. 1rnag de cientificidade. sem qualquer triunfalismo. H'l' encoraJae ene E ck . na conjuntura da segunda coabitação. ligados a assuntos baseados na documentação escrita. novo presidente do INA. incitou mais do que nunca o INA a «fazer lucro». co~e se acrescentar que a rápida evol~ção das técni~as de c?~sulta rã permitiu trabalhar daí em diante com mawr eficacia as ern ec .que inaugurei rnuius . . entre 1986 e 1988. . 1996. pelo que tive de me concentrar na históri~ políti~a e social dos organismos do audiovisual. fui nomeado para a presidência da Rádio Franç d a R'd' · a 10 França Intemacwnal. sob a vigilância de Francis Denel. O Instituto de História do tempo presente. . No momento em que escrevo.que nós). foi rejeitada se exame pelo Palais-Bourbon. d . o essencial fora segui'do ' e o INA .M as os meus meios eram limitados: cinco anos depoise conservaçao. no seu novo edifício da rua de Patay . e consegm que fosse adoptado por unanimidade o texto que passou a lei fundadora em 20 de Junho de 1992. quanto à televisão. ens e os sons. forçado a renunciar praticamente a todo o destaque de história cultural. . verifiquei que já não se podia esperar trabalhar comodamente os documentos audiovisuais em poder do INA. em relação ao pnncipi~ do deposito legal do audiovisual. a partir de 1990. o ~r~blema ~etomado na base. o seu inventário provisório) 5 • Enquanto a todos aqueles e aquelas que desejavam trabalhar principalmente nestes arquivos sonoros e visuais começavam a juntar-se outros «candidatos ao doutoramento» que. ver-se-á que se trata d e f acto d o Imcw · ' · de penhor uma nova era. lll Pouco depois. começavam a ter a reacção de a completar com a rádio e a televisão. Por instigação de Georges Fillioud. co~ . e igualmente citar com precisao as re erencias. as boas causas progridem de forma inesperada de vez em quando. com eles se preocupam de maneira mais abstracta. «Les médias». escapava naturalmente à minha acção. serviços de documentação do Quai Kennedy a consideração.. JUntou-se ao meu gabinete para se ocupar disso e para mostrar ' aos .que felicidade! . os trabalhos que h aviam sido lançados no primeiro período favorável dos finais dos anos setenta foram assim reunidos através de iniciativas que dão os seus primeiros frutos (esbocei noutro lugar. Felizmente. sob o ângulo da história política. d rar o acesso dos mvesttga ores aos nossos arquivos escritos e sonoro . Eu procurava naturalmente melhoa e . e para elaborar uma doutrina d . Pour une histoire politique. no início de 1987. 1 alegria -. reed. Fossem quais fossem depois as atribulações administrativas e or~a~entais que marcaram. Le Seuil. 1os. Estes problemas de método surgiram progressivamente 5 Jean-Noel Jeanneney. sentíamos que começavam a esgotar-se as vocações nesta situaçao bastante desanimadora. «Points-Histoire».o projecto de lei elaborado sobre este assunto. dado o ambiente do momento. in René Rémond et al. uma das melhores na equipa do seminar'se · .. l 145 ------~--- . fi . aliás. De tal maneira que os acasos da VIda fizeram com que ao chegar ao secretariado de Estado par~ a Comunicação. É mesmo lícito dizer que a diminuição dos problemas materiais toma de repente mais visíveis as dificuldades intelectuais próprias destas investigações (e mais útil. ~ O período da primeira coabitação.in odium auctoris.. pôde organizar.ram-me de ocasião para expor a minha antiga convicção. Paris. Relançando o meu seminário ao regressar à rua Saint-Guillaume. .há tanto para fazer! -. .pode-se dizer que foi ganha uma primeira batalha. . pou~o. o mundo da mediação. quan o as mstltmçoes e os omens se recoZcern nessa ~efa e. no campo · mediação tomada no sentido mais lato. medzattquement (1985). aos media «clássicos». a todo o universo. . neste conjunto. é de profusão . médiaphobe e médiaphobie ( 1990). 147 . finalmente. Paris. ~ críticas literárias. em especial social e cultural. nao . 146 ece-me que importa. d fi . Le plus vieux média du monde. a dos estereótipos e das representações colectivas. e cada um. . Sendo com efeito toda a vida social e cultural tecida. que as sociedades fazem circular em si mesmas sobre si próprias. e agentes. é necessário juntar os outros agentes de longa data.abertamente ou secretamente . explica-se e justifica-se pela necessidade prática de um vocá~ bulo que designe ao mesmo tempo a imprensa escrita e o audiovisu a. o nome de Jean-Noel Kapferer6). depois da palavra «media». arrasta de obscuridades e fascinações vagas.na nossa equipa. em França. no entanto. O seu inventário pode colocá-los utilmente em · .precisamente o campo da curiosidade Esforço tanto mais mdispensavel quanto o momento. médiacrate e médiacratie (1990). Como não alargar igualmente o interesse às novas tecnologias de trocas de massa que nos chegam a galope? Não exijamos. por natureza. h eles que a exercem. e também a publicidade com o seu antepassado reclamo (para o estudo do qual. 1987. Ja . num pronto desenvolvimento dos «ofícios da comunicação». como primeira urgência. O vocabulário só por si . por consequência. mesmo quando muito explicado desde há algum tempo (apenas citarei aqui. Rumeurs. «auto-estradas da informação». acabar por não se distinguir em parte alguma. afrances~da a partir d 1964. assunto de uma riqueza quase inesgotável. . d e novas tecmcas. musicais. médiascopie (1985).. t pec Iva e contn mr para e mir pistas para progredir. a partir de critérios simples. médiatiser (1983 ). segundo o Dictionaire historique de la Langue française de Alain Rey (Le Robert.1 Mas a partir desta palavra-raiz. Assim nasce uma vertigem do excesso..b . O efeito principal é que as fronteiras do tema histórico da mediação têm tendência a alargar-se a tal ponto que. embora pertencendo eminentemente ao domínio da história cultural. médiatique (1 :8. a mediação poderia encontrar-se em toda a parte e. os derivados proliferaram como cogumelos depois da chuva. a investigação dispõe das ricas colecções do Centro Nacional de Arquivos de Publicidade). é necessário delimitar. sem preocupação de prémios. o caso particular do audiovisual parece perder por vezes a sua clareza e quase a sua substância. para não sair do desenho e não arriscar. como critério indispensável. . médiascope (1985). no centro do qual se inscreve o" audiovisual: com as fronteiras mais ou menos amplas da primeira a influenciarem forçosamente a definição do segundo e o seu estudo científico. Primeiro. ou que alguns manipuladores se esforcem por organizá-lo. I ( I I I li /. d'ICad a . na circulação das representações. 1992): médiatheque (1970). é de utilidade uma reflexão sobre o rumor.profusão dda . citamos. Mas ainda que a imprensa se apodere dele e o dê como Provado.'I L_ Portanto. para de querer tratar d e tu do. que constitui um outro critério de definição: o esforço eventualmente organizado para «desinformar» também caracteriza uma parte do nosso domínio. é a intencionalidade de pesar nos fluxos de informação. de obsessões. O êxito ~a expressão transposta do inglês mass media : partir de 1953. médiaplaneur (1987). como é evidente. Basta pensar em tudo o que a expressão de êxito lançada pelo vice-presidente americano AI Gore. Por outro lado.por . Le Seuii. escapam ao campo da mediação. se o al:o ~or este~ vi~ado é cole~­ ·vo e não individual (o que apenas levaria as relaçoes mterpessoa1s urivadas). a afixação da acção de mediação: seria empobrecedor ignorar os mediadores discretos e eventualmente clandestinos. de trocas multiformes entre os homens.3 )•. Para exprimir este distinguo. diss~ prova. por ordem cronológica. Pers. teatrais. Mais que a transparência na acção. 6 Jean-Noel Kapferer. médiathéquaire (1974). . médiatisme (1990). Isto diz respeito aos órgãos de imprensa de toda a espécie. médiascopeur (1987). com tendência a tomar-se mediador dos outros. 0 cinema. reivm socta1 d . e' cultural e.tratar razoave Imente coisa · à forÇa que não se deve falar de mediação senão quando essa função algum . Pode-se afirmar que os desenvolvimentos espontâneos do rumor. é pr~ci~o ~ercar . sendo fornecidos bons exemplos com a tese de Cécile Méadel sobre a rádio dos anos trinta7. Observa-se. em primeiro lugar. ou ainda 7 Cécile Méadel.a saber. nas redacções mais responsáveis. afinar o questionário e os instrumentos de análise. E é fácil observar as transposições possíveis e perigosas para a rádio e a televisão. 1994 (prefácio de Jean-Noe! Jeanneney). 8 Jérôme Bourdon. do tipo (mal forço a nota): «A crise de Trieste em Le Petit E leu des Côtes-du-Nord» ou então: «A guerra do Chaco em Le Journal des débats». nos anos cinquenta e sessenta. mas que o precipitar das palavras. La Radio des années trente. A história da imprensa escrita. transposição no domínio da informação e da cultura da instituição que foi criada no domínio político em Janeiro de 1973. Temos a certeza de que a continuação dos tempos e a crescente complexidade do jogo aumentarão ao mesmo tempo o interesse deste tema e a utilidade do seu estudo. torna-se depois necessário. quer individuais quer colectivos. A análise de tudo o que assim circula entre o audiovisual e o mundo mais amplo em que mergulha. A problemática era forçosamente pouco fértil. de «produtos» culturais e de trocas interactivas. tanto no interior dos organismos ·de rádio e de televisão como à volta deles. tal como a conheceu e praticou a nossa geração de historiadores nos seus começos. em França e no estrangeiro. Destaca-se aliás uma interessante dissimetria: a intencionalidade é mais frequente. de passagem que a confusão que pode resultar da profusão das mensagens que correm na vida colectiva não é apenas metodológica. impedia o esclarecimento da questão em destaque. mal começou. o questionário e o método Uma vez determinados com menos imprecisão os limites do nosso sector de atenção.a fonte parecia fácil de rodear e muito acessível. especialmente com a imprensa escrita. As prateleiras da Sorbonne estão carregadas de trabalhos datados desse tempo. inspirou-se em exemplos escandinavos e espanhóis. Anthropos-INA. Le Monde. a de Jérôme Bourdon consagrada à televisão dos anos De Gaulle8 . Ora verifica-se com surpresa que a rádio e a televisão estão aqui muitíssimo 148 trasadas. no entanto. Conhece-se o caso das «clínicas de rumor» que os Americanos tinham instalado durante a Segunda . em muitas cidadãs e cidadãos. em conivência ou concorrência com ele. que exigem a existência de uma função original confiada a um responsável denominado precisamente mediador. bom número de dissertações para o diploma de estudos superiores. sendo por isso necessário inventar um intermediário suplementar que a eles tivesse acesso. Paris.r (f r-! ele logo será incorporado no nosso sector de atenção. 149 l . O seu estudo.só de forma insuficiente o conseguiam. das imagens e dos sons perturba em primeiro lugar os «consumidores» de informações. Anthropos·INA. profundamente reticentes em criticar-se a si próprias peran~e 0 seu público: esse progresso (a reclamar sem tréguas!) seria. de dispor de mediações com os mediadores. ao instituí-la. porque se sentia então que aqueles cuja própria função era serem intermediários entre o cidadão e as decisões gerais ou individuais que lhes diziam respeito . Tal é a base em que o nosso objecto se inscreve: influenciado por este meio. Histoire de la télévision sous de Gaulle. cuja representatividade se supunha provada e cuja influência não era mensurável. trabalhava muitas vezes de forma muito banal. tónico e cívico. Considerando. sobre a reorganização das relações com os seus leitores. a literatura. a complexidade do jogo de forças e dos desígnios dos agentes. Para sair desta aridez. desde o início que a nossa equipa avançou em três direcções. ocupou-nos muito . Paris. padres de diversas religiões. o cinema e as outras artes. 1990 (prefácio de Jean-Noel Jeanneney). ou ainda universitários de prestígio. aliás. a partir do seu centro. Guerra Mundial para proteger a moral das tropas das falsas notícias ' que a poderiam afectar e aumentar as «forças de desintegração» do~ exércitos: recorriam a «autoridades morais» reconhecidas. Mas a justaposição das citações. Era cómoda para a determinação dos assuntos pelos professores . do lado da réplica. Um sinal disso é a aspiração. e quase de regra. o Parlamento e a Administração . Só assim se pode interpretar a reflexão que os jornalistas da imprensa escrita fizeram nos últimos anos. por exemplo. que intervém por diferentes meios: sondagens.multiformes: tudo o que. dos «administrativos». a sua tese sobre a Histoire de la Haute Autorité de la communication audiovisuelle. Uma dissertação de Bruno Bertherat.. cor~ios. Complexe. que vêm alimentar em especial as imagens cruzadas dos pov?s umas sobre as o~~as. Paris. pela ideia que tinham das a de Denis Marechal sobre a Rádio-Luxemburgo 9 . sob a minha direcção. Lausanne. INA-L'Harmattan. descreve a maneira como este nómada. La Crise de J'ORTF en mai-juin 1968. . 1985. . no entanto. para alem da medtaçao.histórica. de Georges Homn. A tese de Anne Grolleron na Antenne 2 está prestes a terminar. 12 Agnes Chauveau defendeu em Setembro de 1995. 1985. o que é significativo de progresso): Jean-Pierre Filiu. a sua parte: ao lado dos Jorna 0 ·ta é necessário dar uma oportunidade à multidão de outras perescr1 .. Mas também as influências meno' visíveis e que. defendidas há uma dúzia de anos no nosso grupo . (prefácio de Jean-Noel Jeanneney). e Sophie Backmann. foi progressivamente colocado perante a opinião pública no papel mítico de inimigo público número um. 150 Bruno Bertherat. crítica. é necessário distinguir os diversos tempos das acções. Juntava-se-lhe o emtn • el de outros agentes situados fora do sistema. Histoire des radios de Zangue française pendant la Deuxieme Guerre mondiale (prefácio de Jean-Noel Jeanneney). Heurtebise. no Canadá e em França. O caso da «mediatização» de Jacques Mesrine é rico.dirigida por Jean-Daniel Reynaud. 11 Hélene Eck dir.--· --------.. a influência em «ascensão» das aspirações reais ou supostas da audtencta. I 986. jornais especializados no serviço e escuta dos ouvmtes e telespectadores. homens políticos. Larousse. ao longo dos anos setenta. ao mesmo tempo. diplomatas e escntores vtapntes de todas as espécies. mas que infelizmente ficaram inéditas (sendo a edição hoje mais fácil que então. ele próprio desempenhou um papel decisivo. Jacques Mesrine. Presence et représentations du militaire dans l~s magazines de grand reportage 1962-1981.. A longo prazo. .· . Bruxelles. que se instalavam as sucessivas «autoridades administrativas independentes» encarrega. 0 ciclo. Presses universitaires de Nancy-Éd. A complexidade do ritmo dos efeitos da mediação audiovisual é um segundo dado a ter em conta. pareciam mais dignas de interesse : medida que evoluíam os costumes do meio político. dos jornalistas.. Foi também ajudado. Fundação para os Estudos de Defesa Nacional . com um domínio primeiramente instintivo e depois reflectido. 1984. os conflitos de «vedetas». sobre os efeitos da mediação (procurando-se elaborar. fait divers et média. . v!nda de outro lado. defendidas no 15 _l j qoadm do""'"' Cido. E neste. """' di<pon!v: :m Scienre< po.. utilizando os media. Un média au coeur de l' Europe. em termos ao mesmo tempo geográficos e sociológicos... 1994. Paris. forçosamente. Syndicalisme et Service public de la radio-télévision. recentemente elaborada no quadro do seminário e cujo mérito justificou a publicação 15 .disponíveis em Ciências Políticas. humanitários. A historiografia sabe há muito que nunca existe linearidade simples nas evoluções das culturas e das mentalidades. comerciais. E finalmente necessano atender. 14 Citamos...os tempos de crise 10 e os tempos de guerraii revelando muitas vezes mais fundo. La Mort de l' ennemi public n. Há do maj ostensível: os dirigentes instalados.industriais.. de crimes a evasões. as pressões políticas. dos engenheiros. na esteira do seminário Grande Muette. 1982-1986 (a publicar nas Presses de Sciences po). 5 -. a cartografia das influências) e s?~re.. Paris. Radio-Luxembourg 1933-1993. 0 1. . Tomámos também em consideração os movimentos cibernéticas internos nos organismos respectivos. e que a influência do governo se reduzia (o desnível era aqui de cerca de um século entre imprensa escrita e audiovisual): meios militaresi3 grupos de pressão de todas as espécies . e consagrada ao SURT-CFDT. a tese de sociologia. das tácticas e das influências. as pulsões individuais e as estratégias 9 Denis Maréchal. Histoire politique et sociale de la réforme de la radio-télévision en 1974. Uma lista das numerosas memórias inéditas de DEA. 10 Citarei. Montréal. sonagens. que se desenham segundo um enredado complexo de temporalidades diversas. das de constituir uma peneira entre os ministros e as cadeias 12 . as reacões do público.. «Jeunes Talents». 13 Ver a tese de Bernard Paqueteau. _ . in~ telectuais. a sua eficá~ cia e os seus fracassos. o peso dos realizadores. nas ~~presas de im~rensa escrita. Informa-se assim. La Guerre des ondes. mas que desempepap · 1·tstas da Imprensa · havam. Payot. como noutros casos. ~ibertas de a data do «cordão umbthcal» que as hgava aos gabmetes das 0 lo ~ e~ncias atraía há muito mais tempo a atenção.- . por jornalistas em especial movidos pela lembrança de todos os Mandrio do passado.A Documentação francesa. o jogo dos sindicatos 14 . duas boas teses do 3. Paris. Serpenoise. 1992. Armand Colin.· . a título de exemplo. etc. Nancy.. Petit Écran. e ajudado finalmente por polícias ávidos de glória que elevaram a sua celebridade sulfurosa. No período de vários decénios. Quanto ao público de France-Culture. voltando à lentidão das profundezas. as ambições e os conteúdos da cadeia. justa ou falsa. dos jornais de informação (que apenas tendem a inquietar os homens políticos) é ao mesmo tempo. das origens aos nossos dias 17 . para concluir o estudo da mediação cultural tomada num sentido mais estreito. por exemplo Assunto do seminário em 1993-1994 e 1994-1995. Poder-se-ia demonstrá-lo pormenorizadamente em conferências eruditas. Foi engrossada ao mesmo tempo pelo gosto do romanesco e o engodo do ganho. A sua personalidade marcou sempre o equilíbrio. dia em que o vagabundo foi abatido a sangue-frio. senhor dos seus orçamentos. Les Brigades du Tigre. nos «telefilmes» e filmes de cinema passados ao pequeno ecrã. Tudo isto seria de esclarecer com minúcia. ou então o caldeirão passional constituído por France-Musique e que tem um público tão especial. prática igualmente antiga. ou ainda em cruzeiros históricos ou literários. Os seus directores sucessivos. France-Culture. apoiados nas suas redes internas e externas. a imagem da polícia e dos polícias. em terceiro lugar. Estas variações nos ritmos dos efeitos da mediação ligam-se aliás de perto.especialmente na tomada de som ou no registo das imagens. de outros impulsos muito diversos. tratando-se da rádio e da televisão. a lenda póstuma iniciou o seu caminho. animados pela análise que se podia fazer. desde a origem. como também muitos outros mini-poderes: o dos produtores «barões». Maigret. e bem assim nas rubricas ad hoc dos jornais e publicações de toda a espécie que tratam das artes e das letras. da expectativa do público. Alain Decaux raconte. na armadilha que a polícia lhe estendeu na praça de Clignancourt. como Agathe Mella. Jean-Marie Borzeix. Panorama. Vidocq. forçosamente. se observa que a marca. cadeia de rádio do sector público. O inventário dos diferentes tipos de emissões e o estudo analítico do maior número possível de casos monográficos. permitem uma reflexão sobre as mutações dos estilos (as formas. sábios e especialistas diversos que vêm alimentar esta antena mais que qualquer outra. Entre as emissões estudadas em diversas memórias do seminário: Cinq Colonnes à la Une. a lentidão e a vivacidade) em relação directa com o fundo das mensagens. sem equivalente nos países comparáveis ao nosso. ao ritmo frenético do imediato. Depois. O jogo acelerou-se nos últimos meses e atingiu o paroxismo. Les Cinq Dernieres Minutes. no lugar desde 1984. as pressões da «técnica». as cores. mas na confluência. sobre Apostrophes ou Bouillon de Culture do grande mediador Bernard Pivot). se concentrar a atenção no objecto deste livro. as exigências dos assistentes. nas «ficções». graças ao prolongamento dos seus mandatos. têm tido tempo. é mais difícil de avaliar e entender que o das grandes cadeias populares e «generalistas». na duração histórica. Les Grandes Batailles du passé. bem como as relações complexas mantidas com os intelectuais. É assim que. mas tiveram sempre de ter em conta não só o peso hierárquico do seu presidente. mais superficial e mais breve que a das revistas e das emissões ditas «não políticas». mas numerosos estudos qualitativos oferecem sobre ele indicações sociológicas preciosas (e muitas vezes surpreendentes quanto à percentagem de rádio-ouvintes populares). modela mais profundamente a evolução da sua reputação (para dar um exemplo com o qual o seminário trabalhou recentemente 16) que a que podem veicular as news no decorrer da actualidade imediata. etc. nas sensibilidades dos cidadãos e na sua representação do mundo. 152 153 16 17 . actualmente. à complexidade dos géneros e das formas. dando a conhecer aos leitores da imprensa escrita. para estabelecerem a sua autoridade. Podem-se assim realçar igualmente as consequências dos progressos técnicos sobre os conteúdos . em Paris. Um exemplo excelente para ilustrar esta questão é fornecido por France-Culture. velha tradição das províncias e dos institutos franceses no estrangeiro. Mas o audiovisual é aqui ainda tópico. alimentada pelos mesmos mediadores e por muitos outros. ~erifica-se que a problemática que assim acabo de resumir em três movimentos é eficaz. Yves Jaigu ou. a 2 de Novembro de 1979. Se.r reacções do seu público a partir dos seus próprios calafrios. falando na generalidade.considere-se as revistas especializadas em televisão (chamam-lhe trabalhos aprofundados. os sons. aos ouvintes e telespectadores o mérito da sua caça ao homem. Finalmente. em especial. sobre as origens da rádio cultural na RTF. a adaptação às mudanças da «temperatura» cultural e.. no final do pequeno trecho de história cultural que acabamos de ler. Nada de imutável. eu a «mediatizo» por minha vez. mesmo em relação aos desaparecimentos. que neste campo constituem muitas vezes. Nunca mais acabará. comemorações e aniversários. Penso na tese agora acabada de Isabelle Veyrat-Masson. tinham dedicado tanto trabalho e tanta fé 18 • r I I Também não é inútil. O espelho. para concluir. pelo cuidado de «fidelização» dos ouvintes e em virtude da perenidade dos produtores. 18 A tese que Hélene Eck defenderá em breve sobre a rádio do pós-Segunda Guerra Mundial em França trará. com sábia prudência. acontece que. Isto pode ser verdadeiro por vezes até em segundo plano. no espelho. no que diz respeito às categorias de emissões.. pois as mudanças são muito progressivas. esta cadeia está por natureza mais livre que outras das pressões do imediato. Tanto melhor! Abismo final Como dizia no início.Os inquéritos devem poder esclarecer também as curvas temporais da influência. Mas esta prudência necessária não deve mascarar a modernização da forma e da arquitectura dos «produtos» oferecidos à antena. Ora. antepassada de France-Culture. mas. Sem prescindir do «jornalismo cultural». das mudanças que uma comparação à distância de dez ou vinte anos realça fortemente. uma série de informações e de reflexões novas. 154 l 155 t1 j . do «meio sonoro» das novas gerações. É mais ao ritmo de uma pedagogia lenta do que de uma informação superficial que a France-Culture trabalha e que impregna os espíritos e as mentalidades dos seus ouvintes. no espelho . mesmo quando por toda a parte a isso se renunciasse. pronto a reter os· movimentos de superfície. especialmente aqueles que se haviam reunido em tomo de Pierre Schaeffer. investigadora no CNRS e uma das pioneiras do seminário. um pouco artificialmente. esta evocação das primeiras batalhas e dos primeiros conhecimentos adquiridos -conhecimentos expressos de modo preciso e conjunto de perguntas afinado . chamar a atenção para um ponto que lhes diz directamente respeito e que. algo de permanente: a convicção de France-Culture. mais me parece feito para os estimular que para os inquietar: o historiador não escapa ao destino que o constitui em mediador destas mediações. só se podem qualificar convenientemente numa perspectiva pluridecenal. a actualidade. No entanto. aliás.tinha sobretudo por desígnio fazer surgir entre as novas gerações de investigadores novos apetites científicos. que trabalhou durante muito tempo o tema «a História na televisão francesa no decurso dos seus três primeiros decénios». de preservar a «arte radiofónica» a que os pioneiros dos anos cinquenta. na encruzilhada do cultural e do político. Por outro lado. entre outros factores. IHMC-CNRS. a atenção dada desde há uma vintena de anos à história dos intelectuais permitiu a constituição de um campo historiográfico num outro registo. Por um lado. no mesmo XVI"-xxe siecle).«cultura das elites» não teve continuidade: o rápido aumento de uma cultura de massas durante o século explica. o estudo das elites culturais levanta. 1980. que permitiam desde 1983 fazer um inventário 1 ( Ver um primeiro balanço nesta data. se a noção de elites operou aberturas frutuosas no início dos anos 1980 1. que permitia ligar a história política. o amplo debate em redor do par cada vez mais contestado «cultura popular» . e a história cultural. vários problemas espinhosos. entre alguns historiadores no limiar das suas investigações. a abordagem política dos letrados recolheu depois belas colheitas. Mas se. a partir dos anos 1970. O resultado foi que. Prosopographie des élites françaises Paris.AS ELITES CULTURAIS Jean-François Sirinelli para o historiador que trabalha sobre o século XX. em termos largamente específicos. para o estudo do século XX. e quanto a este mesmo século. com efeito. que o estudo das práticas culturais se coloque. quanto a este período. a caminho de descobrir o seu segundo fôlego. sobre a posição dos intelectuais. a complementar. desde logo. em virtude desta situação de encruzilhada que o interesse se fixou primeiramente. se encontrava ainda em larga medida nos limbos. aquela que pretende conduzir as suas diligências pela vertente propriamente cultural Passou por dificuldades iniciais que não eram insignificantes. Guide de recherches. que. 259 ~·------------------------~----------------------------- . Foi. quanto a esta situação. aliás. animador2 . Remarques historiographiques».wrn-se os que contribuem para difundir e vulgarizar os conheciJJ'!Ptos dessa criação e desse saber. Jahrhundert. como com a notorieoaâe.. 1 . 1nversamente.. Por um lado. vol. Essa notoriedade pode ser fugaz ou póstuma: intervindo neste c•so rápida ou tardiamente. Paris. considerando as muito ano. da Association for the Study of Modem and Contemporary France consagrava os seus trabalhos a Elites in France. 261 -------· . 95. Haveria aí. mantém-se o problema do im 19. o . ~ntre os ho~ens de cultura assim defi~id?s pela çrlação ou pela medtação. diligência normativa. A • Questões de princípio Convém.. Christophe Charle. com efeito. A sua~· tuação. Frances Pinter). Élites et Systeme de pouvoir en Grande-Bretagne.. as estão colocad legitimamente. sob o olhar cruzado de várias disciplinas. doutoramento defendidas no decorrer dos anos 1980. ao lusco-fusco. avaliam-se imediatamente os limites de tal abordagem. p. se a noção de elite mais remete para o qualitativo. noutros lermos.. 1. analisar em primeiro lugar as causas do lento arranque 5• Por que foi. por exemplo. essa maneira de avaliar faz passar ao quantitativo.e em algumas outras partes deste capítulo . de um poder de influência. t. art. incerto ou decididamente injusto. As elites da mediação cultural poderiam ser. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. 2 Jean-Pierre Rioux. domínio reservado de ao 0 . Origins. no inquérito ~omum. .~. pelo menos duplo. und 20. as «elites culturlllentQ . Paris. de facto. aliás. para tanto. Es atraso era tanto mats preJudtctal quanto as ehtes culturais não s.. a necessidade de declinar aqui essa identidade no qu. ~ nar um obJecto que. Sob esta ~ficação podem estar reunidos tanto os criadores como os «me:. Cemy. Dever-se-á. Les Élites de la République (1880-1900). E mesmo supondo que se admite essa abordagem quantitativa. Nestas condições... 13-27. . Londres. 1990 (tese defendida em 1983).. um terreno mais sólido. h . essa noção foi em primeiro lugar utilizada nas 1 ' eses .te exclusivo do historiador . R. Munique. El qualquer outra das ctenctas umanas ou soctats. Na condição. ' · socta da htstona .nas análi~es que esbocei na minha contribuição para Eliten in Deutschland und Frankretch 260 .. Rainer Hudemann e Georges-Henri Soutou dir. desde então. longe de as tst.ILV'"~v e diferentes acepções da palavra cultura na língua fran- a localização de elites. Reproduction and Power (actas publicadas em 1981 por Jolyon Howorth e Philip G. Mas como avaliar tal capacidade e tal poder? Assim. o colóquio fundador. entendidas como dotadas de uma certa capacidade de ressonância e de amplificação.-P.ores» culturais: à primeira categoria pertencem os que participam · criação artística e literária ou no progresso do saber. Oldenbourg Verlag. é dar um prémio JO polígrafo em detrimento do autor que dá forma clara e precisa à sua obra. 1994. 6 Philippe Bénéton. Para a criação. 1 ats e arhsttcas» parectam_ nest~ a ~u~a smgu arment~ «abandonadas»4. Por delicado que seja. 2. citado. Dai precisamente. que critério utilizar? Se se escolher 0 da notoriedade. Fayard. no cruza "~~ · 1 e po1'tttca · 3. 3 François-Charles Mougel. Presses Universitaires de Bordeaux. Bem mais complexo de ultrapassar parece. 1987 (tese de· fendida em 1986). no fim de contas. 1975. Mélanges de l'École française de Rome. 4 Jean-Pierre Rioux.- . de cada uma destas disciplinas se mostrar fecunda em determinado campo e conservar.nem. confere-lhes o estatuto invejável de campo de encontro de disciplinas. se furtasse progressivamente à vista.. 1983. especialmente entre sociologia e história. em Birmingham.. é apenas um espelho deformante que devolve uma imagem vaga. aparentemente.. Histoire de mots. ela remete para o problema do poder de influência. deve-se confiar antes no reconhecimento dos contemporâneos? Mas. Quanto à mediação.ertnine a pertença às elites são mais importantes que para outros ll)eios estudados. «Les élites en France au xxe siecle. porém. . diz respeito ao historiador. este pode revelar-se caprichoso. que a história das elites culturais conheceu tal atraso de compreensão? O bloqueio era. pelo menos no século XX. arriscava-se a ser ~um húmus movediço. 5 Inspiro-me aqui . as suas características próprias e a sua identidade. pp.gundo obstáculo.. Porque é sempre possível ~ r uma definição empírica de um homem de cultura. baseá-la na extensão da obra produzida? Em literatura. as dtficuldades para fixar um hmtar que jJet.. na segunda . . 21. este primeiro pro- *"" a não era no entanto intransponível. ao mesmo tempo. No pnesmo período assiste-se. Além disso. Decerto que. elites culturais ganham então espessura no plano estatlstlco e voz no o plano cívico. as elites também se definem não só pelo seu poder e pela sua influência intrínsecas. a dupla evolução verificada amplifica o papel dos mediadores em relação aos criadores. _ De facto.erifica-se uma grande ~utação As leis escolares como e evidente. A sua evolução no sé. entre o lugar e o estatuto de um professor numa comuna francesa do princípio do século e a situação que lhe é criada na §ociedade das duas últimas repúblicas? Ou ainda. Sem dúvida que no caso Dreyfus o raciocínio tinha a sua lógica. Minuit. esta dupla evolução intervém ela própria numa sociedade francesa profundamente remodelada durante o mesmo período. é por essência diverso. Armand Colin. e o papel provavelmente decrescente da Escola ern relação ao audiovisual. houve intelectuais que abandonaram a esfera do cultural para se dedicarem à da política. Esta vocação trazia em si o germe de uma divisão acrescida do meio intelectual francês. ao mesmo tempo poI'' Itlco e sóCio-cultural. As tm u ' . com efeito. . que o espelho social reflecte. 262 263 7 . tendo como pano de fundo uma distinção que se impõe entre os séculos XIX e XX. no fim do século ~IX v. os intelectuais franceses instalavam-se no centro dos nossos debates cívicos. Paris. Decerto que este. já delicada em si mesrn a~ ainda complicada pelo facto de a ressonância variar em função ~ e vectores de mediação e por estes terem evoluído no decorrer do séculos Ora. Mas. podendo a cultura ser comparada. . na sequência do caso Dreyfus. Naissance des «intellectuels» 1880-1900. sobretudo. E como. de uma visão do mundo. Ora.s operadas pelo serviço militar e pela implantação cada vez mais gic unda da imprensa quotl·d·Iana. seja qual for a resposta dada. uma vez que os letrados pretendiam destacar-se de um dossier judicial baseado em peças escritas litigiosas: campo de competência e campo de intervenção cívica sobrepunham-se. um animador de televisão. entre um professor agregado numa cidade de província do período de entre as duas guerras e o seu homólogo deste fim de século? Elites politicamente divididas por um lado. O que há de comparável. de l' affaire Dreyfus à nos jours. pertencem naturalmente às elites culturais? Limitar-nos-emos a observar aqui que. através de dois fenómenos ligados entre si: a subida em potência da imagem e do som. Gom efeito. Christophe Charle. 1986. como também pela própria imagem. essa intervenção criava um precedente: por uma espécie de evolução. ao aparecimento · d o «mte · Iec7 ai» como figura da cena política . desempenham ai o seu cuiturai . à mecâni. por outro lado e ao mesmo tempo. Mas o caso Dreyfus vai realçar uma falha que de futuro fluirá no seu seio. com uma origem multiforme (a «criação» cultural) e urn: circulação (a «mediação» cultural) complexa e ramificada. muito tempo antes do fim do século XIX.· dos fluidos. Ora. ela corresponde a uma realidade histórica. são os vectores dessa circulação que são decisivos.limiar: a partir de que poder de ressonância se deve permitir a entr no clube fechado da elite? A pergunta. neste domínio a cesura não é uma simples comodidade de exposição. s-ao f actores que concorrem para f ~ urna outra forma de desenvolvimento. em nome da sua qualidade de peritos reconhecida no espelho socml. Ver Pascal Ory e Jean-François Sirinelli. depois do caso Dreyfus. de repor numa cronologia subtil. forçando a nota. 1 mas também o desenvolvimento geografico provocado por uma • · · I' Pape d ferroviária cada vez mais densa. numerosos intelectuais julgar-se-ão futuramente habilitados a destacarem-se em muitos pontos que dividiam os seus concidadãos. os agentes ·ncipais do campo cultural vão mudar de estatuto e de número. a abertura e a mistura socw o~ . Mas. além disso. por exemplo. . à imagem de qualquer grupo humano numa sociedade democrática. culo XX manifestou-se. mllltos mtelectuais se JUlgarao implicitamente habilitados a envolver-se na defesa de grandes cau~as. esse estímulo se tomará cada vez mais denso • no decurso do século XX as elites culturais serão elites divi- A história das elites culturais é. . pois. nesta altura. pelo menos por duas razões. no que respeita a transmissão dos saberes e mais amplamente. 1990. Les lntellectuels en France. • . e à sua rápida multiplicação. Surge então esta pergunt~ que se tomou clássica: um actor de cinema. . Paris. em detrimento do impresso. que lhes conferem uma identidade. necessário precisar esta última questão. . em Le Temps des prophetes ch~mava uma «autoridade espiritual». afinal. ·. rev~r. da sua opmmo . . e que um primeiro b 1 . a um ou outro título.or estas elit~s culturais é um organismo vivo.1. no momento. por outro lado. · h .. o eco político dos intelectuais data dos anos de 1930. . pAor ~onsequênc~a.- . ocasião em que se reactivou a memória c?Iectiva. quando os dois campos políticos então em presença procuravam identidade ideológica. tivos a influência dos intelectuais. para concluir em cematicamente ' ' · pela receptividade profunda por parte do aud"1tono. a anço d I meto o og1co_ ten a s1do elaborado algures 8. Não é nosso propósito arrolar e estudar aqui os debate ntmaram e reactivaram essa divisão. que conferia aos letrados um papel de primeiro plano. p.ença de actor~s na e a sua contribuição para o acerto do repertóno. um eco específico.~idas. . I. 264 Através destes fenómenos de circulação e de transmissão.1m1ta o. d . . Paris. a lS~0~1a c~ tu~al. Gallimard. I . o meio intelectual não é um simples camaleão que toma espontaneamente as cores ideológicas do seu tempo. seJam . verificar a pres. · d se admite tal hipótese. o aspecto político do nosso tema nao pode ser totalmente esvaziado de uma obra cons I agra. senao Simulacro? Sena provavelmente excessivo chegar a tais conclusões e. Le Se~i1. Em numerosos casos. um pouco ~orno os exerc1tos a Antiguidade que. a resposta varia provave me~te com ~s ntos e as circunstâncias. Por que razão estas elites conheceram durant~ decénios. Evidência que levanta ao his~ tonador questões essenciais. poder de resso~anc1a. reduzmdo o~ ob. enfim. nos dois sentidos: as elites culturais tomam a cor dos debates cívicos. orque sendo sobretudo endógeno. Os letrados raciocinam de ~aneira endógena. . .~ ~final o que dá a sua especificidade à «alta intelligentsia»:A de~a part1c1pam os que possuem. não obstante. Concorre. Paris. · · lvidos não falarão.. a.ugar na memória permitem concluir pela existencia de uma mfluenc1a profunda desses intelectuais sobre os seus oncidadãos? Não basta. pelo contrário. meio ~onstituído. Le Seui. entre a esfera intelectual e o mundo que a rodeia existe uma forte osmose. senao os ~c ' .? Se b tam . Fayard. es aços. as elites culturais. ·. e muito antes do caso Dreyfus. 1co das eI1tes culturais esteja agora determmada. para colorir o seu ambiente. na coloração dos debates e. que não senam. a maior parte das vezes. Paris. . Na condição. o papel pol~tico dos letrados sur~e 1·. es:e I. ficamos naturalmente no centro da história cultural. . mas também contribuem para lhes dar os seus tons. . . em virtude do poder de influência ClVIca. com efeito. em posição de extraterritorialidade. perguntar se e especifico da mtellzgentsia francesa. . 1988._uto · 1 Além de que. e para a introdução do meu livro. 1a ahas necess~w. de não perdermos de vista que o. 1996. . 1996. Por um lad. CUJa densidade estatlstlca e compos1265 nm•--~-- • •• . todavia.. bem mais importante que ~ provemente de outros sectores das elites francesas? E por que gozavam de um crédito moral particular. • como entidades autonomas. o que Paul Bénichou. . Intel~ectuels et Passtons françaises. reed. que servia de base e ampliava esse eco? Porquê. por vezes. es~ec1a mente pohticos. 1ga as a sociedade que as rodeia e são precisamente ess I .adversa. Quer d1zer que essa participação. Estão 1 . os mtelectua1s rnome . nestes dois domínios uma progressão espectacular desde o fim do século XIX? É. Sartre. seria preciso. muitas vezes. e dirigindo-se estes pn~e1ramente ~os seus parceiros. h. de que ser· a~~o . qual a parte das grandes ideologias forjadas ou veiculadas pelos letrados? ~ Hugo. se invectivavam ma1s _do ~ue se confro~­ tavam? Não haveria aí. d porta-vozes dos campos em presença•. mesmo quando seja legitimo Isola-Ias para efeitos de análise não ex1"stem . sob a direcção de René Rémond. com os outros mte1ectua1s envo ém envolvidos. na verdade. «Folio». nova edição. pe o contrarw. Por um }~do~ como avaliar a amplitude deste eco e o seu Impacte na esfera pohtica. mas recordar que existe de~ que um elemento constitutivo das nossas elites culturais. Por outro no domínio mais preciso das culturas políticas e da sua constituição.as questoes. «Points-Histoire». essas ehtes constituíram durante muito tempo. d . . e em pnme1ro lugar.o. mas o ruído dos seus pensamentos ressoa no exterior.como da op1mao . Foucault 8 Permito-me remeter para a minha contribuição «Les intellectue1s» em Pour une his~oire politique. Mais ainda que do caso Dreyfus. Faculdade de eco de que decorrem imediatamente du. . . . desde logo.. ~a~to ma1s qu~. 1990. Ma1s amda. mesmo que a história do envolvimento polít" . 223. Intellectuels hongrois. . incluindo administradores e explicadores. soas segundo a acepçao ma1s ou menos ampla que se da à palavra int 9' t I T d _ e1ec. d ' st h d estudou há pouco' 2 a «glória» de Beranger. observar-se-á. a este respeito. mesma• ob~ecto O aumento estatístico é muito claro. de futura gente de pena e verbo . 1991. Nota-se depms que a século mais tarde a «glória» de Sartre é.da do ensino secundário. o que coloca de facto as instâncias encarreg~das de entregar 0 diploma no centro dos maquinismos dessas sociedades... em primeiro lugar. 1ean I 'rnbO os .e. p. No limiar do século XX. nas sociedades modernas da Eur~p~ mdustrta~tzada do fim do século XIX e do século XX. do brilho no seu seio do professor de a su . o. portanto.estao ~o ~apel da Escola. Madeleine Rebérioux. A «glória» SOClalS p . Aub1er. Pans. das expectativas ou das senstbthdades de uma epoca. é teoricamente ao mesmo tempo garantida e legitimada pelo diploma. poeta o ~eTouc homenageado em vida. . 1983. triplica nos quinze anos que se seguem a 1945: antes mesmo da explosão dos efectivos nos anos sessenta. PUF. E essa evolução é precisamente. d ua . v·uao os «anos» Lévi-Strauss. . entre 10 000 e 30 000 pes~~ _ . Armand Colin. No início dos anos noventa. d.. E os professores e professoras do ensino primário eram. as faculdades e grandes escolas francesas contam 250 000 estudantes no início do ano lectivo de 1962. . 2 vol. Histoire de l' enseignement en France I 800-1967. 11 Nota de informação 91-05 do Ministério da Educação Nacional. p.tvtsoes · . o pessoal dos liceus agrupava cerca de 5000 funcionários e o das escolas preparatórias cerca de 4000. Como nela existiam 289 000 1 não docentesi . in lntellectuels /rançais.evoluíram no tempo. São igualmente indirectos. . entre outros. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. Akadémiai Kiado. 186. na medida em que estas elites são também. flexo da sociedade em que se inserem. destas . 1985. Paris.ção . Outro indicador revelador: o número de docentes. Budapeste. esse~c. ·d · . filosofia e da consagração do intelectual comprometi"do. Paris. Depois. entre' 1906 e •191 4 duplica de novo no período entre as duas guerras. na essência um v ·v . em si ologla · d e h·1stona ' · cu1tura1. em 1906 . 1968. Especialmente com a qu. Mesmo considerando o ensino secundário feminino e os docentes do privado. considerável. que no fim do secu o I ~longa «glória» póstuma de Victor Hugo 13 corresponde ao a~vento d cola primária e à influência do preceptor. 266 267 r . determinando o número e a composição das elites culturais. cu~o X~ ~sstm ·~s Bolseiros ou herdeiros? A morfologia das elites culturais é igualmente função_das modalidades de acesso ao seu meio. sociedade que tam~ore . para o ensino secundário masculino. La Gloire de Béranger. Lacan e logo Fouca~lt. O inventário dos artistas que uma marca particular na imaginação dos seus contemporaneos · d. cerca de 150 000.ou a . p. 230. a Educação Nacional era o maior empregador de França com 1 044 924 pessoas remuneradas. Géraldi Leroy dir. o reflexo rnd ei bt. Tocqueville et les Françats. de certa ma9 Christophe Charle. Jacques Le Goff e Béla Kõpeczi dir.si~arws no decorrer dos anos sessenta e ao papel concomitante das pagmas culturais dos grandes semanários de opinião. e depois de uma descida. pois. a partir de uma base . 1968. Porque. . pode situar. ~efle~o de uma nova d nça de dinastia: a consagração das ctenctas dttas humanas e mu a orá fim ao reinado da filosofia. et l'Affaire 10 Antoine Prost. a mort .depots. lo Culturais da história francesa.meio que é. «Classe ouvriere et intellectuels».passa de 19 821 em' 1891 1 eiro 10 Para 39 890.novas autoridades corresponderá à explosão dos efectivos umver. «Naissance des intellectuels contemporains ( 1860-1898)». . na confluência destes dois parâmetros. Mas os efeitos de tais evoluções não são apenas mecânicos. p~1o menos relativo (ver Françoise Mélonio. Paris. . oe ' · Certos escritores passam mesmo a ser. a evolução foi. in Les Ecrivains Dreyfus. Paris. na altura do caso Dreyfus. o número de estudantes . a nebulosa docente contava portanto nessa data com mais de 700 000 membros.Ial ao espelho social.permite praticar d . Para so cons1 erar aqut o secu ' 1 xx bases assado. a competenc~a. 1 bérn evo m. o os os m 1ca ores vao. a este respeito. na mesma data. 12 Jean Touchard.nas sueesst·vas deixam geração seguinte . para atingir 80 OoO no decorrer dos anos trinta. . xme-xxe siecle. 1993). du CNRS. . . 13 No momento em que Tocqueville vai mergulhar no esq~ec1m~nto. Éd. no mesmo sentid Assim. . Paris. 35-39. . cães de 14. que está Pr?s~egue um debate rico e denso sobre os efeitos da Escol maqmmsmos e nessa arquitectura. ?e d~pl~cador? ~sta questão. também t. cit. Paris.. ~ari_s. Além disso... Les Héritiers. a nos ~~nto de promoção social graças a uma selecção escolar e ~n~~s~­ t<~. PUF.. Tanto mais que os autores de Les Héritiers nunca reivindicaram essa retroactividade. tinham uma origem social totalmente diferente 20• O próprio vocabulário teve durante decénios uma evolução que toma o seu uso comparativo arriscado.-- . foi especialmente apoiado por so~ CI _ogos a trabalharem sobre a V República. CUJ~ a~hcação. op. E os resultados da entrada nestas Grandes Écoles não constituem naturalmente o único domínio em que se observa tal desnível cronológico entre a V República e as que a precederam: assim. D boursiers conquér t ? E 1 " . . Aubier. .au e asseron. reed. de fonctionnement et de localisation des Grandes Écoles en France. pp. Eu próprio tive pcasião de propor uma análise da III R 'bl" .. 1964. foram grandes fornecedoras de elites culturais 18. 42). La Documentation française. ~7.­0 a sco a um papel dete~inante. inscreve-se. pp. nos antípodas destas ideias recebidas-. mmto pelo contrário. L E cole capztalzste en France Paris Maspero 1971 . mas de efeitos con.. de recrutamento sociológico por vezes muito amplo. e Ir.~ ·" '· " '*~.". a questão do papel desempenhado elo diploma umversitano nos mecanismos de capilari"dad . os laureados do mesmo concurso. ans. . seus me msmos.. as Grandes Écoles. . . que.~. PUF. S zn erge erstem e Odlle Rudell d" L M .. in Elites in France. e La Reproduction Éléments Minuit. . reportar-nos-emos à bela tese de Jean-François Chanet. sempre estimulantes.:. a Escola tem apenas uma fun ã. re. e no de uma corrente denunciadora dos «aparelhos ideológicos do Estado». b~searam-se ao mesmo tempo no texto de uma vulgata. Mas desses trabalhosi5 mm~as vez~s fec~ndos. relatório do grupo de estudos ao primeiro-ministro. um ano antes da publicação de Les Héritiers. toma-se necessário defender a não retroactividade de algumas destas análises.. M" .. er. por exemplo p. op. a «comissão Boullochet>>. 1992. que denunciava a própria pessoa dos preceptores.·" '· •wzmJ!ifl! li. e odeie republicain. mms alimentou ideias recebidas do que vivificou I Igencias Cientificas. sob a III República. 18 Jean-François Sirinelli. . coe et promotwn republicaine" sous la llle République>> . foi feito um uso retros~ pechvo._ por vezes demasiado rápida noutras épocas e ~~~t~as ~ep~bh:as. Paris. foram largamente confirmadas depois no que respeita ao recrutamento sociológico de muitas Grandes Écoles francesas contemporâneas. 1970. por conseguinte. mmt. our . Assim. Origins.. como se disse num deb t Cientifico em curso14 O t d . e «The École normale supérieure and Elite Formation and Selection during the Third Republic>>. 19 Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron..r E por essa mesma razão é também o lugar das categorias soe· . Khâgneux et normaliens . 268 v~r · guarda da burguesia e mesmo profanadores das culturas regionais 16 . enquanto em 1963 15 dos 18 primeiros prémios do concurso geral «eram filhos e filhas de quadros superiores ou de membros de profissões liberais e 3 filhos de comerciantes» 19.sei?l_lement. ema e um Sistema escolar e universitário s~~~mdo para reproduzir as elites. Vai esse papel a mai das vez:s no sent~do de uma ascenção e.. 17 Assim. Génération intellectuelle. « es B . Quando Albert Thibaudet 16 Para uma conclusão rigorosa da realidade do papel cultural dos professores -de facto. L' École républicaine et les Petites Patries. que coincidiam aliás com as conclusões de inquéritos da mesma época 17 . Paris. . de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron pertencem seguramente a uma outra categoria. Em contrapartida. que ultrapassa largamente a esferaçde I~flu~nc~a das ehtes culturais. 26 de Setembro de 1963. ae ... sobre o sistema dos concursos. I p 1 · .. numerosos estudos.. 1964. Les Héritiers. .:.~s~~~~~~~. an. . ~: pua~e renovaç~o. p.na baseada em regras explícitas e de todos conhecidas? O ersiSistema é apenas um instrumento de reprodução das class~s d"u· esse ~e~ D~sde logo se observará que. cit. p. Les Héritiers.. Será um sistema escolar u . e dos possíveis fenómenos de capilaridades as elas.. ' 15 v . 66-77. e portanto a propna arquitectura dessas sociedades caem questão.··· contribUI para reproduzir as relações ~hrist~:: ~~:~~~t~u. 20 Génération intellectuelle. op. ~ e socia toma ogicamente uma Importancia particular. fazia idêntico julgamento (Les Conditions de développement. Reproduction and Power.' re açao as outras. por exemplo. Para as ~hte~ ~~lturais. 1994.. surgem pouco explícitos: exactamente como os entre · . 1988. Pierre Bourdieu e Je Cl d p Les étudiants et la cultu p . epu Ica. ou.roversos. as análises desenvolvidas neste livro. an s .c~J•' ___________ . Fayard. no período entre as duas guerras. g • para os quais «O aparelho escol [ ] · · ' ' ' sociais de produção capitalistas>>. É por exemplo evidente que. «Quadrige>>.. de recrutement.. nas duas hipóteses é recon:~~~. Iais urn em I . 2_6_9. . a das obras fundamentais. feitos no decorrer dos anos setenta.. cit. Khâgneux et normaliens dans l' entre-deux-guerres. 69. Paris. 1996. ----....---------- evoca em 1927, em La République des professeurs, os «herdeiros» tão caros a Maurice Barres, é naturalmente para os opor aos «bolseiros» e para rec.ordar, por comparação com estes últimos, o maior peso das suas vantagens na corrida aos diplomas, mas sem fazer teoria sobre a «reprodução social», antes insistindo, pelas necessidades da sua demonstração, no papel dos «bolseiros». Seria de facto necessário quanto a estes problemas controversos, ligados, para além da questã~ das elites, àquela, mais ampla, da mobilidade social e dos seus mecanismos, multiplicar as monografias, as únicas a permitirem afinar e matizar. Decerto que limitarmo-nos a uma promoção de terceira república só para as Grandes Écoles seria pouco sério. A promoção dá-se a todos os graus do sistema escolar e universitário, e em todos esses graus estão presentes os bolseiros: no concurso geral dos departamentos, por exemplo, os detentores de bolsas obtinham, em 1890, dois prémios honrosos em três e, no total, 47 nomeações em 9621 • E quanto ao período de 1890-1896, são-lhes atribuídos 64% dos prémios honrosos. Mas quanto à questão das elites, a única que aqui nos interessa, é necessário reflectir mais profundamente no peso das Grandes Écoles e, igualmente nesse campo, o lugar dos bolseiros é inegável: de 1892 a 1895, 902 bolseiros nacionais têm entrada nos concursos das Grandes Écoles, dos quais 94 na École Normale Supérieure, 248 no Polytechnique, 412 em Saint-Cyr, 66 na Escola Central, 44 na Escola Naval, 8 na Escola de Minas e 30 no Instituto de Agronomia, o que representa, por exemplo, 35% dos recebidos do Polytechnique e 29% dos de Saint-Cyr. Quanto à École Normale Supérieure, o peso dos bolseiros é ainda mais importante: 54,6% em relação ao mesmo período. E o fenómeno permanece: dos 463 normalistas recebidos entre 1930 e 1938, 234, isto é, 50,5% beneficiaram de bolsas 22 durante os seus estudos secundários. Todos estes números ganham relevo particular se se acrescentar ue as bolsas nacionais são apenas cerca de 4000, entre 1892 e {s9523, e que os bolseiros nacionais constituem então apenas 6% da população dos estabelecimentos universitários 24. Mas a observação sugere ao mesmo tempo os limites de tal promoção através de bolsas, visto que Antoine Prost, apoiando-se em Ludovic Zoretti, demonstrou que, em 1911, 51 o/o das bolsas distribuídas são-no a filhos de funcionários25 e que as bolsas foram também «um meio de o Estado administrar o seu pessoal, de recompensar, na falta de uma promoção ou de uma mudança lisonjeira, um funcionário que satisfaz». Redes e homens Se a história social das elites culturais aparece deste modo como essencial - observação que não deve ser dissimulada nem pela revivescência da história política nem pela progressão espectacular da jovem história cultural contemporânea -, é legítimo defender igualmente uma história intelectual dessas elites. Para além da aparente tautologia do desejo assim formulado, existe um imperativo categórico da história das elites culturais: esta não deve constituir obstáculo ao estudo das obras e das correntes. O juízo final dos intelectuais não se contentará, com efeito, com subtrair o seu presumível capital social e as suas estratégias levadas a cabo e começará por recensear as obras produzidas. Uma história dos letrados demasiado dissociada da sua história propriamente intelectual levaria a uma supressão epistemológica nociva. Decerto que uma análise sociológica dos modos de produção intelectual é preciosa e foi o fermento de belos trabalhos. Mas o estudo das redes e dos homens não pode resumir-se aos seus supostos efeitos micro-sociais. Correndo o risco de admitir que se possa não A. Chalamet, «Rapport sur les bourses d'enseignement secondaire», in 23 4117 precisamente (ver Antoine Prost, Histoire de l' enseignement en France 1800-1967, op. cit., p. 327). Enquête sur l' enseignement secondaire. Rapports adressés à la Commission parlementaire de l' enseignement, Paris, Belim, 1899, pp. 131-151. 22 Ver Alain Baudant, L' École norma/e supérieure. Données sur la participation politique de l' Université de Paris à la vi e politique française, memória de mestrado Paris-I 1972 p. 32. A. Chalamet, relatório citado. Contra somente 20% aos filhos de agricultores, artesãos e operários (Antoine Prost, Histoire de l'enseignement en France 1800-1967, op. cit., p. 328). Entre 1892 e 1895, a percentagem de filhos de funcionários entre os bolseiros chega a elevar-se a 59% (ibid.). 270 271 21 24 25 considerar o que continua a ser o centro do acto de inteligência: alquimia complexa que engendra a criação e alimenta o talentoa Correndo também o risco de considerar, num outro registo, que 8 ~ possa iludir, em vez de elucidar, esta questão essencial: como é que um microclima intelectual, num dado momento, consegue transformar-se em zona de altas pressões intelectuais? O que remete para a questão determinante do poder de influência, que vimos estar no centro da definição das elites culturais. Com, evidentemente, este outro problema essencial: num país de forte tradição histórica centralizadora como a França, verifica·se uma concentração geográfica das elites culturais? Sem dúvida que a análise exacta das sociedades culturais locais mostra que seria certamente excessivo falar de Paris e do deserto cultural francês. Porque reconhecer a centralização parisiense não deve no entanto levar, no que se refere à relação entre elites culturais e poderes públicos, à focalização do papel do Estado. O estudo das políticas culturais locais - e especialmente municipais 26 - deveria permitir esclarecer as relações culturais Paris-província e Estado central-colectividades locais, mas também destacar a composição e o papel das elites culturais locais. Aliás, seria também necessário avaliar até que ponto estas elites locais continuam a ser o suporte do edifício e o viveiro a que recorrem os letrados parisienses. Acontece precisamente que, na medida em que existe um fenómeno de aspiração na direcção de Paris, ele reforça ainda o fenómeno de concentração. A este respeito, apenas estudos parcelares poderiam permitir reconstituir com cuidado o movimento de nora que renova, no decurso das gerações, as elites culturais parisienses 27 • E a literatura 26 Cf. Jean-Pierre Rioux e Jean-François Sirinelli dir., «Les politiques culturelles municipales. Éléments pour une approche historique», Les Cahiers de 1' IHTP, CNRS, 1990. Vários jovens investigadores defenderam ou vão defender teses pioneiras sobre o assunto; ver, sob a sua direcção, Jalons pour l' histoire des politiques culturelles locales, textos reunidos e apresentados por Philippe Poirrier, Sylvie Rab, Serge Reneau e Lolc Vadelorge, Comité de História do Ministério da Cultura, Paris, La Documentation française, Travaux et documents n. 0 I, 1995. 27 Movimento de nora que depende também do lugar de Paris no imaginário de província: ver, sobre o assunto, Alain Corbin, «Paris-Province», in Les Lieux de mémoire, III, Les France, I, Conflits et Partages, Paris, Gallimard, 1992. 272 ·a provavelmente uma fonte preciosa, porque o tema dos jovens sefi dos de província no assalto cultura1 de p ans . e, um tema recorren t e, letra . , 28 d Balzac a Jules Romams, passando por Barres . e Seja como for, a centralização é igualment_e ~o-lítica e i_nduz porto um outro elemento a considerar numa histona das ehtes cultu. . . tan · e1Ites, naciOnais raJs.. as relações entre o poder público e estas _ _ . , ou _ egionais. Quanto ao Estado central, a questao dessas re1açoes Ja nao r põe sob a forma durante muito tempo clássica do mecenato, mas se , . I G b d29 d sob a do lugar da cultura nas despesas pubhcas. Pa~ er o emonstrou que esse lugar sofreu um recuo entre ~s sec~los ~IX e _x~ (pelo menos até ao i~íci~ dos an?s ?itenta). Os dois regimes Impena.s e a monarquia constituciOnal atmgiram ou ultrapassaram mesmo, no século passado, 1o/o do orçamento. No limiar do século seguinte, em 1900, as despesas com a cultura na III República são de 0,40%, e na IV República representarão uma fase de ainda maior penúria: 0,17%, em 1950, e 0,10%, em 1954. Com a chegada da República seguinte, volta-se mais ou menos à taxa de 1900: 0,38%, em 1960. Mas quanto mais o mecenato, quase por essência, irrigava as elites culturais, mais a contribuição do Estado moderno é, sob este ponto de vista, mais difusa, mantendo-se o acesso ao orçamento - acesso no entanto legítimo e fecundo - limitado para o estudo das elites. Um estudo da acção do Estado no domínio cultura1 30 não deixa também 28 Ver Jean-François Sirinelli, «Littérature et politique: Ie cas Burdeau-Bouteiiier», Revue historique, CCLXXII, 1985, I, e «L'image du normalien dans Les Hommes de bonne volonté: mythe ou réalité?», inlules Romainsface aux historiens contemporains, Paris, Flammarion, 1990. , 29 Paul Gerbod, «L'action culturelle de l'Etat au XIXe siecle à travers les divers chapitres du budget général», Revue historique, Out.-Dez. 1983, PP· 389- -401. 30 A acção do Estado no domínio cultural reteve primeiro a atenção dos juristas: ver André-Hubert Mesnard, L' Action culturelle des pouvoirs publics, Paris, Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1969; Do mesmo a~tor, reportar-se também à breve mas precisa síntese, La Politique culturelle de l' Et~t, Paris, PUF, 1974, e, mais recentemente, Droit et Politique de la Culture, Pa!1s, PUF, «Droit fondamental», 1990. Outras teses a assinalar: Michel Durupty, ~· Etat et les Beaux-Arts, Bordeaux, 1964, 2 vol. dactilografados; Jack Lang, L' Etat et le Théâtre, Nancy, 1968. Entre os trabalhos colectivos recentes provenientes do campo propriamente histórico, reportar-se especialmente aLes Affaires culturelles 273 =======================------===========-::-:-"*:5=: :-'~.x!"·~-;:~-,~z~&A~,-~&I JI$12 i i. • • • • • • • • • • • • • • - ~~~----···-·----- de ser necessário. Porque se, como vimos, essas elites culturais definem especialmente pelo seu poder de influência, isto é, de ress~~ nância ~ de amplificação, seria também necessário poder avaliar ess influência nas «tomadas de decisão» em matéria cultural. a Se esta noção de «tomada de decisão» é familiar aos especialistas das relações internacionais, de acordo com as investigações dirigidas por Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle, é por agora menos praticada pelos historiadores de outros ramos e especialmente no domínio da história cultural. Mas as investigações de Pascal Ory sobre a política cultural da Frente Popular forneceram recentemente rico material para o esclarecimento desta questão 31 • Entre outros, com 0 evidenciar de um verdadeiro «viveiro associativo», ao mesmo tempo alfobre de elites culturais e parceiro possível - segundo modalidades diversas e influência variável - dos poderes públicos. O papel das associações parece igualmente importante para 0 período da Libertação. Desenvolve-se então o tema da educação popular, com associações símbolos: assim, «Povo e Cultura», estudado por Jean-Pierre Rioux 32 • Mas é necessário retornar aos anos de 1930, cujo estudo é precioso quanto a outro ponto, o respeitante às elites culturais francesas do século XX. Com efeito, surgem então no seu seio, progressivamente, figuras novas e, em especial, a do investigador científico. Este tipo social existe decerto desde que, nas sociedades humanas, os homens se consagraram à ciência, ainda que de maneira arcaica. O elemento novo, em França, é a institucionalização e a multiplicação dos investigadores. Sem dúvida que existia uma au temps de Jacques Duhamel, 1971-1973, jornadas de estudo preparadas sob a direcção de Jean-Pierre Rioux e Jean-François Sirinelli e actas editadas por Genevil~ve Gentil e Augustin Girard, Comité de História do Ministério da Cultura, Paris, La Documentation française, 1995. 31 Pascal Ory, La Belle Illusion. Culture et politique sous le signe du Front populaire, 1935-1938, Paris, Plon, 1994. 32 Sobre o contexto, ver, deste autor, «Prologue», in François Bloch-Lainé e Jean Bouvier, La France restaurée 1944-1954, Paris, Fayard, 1986, pp. 15-31; e sobre «Peuple et Culture», ver os seus dois artigos, «Entre deux guerres, entre deux sociétés: I'éducarion populaire en transit», Les Cahiers de l' animation, n.o 32, 1981, pp. 9-16, e «Une nouvelle action culturelle? L'exemple de "Peuple et Culture"», La Revue de l' économie sociale, Abr.-Jun., 1985, pp. 35-47. 274 --·--··-- munidade de sábios antes dos anos trinta, mas é deste decénio que sendo a cria,ção do Centre national de la recherche _ ., scientifique (CNRS) o seu stmbolo. É verdade que este último ponto nos remete para a questao, Ja teriorrnente evocada, da necessidade de uma história social das :~tes culturais. Tanto mais que uma outra pista fundam~ntal é a da ciabilidade destas elites culturais. Não voltaremos aqm a esta nos~ Ela çao33 , agora largamente aculturada na história dos intelectuais. . . arece ser facilmente transposta para o estudo das ehtes culturais, pector que, de qualquer modo, coincide parcialmente, como se viu, ~om o campo historiográfico doravante consagrado aos intelectuais. Mas a história social das elites culturais não se reduz, naturalmente, à sua sociabilidade. Deveria articular-se primeiro à volta da tríade recrutamento-reconhecimento-estratificação. Já verificámos a importância do primeiro problema: o recrutamento é essencial porque determina a morfologia das elites culturais numa dada data e, ao mesmo tempo, o funcionamento da comporta é causa de acesos debates de interpretação entre investigadores. Quanto à noção de reconhecimento, pudemos observar a que ponto ela era igualmente determinante, na medida em que serve amplamente de base ao estatuto de membro da elite. Mas, visto de mais perto, esse reconhecimento pode exercer-se em dois registos diferentes. É certo, como se viu, que as elites culturais se definem, como noutros meios, pela sua própria imagem, que reflecte a sociedade que as rodeia. Contudo, além dessa sociedade ter passado, no decorrer do último século, por uma mutação impressionante -e especialmente nos seus vectores sócio-culturais principais- que torna o reconhecimento por reflexo um dado particularmente variável, existe também um reconhecimento endógeno. Sem dúvida que cada meio social segrega as suas normas e as suas hierarquias, mas o meio intelectual surge ~~ta a viragem, 33 Defendi a publicação dos «lieux et réseaux de sociabilité» no meio intelectual em «Le hasard ou Ia nécessité? Une histoire en chantier: l'histoire des intellectuels», Vingtieme siecle. Revue d' histoire, 9, Jan.-Mar. 1986. Para um belo exemplo de trabalho colectivo em torno desta noção, reportar-se a Sociabilités intellectuelles. Lieux, milieux, réseaux, Cahiers de l'IHTP, 20, Março 1992, sob a direcção de Nicole Racine e Michel Trebitsch. 275 ..,·; ,, ,' ~,~ ,,,_ ,,;,-/ ~· produzindo assim um amplo curto-circuito à outra forma de reconhecimento. Houve mesmo. para os considerar. impresso. Quer se deplore ou não. é ali que existe o manancial da vida intelectual para ser estudada como tal. que apreciava uma tríade bem diferente: os cantores Renaud e Daniel Balavoine e o fantasista Coluche. Esta revolução teve lugar e transtornou a regra do jogo do ganso dos letrados. desde 1987 que o sucesso obtido com La Défaite de la pensée. mudança de dinastia: o audiovisual destronou progressivamente 34 0 j . Se se acrescentar que uma Parte do crédito moral e do poder de influência dos intelectuais se deslocou para os Cataláunicos das grandes ideologias globalizantes e que. Paris. evoluíram com o decorrer do século. cronologicamente. desde o fim dos anos setenta. já não fazem parte do panteão da jovem classe escolar e universitária. Gide. que depende da história social das elites culturais: a sua estratificação. aspirando ou fazendo refluir o saber e a criação ao sabor das modas ou segundo decisões arbitrárias de alguns reizinhos. a metamorfose sociológica duplica com uma mutação ideológica. De resto. Para retomâr a expressão do sociólogo Rémy Rieffel. A tribo dos letrados 34. Em Dezembro de 1957. Calmann-Lévy-CNRS Éditions. realçava os seus mestres pensadores: Sartre. La Tribu des clercs. Será ela mortífera para os homens da escrita. no seu seio. estão a ser promovidas novas elites da «videosfera». com os seus ritos e as suas conivências. Mas a banalidade não deve dissimular a realidade. esta evidência sugere uma outra questão. literária ou científica. radiografando a <<nova vaga». os inquéritos mostravam um outro perfil cultural da jovem geração. era o sintoma . candidato a reeleição: com efeito. na altura da contestação estudantil de Dezembro de 1986.entre outros .como um dos mais capazes de impor as suas à sociedade. em 1986. era um sin- 276 277 Mudança de paradigma? Ao mesmo tempo. de Alain Finkielkraut. L' Express. de que Régis Debray anunciou o advento. fazendo do meio intelectual uma simples estação de bombeamento caprichosa. Se estes. Porque. o de uma dialéctica subtil entre duas formas de reconhecimento. no que Edgar Morin chamou «um período de maré baixa mitológica». que. mas o de um princípio de anterioridade: as elites culturais. Existirá uma espécie de superelite cultural. Uns trinta anos mais tarde. não produz ela por vezes curto-circuito na escala dos valores intelectuais. Este reconhecimento de novos génios tutelares. durante séculos. por uma geração da imagem e do som. autodefinem-se e autoproclamam-se precisamente porque o seu estatuto induz um poder de ressonância e de amplificação. a sociedade francesa entrou progressivamente. constituíram o viveiro das elites culturais? Esta passagem do planeta Gutenberg à galáxia McLuhan provocou em todo o caso uma inegável erosão do poder de influência dos letrados da coisa impressa. não haveria razão. mais amplamente. frequente para outros sectores da sociedade. 1958-1990.de uma verdadeira metamorfose em curso. no entanto. Entretanto. Les intellectuels sous la V' République. como já se observou. o facto histórico cultural está aí: o verbo substituído e ampliado pelos suportes mediáticos tem doravante mais ressonância e impacte que o verbo até então caucionado pela obra artística. as listas de apoio de intelectuais só virão muito tempo depois das declarações públicas de Renaud («Tiozinho. particularmente complexa. Porque os canais de influência. Mauriac. na expressão e transmissão do saber? Se tais efeitos perversos existem. arrastando efeitos de turbulência. e mesmo de nocividade. A evidência de uma revolução mediática tomou-se decerto uma espécie de banalidade das ciências humanas e sociais. dois anos mais tarde são relegados para segundo plano do dispositivo de campanha de François Mitterrand. com capacidade de influência muito mais poderosa que a das elites comuns? Sendo a resposta provavelmente positiva. 1993. não desistas») e de Gérard Depardieu («Mitterrand para sempre»). O caso da aparência já não seria. é evidente que será de matizar e afinar segundo os períodos estudados. pelo menos em parte. tal evidência remete para uma terceira questão. Noutros termos. a partir de então. e em virtude do carácter largamente endógeno das elites culturais. de qualquer modo. Se se acrescentar que esta peça é desempenhada em locais de forte conteúdo afectivo. Aron e sobretudo Sartre. Çao O diagnóstico de uma dupla crise. com o correr dos decénios. reflexo das grandes lutas ideológicas que ritmaram o século XX e que deixaram vencedores e vencidos 35 • Por outro lado. de alguma forma. ideológica e de identidade e de recordar pois. 278 279 toma: a lamentação implícita e o debate que provocou incidiam dece sobre a natureza da cultura. Mas o seu domínio pelo historiador torna-se igualmente complexo pelo estatuto das elites culturais. mas também a :ansmissão e a mediação. e Ao mesmo tempo. a dificuldade de promover uma história rigorosa de grandes figuras da intelligentsia. Contribuem de facto para lhes dar ao mesmo tempo forma e força. os seus compromissos cívicos manifestam face à densidade. o seu studo é pois central em qualquer diligência de história cultural. depois sobredimensionada por efeito mecânico. todos os homen~ de cultura dependem.é decerto uma peça cheia de «ruído e de furor». Pelo que se levanta uma pergunta essencial: a quem precisamente dar a palavra? Da preocupação legítima de constituir uma amostra representativa pode surgir um desses terríveis efeitos perversos: é uma intelligentsia ao quadrado que pode sair do molde. Longe de acessório ou periférico. gestores ou animadores. que tentei analisar em Deux intellectuels dans le siecle. primeiro pré-seleccionada. por conseguinte. artre et Aron. facilmente se concebe que uma parte das paixões francesas esteja assim em representação. são por esse motivo essenciais para o estudo dos fenómenos de capilaridade no seio das elites culturais. mas através dela eram de facto a defini ~o e o papel dos homens de cultura que surgiam nas entrelinhas. Podem observar-se gerações intelectuais que constituem duplamente a espinha dorsal das elites culturais. história que é ainda travada com fortes tiros de rajada. --------------- ···------- ---- 35 -- ------------------------~ . quanto ao testemunho oral. que durante decénios. Dar-lhes a palavra é expor-se a desempenhar o papel de caixa de ressonância de uma memória mais reconstruída que as vindas de outros meios. mais amplamente. Mesmo na pista que concedem aos historiadores. estas elites arrastam uma memória selectiva. Homens de Paris ou da província. as elites culturais possuem pois a faculdade de os induzir em erro. variar com o tempo: é um Sos Pontos. prática corrente e legitimamente admitida. como Camus. Por outro lado. um défice historiográfico duradouro e um desenvolvimento tardio. mecenas ou criadores. Não voltaremos aqui às dificuldades. em virtude dos debates de forte conteúd~ ideológico que acontecem no seu seio. na essência d Vencedores e vencidos que puderam. elas continuam a constituir um organismo vivo: de facto trata-se de um meio que. Porque. as elit€S culturais e. muitas vezes detentoras do sentido das palavras. A análise de tais compromissos . por um lado. com complexos jogos de espelhos deformantes e com representações insondáveis. os letrados sabem manejar o verbo e.ligada à história política dos intelectuais . essa memória é uma memória dominada: por essência. 1995. entre outros. Fayard. é um dos sinais mais palpáveis. É verdade que o são mediante uma questão que se mantém em absoluto: que será das substituições e das transmissões quando as gerações culturais da imagem e do som chegaram por sua vez a lugares de poder e de influência? A amálgama entre as gerações que só utilizaram a fonte impressa e as «Marie-Louise» vindas de outros lugares é provavelmente uma das apostas culturais essenciais dos futuros decénios. os riscos de efeitos perversos são reais e dificilmente controlados. Assim. seria erro de perspectiva considerar as elites cuiturai~ como um grupo de letrados desaparecidos e de debates abolidos. operaram-se regularmente no seio das elites culturais revezamentos de gerações e transmissões de poder intelectual. De facto. estruturando-as e irrigando-as. este estudo apresenta dificuldades específicas que explicam bloqueios incontestáveis.Jogos de espelhos? no centro da sua actividade encontra-se a criação. compor a sua própria história. Ao mesmo tempo tronco e seiva. de resto. além de ser em si mesmo objecto de história int:~ lectual. Paris. Pelo contrário. marca talvez o fim de um ciclo da história cultural francesa No entanto. possui uma espécie de radioactividade. Por exemplo. de um domínio que Pa~ Ricoeur chamou «lei de fidelidade e de criação». como a inteligência de uma coisa só pode brotar da comparação com as suas semelhantes: não existe compreensão possível da particularidade que surpreende. François Dagognet Réjlexions sur la mesure O estudo das «práticas culturais da população francesa» nasceu da planificação dos anos 1960 e. p. Estas deviam tratar especialmente da «estrutura social do público das diversas instituições. Esta cedo verificou que faltavam os dados objectivos e calculados em matéria de assuntos culturais e pediu. graças a ela. particularmente. É pois necessário aprender a relacionar todas as coisas com as que lhes estão próximas (o racional arrasta o relacional). dos financiamentos públicos e privados. IV Plano. 281 ---------------------------------------------------------------------------------''"- . que fossem elaboradas «estatísticas culturais». ] da imposição de um espírito comunitário: não só os experimentadores poderão. repartir melhor os frutos do crescimento económico: com vista à programação quinquenal criaram em conjunto a «Comissão de equipamento cultural e do património artístico». e Pierre Massé. Paris. em 1961. de um encontro entre André Malraux. artista e profeta. 62. 0 24. Este último procurava. p. 1993. n. 1 Comissariado Geral do Plano. ministro.AS INVESTIGAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS CULTURAIS Augustin Girard A riqueza da medida provém [. comissário geral do Plano e economista. trocar os seus resultados e compará-los. Imprensa Nacional.. em 1960. 2 Ver entrevista sobre história do Serviço de Estudos e Investigações por Vincent Dubois. 1961. bem como do pessoal utilizado» 1• Jacques Delors. conselheiro social de Pierre Massé. 70. desde o IV Plano. forçou o recente Ministério dos Assuntos Culturais a criar no seu seio um serviço de estudos e de investigação2 encarregado de conduzir os inquéritos e de coordenar as investigações externas para melhor preparar o V Plano. Relatório geral da Comissão do Equipamento Cultural e do Património Artístico.. Politix. fórmula iconoclasta para a época. A sua natureza e os seus métodos Nesta perspectiva. c) O estudo das práticas de um estrato particular da população. onde os politécnicos sociais marcavam o tom. Departamento de Estudos e de Prospectiva. relacionadas com o Plano. mas das equipas do Comissariado do Plano. as crianças e a televisão. Tinham mais uma função instrumental. 1990. encarregado dos Assuntos Culturais. 1987. Chegava-se assim. Também se conseguiu cruzar um estrato por uma prática particular: os jovens trabalhadores e o livro. que de forma alguma sentiram como «gloriosos». começaram a ser feitas pelo INSEE investigações regulares sobre as condições de vida dos casais. Tratava-se de ajudar na previsão de investimentos no que toca à natureza de equipamentos. d) O estudo das reacções da população à oferta cultural de uma cidade (Grenoble. 1.. etc. de educação. desenvolveram-se a pouco e pouco cinco tipos de inquéritos à medida dos pedidos sucessivos das autoridades públicas. Rennes. mas apenas as práticas que correspondem à oferta das instituições legitimadas como «culturais». por Olivier Donnat e Denis Cogneau. etc. o seu nível de rendimento. Entretanto. social e política do que uma função científica de avanço do conhecimento. 4 e) As práticas culturais do conjunto da população francesa . da estatística na Inglaterra dos anos de 1830. mas antes como um período de combate militante e optimista pela democracia social. os jovens e o cinema de violência e de erotismo.e não universitária . Paris. 1973-1989." ed. Ministério da Cultura. ou mesmo filantrópica e reformista. 2 v o!. La Découverte-La Documentation française. 1977. segundo o lugar de habitação. consoante as diferentes categorias sócio-profissionais. para a sociedade francesa. os estatísticos dos anos de 1950-1970 apenas detectavam a origem social. o público do Museu do Louvre. a Bienal de Arte Contemporânea de Paris. Paris.A iniciativa de estudar as práticas culturais dos Franceses não proveio pois do Ministério do Estado. museus. graças à criação progressiva das CSP (categorias sócio-profissionais). Os jovens historiadores de hoje têm a maior dificuldade em imaginar 0 que era então a ideologia social dos engenheiros que conceberam os equipamentos públicos da França no decurso destes trinta anos de planificação. INSEE e Economica. 2. a profissão do chefe de família. Esta origem institucional . e que são financiadas pelos poderes públicos. ao peso relativo 4 Pour une histoire de la statistique. foram Alfred Sauvy e Jean Stoetzel que a introduziram em França no início dos anos cinquenta. pelo qual se pode estabelecer a diferença entre os que entram (de que se possui aliás o número em algarismos absolutos pelos bilhetes de entrada). 282 283 3 ----------------------------------------------------------- . etc. não o que se poderia escolher chamar «a vida cultural» da população em todas as suas dimensões. a casa da cultura de Ménilmontant. de um bairro (grande conjunto de Massy) ou de uma região (os modos de vida na Alsácia). Les Pratiques culturelles des Français. Questionários reservados eram preenchidos no domicílio dos entrevistados por inquiridores com formação especial. por exemplo os trabalhadores manuais." ed.dos inquéritos de «práticas culturais» explica que abranjam. Em termos de história da estatística3 é necessário recordar que a técnica das sondagens era ainda uma ideia nova em França: experimentada nos Estados Unidos desde os anos trinta. de situação geográfica e de financiamento. os jovens e a música. Montpellier). o Museu de Belas-Artes de Lille. com os seus social surveys. sobre uma amostra aleatória de 2000 e depois de 5000 indivíduos interrogados no domicílio por inquiridores repartidos segundo cotas para se conseguir que as variáveis fossem representativas de toda a nação. com uma viva preocupação da repartição social dos dados coligidos. os comportamentos. teatro. Isto explica por que os inquéritos de práticas foram elaborados num espírito claramente social. Existe ali um limite «por construção» dos inquéritos que mais adiante exporemos e sobre o qual voltaremos in fine. as atitudes e as representações. b) O estudo dos praticantes de todo um sector: cinema. e só nos anos sessenta. o Festival de Avignon. os estudantes. a) O estudo do público de uma instituição particular: por exemplo. Mas foram de facto uma minoria. etc.era bom para as crianças porque «O que ali se passa as ajuda na escola». Outros inquéritos eram regularmente feitos por aqueles que oferecem bens culturais: o Centro de Estudo de Opiniões da ORTF (CEO) e depois a Médiamétrie avaliaram regularmente não apenas a posse destes bens como também a sua utilização. a seguir televisão de dois canais. depois televisão de um canal. Em contrapartida. Cada percentagem podia ser ventilada consoante as categorias sócio-profissionais (CSP). É verdade que os inquéritos nacionais. todos os métodos então clássicos foram utilizados e geralmente por combinação entre eles: abordagens psico-sociológicas. juntaram-se os inquéritos do INSEE sobre o equipamento das casas (rádio. depois televisão a cores. isto é. cultura de casa). o seu peso respectivo segundo o nível de educação. É o caso dos sessenta jovens trabalhadores ouvidos por Nicole Robine em Bordéus sobre a sua relação com o livro e que explicaram que não ousavam entrar nas livrarias tradicionais porque era preciso saber já o nome do autor e o título de um livro para não terem vergonha de se dirigirem ao livreiro. depois gira-discos. São interessantes para as práticas «culturais» de casa diárias. em Inglaterra. eram deste tipo. Consoante os assuntos. pelo que aquilo de que gostavam era do «teatro cantado». etc. As análises de correspondências ou tipológicas permitiam então construir grupos de práticas de lazer em coerência ou oposição. na Bélgica. lançados essencialmente pelo serviço de estudos e investigações do Ministério encarregado da Cultura. Utilizo a palavra «família» porque um dos principais ensinamentos fornecidos pelos sucessivos inquéritos é que o acesso à cul- 285 . por fim magnetoscópios. ou a um pequeno número de entrevistas retranscritas e tratadas. cuja penetração nos lares teve a curva de crescimento mais rápida de todos estes bens semiduradouros que caracterizaram o que se pôde chamar. de qualquer maneira.diziam . na medida em que estas são demasiado raras para aparecerem de forma explorável nos cadernos semanais. inclusive. na sua composição e nos seus hábitos de leitura. gravadores e aparelhagens. Os que não conhecem estes inquéritos ao público tendem a compará-los todos a trabalhos de estatística sociológica. desde o fim dos anos setenta. histórias de vida. os que foram mais facilmente mediatizados. a audiência dos programas. Os seus resultados e os seus limites Quais são os resultados gerais fornecidos por estes inquéritos que possam trazer dados úteis à história cultural dos anos 60-90? O primeiro resultado obtido em resposta à pergunta feita pelo Plano foi a confirmação. Ou ainda a situação daqueles habitantes de Caen que não iam à Casa de Cultura recentemente aberta porque não ousavam transpor a vasta esplanada nem ir ao guichet perguntar os preços dos lugares. É finalmente necessário mencionar os inquéritos conduzidos em França sobre os orçamentos-tempo das famílias pelo INSEE . Competirá ao historiador que tiver conhecimento da existência destes inquéritos procurar saber antes quais os métodos. sociológicas. mas 90% não viram no ano uma peça de teatro representada por profissionais e 70% nunca entraram num museu. mas não para as «práticas de saída». para esse fim tomadas em consideração nos questionários.como nos Países-Baixos.de cada tipo de prática em relação aos outros. «que eram decerto demasiado elevados para eles» e porque. o TEP . com outras práticas de lazer não culturais. o Centro de Estudo dos Suportes de Publicidade (CESP) analisava os leitores dos diários e periódicos. na Finlândia e na América do Norte: os «orçamentos-tempo» fornecem o emprego do tempo e as actividades das famílias de quarto em quarto de hora através de cadernos por elas preenchidos durante duas ou três quinzenas em cada inquérito trienal. não possuíam «OS fatos que era preciso levar a um teatro». Paralelamente a estes inquéritos sobre as práticas. medido em percentagem: por exemplo. de 284 forma a poder ou não validá-los para o tipo exacto de factos e opiniões que deseje utilizar. em números. 50% dos Franceses vão ao cinema pelo menos uma vez por ano. É também o caso daqueles habitantes de Ménilmontant que consideravam que o TEP não era feito para eles porque era «teatro falado». Os mais fecundos foram por vezes os que apelavam a um questionário menos directo. a categoria sócio-profissional e o local de habitação das famílias. cuja linguagem não compreendiam. das desigualdades de acesso à «cultura» tradicional. descentralizá-la. 6 La Rhétorique pubolicitaire du théâtre. Departamento de Estudos e de Prospectiva. com adaptação permanente. Descobriu-se progressivamente que é também indispensável que as condições de apropriação das obras pelos indivíduos. e depois transformado por ele em doutrina de intervenção.tura dos indivíduos resulta largamente de transmissões familiares. de certo modo epistemológicos. Paris. 8 Ver uma boa abordagem de Philippe Urfalino. 7 <<Ü estilo é o destinatário» (Barthes). cerca de 1965. salvo para o cinema -. por comunhão imediata entre a obra e o público. em grande maioria. ao nível dos pais ou mesmo dos avós para que a possibilidade de acesso à cultura se modifique num sen~ tido favorável. Ministério da Cultura. basta que haja um professor na família. por belo que o conceito fosse. 286 287 . Por exemplo: seja qual for a profissão do chefe de família. La Documentation française. jovens ou menos jovens. Os tratamentos matemáticos. retirado da psicologia cognitiva. no próprio interior de uma só forma de arte como a pintura. La Documentation française. O conceito foi teorizado por um filósofo como Francis Jeanson. Um segundo resultado que surge na lógica geral de acesso à cultura é a correlação constante que se descobriu entre a natureza das formas culturais propostas pelas instituições e as categorias sociais dos praticantes regulares 5 • Uma terceira descoberta foi a da existência. A «descoberta» deste conceito de não-públicos diversos abriu a porta a numerosas aplicações práticas em matéria de pedagogia das artes e de comunicação das instituições. como a concebiam André Malraux e Gaetan Picon 8 . 1996. O cálculo das probabilidades pressupõe o estabelecimento da veracidade dos resultados estatísticos. a lógica da «democratização cultural». Paris. cedo surge como mais prometedor para desenvolver as práticas culturais dos «não-cultos». cap. provém do seu carácter probabilista. limites em primeiro lugar intrínsecos. e limites nos seus efeitos sobre as estratégias institucionais. formulada no seu estilo por vezes encantatório. L 2. de centenas de entrevistas retranscritas. que permitem depois extrair tipos que se supõe 5 Por praticante <<regular» compreende-se um indivíduo que exerce uma prática pelo menos cinco vezes por ano. depois. Trinta anos depois de Malraux haver sinceramente concebido a esperança. se modifiquem grandemente. foi pouco a pouco desmentida e considerada inoperante à medida que os inquéritos se multiplicavam. profissionais e críticos especializados). que teve a sua hora de glória nos anos setenta. com a elaboração de um conceito provisório e prático: «a animação cultural». baseados em amostras sistematicamente aleatórias. não só do vasto «não-público» do conjunto das instituições culturais legítimas . de quilos de rolos de informações. mas a outros alvos de públicos potenciais. 1988. os inquéritos de práticas demonstraram infelizmente que talvez fosse preciso mudar de tom. in L' lnvention de la politique culturelle. o futuro historiador da V R~pública não poderá deixar de interrogar-se quanto aos limites destes inquéritos de práticas. Em trinta anos viu-se que não bastava multiplicar a oferta. Mais. mas também de tantos não-públicos quantas as disciplinas artísticas propostas. que se veria a V República fazer pela cultura o que Jules Ferry havia feito pela educação. por métodos de mediação afinados e em quantidade. com as suas espirais ascendentes através das diversas práticas. <<La philosophie de l'État esthétique». O conceito de aprendizagem. o qual não era o mesmo que o não-público das bienais de arte contemporânea. Ora. o não-público dos museus revelou-se não ser o mesmo que o não-público das exposições. Em luta com este conjunto de resultados. O primeiro defeito destes inquéritos. Abriu-se na mesma altura uma pista fecunda de reflexão prática para pôr em evidência as graves carências das instituições culturais em matéria de comunicação6 • Quando os seus dirigentes artísticos se dirigiam na sua comunicação quase exclusivamente aos seus parceiros (outros artistas.mais de 80% da população. aumentar a difusão e baixar os preços de entrada para que as desigualdades culturais se reduzissem. especialmente por ocasião da elaboração do VI Plano e depois na época do ministério de Jacques Duhamel. este é por construção redutor. foram alertados para a obrigação de inventar um estilo7 de comunicação que não se dirigisse apenas à intelligentsia habitual. feito de milhares de questionários preenchidos. Finalmente. podem ou não resisJir às formas de divertimento anticulturais tão poderosamente orquestradas por medias internacionalizados e concentrados nas mãos de detentores de capitais singularmente ·estranhos ao 288 rnundo da cultura: fabricantes de armas. Arts de faire.que a vida cultural levanta não é um maior número de homens consumir o que foi criado bem como o que se cria _ 0 famoso «património da humanidade». mas muito silenciosa quando é preciso preconizar processos de sensibilização. pela afectividade. um papel eficaz de informador. ainda mais importante.que as médias estatísticas. Uma prática. são também probabilistas e redobram o carácter redutor dos resultados.é o contrário do consumo. L' Invention du quotidien. o prático da história cultural interrogar-se-á sobre a crítica radical.ou de ordem psicológica e afectiva.sistemas de códigos . A trajectória que cria através de mil astúcias quotidianas é imprevisível. 1. que desde 197 4 formula. enquanto as emissões de puro divertimento são pref~ridas pelas pessoas em mobilidade social bloqueada. um estudo recente do INA (Corset. A verdadeira questão . sabe-se agora que os adultos em mobilidade social ascendente preferem as emissões «culturais». que desempenha. de standards telefónicos ou industriais do tratamento de águas sujas. como «inventar o seu quotidiano». Do mesmo modo . os processos de sensibilização e de aprendizagem obedecem a factores complexos. Por exemplo. ou se encontra só diante do ecrã. isto é. Sabe-se mais hoje do que n. ou como. e essa falta de impacte provém de várias carências cuja identificação é útil. A utilização das probabilidades é pertinente quando se trata de descobrir zonas de clientela para produtos de grande consumo. o da televisão) e as microdiferenças vividas dizem muito mais . Eles foram fracos. mas antes a questão que está no fundo de tudo e que é «como criar-se». a amizade de uma outra pessoa. de tutor. Mas esta medianização generalizada deixa 0 leitor muito afastado da maneira como cada indivíduo. Gallimard. Desde os anos sessenta. de que falava André Malraux no decreto que funda o Ministério-. Finalmente. Paris. Se souberam reunir uma quantidade considerável de dados.» 9 Michel de Certeau acreditava numa liberdade total das práticas.pensava . esse outro historiador do contemporâneo que foi Michel de Certeau.julgava ele . em posfácio do primeiro inquérito nacional sobre as práticas culturais dos Franceses. Os efeitos Para ajudar o historiador a avaliar a contribuição que podem dar os «inquéritos das práticas culturais e de lazer» à história do período em questão. os mecanismos de resistência aos modelos impostos do consumo individual de massas (o da Escola. fala dela com eles de seguida. sejam quais forem as suas práticas calculáveis. por numerosas facetas da sua vida pessoal.darem mais sentido às classificações. de aprendizagem ou de descoberta da obra de arte para miríades de indivíduos diferentes. porque fáceis de comunicar. 289 .dizia.o tempo de André Malraux que a abertura à obra de arte. 1994) mostrou como a mesma emissão de televisão é muito diferentemente «recebida» consoante uma criança a vê nos braços dos pais. convém acrescentar aqui a análise dos seus limites extrínsecos. O terceiro defeito dos inquéritos é que ainda não permitem entender sagazmente de que maneiras as práticas culturais se cruzam com as práticas concorrentes de lazer. 1990. de ordem semiológica e linguística . mais vale ocupar-se das operações que deles fazem uso. são co-responsáveis por um défice simetricamente considerável de interpretação e 9 Michel de Certeau. pondo mais em relevo 0 homogéneo que a diversidade. de prescritor e mais geralmente de mediador. «Folio essais». Chega-se a médias cómodas. epistemológica. a dos seus efeitos sobre as estratégias institucionais. diversos trabalhos sobre a génese das práticas culturais nos adultos jovens ou menos jovens mostraram como o acesso a uma forma de arte passa muitas vezes pela afeição. «Em vez de se interessar pelos produtos culturais oferecidos. O segundo defeito destes inquéritos está em que eles não souberam compreender as condições de recepção das obras pelos públicos visados. Carências em primeiro lugar entre os próprios investigadores. Ele já perguntava se os dados constituídos não tinham outra validade e pertinência que as das condições da sua compilação. vive a sua vida cultural na realidade da construção da sua personalidade. as suas IO Pour une histoire de la statistique. Que concluir? «A missão do estatístico é converter em conceitos quantificados as preocupações dos seus contemporâneos». 14. cuja génese exacta seria um belo tema para dissertação de um historiador! Foi assim necessário esperar por 1990 para que os resultados dos inquéritos de práticas culturais penetrassem nesse fruto dos tempos. p. O indispensável «fruto dos tempos». ironicamente submersos na gestão do dia-a-dia e engolfados de manhã à noite nos rituais não delegáveis da espórtula. dos directores especializados que muitas vezes os haviam encomendado e pago. dos subdirectores tecnocratas. que associasse pertmazmente ao trabalho de elaboração de cada uma das hipóteses e das descobertas antropólogos. até ao dia em que uma espécie de «fruto dos tempos» finalmente se produziu. mas sim dos seus conselheiros «técnicos». disse M. A partir daí. cujo trabalho é outro. mas menos lógica e mais culposa por parte dos decisores. os inquéritos de práticas produziram uma base de dados que descreveu o que existia em casa das famílias. E acrescentava que o estatístico devia «fazer incidir especialmente os seus esforços em dois aspectos do sistema de informação que preocupam os historiadores: a sistematização da informação e o arquivo dos resultados». Nesta perspectiva. A razão disso é simples. Existe uma antinomia profunda entre a preparação para a decisão e a tomada de decisão. vol. de publicações cuidadas e amplamente promovidas em livrarias. . dos parlamentares cujo partido não os forma com vista a conceberem políticas alternativas para a cultura? Quanto ao quarto poder. que o seu «redactor-chefe» exigem 290 ue façam curto e espectacular. que este cristalizasse em cores na primeira página de capa de um news e provocasse uma soberba cólera do ministro.. as suas despesas.e de novo pela lista acima mencionada -. De tal maneira que o resultado dos inquéritos caminhou sobretudo como um delgado fiozinho osmótica. mas profund . mte1ramente consagrados à recolha e ao tratamento de dados cada v em maio:( número. a interpretação dos dados não foi feita no mesmo ritmo que a sua produção. o fruto dos tempos chegou às delicadas narinas dos decisores políticos e administrativos. a. natural e mesmo lógica. Que dizer dos inspectores-gerais cujos relatórios úteis não são lidos. qual o emprego do tempo das várias camadas da população. Por falta deste trabalho comum de reflexão. as suas saídas.~·~L~. nem foi levada suficientemente longe. 1. mais político do que técnico.~~JIQIJIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII~----------- . era redobrada por uma carência igualmente natural. os seus modos de vida. o historiador do contemporâneo sabe bem que eles funcionam na mesma temporalidade precipitada e na mesma febre obsidional que o ministro.~J~$. . não julgavam competir-lhes trabalhá-lo~ em ~ínteses. de resumos menos sucintos redigidos especialmente pelos responsáveis interessados e. Edmond Malinvaud 10 em 1979. sociólogos do religioso ou especialistas das ciências da educação. bons intelectuais. em redor de alguns docentes. cit. na quantidad~ de 20 000 exemplares. que lhes concede mais facilmente duas meias-colunas para transformar uma crise em corrida e transformar um acontecimento em notícia pouco importante. sido _preciso um esforço c_ontmuo de reflexao. através de ínfimas redes capilares. mesmo quando instalado um aparelho de difusão constante de cartas periódicas curtas. num estilo directamente assimilável pelos destinatários não científicos. historiadores. filósofos.~-~44~"~---~2Q~0-~. dos sindicatos dedicados aos seus interesses. 291 ======================================------~================~==·. Esta carência de interpretação provocou uma outra: a carência de uma boa comunicação dos trabalhos. Não falamos dos ministros.de divisão desses dados. que são os únicos esc_ritores_ a serem lidos pelo ministro todas as manhãs . no entanto destinatário de tantas notas «personalizadas». encarregados da redacção dos textos que definem as estratégias.. finalmente. que haviam aprovado os trabalhos. mais capaz de alimentar os jantares na cidade do que apresentar a síntese de uma investigação que permitisse fazer compreender os fundamentos da crise e os remédios para ela. o dos jornalistas. A questão levantada por este artigo era: que contribuição podem dar os inquéritos de práticas culturais à história cultural? Esta pergunta é pertinente num momento em que a «história cultural» ainda não é um conceito totalmente estabilizado e em que ainda não se acabou de explorar tudo o que pode validamente constituir a sua extensão e a sua compreensão. op. em esyecial tra?sversais: !e~ia. plundisciphnar. Tal carência por parte da investigação. de alguns seminários de formação profissional ou de colóquios regionais. mas sem tempo para os lerem. mais subtis e mais bem baseados num trabal~z epistemológico de origem. colectivo. Para além da fórmula-armadilha de «democratização cultural». O exercício aqui proposto se~a antes tentar distinguir estas diferentes contribuições para o conhecimento das políticas culturais. não faria grande sentido. Mais uma vez. A literatura é doravante demasiado rica p~a ~retender fazer um inventário nesta curta contribuição.s. porque.outra vez ele . que veria uma política cultural já sempre present: onde os traços precursores são observáveis. entre abordagens das quais os objectos apresentam um «ar de famiha». para além de tantos quadros talvez ilusórios. não se trata de investigar uma essência improvável. Fazem estes dados parte da «história cultural». supostamente mais pertinente qu~ as outras. que é transmitir ao maior número possível das nossas crianças a herança confusa do que Malraux . Tal clarificação parece necessária dado 0 estado do campo histórico. ilustrado. para esclarecer esta faceta. e mais mística do que parece. comum aos historiadores e aos agentes da vida cultural. não ao administrador de investigação que o autor destas linhas foi durante trinta anos. Limitarei pois o meu projecto a um ensaio de clarificação conceptual. Classificá-las para eleger uma delas. não será esta paixão simples e insubmersível. a fim de extrair a «verdadeira» pohtlca cultural de um halo de definições múltiplas. começando os trabalhos_ a multiplicar-se. ao historiador de longa experiência dizê-lo. os inquéritos oferecem uma via de entrada que é a reacção dos diversos sectores da sociedade à oferta institucional. como a restrição excessiva do termo à coisa contemporânea.como 293 . um mínimo de organização pode facili_tar a_percepçao do carácter cumulativo dos seus dados e ajudar a Imagmar novas abordagens. O exercício é tão difícil quanto necessário para evitar tanto o anacronismo. de métodos sofisticados para os estabelecer e dos seus efeitos limitados sobre a acção pública todas as coisas que podem igualmente ser objectos de história -. se tal viesse a detectar o que têm em comum todos os fenómenos habitualm~?te associados a esta denominação. Submeter a história da política cultural ~ definição prévia do seu objecto seria esclerosante e vão. o que finalmente é mais seguro. mesmo não bastando para dizer o que foi a «vida cultural» dos Franceses de 1960 a 1990? Do mesmo modo. c~m algumas referências bibliográficas e baseado num problema classico: o da definição do objecto. situando assim esta oferta na vida cultural da sociedade. Mas.representações. a história cultural não poderia decerto reduzir-se à história das instituições culturais e das políticas públicas da cultura. «A noção de "política cultural". Em que é que os dados mencionados nas páginas precedentes fazem parte da «história cultural» que se constitui? Compete ao historiógrafo.chamou «a nobreza do mundo»? 292 A HISTÓRIA DA POLÍTICA CULTURAL Philippe Urfalino Há vanas maneiras de conceber a história da política cultural. mas de fazer distinçõe. epois. 1985. 3 Como observou Pierre-Michel Menger. Jalons pour l'histoire des politiques culturelles locales . Existe política pública quando uma autoridade política agarra um problema ou um fenómeno social e quando esse «investimento» político produz medidas que afectam grupos sociais4 • Pode-se assim fazer uma história do direito de autor. oderia ser a história de «duas paixões gerais e dominantes». as políticas públicas da cultura. Para dar um exemplo recente e respeitante à França contemporânea: Laurence Bertrand Dorléac. de uma política cultural: missões confirmadas e meios administrativos. o c_ult? mode~o e profano que faz ?~ todos os vestígios do passado rehqmas preciOsas. menos se consegue apreciá-la M ' fl · d · as.observa Philippe Poirrier . corre . . Flammarion. a demasiada fam·l· . ennma absoluta do obJecto se se atnbm a nossa política contornos c Çao ao vago .. cnaçao). portanto.deve' ser usada com prudência 1 p ' fi . Por um lado. por outro. 39-48. refe. o sector cultural. t. Paris. ~omeçamos pelas duas abordagens que englobam. da intervenção do Estado em diferentes domínios . a leitura ou o livro: os monumentos históricos. 1993. . . . . francesa iniciada por Malraux serve de padrao exp1Iclta ou Imp1ICitamente. espe~tficar essa smgulandade para a situar num conjunto mais vasto e detxar ver o que fica vezes de mais na sombra. A primeira é antiga e interessa- . novo pois sacraliza neles uma actividade misteriosa de «criação». pp. a politica cultural como problematização global. 1-60. . Jean-Claude Thoenig. 2 A bibliografia é imensa. como o adJectivo que a qualifica. s. c~nfrontar as definições que abarcam mais amplamente e de forma mais extensa no tempo a política singular e recente que orienta a nossa co~cepção esp?ntâne~ das políticas culturais. para ~arafrasear Tocqueville. ultrapassam amplamente as duas componentes mínimas de qualquer acção pública e. e Jean-Pierre Rioux. a ou as políticas culturais. .» Od ate a umar que só podem existir definições prudenciais ist . Por outro. pp. . a e tem Ois mconvementes: pnmeiro e-se tentado a considerar «pol't' I ICa CUltural» somente o que se assemelha às acções do Ministério da c 1 fr d · . . que ligam a arte a politica desde teue ambas são actividades sociais separadas. financeiros e regulamentares para as realizar. duas paixões (o culto do passado e o culto ~a. e-se ridas de cada vez a um uso especificado. estes uso e preciso avaliar duas dificuldades: por um lado a I·ndet . reectm o. . etc. estas dificuldades podem g · . ha pelo menos cmco objectivos que interessam para a história da ou das políticas culturais e que merecem ser distinguidos: as permuta~ e~tre arte e política. o nsco de ser uma zona fechada • pois quanto . a música. .gunda abordagem. «L'émoi patrimonial». . seja qual for o interesse da sua contribuição. para evocar a história das políticas públicas da cultura. LoYc Comité de H1stóna do Ministério da Cultura. Le Seuil. mais. 205-211. . Sendo o plural menos exigente.se pelo conjunto das relaçõe~ ~e troca. IV. . VI. é mais fácil começar por ele e seguir em primeiro lugar os politólogos. Le Paradoxe du musicien. Sylvie Rab. . numa segunda fase. É um campo de fi: Na sua conclusão de Philippe Poirrier. de fascinação ou de reJeição. a que se tornou bem visível em p . Deve-se falar de políticas culturais ou de política cultural? A questão é menos acessória do que parece. o fascmw pela arte e os artistas. Paris. . . e . I Iandade de uma po1Itica smgular. Paris.d . s . . 4 Ver. .. mar o nosso exerciCIO e mostram duas maneiras de prosseguir: num primeiro tempo. São duas paixões mais complementares que contraditórias que marcam a relação das sociedades modernas no tempo e a transmissão da memória 3 • Estes dois tipos de abordagens. in Madeleine Grawitz. . A história da arte e a ~stória política deram já numerosos ~ítulos_ a ~ste gé~ero 2 • ~e. . pp. Paris. uma vez contornadas. Serge Reneau. a. . «L'analyse des politiques publiques». 1940-1944. rança pela cnaçao e um mmisteno respectivo em 1959. Le Temps de la réjlexion. .como o teatro. esta por IniCiar-se. Jean Leca. . PUF. u tura ances. d~ subordina~ão o~. 294 295 1 V~del~rge. 1983. de contornos menos discerntvets. de resis·ncia. sem a isso se limitarem. Traité de science politique. 1985. La Documentation fran~aise 1995. . que implicam e apoiam numerosas acções públicas. A No plural e no singular I~do ~o mais afastad? no tempo e do mais geral ao mais próximo de nos. as artes plásticas. L'Art de la défaite. Para discrimin~r o e. Desta definição mínima surgiu a questão do plural ou do singular. expenencia . Essa familiarid d d . por exemplo. na encruzilhada de políticas artísticas. extrai a arte do artesanato para a sacralizar. distinto do económico. Fazer a h1stona das políticas culturais é pois. Mas é possível que a comparaçao mternacwnal das políticas públicas da cultura chegue a discernir um «sector» específico das sociedades pós-industriais ocidentais independent~ ~as singularidades nacionais. numa soberba súmula sobre a Frente Popular. Resta o interesse pelo sector «cultural» e a sua formação . ao nível dos Estados e das colectividades locais. sócio-culturais. A história e sociologia da arte precederam. Bertrand Badie. da mtervenção dos Estados e outras instâncias públicas modemass Todavia. !azer. A comparação internacional mostra a flutuação das fron0 fi . ~du~~tivas. Paris. 1994. Este problema é em parte tratado pelas ciências políticas. ele esteja no cruzamento de três segmentações: a mais antiga. 18-20. as ciências políticas. para os especialistas das políticas públicas. Culture et politique sous le signe du Front Populaire. portanto. Grasset.. As políticas públicas da cultura mais não constituem. a mais recente. aquela que. retrospectivamente. encaradas como o resultado da articulação entre o trabalho governamental e diferentes grupos sociais. L' État en action. Estas variações nacionais podem lançar dúvida sobre a própria p~rti~ência d~ um domínio «cultural». a soma destas histórias de políticas públicas. necessariamente. seja qual f.r o seu interesse e a sua pertinência. 5 Em França. mercados. de um conjunto de actividades. a política cultural assemelha-se à «cultura de Estado». que uma componente «da» política cultural. emprestam uma globalidade não estritamente aditiva ao que se chama política cultural. pp. Sociologie de l' État. as modalidades e os impactoes . porque a nossa concepção da política cultural não se reduz a um conjunto de medidas. de lazeres ou dirigidas a cultos. finalmente. aliás. I 987. academias. Sem dúvida que se pode recear que tal definição do «cultural» abranja demasiados fenómenos. Por duas razões. a sua emergência. institucionais ou intelectuais. PUF. 297 . desde a Renascença. o crescimento secular de um «tempo livre». nos de Raymonde Moulin. Gérard Monnier. supõe uma certa configuração das relações entre poder político e sociedade: um corte entre público e privado. «cultura de Estado» oposta à «cultura vivida» 7 • A história cultural e a política cultural vêem-se assim atribuir a maior extensão que se possa imaginar. La Belle /llusion. a história da formação e da flutuaçao de um sector ao sabor de divisões administrativas. e a emergência de políticas públicas? Pode a história cultural precisar a natureza desta articulação entre acção pública e sector cultural? É o que propõe indirectamente Pascal Ory. pensa-se por exemplo. sejam quais forem os seus iniciadores. da cultura é muitas vezes anterior às estruturas administrativas e políticas a que a nossa concepção espontânea da política cultural fica ligada. para os historiadores da arte. desenhados pela interacção entre factores económicos. na economia. num mesmo movimento. das actividades de serviço.. mas essa propensão é inevitável desde que o o 296 7 Pascal Ory. porque a formação das políticas públicas ditas. 6 Pierre Bimbaum. como tal. visto como relativo numa dimensão específica dita «cultural». Pierre-Michel Menger e Nathalie Heinich. d . 1935-1938. Mas que tipos de relações existem entre a emergência na sociedade de um sector.. datada. um Estado face a uma segmentação da sociedade em sectores. e para os sociólogos da arte. A tese é clara: o «cultural» identifica-se com o «conjunto das representações produzidas e consumidas por um grupo social» e. nos trabalhos de Pierre Vaisse. existmdo tal sector. Paris. Paris. a emergência e a parte cada vez mais forte. corporações. Pierre Muller.investigação que já deu mostras da sua fecundidade. Marie-Claude Genet-Delacroix. Em segundo lugar. científicas. 1979. municípios ou associações. técnicos e políticos 6 • Estas precauções evitarão interpretar as composições parietais de Lascaux como os frutos de uma política cultural neolítica . De facto.. Plon. As apostas sociais e políticas ligadas ao destino da arte ou da cultura a definição de mandatos políticos e de segmentos administrativo~ especializados. e Bruno Jobert. aproveitado pela divisão do trabalho e o aumento da produtividade. e surge embaraço. A sua an-~ lise da 6volução dos sistemas de abono de recursos e de estatutos a a . Pode-se já emitir a hipótese de que. Estad _ -providência) permite situar a emergência. mutáveis mas estáveis no curto período. teiras de tal sector: a história de cada nação de mm-o e ma~eua singular.Estado. só parcialmente coincide com 0 que entendemos habitualmente por política cultural. Em primeiro lugar. os artistas (mecenatos. isto é. 14. E igual~~n~e. d. 0 trabalho político de retoma das ideias e das IniCiativas para reservar essa coerência constantemente ameaçada tanto pelo desgosto ~as ideias como pela dinâmica própria da acção pública.renoble. os de Guy Saez. Ela exi~~ de facto a sua união. Jan. po~~ mostra-nos mais um movimento. É evidente que a acção nunca tem durante ac Ç I' .e maneira intelectual e prática. e meu próprio trabalho. Revue de synthese. mas ainda não «assumida como responsabilidade»8 • Porque._"""'_____________ analista sobre si e aceite utilizar este vocábulo em vez de 0 de·IXar . dado que n· · do as artes. 0 Paris. entre os cinco objectos que foram distinguidos. aos «mdigenas». Estes momentos supõem uma força e uma coerência dessas repre~entações. Universidade Pierre-Mendes-France/IEP de ?. La Cu~ture comme catégorie d' intervention publique. para um dado período e país. obJectos ~ao lf~­ plica de forma alguma que o historiador deva limitar a sua mvestl9 É nesta perspectiva que situo os trabalhos de -~in~ent J?~bois. espalhada que as políticas da cultura. reservo o singular de «polític~ cultural~>. Qual pode ser então essa «política cultural».tenha relação ou paralelo com todos os outros. La Documentation française. «Pour une histoire conceptuelle du politique (note de travail)». supõe necessariamente uma segmentação administrativa que restringe o campo do que se chama «política cultural». que só exista um exemplar. como é evidente. tome . ~nalmen:e. Salvo se se considerar que a Frente Popular desenhou uma política cultural «potencial». sem haver um centro único de instigadores. Philippe Urfalino. L' État. de que as políticas culturais efectivas só seriam realizações parciais. Também a po Itlca cu tura nao ~só confirmada pela evidência da coerência. PP· 93-105. Do mesmo modo. torna-se necessano precisar que. _Iogicas que lhe são próprias. 1994. totalidade não redutível às suas partes que ainda escapa ao inventário? Tentemos uma definição: o ou os momentos de convergência e de coerência entre. I 1 uito tempo a coerência das ideias. No final deste exercício. A Frente Popular surge como o momento em que a emergência recente da ideia de um sector e de uma aposta «cultural» é «tomada em conta» por uma multidão de inovações e de iniciativas em numerosos campos de acção pública. Mas c~da um possui u~a história. essa coerência. não há um só que não . .-Jun. as ciências. mesmo quando a «política cultural» tem uma ocorrência menos frequente e menos . 298 ão do poder público. Pode chamar-se «problematização» à maneira como é const~ída e re~omada. longe disso. a definição de um sector qualificado de «cultural» e a da acção pública dita «cultural» condicionam-se mutuamente sem nunca se ajustarem com perfeição. tese em ciência política. como um mínimo de unidade de 8 lbid. Não se reduz nem a uma justaposição de politicas ectoriais nem a uma reordenação republicana do mecenato real.Umversidade Lumiere Lyon-II. Este smgular nao significa. la Culture. por convenção. por um lado. Assim defimd~. Considerada. 1996. se ela for outra coisa além de uma inspiração que atravessa o conjunto do trabalho governamental. a es e objecto que. p~r :er uma totalidade construída por ideias. 10 Pierre Rosanvallon. corre o risco de fazer diluir o object Esta generosida~e apresent~-se fecunda no projecto de Pascal Ory. a inforao reserva d a ao poder pu'bl'Ico e mclum mação.. tese de c1encia politica. a história da política cultural parece forçosamente mais estreita que a parte «governamental» da história cultural. a educação e os lazeres. para deixar 0 plural às políticas públicas da cultura. IEP. . por práticas políticas e admi9 nistrativas situadas num contexto intelectual e político • Sob este ecto a abordagem que lhe é mais apropriada parece-me sey o que asp ' I' . L' /nvention de la pohttque culturelle. a organização de uma acção pública. . De tal modo que não é possível apoiar-se no exame das fronteiras do primeiro para delimitar a segunda.. 1993. la Ville. por outro. uma periodização. 299 ------------~--~ . as representações do papel que o Estado pode fazer desempenhar à arte e à «cultura» em relação à sociedade e. um campo de extensao e. 1986. 10 E t Pierre Rosanvallon chamou história conceptual do po Itlco . A discriminação des~es. a pol~­ tica cultural é um objecto compósito e lábil que t~~to podena provu da história das ideias e das representações soc~ais como d~ uma história do Estado (ou das outras instâncias pública~). Com efeito. a identificação da política cultural com a «cultura de Estado». Impulso de um governo e as iniciativas de uma parte da sociedade do que uma política cultural tal como a entendemos desde a existên~ cia de um ministério encarregado dos Assuntos Culturais. definida de forma ampla._ e sobretudo. p. que contém ao mesmo tempo o . 1990. se a formação do Ministério Malraux possui valor de fundação. desde que consciente das diferenças. Assim. como a estatuária: ver Philippe Pom!er. Les Cahiers de la République.. é porque o aparecimento e sobretudo a perenidade do ministério instauraram divisões intelectuais. pouco importa que aquel: que lançam a grande rede da história cultural às colectividades locais remontando até ao início do século XIX. -~~ E.o~')-'•'. Foi um conjunto de circunstâncias. conferindo à administração uma nova postura no sistema das instituições artísticas. que levou à criação de um ministério. por contraste. 823-849. fazer do momento Malraux uma ruptura de fundo parece demasiado sacrifício ao senso comum. «Les polrt_rques culturelles municipales. 1993. o pensamento de Malraux encontrou uma situação. Caracteriza-se muitas vezes a especificidade da política cultural francesa pela força de uma tradição monárquica de implicação directa do poder político no apoio à vida artística e pelo nível constantemente concedido às artes no orgulho nacional francês. se pode avistar o termo. 43. a invenção de uma «política cultural».. retirem outra coisa que nã~ o que entendemos de maneira restrita por «política cultural». A ideia de uma ruptura de fundo não pode ser mantida. se é preciso voltar a ele como a uma base em que assentam sucessivos sedimentos. quando é justamente a sua sobrevivência. a invenção da política cultural com a criação de um ministério? Por muitas razões. eles pe~item situar a sua emergência no meio da sociabilidade burguesa. cit. 78-92. retomando no essencial. «Pour un ministere des Arts». em 1959. 0 2. pp. «La s~tuaire provinciale sous la Troisieme République. após algumas mutações. a presença de Malraux ao lado do general de Gaulle e a necessidade de encontrar um emprego à altura da personagem depois da sua substituição no Ministério da Informação. O mesmo para o seguimento sobre o lo~g~ perío~o de um só tipo de acção municipal. esclarece a situação actual do Ministério da Cultura e abre a perspectiva para outros objectos ou campos de investigação14. n. divisões administrativas e repertórios de acção sempre actuantes. bem como a promoção de uma 1 _ ~ Ver nomeadamente: Jean-Pie_rre Rioux. J alons pour l' histoire filosofia da «acção cultural» ao nível de doutrina oficial do novo ministério. A emergência de um sector cultural sob a Frente Popular sucede. Une etude comparee: Rouen e DrJOn». Eléments pour une approche historique». cit. Revue d' histoire moderne et contemporaine. 240-269._pe!o me~os. 4.g~ção a um deles. e de três maneiras: dando justificação a um bricolage administrativo. A singularidade de uma invenção: o momento Malraux A França do século X~ fornece um belo inventário das distinções que se acaba de fazer. 1995. a escolha de uma investigação em que se entrecruze facilita o exame da sua articulação. 14 Descrevi as duas outras em L' Invention de la politique culturelle. de táctica e de talento. o ~ue tentei demonstrar no meu artigo «De I'anti-impérialisme amencam a la drssolutwn de la politique culturelle».-J~n. reclamado de forma recorrente sob a III e a IV Repúblicas 13 • No entanto. Les Cah1er~ ~e 1 'IHTP-CNRS. Dezembro 1956. pela verificação da repetição desta ou daquela atitude. firmando a acção do ministério na concepção gaulista do papel do Estado. Abr. É certo que a criação em 1959 de um ministério encarregado dos «Assuntos Culturais». sempre selectiva. Muito pelo contrário. nem pela ausência de precedentes nem por um grande desígnio cultural consubstancial à V República nascente. O risco deste género de observação é que. do Sistema das belas-artes e da evolução dos antagonismos locaisii. mas é a combinação que é original e que cria a ruptura.•. Por uma mistura de feliz coincidência. além da autonomia orçamental e política. pp.•'"''o. com proveito para o crescimento das políticas públicas da culturai2. vol. Revue française de science politique. A maior parte dos ingredientes têm uma história antiga. Não será ingénuo fazer coincidir. Para a IV República. n. Lmc Vad~lorge. no fim dos anos oitenta. da qual. op. pp. Jean-François Sirinelli dir. ver Robert Brichet. são outros tantos factos que não devem ser sobreavaliados. as atribuições do antigo Secretariado de Estado das Belas-Artes. que me- des politiques culturelles locales.•c' . se passe insensivelmente a uma explicação pela tradição. 300 301 --------· 13 . em pontilhado. Philippe Poirrier et ai. 0 5. em França.. Só evocarei aqui a terceira por ser esta que. -. op. rece explicação. De forma mais grave, o apelo a uma linha francesa anterior ao que chamámos invenção da política cultural, esfuma a su~ singularidade. Assim, a tripla centralização, política, administrativa e cultural do nosso país, associada ao sistema presidencial da V República, não deixa nunca, nas comparações internacionais, de ser destacada como uma originalidade da política cultural francesa. Ora esta centralização vem colorir o conjunto das políticas públicas do Hexágono. Pesa nas políticas culturais francesas sem lhes caracterizar completamente a natureza. Uma das originalidades da França, desde Malraux, está noutro ponto: na definição da política cultural como projecto contra a instituição. Esta dimensão da ruptura instaurada pela ideologia malrauxiana, e pelas circunstâncias da sua aplicação está ainda inscrita nos modos de agir do actual ministério. Tem pelo menos três motores. Primeiro, baseando a missão do ministério na democratização e rejeição das Belas-Artes, Malraux faz convergir, pela primeira vez, no seio da mesma administração, dois movimentos, ambos provindo do fim do século XIX: a crítica implacável de um sistema académico já à beira da explosão sob o Segundo Império 15 ; e a reivindicação de um direito do povo à cultura. Sabe-se agora que, muito antes dos ataques de Jeanne Laurent contra o Instituto e as supostas fraquezas da III República, a ideia de um sistema académico bastante poderoso para impor o seu conformismo às iniciativas do Estado é um lugar comum desde o fim do século XIX 16• Segundo, este mito, ainda vivo em 1960, garantido por uma real fraqueza da administração das Belas-Artes, alimenta a preocupação de apoiar a missão de democratização dos representantes da modernidade estética, que desde os anos cinquenta começavam a fazer reviver a ideologia das vanguardas do princípio do século. Terceiro motor desta oposição do projecto e da instituição, a associação ao ministério, via IV Plano, em que Malraux procurará uma alavanca financeira, dos temas e de certos homens da elite modernizadora então 15 Ver Harrison e Cynthia White, La Carriere des peintres au XIXe siecle, trad. fr., Paris, Flammarion, f991. 16 Pierre Vaisse, La Troisieme République et les Peintres, Paris, Flammarion, 1995. 302 em plena actividade 17 • Com esta associação, a política do ministério, e especialmente a sua política de equipamento cultural, integra-se num movimento de antecipação do Estado sobre a sociedade. A criação do ministério abraçava assim o combate da modernidade estética contra instituições que simbolizavam o conformismo, da elite modernizadora da administração francesa contra a rigidez da sociedade francesa, operando uma verdadeira OPA ideológica sobre o ideal, de esquerda, da educação popular. O ministério conservou, como um reflexo, a identificação da sua missão com um projecto oposto às instituições existentes. É uma modalidade de acção que impregna, desde a sua criação até alguns dos grandes trabalhos mitterrandianos, as iniciativas mais estruturantes: quando pode, o ministério prefere o novo projecto à reforma interna das instituições existentes. A rejeição das instituições, associada ao sentimento de estar ao serviço de uma modernidade estética, é constitutiva da concepção e da prática francesa da política cultural. Um olhar sobre outros países mostra que as instituições nem sempre têm este papel de contraste 18 • Convém ser mais preciso para evitar os mal-entendidos: não se trata das instituições enquanto organizações. Toda a política cultural, a francesa à cabeça, apoia e utiliza organizações. Trata-se da ideia de instituição, isto é, da ideia de que um conjunto de indivíduos, reunidos por razões diversas e eventualmente sob uma forma organizacional, mas não necessariamente, possa ver que lhe reconhecem, mais ou menos explicitamente, o poder de dizer a norma e de avaliar de maneira directa ou indirecta as actividades da sua competência. Se, 17 Pierre Grémion, «L'échec des élites modemisatrices», Esprit, Novembro 1987. Além da importância do IV Plano no lançamento da política de equipamento do ministério, o papel de mecenas da Rua de Valois, assegurado pela Caixa dos Depósitos e Consignações, dirigida por François Bloch-Lainé, simboliza bem esta associação. 18 Assim uma das primeiras obras sobre o sistema britânico de apoio às artes parecia-se bastante com uma soma de histórias de instituições: ver J. S. Harris, Government Patronage in Great Britain, Chicago University Press, 1970. Nos Estados-Unidos, o sistema de paneis do National Endowment for the Arts deve muito ao modelo dos trustees que governa as grandes instituições artísticas: ver K. V. Mulkahy, C. R. Swaim, Public Policy and the Arts, Boulder, Westview Press, 1982. 303 com efeito, existem tais instituições em França, a ideia de instituição não é, desde 1959, uma «ferramenta mental» da política cultural, tanto a noção está ligada à ideia de tradição conformista e tanto a ideologia modernista foi forte no seio do ministério 19. Esta postura anti-institucional e modernista da política cultural francesa indica pelo menos duas outras maneiras solidárias de contribuir para a sua história: a história das instituições artísticas e a dos «poderes normativos», no que, desde a Frente Popular, está mais ou menos claramente associado a uma dimensão cultural. A história das instituições francesas, e sobretudo da sua relação com as autoridades públicas, é um género ainda insuficientemente tratado apesar de alguns trabalhos pioneiros 20• O seu desenvolvimento desenharia como que o negativo da invenção francesa da política cultural. A história dos «poderes normativos» é mais difícil de circunscrever. Assinalamos apenas três objectivos que ela poderia ter e que estão ausentes das nossas bibliografias: a evolução do funcionamento da crítica artística e do seu impacte nas decisões públicas; as concepções e os exercícios do julgamento estético nas instâncias sujeitas, por diversos motivos, à necessidade de avaliação das actividades artísticas; e finalmente, como a comparação com os Estados Unidos e os debates recorrentes sobre o papel cultural da televisão sugerem o interesse, a história cruzada das nossas concepções do «enriquecimento cultural» e do divertimento, sendo um valorizado à medida da condenação do outro, considerado alienante ou embrutecedor. Tais :tbordagens, centradas no que a nossa moderna política cultural tende a obliterar, seriam excelentes antídotos contra uma even- tual cegueira, simétrica daquela de que foram vítimas os nossos antepassados da III República, quando ainda reinava a ideia de instituição. Eles foram, como mostrou Pierre Vaisse 21 , os primeiros propagadores do mito da omnipotência esclerosante do sistema académico. Toldados pelo sucesso público do Salão, continuaram a condenar o projecto do Instituto, quando ele era cada vez mais impotente, e não puderam ver as importantes mutações em curso, sobre as quais uma parte da nossa percepção da arte ainda assenta: reconhecimento da pluralidade do mundo artístico, dissipação da oposição entre uso privado e uso público da pintura, emergência, na percepção da actividade artística, da prevalência do artista sobre as obras e da periodização histórica sobre os géneros. Se não queremos, por nossa vez, ser vítimas de uma ilusão semelhante, talvez seja necessário não só distinguir as diferentes realidades que recobrem a ou as políticas culturais, mas também velar igualmente para não ficar preso a elas. Como se espera ter mostrado, a ou as políticas culturais, tanto no singular como no plural, pelo que evidenciam e pelo que dissimulam, abrem à história numerosos campos. 19 Isto, por razões múltiplas: convicções próprias dos membros do ministério, osmose com os meios artísticos, desejo de corrigir os esquecimentos do Estado, domínio internacional desta ideologia, o evitar do julgamento estético tomado possível pela elevação da novidade à categoria de critério! 20 Além dos trabalhos já citados de Harrison e Cynthia White, de Pierre Vaisse, pensa-se em Frédérique Patureau, Le Palais Garnier dans la société parisienne, 1875-1914, Liege, Mardaga, 1991; Marie-Claude Genet-Delacroix, L'Art et l'État sous la 111e République. Le systeme des Beaux-Arts, 1870-1940, Paris, Publicações da Sorbonne, 1992; Marc Fumaroli, Trois 1nstitutions littéraires, Paris, Gaiiimard, 1994. 304 21 La Troisieme République et les Peintres, op. cit. 305 ~~~~~~~--) A MEMÓRIA COLECTIVA Jean-Pierre Rioux Por que surgem tantas lembranças e tantas rememorações nas nossas sociedades inquietas? E por que, em contraponto ou em contrapartida, os historiadores se interessam tanto pela memória das pessoas e dos povos, por que fazem dela um autêntico e vivo objecto das suas investigações? Estas perguntas enchem as livrarias, as teses e os colóquios desde há perto de vinte anos: a bem dizer, desde os princípios da crise. Alimentaram seminários e alguns best-sellers. Sobretudo, fustigaram muito oportunamente a história cultural em França 1• Porque, situando-se na encruzilhada das representações colectivas, passadas, presentes e futuras, como poderia ela fazer a economia das memórias que as codificam e as transmitem? E porque não teria instalado o memorável no centro das suas problemáticas e no do seu trabalho? Não receamos dizer que, deste modo, se ajusta ao fruto dos tempos. É verdade que a memória sempre foi imperiosa e provocadora. Mas hoje ela desnuda e trespassa mais do que nunca. Causa 1 Retomo aqui elementos tirados de artigos em que tentei apreciar as minhas próprias investigações: «Notre mémoire populaire>>, Les Nouvelles littéraires, dossier, 26 Janeiro 1978; Problemes de méthode en histoire orale, Paris, CNRS, IHTP, 1981; «Sur Ia mémoire collective>>, Bulletin de l'IHTP, n. 0 6, Dezembro 198!; «L'historien et Ies récits de vie>>, Revue des sciences humaines, 1983-3; «L'histoire orale en France; enjeux, bilan et perspectives>>, Les Cahiers de Clio, Jan.-Mar. 1984; «lndividu, mémoire, histoire>>, in Croire la mémoire?, Aoste, AV AS, 1988; «La déesse Mémoire>>, Le Monde, 18 Março 1993; «Nous sommes entrés dans l'ere des Iieux de mémoire>>, L'Histoire, n. 0 !65, Abril, 1993. 307 imperturbavelmente etnológica. 1980. p. 1983. Objectiva. Hegel dizia. 174. n.também arrepios. a prazo. fortemente terrena e de certo modo tribal. Enquêté. in Histoire et Mémoire. PUF. constitutiva do domínio cultural. Péguy viu bem. é forte a tentação de passar a linha de demarcação e tirar partido da interpenetração entre uma história constitutiva da memória nacional desde Jules Ferry e memórias parcelares que alimentam a identidade dos grupos que as têm ou as reinventam. jogando alternadamente com a nostalgia e a inquietação. as memórias nacionais em continuado. esta última alimenta-se de um tempo dilatado aos limites orgânicos de uma consciência individual ou colectiva. desligada de qualquer evidência própria. Neste país em que a crise encobre o futuro. 1979 (traduzido em Le Débat. cit. o campo histórico fica todo aberto. Mas assumir essa exigência não basta para clarificar o resultado. vol. dizia Hesíodo. a sua obsessão científica erigindo à distância um tema de estudo que ele a seguir modelará à sua vontade e com as suas regras. o aviso de Paul Ricoeur: «Quanto mais a noção de memória colectiva se deve considerar como noção difícil. Jacques Revel. este velho idílio porque história e memória se opõem. Inversamente. a erudita. Le Temps raconté. Paris. de decifrar. Setembro 1980). O historiador não é portanto um memorialista. Paul Ricoeur. Ed. entre o instituído e o vivido. Quando as segundas seguem ao assalto das primeiras. 3 Ver Françoise Zonabend.sim. que a primeira categoria histórica não era a lembrança mas a promessa. de que Françoise Zonabend remexeu as areias 3 • O seu voluntarismo crítico. comunitárias ou «multiculturais». Sacraliza-o. Reflections on a New Old History». talha e corta nas plagas dessa «longa memória». Paris. importante e duradoura2 . nariz ao vento e demasiado à vontade num tempo deslocado. Não esquecer também que Jacques Le Goff lembrou precocemente que «a memória é a matéria-prima da história». Le Futur passé. a perpendicular. «Folio». de pontuar.. por outro. de alcançar o passado. 1988. 3. há-de afagar para sempre os mortais ' anunciando-lhes «O que será e o que foi». das sagas intermináveis e dos episódios constitutivos. 308 309 4 . fecunda mas lancinante e muitas vezes incómoda: a divisão. Past and Present. Paris. 0 85. 1995. I. auto-satisfeitas. periodiza. de raciocinar e de prever. Deste modo. fixando com perplexidade a sua própria imagem. de burilar e contar. obstina-se na cronologia. Ver sobretudo Reinhardt Koselleck. Contribution à la sémantique des temps historiques. sem se deixar levar. mais a sua rejeição anunciaria. 0 l. o seu «diálogo da história e da alma pagã». E esclarecendo. com razão. Paris.» 4 2 Ver Laurence Stone. Paul Ricoeur. assim. Porque numa sociedade tão antiga e tão mediatizada como a nossa. ensinadas para serem partilhadas e. do EHESS. isolada no extremo de um velhíssimo continente assaltado por gente rejuvenescida desde 1989. Temps et Récit. La Mémoire longue. Gallimard. «Ressources narratives et connaissance historique». as memórias particulares. um colectivo informal. por primeira bagagem teórica. Laiciza e põe em prosa o tempo memorial dos heróis epónimos e dos mitos fundadores. recusando qualquer descontinuidade e cronologia. comemoradas. E ela nunca começa sem. vol. a narrativa: redescoberta recente. filha de Mnemósina e de Zeus. regidas. Le Seuil. 0 4. À primeira compete o cuidado de remontar o tempo por dentro. entre Clio e Mnemósino. Compete ao historiador do cultural consentir na fábula. por um lado. Colocar esta incompatibilidade de humor entre filha e mãe. Temps et histoires au village. porque constrói e dá a ler a narrativa. n. Os Gregos haviam-no pressentido: a pequena Clio. entre. n. em primeiro lugar. desalojam a memória dos seus espaços naturais. que «a memória e a história formam um ângulo recto». Ri-se das interpenetrações da razão e da experiência vivida. L' Intrigue et le Récit historique. para melhor compreender e dar a conhecer urn destino lógico. mas a sua exploração recomenda ter mapa e bússola. de invocar a herança de um paganismo imperturbável. o suicídio da história. «The Revival of Narrative. é um primeiro dever para o historiador. À segunda. o historiador da memória tem de viver e ultrapassar com bom-senso uma tensão. 1985. destroem a lembrança-fetiche. compreende-se que perdurem fortes conivências entre a memória patrimonial incensada e o curso da história desafinado que já não canta amanhãs. O seu sopro. em Clio. A história é um pensamento d~ passado e não uma rememoração. Temps et Récit. distrairá os deuses e conviverá com os poetas. o de inscrever. Forjou as suas próprias armas e codificou as suas leis. 1990. op.de uma representação do passado. inglesa. Gallimard. Politique aujourd' hui. 7 vol. As etapas cronológicas desta diluição do prestígio no furor do mundo são conhecidas. o lazer e o hobby. 1990). Les Lieux de mémoire. Emmanue1 Le Roy Ladurie. houve um apelo proteiforme a uma memória que se enraizava e acalmava. A Primeira Guerra Mundial havia marcado a apoteose de uma memória nacional e republicana. do Mame à Vitória. Paris. Com a ajuda do sucesso do Ano do Património. para deter esta memória rural agonizante e exprimir «a beleza do morto8 ». Paris. Le concept de "culture populaire"». Plon. Hélias. cuja morosidade crescia com o aprofundamento de uma crise de múltiplas dimensões e em que o fim dos camponeses só podia passar por sinal precursor. Le Cheval d' orgueil de Pierre-Jakez Hélias e Montaillou. os biógrafos à espreita. passou-se às meditações. Os historiadores cedo pensaram que este autismo da memória não os provocaria impunemente5 . L' Histoire de Úl Fronce rurale. Esta obstinação.. 1974. retomado em La Culture au pluriel. 4 vol. Henri Veyrier. esta história tenha tomado por primeira hipótese de trabalho uma evidência banal e tenha feito incidir sobre a ingenuidade desta uma série de trabalhos que servem de referência: o fruto dos tempos levava à rememorizacão e ao consumo de massas de uma sopa com verduras do passado. uma pendência confusa em que coabitaram os avós convocados in extremis diante dos microfones. a sua força de união. 1975 (I. enquanto surgia a tradução de L'Art de la mémoire de Yates. Mas o sangue vertido em demasia tornou fatal a velha depressão 7 Para o estudo do período contemporâneo. a genealogia de amador e as animações campestres com foice. portadora de hierarquias. «10/18».1 Uma figura imposta Compreende-se pois que.-J. marcaram a instalação em força da narrativa da vida rude e das nostalgias rurais numa problemática de história7 • Segue-se. ladeados por uma produção erudita de sucesso. militantes de uma «história oral» que julgavam dar assim a palavra aos esquecidos da História.. Recherches d' histoire culturelle. Dezembro 1970. Há vinte anos que os Franceses imobilizados na crise começaram por isso a olhar com complacência e ternura para as supostas harmonias de outros tempos. excitou bastante e legitimamente a ciência histórica. 1975-1976. Plon.-. Le Cheval d'orgueil. repetimos. que significou. Que se passou então? Nada. estabelecer certas verdades boas de dizer. ao turismo e ao neuroléptico. Paris. Foi pois necessário encarar outras questões. 6 Frances A. a quem cedo se juntaram os grandes andarilhos dos Lieux de mémoire9• Assim aconteceu ser o terreno batido e rebatido durante quinze anos. Quarante ans de recherche sur les mythes et la civilisation bretonne. Le Quêteur de mémoire. publicada na Seuil-. à animação e ao violino de Ingres. «La beauté du mort. village occitan de Emmanuel Le Roy Ladurie. as únicas a serem portadoras de um futuro.. 1991. cada grupo formal ou informal era responsável pela sua identidade e quase intimado a ser o seu próprio historiador. Paris. 1975 (a completar por P. difundir seguranças colectivas. após tantos anos de explorações das memórias em tamancos atomizados. reunidos tardiamente em La Mémoire des Français. UGE. a história cultural da memória virou largamente de bordo. Georges Duby e Armand Wallon dir. 9 Ver Pierre Nora dir. raros foram aqueles que sentiram a importância dos trabalhos pioneiros de Maurice Crubellier. Mémoires d'un Breton du pays bigouden. então saudada com grande interesse metodológico. mais fortes e menos desencorajantes. Cada indivíduo. Paris." ed.-~~~~~~~~~~~- . Yates. os furiosos do vocalismo e gentis doutores especializados nas «guerras franco-francesas» mais memoráveis. Este bucolismo caiu na anedota pelos fins do decénio de 1980 e. o bilhete postal e os vestidos da avó. Le Seuil. por precaução. a primeira história moderna de uma memorização com valor de passaporte para tantos pioneiros6 . é de Michel de Certeau. 1975. Gallimard. Desde 1975. 8 A expressão. Paris. 1960). 310 311 5 ---------------·-------. 1984-1992. Porque. Esta retromania voltava as costas a qualquer história instituída. de repente. Gallimard. além da tomada de consciência de que uma série de tempestades varrera os modelos sobre os quais havia sido mantida a continuidade da Nação. . Pierre-Jakez Hélias. sociais e nacionais. Paris. por conseguinte. Histoire de la France rurale. Tudo foi pretexto para o passadismo. em 1980. Paris.. só com as suas forças demonstrativas. de reforçar certos valores que unem uma comunidade e. dois best-sellers. Montaillou. capaz de. vil/age occitan de 1294 à 1324. L'Art de la Mémoire. ao frenesi do stock e da acumulação. a perda de substância de regiões inteiras prometidas ao baldio industrial. enquanto a sociedade mais indecisa. a tribalização ou o comunitarismo «emocional» 12 • Para dar boa medida. Klincksieck. em consequência. Fim da Guerra Fria e grande vazio do lado do comunismo que policiava uma parte do planeta. a ordem dos seus valores: o culto das origens é substituído por um presente incerto e uma modernidade técnica. diluída nos modelos comuns de consumo e de promoção. a França urbana. Paris. depuseram um muito novo furor. A partir de então. a crise mundial e o conhecimento das pressões do mercado internacional realçaram a fatalidade dos bloqueios e dos atrasos. Neste contexto desanimado. nas mutações sociológicas que arruinaram o domínio rural. Compreende-se que a memória colectiva herdada tenha sido. reacções e integrismos religiosos de vocações expansionistas. Montchrestien. desordenadamente. menos atentamente transmitidos. que fazem proliferar um presente sem fé nem lei. Gallimard. sem conseguir actualizar as condições da transmissão pública dos valores e dos saberes. La mode et son destin dans les sociétés modernes. vítima destes choques sucessivos. a pouco e pouco. «O passado já não é a garantia do futuro. Paris. regresso dos nacionalismos belicosos a Leste. é longa a lista das novidades que tornam o futuro um pouco mais imprevisível. a dos operários. imigrados mais clarividentes e que mais inquietam. Ver Michel Maffesoli. sobre este sedimento hexagonal já muito espesso. o recuo para as proximidades provincianas do «viver e trabalhar na região». Une société de communication?. diluindo-se no Estado-providência desde 1945. de passagem. o domínio dos media modernos do som e da imagem. O fim dos camponeses cedo deslocou os mecanismos de transmissão das heranças. promoveram o assalariado e colocaram um «grupo central» proteiforme em situação de governar os usos e costumes sócio-culturais e a distribuição da ascensão social. Paris. com encontros memoráveis em Sarajevo. 1992. perturbados em 1989.humana de um país que durante tanto tempo tinha dominado a Europa ocidental com o peso da sua população. depois as revoluções da informática e do multimédia impõem um tempo social sem duração. a dos modelos culturais anglo-saxónicos. alguns milhões de novos pobres em perda de identidade. Paris. 12 . entrada em força das periferias do Sul e do Extremo-Oriente no mercado universal do trabalho a baixo preço e da imigração de alta tensão. ameaçando os países ricos. de que é reveladora a eterna reforma do ensino desde há meio século. Fazem-se sentir os efeitos da classe etária ou geracional. a França recuou para o nível das potências médias. L' Empire de l' éphémere. os antigos mecanismos de promoção republicana ficam bloqueados. 1987. a decomposição das memórias comunista e gaulista. ao mesmo tempo. Gallimard. Deste modo. A crise dos anos trinta e a Segunda Guerra Mundial relançou depois a «guerra franco-francesa» e. É toda a nova comunicação que assim acotovela as regras que regem a memória dos grupos e a memória comum 11 • E o próprio consenso nacional modificou. L' éthique indolore des nouveaux temps démocratiques. Le Temps des tribus. que favorece o esquecimento na pro- porção da amplidão do stock de informações espalhadas e da pretensa evidência dos saberes vendidos «por linha» e. à união cívica opõem-se a afectividade individualista. que tanto haviam ajudado a estruturar as imagens nacionais do passado. 1988. Ver Gilles Lipovetsky. 11 10 Ver Erik Neveu. acrescentamos. elites com ausência de peso social e escândalos que ultrapassaram o do Panamá. o social conseguiu muitas vezes passar à frente do nacional. O próprio Estado perdeu uma boa parte da sua eficiência memorizante. mais fluida ou mais mole cultiva o efémero 10 • Rematando a evolução. Muros inteiros de memórias sociais se afundaram na passagem. a ruína das esperanças revolucionárias. 312 313 1994. a Europa e o mundo. quanto a estes últimos anos. As classes e os grupos dispersam-se. eLe Crépuscule du devoir. ataques de febre xenófoba ou anti-semita de sinistra memória. Finalmente. Le déclin de l'individualisme dans les sociétés de masse. reforçaram a dúvida. E temos que admitir que. a dos camponeses e das paisagens que civilizavam. A força da imigração. industrial e terciária prevaleceu sobre uma França rural conservadora das forças da memória. sublinha Pierre Nora. subúrbios em latência ou já em dissidência. quebrando as coerências culturais e os modos de reprodução dos valores. memória.. por que negá-lo. o desvio cultural foi cavado entre 13 ------------------. aos crimes de Vichy ou à epopeia gaulleana. partilhada e nacionalizável. não tiveram. A partir daí. E que dizer de tantas reflexões apressadas sobre as perturbações a Leste? Ficar-se-á. desde logo contribuiu ao mesmo tempo para desmultiplicar e depois esgotar o activismo da memória tranquilizante e apressar o fim de uma visão da história em continuidade. Mas tarde de mais. sem recear a contradição. Esta irrupção brutal de um tempo descontínuo. as gerações. como se observou. O pressentimento de uma avaria de transmissão. a hora é do todo-cultural e da comunicação «em linha». Este momento. que a situação de crise e de dúvida projectou estilhaços de memória pelos quatro cantos da sociedade. impõe ainda ao historiador um tempo novo. contribuíram entretanto para excitar velhas e memoráveis apostas. por bem orquestradas que estivessem. e talvez até de um hiato fatal. um tempo sem devir. op. A conjunção demasiado presente de inquietações e de inovações arruína as hierarquias e quebra a perspectiva. As nossas comemorações oficiais e a celebração do Bicentenário de 1789. a escola desempenha menos bem o seu papel de transmissão. Assim.e como nos diz ainda Pierre Nora-. Ela leva a sociedade a cultivar o seu avesso. Deteriora os temas federadores de que vivemos desde há dois séculos. deve viver intensamente a sua «idade historiográfica». mal calibrado na escala do passado e do futuro: um presente hesitante. no entanto. A par de uma «história imediata» inventada nos anos sessenta por jomalis- 314 315 é aí que se encontra a razão principal da promoção da memória como agente dinâmico e única promessa de continuidade» 13 • Apelo ao método Esta nova distribuição varreu pois em França os efeitos campesinos da primeira expatriação pela memória. a Nação policiada. Neste mundo triturado pelos media e fascinado pela imagem de si mesmo que lhe dão. colocar em rivalidade constantemente dubitativa os três valores derradeiros que sobrenadam: património. Pierre Nora assinalou um «momento-memória». cit. um presente em que se fica à espera de melhor. E também. por exemplo. que se supõe serem os únicos portadores de sentido no futuro. os valores republicanos descoloram-se. Seria. dos aniversários e das ruminações passadistas. abastecidos por produtos frescos.Ver a sua introdução e a sua conclusão em Lieux de mémoire. «as três faces do novo Continente Cultura». de onde são tiradas esta citação e as seguintes. moraliza a obrigação íntima de descobrir raízes. a pátria dos Direitos do Homem. abala o historiador. pela nossa parte. grato à história cultural por ter tentado compreender melhor este presente de efeitos desestabilizadores. uma identidade em sofrimento. muito prósperos quanto à Segunda Guerra Mundial. um património incansavelmente revisitado.- f . Na encruzilhada deste presente incómodo e do esboroamento do cimento republicano. negando que pudesse existir ainda uma memória de Auschwitz. não são também eles. todos os efeitos de união que as nossas elites antecipadamente gozavam. muito «fim de século». a história laicizada e memorável. uma memória desagregada e vagabunda. possível publicar tantos livros sobre o Bicentenário de 1789 quando se toma evidente que uma investigação histórica nova não seria capaz de os alimentar todos? Os estabelecimentos comerciais. vivido na dúvida e na confusão. despertos pelo duplo eco do processo de Barbie e da ofensiva dos revisionistas. curva-se talvez com demasiada boa-vontade perante as borrascas do espírito do tempo. identidade. Tudo se passa como se a ruminação da memória fosse urgentemente substituída por uma história nacional insípida. dado que. sem duração nem projecto. Os nossos confrontos específicos e já antigos ao redor da Segunda Guerra Mundial e do tempo de Vichy. Porque. cuja aceleração e desagregação negam a origem e o destino. talvez. entre as camadas sociais. explica a febre dos grupos sociais e dos indivíduos acumulando recordações antes que seja demasiado tarde. Tanto e tão bem que as altas pressões brutalmente acumuladas fizeram estalar tempestades. entre um poder central suspeito de jacobinismo elitista e o local adornado das virtudes calorosas da proximidade. entre o nacional e o europeu fendidos pelo choque do Tratado de Maastricht. e a produção dos livros de história segue de muito perto o ciclo litânico das comemorações. já sacudido pela profusão da memória . igualmente construída. o maciço e o imóvel. cit. esta interioriza afinal o estatuto moderno que faz dela uma banal ciência social de paradigmas sempre repostos no estabelecido 1S. Reabilitações conjuntas da narrativa. 1984. o económico. a historiografia. ». do acontecimento e da his~ória política. negação da modernidade. É certo que vivemos o risco da ruptura da história erudita com os voluntarismos das memórias nacionais ou populares. 1945-1988. Porque o hiato entre história e memória nem sempre está apagado. com efeito . no entanto. não será sinal de uma interrogação sobre a tradição que fazia da hi_stória a se:va da ~em~ria nacional ou o seu primeiro vector? Estas mtrospecçoes tenam s1do menos vivas sem o incentivo do cruzamento contemporâneo das memórias confusas e genitoras. Histoire juive et Mémoire juive. como consequência. ver Nicole Lapierre. op. Mas uma história sem memória seria também cientificamente realizada sem grande prejuízo. Le Siience de la mémoire. segundo Yerushalmi. À la recherche des Juifs de Plock. ficou por ela 16 Y. Ecrire. Paris. paralelamente. 1984. Não floresceria a história-disciplina senão sobre o declínio das memórias ou sobre algum voluntarismo datado que desejasse dá-las à luz pelo forceps? Não desempenharia a história erudita o seu papel nas perdas de identidade? «Ü que é a história?».tas uma «história do tempo presente». Q_uestion~ _à l'_histoire des temps présents. perguntava-se no século XII ao filósofo Maimónide: «Uma perda de tempo». Gallimard-Le Débat. que o estudo da memória obriga o historiador a admitir que estuda mais o tempo do que o passado. La Découverte. Une chronologie. 199_3. mais científica. «Changement de paradigme en sc1ences soc1ales. e que a sua construção se inscreve numa orquestração de tempos polifónicos que a submergirá um dia.-H. respondia ele. Complexe. 1 14 Ver Agnes Chauveau e Philippe Tétart dir. Gallimard. Paris. Pelo desvio da memória. antes de retomada. riscos e esperanças. «Folio-histoire». Será u~ ac_aso 0 trabalho crítico mostrar as suas exigências e os seus pnme1ros efeitos no próprio momento em que a história da história. o social. no entanto. Plon. 1992. ? 15 Ver Marcel Gauchet. impregnou de fo:~a tão ampla a história do contemporâneo. o cultural e o pohttco. h~ear: . moda do biográfico. factos rebeldes. e IH_TP.ser um tempo suspeito para a história. 1989.. Paris. indivíduos-reis e multidões sem líderes. ficou assinalada e marcou pontos 14• Soube «fazer surfi> na vaga de memória. Les idées en France. Livremo-nos. Yerushalmi. e toda a tradição judaica. L'Ordre du temps. sem a qual a história só seria memória em sofrimento e desordem. descontinuidades e falhas. Bruxelas. entre ~ _perenidad: e 0 presente. parcelar. choques traumatizantes. Temps et Récit. T~~bem desde há quinze anos a actividade histórica abraçou o repe~1ttvo. Paris. se escrevem outra vez tantas Histórias de França. 1_h~stmre du temps présent. do contingente e do acidental. En hommage à François Bédarida. 317 .~mtos progressos metodológicos e temáticos recentes foram rephca~ a Impetuosidade da onda de memória e que se impuseram segumdo um questionamento propriamente cultural que. repetimos. afinal. é percorrida por este antagonismo fecundo da memória e da história 16 • Subjectiva. e Krzysztof Pomian. neste momento. E sobretudo. que o recitativo das memórias imperiosas ou balbuciantes encontra sempre o que o relativiza e o toma legível e partilhado: a narrativa. Para uma aplicação contemporânea exemplar. Pans.repetimo-lo . o estudo da memona ajudou a disciplina histórica a reflectir sobre si mesma. 1989. de argumentos ad hominem e de tergiversações teleológicas. a memória deve. reflectindo activamente sobre si mesma e pondo em causa algumas hierarquias colhidas em Braudel e nas Annales. seja qual for o lugar das suas irmãs na hierarquia. Não dissimulamos. que esta atenção metodológica está também ligada à debilidade da vocação pedagógica da história em assegurar por si o magistério moral da transmissão do nacional. valorização do curt_o praz? e do n~co. CNRS Ed~twns. Trabalhar como historiador da memória dá pois relevo e possui valor de teste para as reflexões metodológicas mais inovadoras 17 • Memórias comuns Arrisquemo-nos a dar um breve resumo dos campos de investigação privilegiados de uma história da memória. Basta talvez convir. atinge uma verdadeira recrudescência? E se. Assim. A memorização alastrou de tal modo que o trabalho histórico. 17 Ver Paul Ricoeur. 316 ---·---------- Tendo.. 19 Ver Maurice Halbwachs Les Cadres sociaux de la mémoire. Outras têm apenas uma memória histórica folclorizada. Une sensibilité au passé. Français d' ailleurs.. Paris. apaga toda a referência ao país de origem para só assimilar o lendário do país de acolhimento. Facilitou a saída de palavras a decifrar. mas que constituía em si mesma um factor da evolução histórica de uma sociedade. Estas gradações encontram-se à escala nacional. E os grandes acontecimentos colectivos são desigualmente interiorizados. concordou que ela não era o espelho. Gérard Namer. mais 18 Ver Philippe Joutard. 1925. por exemplo). enquanto uma outra cultiva à saciedade a sua identidade em trânsito 21 • O peso da história nas memórias colectivas é. muitas vezes residuais e sempre testemunhas de refracções da aventura colectiva de que a sua memória conservava o único vestígio 20 • Foram assim acumulados inquéritos e conclusões. uma mistura de verdade. a história oral permitiu. em determinada altura. 22 E primeiro La Légende des camisards. 10 vol. irrigado. Mémoire et Société. por efeito de retomo de uma animação sócio-cultural. Certo estudo sobre Reims. Ces voix qui nous viennent du passé. nem sempre conciliáveis. Philippe Joutard conseguiu distinguir quatro casos de figuras possíveis. 1987. E que era. de um ponto de fixação considerado real ou de referência. 318 319 21 . Ao seu contacto. um bom «alimento» para historiador. e Danie1e Voldman dir. Alcan. Paris. um stock de «pequenos casos verdadeiros» e. Peuple d' ici. Esta configuração inédita foi traçada em França.. desde há vinte anos. de imaginário e de aprendido... Hachette. muito variável. pois. Não "Será de admirar. a transmissão e a construção. com diferentes memórias cada vez mais selectivas. em desarmonia com uma visão demasiado linear e demasiado oficial do correr do tempo. Les Cahiers de l'IHTP-CNRS. Paris. uma memória histórica pode vir a nascer com o despertar da consciência regionalista. La Bouche de la vérité? La recherche historique et les sources orales. 1994. de Camisards resistentes. Na vertente sul do monte Lozêre. da história comum e da instrução cívica. Paris. PUF. que irradia para além da terra original. só induzem o acontecimento em função dos interesses mais limitados da comunidade: este caso parece ser o mais frequente. Por seu lado. numa gama muito larga. Autrement. durante a guerra de 1914-1918. Paris. vivida directamente e transmitida por tradição escrita e oral... subjacente ou consciente.. e de uma sociologia da memória inaugurada por Halbwachs 19 • Esta demonstrava com profusão que a recordação era um instrumento poderoso de integração social na nação ou no grupo. reed. pelo trabalho de um erudito local. La Réligion de la vie quotidienne. sem conteúdo afectivo particular. desde a ausência até à obsessão. 20 Ver Philippe Lucas. 1977. por exemplo os italianos do bairro do Vieux-Port de Marselha. no cruzamento de uma história oral de tons antropológicos que reabilitava a construção do vivido 18 . Gallimard. uma irrupção do vivido «bruto» e do imperativo do indivíduo no campo. sobretudo. ligados às suas recordações.l. Paris. Albin Mi~h. do mesmo espírito crítico e do mesmo desinteresse científico que todos os outros objectos construídos pelo historiador. a dos arquivos oficiais. portanto. até à memória dos grupos. reunidos por Pierre Milza e Emile Témime. 1983. Finalmente. Nos seus estudos sobre as Cevenas e a Provença22 . Méridiens Klincksieck. descobriu recordações constituídas. passível das mesmas atenções lógicas. Algumas só dispõem de vagas referências na cadeia do tempo («antes» ou «depois» da guerra.. Certa minoria com dificuldade de integração. mas não memória colectiva organizada. desde a memória institucional. Há comunidades que possuem uma memória histórica viva. 1995. o historiador aprendeu a distinguir melhor o vestígio e a evocação. as comunidades protestantes revelaram uma memória histórica particularmente vivaz. Paris. a tradição e a lembrança: deixou de pensar que a memória reproduziria ou deformaria uma dada realidade social. Ver exemplos opostos ~os estudos de «lieux de mémoire>> dos imigrados.. ainda que deformante. 198!. ver multiplicarem-se os estudos que provocam a memória no seu próprio terreno e tentam encará-la como um objecto de história. embora tenham estado sujeitas às mesmas tempestades da história. enquanto as populações católicas da vertente norte pareciam não a possuir. Paris. 1992. fortaleceu a história de grupos humanos negligenciados pela tradição escrita. por conseguinte. sendo voluntariamente interiorizada a fórmula de Pierre Nora que definia a memória como «a economia geral do passado no presente». muitas vezes conservada por uma rede coerente de «portadores de memória». 1994. a escola. dos cineastas e dos media em geral. na sua falta. 1993. 1980. Essais de mémoire (1943-1983 ). Paris. e Yves Lequin dir. Paris. Esta conclusão pôde ser facilmente alargada ao campo político graças a Marie-Claire Lavabre. pôr em relevo a diversidade mental do «mosaico França» 25 . É a este preço que esta história revelará a sua plena dimensão cultural: o facto histórico é sempre mediatizado. Experimentado na periferia. No entanto. Philippe Aries. Jan. 1996. mesmo feita a verificação. É também necessário multiplicar os trabalhos sobre manuais escolares. conflitual na ocasião. quer se refiram a vagabundos.. do ponto de partida do vaguear memorizado. uma memória comum.. quer feitos à margem ou em subsolo. indefinidamente divisível. largamente organizada do exterior pelo Estado. uma memória colectiva. portadora de memória potencial. deve-se todavia desejar que se multipliquem as amostragens e as confrontações de «lugares de memória» particulares e de província. vivido por homens reunidos. 1989. distinguiu fortemente por seu lado uma memória individuai cíclica. Sociologie de la mémoire communiste. Mas por toda a parte o enraizamento e o local vão à frente: todos os estudos. não se trata de abdicar frente ao poder do vivido. 25 Ver André Burguiere e Jacques Revel dir. 1. assinalam a força matricial e simbólica do território a que pertencem ou. uma forte valorização da adolescência). 26 Oportunamente lembrados por Antoine Prost. Paris. Annales ESC. a dos criadores. os seus compromissos históricos.-Fev. autóctones ou dissidentes. 1996. constantemente refrescada por narrativas que marcam a coesão do grupo e tornada comum pela repetição. como por um íman. dos historiadores.sensível à oralidade. Le Fi! rouge. Seria sobretudo preciso aprofundar a análise dos caracteres constitutivos das memórias privadas. avaliar o peso dos media modernos e o papel da educação. Larousse. 320 321 23 -------------- ---- ~~------ ---------------~-:--::-::-:-:-:======--========~· . as associações. Gallimard. 27 «A la recherche d'pne mémoire collective: les métallurgistes retraités de Givors». mas sabendo que ela muniu o nacional e o patrimonial. Le Seuil. Os grandes medievalistas e modernistas são os grandes fornecedores desta verdade sempre boa de redescobrir: ver Georges Duby. 24 Marie-Claire Lavabre. por exemplo. Paris. ter em conta a mobilidade social das comunidades. 1988. as que objectivam e socia-lizam o tempo26 . Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. excluídos ou mudos. Le Dimanche de Bouvines. sem nunca os contrariar. Histoire des étrangers et de l'immigration en France. as organizações políticas ou sindicais. toma sempre na passagem uma coloraç_ão emocional. Douze Leçons sur 1 'histoire. Apesar disto. Histoire de la France. O círculo fecha-se e o embaraço ameaça. esta muitíssimo bem partilhada. cuja síntese forneceria um contraponto ao trabalho nacional activado por Pierre Nora. cuja força faz ressaltar todo o trabalho deste género 27 . para o raciocínio sobre as raízes e a interrogação sobre a coerência nacional de que partira. as suas relações com a oralidade e a cultura erudita. Le Seuil. Saint Louis. na sua duração. Numa palavra. Paris. que mostrou quanto a pedagogia da organização comunista desenhou nos seus militantes uma· memória comum original e orgulhosa de o ser24 . Jacques Le Goff. o tempo. determinar melhor em qualidades a diferença. L' Espace /rançais. como a das redes de sociabilidade. as pedagogias da lembrança. Le Seuil. esboçar uma tipologia social e uma geografia dos grupos baseada no critério da memorização. La Mosai"que France. os operários vidreiros não possuem memória partilhada tão activa como a dos operários metalúrgicos: as densidades diferenciais são estreitamente sociais. O inquérito conduzido por Yves Lequin e Armand Métral em Givors23. pois decididamente a história da memória em França leva invariavelmente a uma redundância posta à prova no quadro hexagonal e exaspera-se no inventário infinito dos localismos. cuja recordação tomou tão facilmente uma forma patrimonial e identitária. as comemorações e as manifestações. 1973. Paris. t. Forçar a memória leva. ligada ao quotidiano e à história da vida pessoal e família: (com. agentes conscientes ou reformados da história. de facto. Gallimard. Paris. a aplicar as regras mais «positivistas» da profissão de historiador. este tipo de investigação foi atraído. passando pela memória de criação. Acolá. ou de contentar-se mais com descrever do que com explicitar. De forma que este trabalho histórico dá muito naturalmente uma nova consistência à reflexão sobre as terras de origem. não é uma quantidade mensurável. 1993. Mythes et Mythologies politiques. F. confiados a Georges Duby. 30 Assim. e.. 1992. do sangue dos reis à reverência pelo contrato social. 0 202. Le Seuil. a Histoire de France publicada pela Hachette de 1987 a 1991. de períodos respeitados 35 . foi minuciosamente estudada. cit. vol.. no momento em que todas as sondagens diziam com que atenção os Franceses interrogavam o seu passado nacional 29 . Paris.da sagração de Reims e da Festa da Federação31 • A memória nacional abalou. os particularismos da região ou do grupo. Paris. em quatro volumes que são mais sumptuosos ensaios com forte carga político-cultural e identitária. Na pista de um momento decisivo. 33 Ver. de religião e de moral. in SOFRES. por exemplo. Vingtieme siecle. este capítulo por si só preenche a última parte do volume. 1991. Editions du CTHS. sem os destruir. de datas importantes gravadas no coração. 1986. Paris. n. Le Seuil. com K. como um só. Paris. ibid. Que em 1996 tenha sido considerado indispensável instituir um Comité Nacional para a Comemoração das Origens da Nação. ou Jean-Pierre Rioux. intitulada «La mémoire» ). t. A lista e os considerandos são também importantes na de André Burguiêre e Jacques Revel na Seuil. Revue d' histoire. 32 Assim. «L'opinion et le régime de Vichy». Não esquecer. A mesma observação para a dirigida por Jean Favier na Fayard. de éditos e de instituições 34. «Les Français et leur histoire». Les Formes de la culture (significativamente. de heróis 33 . Setembro 1996. e «Aux grands hommes. Emmanuel Le Roy Ladurie. L' Histoire. Bibliographie de l'histoire des musées de France. Jeanne d' Are à travers l' histoire. Christian Amalvi. em que o poder do Estado se encarregou da identificação de cada um por todos e da França por si própria. ______ . numa mistura de erudição e de coerção. como balanço da sua saúde. O debate em torno de Clóvis reforçou esta impressão. Paris. cit. Ou determinar o efeito-memória nas mitologias e nas culturas políticas: ver Raoul Girardet. 1996. Constituiu-se ali uma Nação. Paris. por exemplo. uma «memória-Estado» 31 28 Ver Philippe Joutard.Uma singularidade revisitada A partir daqui era inevitável tomar a miciatlva de revisitar 0 monumento nacional que foi sempre a história da França. num encadeamento de conjunturas e de ambições que fazem a sua força. Werner. de enquadramento pelo direito e de alargamento histórico periódico das terras da saga. A profusão dos títulos e a vastidão das discussões desde há uma quinzena de anos atestam que os melhores historiadores do momento tomaram ou retomaram o caso com interesse e transformaram-se. na emoção que sobe conjuntamente _dizia Marc Bloch. Gerd Krumeich. História.. que devia tentar civilizar as celebrações do décimo quinto centenário do baptismo do rei dos Francos. De Vercingétorix à la Révolution. in André Burguiere e Jacques Revel dir. por estratos sucessivos. Albin Michel. François Furet e Maurice Agulhon. Jean Tulard. Histoire de la France. em investigadores críticos da singularidade nacional ameaçada e num Monsieur Jourdain colectivo de uma história cultural da memória30 . 0 44. Plon-La Documentation française. De Gaulle en son siecle. «Le souverain en mémoire (1969-1990)». de passagem. memória e nação mantiveram neste finisterra europeu . op. Paris.«mais que uma circulação natural: uma circulação complementar».diz. mais largamente. I. é um sinal a contrario de perda de substância identitária. De l' art et la maniere d' accommoder les héros de l' histoire de France. um discurso do método: Les Lieux de mémoire. o teste da memória2s. 34 A nacionalização do museu. e por muito tempo. . 0 100. que na confluência destas águas cívicas em que a história se refresca foi posto em epígrafe. op. pôde fazer-se a história das características memoráveis na constituição das culturas e das sensibilidades das direitas nacionais: ver Jean-François Sirinelli dir. 29 Ver Jean-Pierre Rioux.teria sido construída sem hiatos. Ver Dominique Poulot. 1994. 1996. Histoire des droites en France. por exemplo. in Institut Charles-de-Gaulle. 2 e 3. de reacções tenazes e de revoluções sonhadas32 . Plon. «Une passion française: l'histoire». L' État de l' opinion 1996. vol. François Caron. aplicando-lhe de preferência. Jean Meyer. Renê Rémond e Jean-François Sirinelli.diz Pierre Nora . Maio 1987. Out. Le Gout du Moyen Age. 4. de viver uma espécie de privilégio da anterioridade no concerto das nações: a sua memória. Pierre Nora destacou quanto a sua história assumia em memória a sua própria continuidade: uma memória real que fixa no corpo do Rei uma boa parte do que a Igreja ligava ao corpo de Cristo. n. Todas as análises foram baseadas no reconhecimento prévio do facto importante que singulariza o país e que a história política renovada acabava de reabilitar: ter sido uma Nação precoce e construída. A França gaba-se. 322 323 . Christian Amalvi. 1988. Gallimard. e La Culture politique en France depuis de Gaulle. pois. Albin Michel. ver Jean-Pierre Azéma. 1994. les Français reconnaissants». n. que fixou a memória no sagrado. Paris. terminada em 1991.-Dez. 35 Ver. precocemente projectada no ultramar. num sentido. 36 Femand Braudel. deu-lhe a dimensão militante de um d . Não relança a busca das origens praticada por Michelet ou Lavisse: os historiadores. quando os mitos colectivos indefinidamente memorizáveis se quebraram no choque do individualismo de crise. em que a cidadania de comportamento rad· . Em pormenor. que só mais tarde alcançaram a unidade nacional. descurando a sua professoral Grammaire des civilisations para partir com um pouco mais de humildade em busca de uma Identité de la France 36 • Este país exprimiu depois com o Louvre. Esta soma de isolados físicos e humanos teria sido sempre o «agregado inconstituído de povos desunidos» de que falava Mirabeau. entre dialectos do particularismo e francês da promoção social: o poder incrusta-se à flor da terra. e de G mzo das LuzeIc elet . que de Gaulle faz sobreviver até ao último terço deste século. Hierarquia das diferenças d ·1 · . um cochichar adocicado ocupa o espaço vago: é a hora dos «lugares de memória». Mas resta a continuidade matricial. (llsua virtude inicial e uma parte da sua força de persuasão numa série ~e transformações contemporâneas. nas continuidades monárquicas e republicanas saudadas por Tocqueville. a ~ mocracia a construir. . diz Pierre Nora. que desempenhou o papel determinante nesta edificação. tca-1 -socia1Ista desab~ocharia toda a herança histórica. . sa es 0 seu sentido da protecçao e do mecenato os seus códigos de . uma «Madona dos frescos». dessacralizada.é uma nação estrato-centrada. sobre a atitude de distanciamento e a vida reservada. · 1 enraizou socia mente a palavra. modelou a sociedade. Tal foi a perseverança em memonzar o puzzle nacional. .as de que ele tem de registar o peso secular nas representações !11entais e nos compromissos colectivos -. e L'Jdentité de la France. substituindo. Arthaud-Flammarion. as VI as e das cidades. dizem. . A investigação histórica também registou esta mutação. parece ter perdido. O recurso ao político é seguramente uma fonte inesgotável de conflitos internos. t para o serviço . a língua e. com os seus corpos constituídos. .uma «certa ideia da França» -. «pontos de mira testemunhos de outra idade. Diferentemente da Inglaterra. a «memória-cidadão» . a afectividade pelo civismo e o social pelo estático. para dizer o mistério das singularidades de que não se vê bem como fazer uma unidade. Uma memória menos espontânea e. na sua metamorfose. Paris. a economia. como as conchas na margem quando o mar se retira da memória viva». a sociedade e a liberdade dominaram a natureza. a Academia Francesa ou Ver lh . d a grandeza dos pnncipes . Quando a Nação foi muito sacudida pelo social. _ ' SOCiab· hdade. o agente de uma alquimia complexa que dissolveu na consciência comum tantos ingredientes diversos. a memória. a história dos historiadores reafirmou assim que foi o Estado. Paris. por conseguinte. Assim. no termo das quais a memória acional se torna mais vagabunda. concentrada em lugares cuidadosamente mantidos pelos funcionários da comemoração ou já invadidos de ervas selvagens. mais erudita. as suas glórias e a sua violência. menos hierarquizada. agarrada aos blocos erráticos do antigo relevo. Arthaud·Fiammarion. pelo contrário. reflectem seriamente para tentar avaliar tudo o que nos separa da velha constatação natural de uma França votada ao seu destino. O Estado.recorda Pierre Nora . se de . nem totalmente morte. A nova onda das Histórias de França confirma esta evidência. unificação pela língua. se um culto memorável prestado à «pessoa França» não 0 transcendesse. sem modelo orgânico. · . a ossatura da memória. . «A França . uma construção política e moral: e cultural no sentido mais nobre. votada a uma cacofonia de línguas e de povos. ·~ ~eu go~to pela heroiCI~a~a? e pe~os. apenas palpita ainda sob o escalpelo dos historiadores uma espécie de vida residual e simbólica. as suas leis. quando os ritos foram laicizados nas ondas da mediatização instantânea. da Europa Central. as suas instituições. 3 vol. esboroada memórias divergentes ou rivais. 1986. 1987 (retomada de um texto de 1963). no seu triunfo sobre o plural.concluía Michelet -.cujo ecumenismo social e cultural não engana o historiador. de Fernand Braudel. a administração. das ilusões de eternidade»: «Nem totalmente vida. a França foi. obcecada pela acumulação dos vestígios. Interessante a este respeito é a tentativa. menos preocupada em assumir a escolha do esquecimento: mais civil. O grande vento da identidade abrandou. . inacabada. anversos de medalha~~ a «memona-Naçao» recrutou a histona romantica e liberal de M' h ' . um patnmomo mesgotavel: finalmente. escreve-se e fala-se. 324 325 :m ------------------------------~ . depois de uma furiosa batalha entre oc e oi'l. Grammaire des civilisations.» Esta originalidade . menos capaz de fundir-se. antes de tudo. a história apagou a geografia. da Alemanha ou da Itália. colectiva e 37 Ver William Johnston. do efeito da modificação do estatuto da velhice e da negação da morte nesta sociedade? Outrora. a melhor resposta38 à queda de tensão da memória colectiva foi a manutenção da emoção patrimonial 39 • Esta fuga para . e de que uma boa parte do proveito é retirada pelos media. feita por Luís XIV. em convidar a celebrar o «milenário capetiano» na base. de que a história deve dar a explicação». onde a memória nacional foi filha da Ile-de-France? As Histórias de França. Le culte des anniversaires dans la culture contemporaine. no entanto.foi também uma sucessão de ocaswes falhadas e de soberanias sem reino: uma franja continental onde se acumularam bens e homens desde o Neolítico. inventada. no império da memória dos media. Paris. propõe. testar a extensão e a profundidade da transformação: lugares de memória devastados ou abandonados. que somos sempre os mesmos é a auto-sugestão indispensável e desejada por todos os poderes. Paris. num activismo à lista em que cada um pode escolher e consumir no self-service da celebração. para só dar um exemplo. muito pouco estudadas. Universalia 1982. O acesso de febre comemorativa que a França teve. incita ou delega nas regiões e nas colectividades. 39 Ver Marc Guillaume. Dizer. do lazer ou da cultura de massas. até cerca de 19so' «a consciência habitual do país». PUF. cujo conhecimento se toma obrigatório nas aulas. tivessem de pôr à margem dos capítulos documentos importantes e patrimoniais. pesquisados. foi uma primeira resposta. Encyclopaedia Universal is. Mas o essencial está de facto na tentativa de rememoração activista e de conjuração multiforme da perda de sentido 37 . Le Temps de la réflexion. ao organizar estas cerimónias. O Estado. poderes contestados. La Politique du patrimoine. da Revogação do Édito de Nantes para o Centenário do Cinema ou exaltação de Clóvis. compensa os efeitos perversos da diluição da sua acção. Financia. Quem dirá. 1980. consciente ou não. Decerto que se podem ler nestas festividades todos os atalhos ousados e todos os desvios de sentido que fazem a unicidade de uma visão colectiva e assinalam as dificuldades presentes: houve algum voluntarismo paradoxal em apresentar a indexação dos protestantes. no tempo descontínuo e disperso do consumo. Como dizer da magia desta «Franç~ enterrada em si própria». ainda que a comemoração repetida não baste para mascarar a avaria de transmissão que os hitoriadores. contudo idêntica. O que se passa hoje. e na individualização das mentalidades. em datar tão exactamente o baptismo de Clóvis. 1992.. Tanto mais que de passagem a história . sem conseguir sempre unir o conjunto: esforço meritório. mistura de necessidade e liberdade. Post-Modernisme et Bimillénaire. como um convite à meditação sobre a tolerância.como afinal Braudel diz . os avós transmitiam à família. Paris. por vocação. intermediários culturais postos de lado ou mudos. Com efeito. quando o «periférico» se propaga como um cancro e o turismo para todos consome febril e indistintamente o espaço memorável? Poder-se-ia alongar sem dificuldade a lista dos factos sociais e de cultura que a investigação histórica hesita ainda em abordar. mas que não evita a desordem da incapacidade em escolher e em hierarquizar. Galilée. só podem falar sabiamente das rupturas e das crises.teve de ocupar-se de uma ameaça de revés: a degenerescência e o esquecimento da memória do local e dos grupos desfeitos. 326 327 incansavelmente.diz ele . no tempo dos clubes da terceira idade e da morte no hospital ou nos lares? Que pensar também do efeito constitutivo dos lugares e das paisagens sobre a memória colectiva quando se ostenta a obsessão do habitat individual. e especialmente aquela que pretende levar às novas gerações o ensino da história. e bem assim tantos outros países desenvolvidos. a França vagueia assim da Revolução para o milenário capetiano. valores fraccionados e sujeitos à impermeabilidade de uma geração para outra. à perturbação social da reminiscência. centralização denunciada e pedagogias diversas maltratadas. na sua submissão. dos ciclos ou das miscelâneas e concluir com interrogações. e «L' é moi patrimonial». 38 Existem outras. são obrigados a recordar. 0 6. uma terra «anormalmente povoada» um mundo isolado em que o campesinato foi. «Apothéose de Clio?». da sagração de Hugues Capet. Paris. Numa profusão que por vezes não é despida de intenções partidárias. como se vê.como se disse .«O trabalho interior do misterioso parto. tudo confirma a desarticulação da memória antiga. É significativo que os novos programas da escola e do liceu. Registam a nossa dificuldade em entender e prosseguir . 1982. ao grupo ou à Nação. em celebrar 1789 ignorando 1793. mas cujo estudo permitiria. que dominam o sucesso ou o fracasso das manifestações programadas. Jean-Pierre Rioux. n. aplicáveis a partir de 1996. p. 0 II. Paris. desordenada. 1985. frequência das grandes exposições ou moda dos «eco-museus»: poder-se-ia discriminar à porfia as formas individuais. abrangeu também de passagem todas as formas de nostalgia que se apoderaram da França.diz Henri-Pierre Jeudy . o passado e o futuro da nossa sociedade e que permite escapar à angústia e à esterilidade». Essai sur le patrimoine. as apostas ficam largamente desnacionalizadas com a presunção do local e do individual que abrange a lógica da reserva das distâncias. genealogia para amadores. esta teatralização dos restos de memória comparam-se à paragem do tempo. Henri-Pierre Jeudy dir. segundo o ministro Jean-Philippe Lecat. essa memória petrificada já não sabe esquecer. Éditions Liana Levi. Jean-Pierre Babelon e André Chastel. patrimoine». Esta reflexão é deliberadamente ecléctica. Participa de uma vertigem de exumação. do militantismo à animação. Geneses. a lógica do «tudo ou nada» arruína amplamente o esforço pedagógico colectivo da memória. «Patrie. foi o Estado que confirmou e relançou o activismo das origens no quadro do «Ano do Património». Para uma retrospectiva prospectiva.. biografias e romances históricos. Françoise Choay. Paris. 40 Desde as «Jornadas do Património». Mantém uma comparação sem projecto. exibido. Menges. colóquios da nova Direcção do Património do Ministério da Cultura e inventários minuciosos reduziram a iniciativa pública. 10. n. Le Seuil. muito afastada das velhas ideias de privilégios41. Annecy. em 1980. propõe um refúgio no tempo cíclico da «longa memória». 1994. La Documentation française. também elas presa do frenesim do «retro» reabilitado. 1986. uma outra memória. cujos efeitos comutativos já não são regulados pelas leis do progresso: crise do futuro e incertezas presentes exigem um passado legível sem mediações. Le Patrimoine et la Cité. Paris. e. festividades. La France et l' Europe d' ici 2010. múltiplas iniciativas particulares e locais. da reabilitação turística dos sítios às transferências. L' Esprit des lieux. que visava acompanhar. alimentada pelas interrogações mais contraditórias que complementares de gerações que comunicam menos entre si. La Notion de patrimoine. como noutros lugares. Paris. L' Utopie française. Mesmo que salvaguardado. uma colecção sem discernimento. carregada de esperanças informais. Mémoires du social. um tempo sem ruptura. a «uma paragem da imagem». abstraídos do tempo real.o património em operador social sem chocar com a violência das contradições próprias do contexto de crise económica». sem asperezas vivas. 1992. Paris. associativas. o «fio de Ariádne que une o presente. de uma febre de arquivo e do vestígio. Esta encenação dos objectos e dos costumes. inquéritos orais. visitado e estudado. Mas a um passado com cronologia mal limitada. a uma história dos bosques sem princípios federativos. regionais e nacionais desse reinvestimento patrimonial da retromania. 1993. Éditions de la MSH. 1990. por demais esboroada. PUF. o «efeito-memória» assemelha-se a um trabalho social: uma etnologização sem fim dos tesouros regionais «transforma . A desmultiplicação dos signos visíveis. ao mesmo tempo protegida e reinventada nos costumes sociais. 328 329 41 ··---·-----·-·------------ . desde 1975. Paris.l I trás não distingue a França de outras sociedades ocidentais. 91 e !55. acumula imagens vãs e confirma a debilidade das formas antigas da Gallimard. Paris. colloque. Patrimoines enfolie. os efeitos acumulados da crise e do desencanto ideológico suscitaram um regresso ao passado. um património menos indiviso. insensivelmente. Ver a conclusão de um vasto inquérito pluridisciplinar. da museografia de urgência aos téléthons patrimoniais. as suas rivalidades nem sempre felizes e a sua ausência de conclusões cumulativas. in Jean-Baptiste de Foucauld dir. iniciativas de associações. 0 23. 1995. L'Allégorie du patrimoine. como se viu. Foi assim que. p. este património in extenso faz parte de uma lógica da imagem. Esta cultura tão extensa do património. 54. Jean-Michel Leniaud. Então.. 1992. n. Porque esta superabundância de signos não possui referências. a publicar. Jean-Pierre Rioux. Março 1993. esmigalham a lembrança. Localités et changement social en France. em cada ano. 1986. tudo se tomou patrimonial. A crise apenas enraizou e localizou mais a resolução desde que regiões inteiras viram o seu glorioso passado industrioso apagado. do espectáculo e da museolização que assenta no «júbilo de uma repetição absoluta e fiel a si mesma» 42 . 40 Culture et Communication. «Narrativas de vida». «Le proche et !e prochain: la France surmontera-telle ses particularismes?». 42 Henri-Pierre Jeudy. Aqui. Na linha de pensamento da originalidade francesa. Janeiro 1980. que podia reduzir esta sede de património. as reapropriações à superfície social. Afinal. Éditions du CNRS. Armand Colin. se sacrificasse. 0 49. das grandes visões do mundo que dantes haviam hierarquizado e dominado o tempo. É ainda necessário que o fruto esteja maduro e o argumentário provido: poder-se-ia assim demonstrar com bastante facilidade. no seu longo período de grandeza. Les grandes crises politiques (1871-1968). Combina com demasiada facilidade . acumulando sem cumular. 47 Ver Jean-Jacques Becker et ai. número especial.-Jun. a Ver Politiques de l' oubli. mais amplamente. provoca também o impulso de uma memória mais construída e mais categórica em que o Estado encontraria o seu magistério. e inversamente.. Porque todos os pretextos são aproveitados para reabrir as feridas. O seu voluntarismo aplicado não consegue descobrir a espontaneidade perdida e nada prova que os materiais que reúnem possam servir para reconstruir. Guerre et Cultures. Revue d' histoire. !993. 46 Ver Jean-Pierre Rioux dir. Paris. toda a história da descolonização entram justamente nestas operações de guerrilha nacional. Racismos. «O efeito-património» volta-se contra ele próprio e exibe a sua contradição: sem querer nada esquecer. Os episódios mais dolorosos do passado podem ser lançados na batalha. 1988. 1994. Vingtieme siecle. Syros. a unidade e a legitimidade que só tinha podido conhecer pela sua identificação com o Estado. se pôde lançar mais facilmente a sua história cultural comparada. como por rotina. porque o trabalho do luto está a este respeito ainda inacabado 46 . expressão de um grande poder. o único trampolim que permite que a França reencontre. Bartolomeu. para tranquilizar a «memória-Nação». Le Genre humain-Le Se ui!.-Jun. A instalação no centro da vida francesa de uma tal força negativa entra em boa parte no diagnóstico da «febre hexagonal» 44. 1990. Gilles Manceron e Hassan Remaoun. 44 Ver Michel Winock. Paris. «Guerres de mémoire en France». de outro modo mais devastadora.diz ele -. dado que a guerra. populismos. 5. n.com outros lutos impossíveis. Porque. Nada prova que possa um dia ultrapassar o risco deste diálogo mórbido. chegando a uma encruzilhada em que a escolha de futuro não consegue impor-se.vida social que pretende reabilitar. e «La mémoire et I' oubli». 1985. com efeito. Paris. Paris. 0 42.. mas vitoriosa. o património é girondino. «Le drame des harkis». a França convocasse mais uma vez os seus velhos demónios. Ageron. n. n. e Daniel Lindenberg. mas como. D'une rive à l' autre. Abr. 1991. Vingtieme siecle. escândalos e «casos»: estes abalos internos vêm juntar-se ao rumor do mundo para alimentar a carência nacional. dir. descentralizador e limitado. 0 42. Paris. Mas o imperativo da mundialização. estando os traumatismos antigos que puseram em acção o contrato republicano e as fontes da identidade nacional incansavelmente rememorados. Revue d' histoire. de 1914-1918. com outras fracturas e outros indícios de antigas falhas. 1994. já não se pode recordar43 • Vêem-se assim os limites sociais e cívicos desta «memória-património». afinal. terrorismos. 1986. I 989. Benjamin Stora. Fayard. de que Pierre Nora destaca só ter podido proliferar em virtude do definhamento da «memória-Nação». sob o olho atento e ao espelho deformante dos media. tão clara e abundantemente formulada pelos historiadores. La Découverte . apesar de todos os esforços jacobinos das políticas culturais do Estado e de todas as pompas da comemoração. Paris. evitando ter de esperar a verificação da libertação da lembrança chocante47 • Em contrapartida. Permanência da febre O passadismo da rememoração dos vestígios e do espectáculo de um esp!êndor em farrapos confirmou o afrouxamento das grandes maquinarias conceptuais e ideológicas. Calmann-Lévy.» Ora. 1914-1918. precisamente.Le Monde Éditions. Abr.-R. Ch. 1994. à magia do verbo divisor.-Mar. como vontade e representação. 330 331 43 . Jan. La mémoire de la guerre d' Algérie. inseguranças. no entusiasmo de uma forte concorrência europeia. La Fievre hexagonale.dizem eles ." parte. da cruzada contra os Albigenses ao S. 5. numa reactivação sempre perturbadora das «guerras franco-francesas» 45 • Tudo se passa com efeito como se. como e porquê a guerra da Argélia e até. Vingtieme siecle.. La guerre d' Algérie de la mémoire à l' histoire. não alimentou equívocos de memória. da guerra da Vendeia à Colaboração. O assalto patrimonial e a força das comemorações participam demasiado do compromisso. Communications. La Guerre d' Algérie et les Français. La Gangrene et 1 I Oubli. A França do Estado de Direito preferiu sempre o contrato ao compromisso. Revue d' histoire. 45 Ver Les Guerres franco-françaises. «A memória é. Le Seuil. n. 5 Como prova. prestaram a sua homenagem em proporção50 • De tal modo que a Revolução pôde recomeçar e foi sempre a mesma: Tocqueville bem o pressentira ao perguntar quando se fatigaria este povo de «correr os mares». 1994. Éric Conan e Henry Rousso. mas passada. Goude. Fayard. Oradour: arrêt sur mémoire. Desde então. Le Syndrome de Vichy de 1944 à nos jours. Les Révolutions françaises. rico de ecos mundiais e de prolongamentos internos. «La Révolution française maiade de la Vendée». Fayard. Com os anos «negros» de 1939-1945. Vingtieme siecle. Gérard Sabatier dir. 1987 e 1990. Mas uma controvérsia retroactiva sobre o essencial tomou de novo corpo. Ora a inquietação contemporânea era demasiado forte para que esta ambição unanimista pudesse ganhar corpo 48 • Antes mesmo do desenrolar das primeiras festividades e com a ajuda da mudança de maioria em 1986. Lyon. Paris. IHTP. Paris. 4 9 Os historiadores. tendo em contraponto uma produção histórica. 1993. A sabedoria teria consistido em dizer que a Revolução era um acontecimento histórico. Sarah Farmer. Paris. Paris. 1995. 332 333 48 ° -------------------------------------------------------------------· .. e La Vendée de la mémoire (1800-1980). Éditions Mille et une nuits. 1989. muitas pessoas saíram sufocadas de emoção da experiência para que a argumentação não tomasse um carácter apaixonado e vital: o «dever de memória» das testemunhas e dos que escaparam alertou francamente os historiadores 51 • O retomo científico a esta guerra tomou assim um estranho aspecto de cruzeiro. e. mais do que nunca. Metz. Le Devoir de mémoire. que fez mais que marcar o ritmo: contribuiu para fixar o resultado e fazer análises inatacáveis 52 • Mostrou especialmente que a «síndrome Ver Steven Kaplan. Henry Rousso. Politique de la mémoire. Annette Wieviorka. Alfred Wahl dir. imenso. Le Seuil. Primo Levi. um balanço mais histórico do caso. quando houve uma crise aberta na República com ruptura do tecido nacional. La Mémoire des Français. La Vendée et la France. os após- tolos da Revolução venerada como um bloco. no entanto. 1939. 52 Ver. Une nation pour mémoire. Mémoire de la Seconde Guerre mondiale. Paris. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. as conversas preliminares com homens políticos por Marie-Laure Netter. Paris. especialmente. Sem dúvida que as multidões de 1989 não foram convocadas para o debate entre intelectuais. tinham tomado a precaução de alimentar solidamente o debate: ver. uma etapa. dois momentos chave são considerados desde há muito como inevitável ab<::esso de fixação. Commémorer la Révolution. 2. com um desenrolar de incidentes. A este respeito. no essencial. Abr. Turim. 1984. Pascal Ory. Plon. inversamente. e mesmo muitos republicanos de bom senso. !987. 1992. PUF. Philippe Dujardin.história da memória deve intervir em primeiro lugar. circunscrito e emblemático.. para contrariar esta ofensiva ímpia. Tal não se deu. uma história bastante «revisionista» aproveitara-se do pretenso «genocídio» dos Vendeanos pela Convenção. e que os media antes as convidaram para o desfile do 14 de Julho organizado por M. !992. Podia esperar-se que as celebrações do Bicentenário de 1789 tomassem um aspecto mais prospectivo. para negar à Revolução todo o efeito positivo no devir nacional 49 • Por seu lado. 1889. Vichy. Jean Davallon.. Revue d'histoire. tanto à esquerda como à direita. ver também Claude Langlois. L'Héritage politique de la Révolutionfrançaise. de apóstrofes. Lille. CRHC da Universidade de Metz.-Jun. Paris. e François Bluche e Stéphane Riais dir. Para uma síntese dos trabalhos. 0 14. 1989. un passé quine passe pas. quis fazer crer que a Revolução unia mais que nunca e que os Franceses continuavam a ser os descendentes directos dos homens da Liberdade. 1989. 1989: trais jubilés révolutionnaires. 1986. digno de uma entrada no terceiro milénio. La Révolution française n' est pas terminée. aspecto matricial. Éditions du CNRS. Adieu 89. Paris. Paris. Lamentável! Uma República em dificuldade de inspiração. a Igreja Católica fez muito má cara. o caso tomou outras proporções e saiu dos limites do debate intelectual e ideológico. De l' Occupation à la Libération. 1994. La France des années noires. como bom exemplo. Déportation et Génocide.. Que era mais necessário penetrar por uma vez os seus segredos políticos que deixar ressaltar a aposta da memória. mas datado. tanto da paixão como da investigação: a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial. in Jean-Pierre Azéma e François Bédarida di r. decisiva. Entre la mémoire et l' oubli. Quarante ans de commémorations de la Seconde Guerre mondiale. PUL. dado que o acontecimento revolucionário tomou. 1993. «La mémoire empoisonnée». Jean-Clément Martin. de revelações de arquivos pretensamente gravosas e de processos também eles memoráveis. t. 51 Ver. 1993. Francis Hamon e Jacques Lelievre dir. da velha querela da democracia à francesa. PUL. 1987. Fayard. Le Seuil. ver Robert Frank. Ca1mann-Lévy.. e mesmo mais amplamente de 1933 a 1947. Paris. honrosamente mediatizada. Paris. Os últimos sobreviventes podem ainda testemunhar. de que os tempos fortes constituem os verdadeiros feitos patrimoniais. Em resumo. as mais interessantes de entre elas serão reconhecidas como tal e protegidas por sua vez. e ontem numa genealogia do social. Flammarion. hoje. de dizer hoje que este país tolhido por séculos de febres nunca sofreu sem lutar os males da apatia. dos Direitos do Homem. na exaltação de uma comunidade fraterna. outros espaços de investigação estão abertos. que. destacando quanto o peso dessa memória conseguiu também confundir a visão do futuro. É sobretudo preciso que o herdeiro o aceite. Esprit. as obras de arte e de arquitectura que obedeciam às leis da beleza foram pois os primeiros elementos do património. Sobre todos estes pontos e muitos outros que aguardam ser examinados. pensar e criar para produzir património." parte. Paris. a indiferença e a especulação. como o foram sucessivamente os monumentos antigos. desvendar as memórias é doravante uma condição e uma passagem obrigatória para o historiador5 5 • E estudá-las por si mesmas dá acuidade e pertinência acrescidas às análises objectivas para além da tela memorial. Julho 1993. 1993. 335 . visitados: tudo garante que a sua transmissão está assegurada. sabem portanto. cujo estudo continua a ser difícil. 6. É sem dúvida a sua maneira. Dictionnaire critique. e para carcterização dos objectivos. 1995. beleza e saber vieram juntar-se os da história e da etnologia. quase idealista. Le Seuil. 55 Ver Jean-Marie Guillon e Pierre Laborie dir. Renée Poznanski. especialmente. Toulouse. Essa diligência.-P. Como se esse carácter intrinsecamente patrimonial precedesse a diligência colectiva. góticos. em resumo. Les années de tourmente. pelo princípio de que todo o resíduo de actividade humana pode inserir-se numa série.de Vichy» evoluíra.. Privat. Os historiadores que participavam anteontem tão activamente na elaboração de uma genealogia do nacional. graças à acção dos profissionais e de uma opinião esclarecida. os escritos que transmitiam o saber. a ofensiva dos que negam as câmaras de gás e o processo de Klaus Barbie reavivaram a memória muito atenta da Shoah. Mémoire et Histoire: la Résistance. Bédarida dir. intentando um perpétuo processo53 • Além disso. laboriosa e obstinada. estudados. Desde há alguns anos que subsiste a ideia de que a conservação constitui um passo de civilização. 53 Ver «Le poids de la mémoire» dossier. 334 O PATRIMÓNIO RECUPERADO O EXEMPLO DE SAINT-DENIS Jean-Michel Leniaud Não basta agir. fazer cair tantos debates na armadilha' da lembrança. a aceitação está implícita. os nossos grandes monumentos históricos são cuidados. especialmente o da Resistência. por vezes. a par destas obras importantes. imagina-se que a diligência de aceitação assenta na compreensão colectiva do carácter intrinsecamente patrimonial de uma obra. 1994. As relíquias que asseguravam a fé. Hachette.. Sabe-se no entanto que. mas julga-se que. J. foi fortemente abalada quando a estes critérios de religião. que não deixa de ter efeitos retroactivos sobre o trabalho histórico 54• Mas se o estudo dos traumatismos que o regime de Vichy e a Colaboração infligiram à memória nacional foi conduzido. Paris. 54 Ver. 1938-1948. alimentar a obsessão do passado. Paris. Como prova. Azéma e F. Eles permitiram substituir o julgamento de valor relativo numa escala prestabelecida. 1995. tão actual. de Munich a Prague. nesta altura e no essencial. da memória colectiva. Marx dizia outrora que o drama dos Franceses eram «as grandes recordações». É também necessário transmiti-lo. que a sua disciplina em mutação não desafia impunemente o estudo. romanos e industriais. tão complexo mas tão urgente. Être juif en France pendant la Seconde Guerre mondiale. dado certos resistentes agarrados ao seu culto da lembrança persistirem. ou relerem o seu combate à única luz. muitas outras estão ameaçadas pelo tempo. contentemo-nos em chamar-lhe «rejeição». a partir do caso particular da antiga abadia de Saint-Denis. como Du Guesclin e Turenne.T I. complementar ou simétrica. difícil de designar. o Antigo Regime é fundamentalmente patrimonial. Exemplo: o cristianismo. as recordações de Dagoberto. Como apoio desta tese. a das famílias da nobreza a da Igreja depois da cristianização dos Gauleses. artística e religiosa. No número dos sonhos não materializados. e S. seja qual for a causa. as curiosidades. as regalia. Cada geração acrescenta o seu toque: os V alo is trazem-lhe a Renascença. 336 337 património rejeitado e ----------···"f . pois a sua legitimidade assenta na continuidade: a da Monarquia depois de Clóvis. coloca-nos no centro do debate: como é que um património. o período de ruptura não se exprime apenas pela rejeição do património antes admitido. Pepino. o património do Antigo Regime. o túmulo do lendário evangelizador dos Gauleses. Saint-Denis. o Renascimento a Idade Média. citam-se as numerosas destruições efectuadas pela Monarquia e pelas instituições eclesiásticas: elas não são o resultado de uma rejeição sistemática do passado. é uma atitude voluntarista a que preside à definição do património: ela exprime a essência do processo no termo do qual 0 herdeiro aceita a herança. nesse tempo. no decorrer desse longo século XIX. os manuscritos. não responde pelo termo de iconoclasmo nem pelo de vandalismo. quer se julgue a coisa transmitida inútil. sob o ângulo patrimonial. do que se esforçou sempre por reinterpretar de maneira ao mesmo tempo sistemática e pragmática as produções de cada época. . Ele tem de afirmar continuamente a grandeza das origens. da rejeição do património. que confirma a legitimidade da dinastia capetiana com o estabelecimento de um programa de escultura funerária que exalta a continuidade monárquica desde os merovíngios. política e patrimonial. o pêndulo de qualquer diligência. quer lhe sejam opostas ou simpáticas. Assim. No fim do século XVIII. não se aplicou menos a recolher a herança antiga e a inseri-la na sua própria visão da história da humanidade. o cristianismo rejeitou o paganismo. Mas Saint-Denis não é só um lugar de memória. o Breve. as cinzas dos grandes servidores da Coroa. Propomo-nos aqui examinar. as relíquias. ferido da mesma condenação que . Ora. o que se passou em França. estratificado. cada revolução pôs em causa a herança. Luís. Para a Igreja. como e talvez mais ainda que Reims e a Sainte-Chapelle. pode também tentar recuperá-lo. Jules Hardouin-Mansart projecta um monumento para os túmulos dos Bourbons. O reconhecimento do carácter a priori deu pois lugar à demonstraçã 0 do interesse a posteriori. o grande estilo de Gabriel nos edifícios abaciais. foi um desses lugares onde se acumulou. O fenómeno é periódico. E a esta luz que pretendo examinar a questão. os objectos preciosos. cristalizado. para rejeitar o paganismo. Com efeito. sem respeito pelas esculturas medievais. a fidelidade às sucessões e a pertinência da herança nos tempos presentes: a arqueolatria do retorno às origens e a afirmação da superioridade da modernidade constituem os dois limites entre os quais oscila. mas de uma vontade pragmática. da nacionalização de uma enorme quantidade de bens artísticos à lei de 31 de Dezembro de 1913 sobre os monumentos históricos. questão que se levanta sempre que intervém uma ruptura histórica. de se adaptar à modernidade. intelectual. que vai de 1789 a 1914: do ponto de vista político. quer prejudicial. pôde progressivamente ser recuperado por novas instituições que lhe eram totalmente estranhas? Dissipe-se imediatamente uma afirmação errónea: o Antigo Regime não devia ter preocupações patrimoniais. pelo menos o que dele subsiste. institucional. pois nenhuma geração compromete totalmente a seguinte. depois da Revolução. talvez demasiada.as instituições que até então o haviam detido. para a Nobreza. Mas a vontade de aceitar deve ser reafirmada de tempos a tempos e. o século XVIII. as obras de arte acumulam-se ali e tornam-na num dos lugares mais ricos do Ocidente. A conjunção destas duas evoluções. pode se~ anulada. o período leva da rejeição não unânime da Monarquia à adesão quase total à República e. para a Monarquia. Assim. dado o caso. a superintendência dos edifícios do rei projecta desembaraçar o coro dos monumentos funerários. Uma vez que as leis proíbem o seu regresso. A diligência revolucionária é pois baseada na escolha que se opera segundo dois critérios essenciais. cujas cinzas se conservam nas fossas cavadas em 1793 no flanco norte da igreja. a qualidade intrínsec~ das obras e sobretudo as necessidades da instrução pública. questão de arquitectura. neste caso concreto. mas a abadia de Saint-Denis. Em 1806. propõe-se destruir a nave e converter as naves laterais em mercado coberto. a sua revitalização memorial tal como se entende. a selecção é assegurada pelo poder público. o destino de Saint-Denis está ligado a dois outros edifícios em busca de atribuição: o Panteão e a Madeleine. Napoleão decide a criação de um capítulo destinado apre- l 339 . O interesse do caso de Saint-Denis resulta do seu duplo aspecto. e deixada assim de propósito. o intervalo que as s estende entre os dois limites. segundo as circunstâncias políticas. com o regresso dos sourbons. que. Chateaubriand chama pateticamente a atenção. Para garantir a pertinência desta escolha com o discurso político. uma lâmpada iluminará perpetuamente o túmulo imperial.a propósito dos monumentos históricos sob a monarquia de Julho. lança a restauração de Saint-Denis. regressada a calma. a igreja de Sainte-Geneviêve está convertida em Panteão dos grandes homens. a que princípios obedece. A regeneração revolucionária privilegia. Nesta perspectiva. cria instituições culturais e opera por intermédio de peritos expressamente mandatados. necrópole real. aos pés da qual serão colocados de joelhos os imperadores carolíngios. Uma alegoria teatralmente encenada: sob os auspícios da religião restaurada. os vitrais quebrados. Napoleão decide transformar esta em «templo da glória». no local do jazigo dos Bourbons. em Saint-Denis. durante a Restauração. ao mesmo tempo lugar comemorativo e grande monumento gótico: à questão política acresce uma. de~ pressa se revela parcialmente ilegítima: o património pode e deve ser recuperado. Os dois edifícios estão ligados por uma dupla comemoração. mas faz deste a expressão da modernidade L uzes: por uma especte . Dá ao conceito de restauração a sua plenitude: uma restauração material como se definiu d 338 património recuperado: primeira metamorfose No início do Império. o símbolo é demasiado forte: as sepulturas são violadas. Pegada ao grupo esculpido e mergulhando no jazigo pela fenda aberta por ocasião da violação. Ora. A crónica da sorte e das desgraças de Saint-Denis permite compreender as modalidades segundo as quais um património inicialmente rejeitado e formalmente condenado à destruição pôde ser reabilitado e.. a tábua rasa não é apenas ilusória. Como restaurar sem Restaurar. Não é um acaso: a cripta do antigo Panteão continua a ser a sepultura dos grandes homens. E não é tudo: sob o Antigo Regime. três capelas serão dedicadas à lembrança das três dinastias reais. é o problema com que se será confrontado ao longo de todo o século XIX. como o termo exprime 0 regresso às origens. tal é a questão com que o século XIX se viu confrontado em Saint-Denis. Em compensação. Como recuperar um lugar tão marcado. Ao mesmo tempo que ordena os trabalhos em Sainte-Geneviêve. está condenada à destruição: como não suprimir este testemunho da evangelização dos Gauleses e da continuidade dinástica? Às portas da capital. comemoraria de futuro o casamento de conveniência entre a Igreja e o Estado. o tesouro despedaçado. Já não é mais que uma ruína para a qual. após ter encarado fazer dela a igreja oficial da Concordata. supnme . o da transmissão. Fica por regular um ponto: a celebração do Império. a aceitação de um legado que o herdeiro revolucionário não queria. No coro erguer-se-á uma escultura colossal representando a França a restabelecer a Religião. o que subsiste desse intervalo só pode ser julgado inútil quando não prejudicial. de «coIapso». Napoleão decide mandar construir o seu túmulo na antiga abadia. Uma vez fundada: nova França. o telhado arrancado. mas as cinzas de Napoleão e dos seus sucessores tomarão o lugar das dos reis expulsos pelos revolucionários. No fim da Revolução. a comemoração funerária era assegurada pelos beneditinos. devolvido aquele ao culto. os monumentos funerários deslocados. a da França antiga e a da França revolucionária. com esta finalidade. a nova dinastia coloca-se na continuidade das três precedentes. a da redescoberta da Idade Média e das condições da sua revalorização. de arqueologia: as inscrições que Debret mandara gravar na fachada ocidental para celebrar a glória de Napoleão e de Luís Filipe. No final do Império. Porém. como se vê. o capítulo episcopal não se reúne. que Alexandre Lenoir havia constituído durante a Revolução. de um desígnio político de envergadura. em relação à Idade Média. . o confronto das novas gerações românticas no Instituto tido por decadente e neoclássico. Mas a restauração do edifício é iniciada. a sua intenção de reconciliar a França antiga e a nova França ]eva-o à definição de uma história nacional baseada na glória das letras e das artes. Luís XVIII e outros Bourbons são ali enterrados. Em 1817. A decisão de restaurar Saint-Denis e de o devolver ao culto é acompanhada. membro do Instituto. Os monumentos funerários provenientes de Saint-Denis são progressivamente reinstalados na abadia. Em 1815. No entanto. foram suprimidas. os grandes vitrais do transepto. Chegam os Bourbons: os vestígios da violação revolucionária e os do Usurpador têm de desaparecer. a bem dizer. os vestígios reais encontrados nas fossas revolucionárias são reconduzidos à cripta. o do respeito científico do edifício e o da· sua adaptação às condições do culto e à invenção artística do tempo. os trabalhos continuam e o jazigo está pronto.. é vista como um monumento de arte e de história: o arquitecto François Debret. da flecha norte da fachada. aliás pouco clerical. 340 341 1 . cuja série é completada com moldagens. tanto nas instituições como na morte. Luís Filipe. O regime de Julho recusa fazer de Saint-Denis a sua própria necrópole: a família de Orleães possui em Dreux a sua capela funerária e não se quer colocar. os equipamentos necessários à actividade capitular são realizados. da lista elaborada por Prosper Mérimée. esta instituição está ligada. desde há mais de dez anos. Na mesma altura da sua iniciativa. a antiga abadia tende para uma espécie de laicização: fala-se dela como de um museu de arquitectura funerária. mas na cripta. não no coro. Há pouco lugar de comemoração. dado o desabamento. o capítulo episcopal está instalado. A apresentação na cripta dos jazentes reais. restauradores do lugar. a falta de rigor arqueológico nos trabalhos suscita um conflito agudo entre o arquitecto e a Comissão dos Monumentos Históricos: num contexto que vê. da abadia e da monarquia. o programa iconográfico dos vitrais e a decoração das capelas absidais descrevem as horas da Igreja dos Gauleses. Mas este período. é de c4rta duração. conduzem-se solenemente as cinzas de Luís XVI e de Maria Antonieta exumadas do cemitério da Madeleine. como na origem. O combate é rude. de maneira a não prejudicarem o desenrolar das actividades litúrgicas. A abadia retoma a sua função funerária: o duque de Berry. Versalhes abre-se ao museu de História de França e a administração dos monumentos históricos instala-se: Saint-Denis não faz parte. para que François Debret seja substituído por aquele que já simboliza a arqueologia medieval: Viollet-le-Duc. para garantir mais fausto e ao mesmo tempo oferecer uma situação decente a alguns prelados do Antigo Regime ou a ajuramentados que haviam aderido à Concordata e ao Império. como sucessora dos Bourbons. A decisão tomada mostra quanto o edifício passa do estatuto de monumento comemorativo ao de monumento histórico. no solo do qual fica decidida a construção de uma capela expiatória.encher as mesmas funções junto do túmulo. embora o capítulo prossiga a sua actividade de culto.. à maneira do tempo: sem respeito pelo carácter gótico do monumento e a um preço proibitivo. por causas nunca claramente esclarecidas. a guerra europeia faz passar a segundo plano o projecto funerário. na qualidade de grande esmoler. faz uma espécie de comparação. a quem. no decurso do qual restauração e Restauração são apenas uma. e é necessária de certo modo uma intervenção do Céu. este capítulo é de uma espécie única na história das instituições eclesiásticas: é um capítulo de eispos. o cardeal Fesch. A restauração monumental prossegue. fracassa no seu projecto de estabelecer nos edifícios da abadia vizinhos uma escola de altos estudos eclesiásticos que seria o viveiro dos novos evangelizadores. defrontam-se dois princípios. Dois factores levam porém o rei dos Franceses a interessar-se pela antiga abadia: a sua política económica decide-o por grandes trabalhos no edifício. isto é. devolve Sainte-Genevieve ao Panteão. com o museu de Versalhes. mas este importante edifício da primeira idade gótica beneficia de consideráveis créditos de restauração. Resta executar uma decisão já tomada sob o Império: o desmembramento do museu dos Petits-Augustins. A situação externa volta a pô-lo em causa: o conflito com o papa faz caducar a intenção de exaltar a Concordata. Assim. muitas vezes expressa.como mostram os debates parlamentares que precedem o voto da lei pela qual são expropriados os terrenos que permitem a construção do Sacré-Coeur no cabeço de Montmartre -. à entrada do coro. outrora imperial e de futuro nacional. O objectivo de Viollet-le-Duc é claro: destruir tudo o ·que foi feito desde o Império e devolver ao edificio a sua pureza original. Diversas disposições são tomadas para reactivar o capítulo: os cânticos fúnebres. a bem dizer. Em nome de um princípio claramente afirmado no meio de Mérimée. Um importante crédito é desbloqueado para a construção de um jazigo. choca com a oposição da instância encarregada de controlar os trabalhos de Saint-Denis: esta instância não é a Comissão dos Monumentos Históricos. O tio não repousará em Saint-Denis. na Comissão dos Monumentos Históricos: o litúrgico vem depois do arqueológico. mas Viollet-le-Duc aproveitou os recursos postos à sua disposição para determinar a restituição do solo e das superstruturas do edificio. Logo que estabelecido o Segundo Império. produziu-se um imprevisto. com excepção de uma operação. uma circulação mais fácil. de maneira a permitir. A sua intenção. Uma vez mais. que em 342 343 -------------------------------~ . Sob o impulso deste prelado liberal. mas o Conselho dos Edificios Civis. Há pouco em funções. são colocados no transepto. a fortiori. por razões de economia. a dos escultores. a presença de moldagens não está conforme aos princípios da museografia nascente. A basílica é atingida por tiros das baterias prussianas. nessa data. bispo in partibus de Sura e deão da Faculdade de Teologia da Sorbonne. na sua dupla qualidade de irmão do defunto e de governador dos Inválidos. o projecto é adiado para mais tarde. os sobressaltos políticos vencerão a resistência do comemorativo em proveito da arqueologia. compensando o desnível com o nível do adro. a qualquer modificação do existente: nenhuma urgência o justifica. Viollet-le-Duc pensa reconstruir a flecha norte no momento em que se inicia a guerra de 1870. em especial os habitantes de Saint-Denis que haviam produzido uma petição nesse sentido. A organização pitoresca dos jazentes reais na cripta fica imediatamente perturbada: de facto. Viollet-le-Duc levanta duas objecções: as proporções interiores da nave tornaram-se desarmoniosas. as preces e o incenso deverão alimentar a lembrança do imperador defunto. especialmente aquando das cerimónias funerárias. deve vir a ser o mais belo museu de escultura francesa depois do Louvre. O Conselho opõe-se. travou-se de novo o debate: uma vez que os trabalhos dos Inválidos não estavam acabados. Sob o Império. Sabe-se o que se segue: tanto quanto o seu tio. os trabalhos efectuados por ocasião da colocação do novo solo ameaçam a estabilidade dos pilares da nave. primeiramente real. Sob a monarquia de Julho. o primeiro governo. segundo a qual a construção medieval forma um sistema construtivo cujo equilíbrio é comprometido desde que se atinja uma das suas componentes. Em 1858-1859. Napoleão III encara muito seriamente afirmar o carácter dinástico do regime: que havia de mais simbólico do que juntar na morte a Águia ao lado da Flor-de-lis? O projecto choca com um obstáculo de peso: Jérôme Bonaparte. segundo os termos de Viollet-le-Duc. de nada vale. teriam desejado que elas fossem para onde o Imperador desejara: para a antiga abadia. a principal. em face da urgência. um novo primicério é nomeado: monsenhor Maret. Napoleão III não repousará em Saint-Denis. voltar a colocar os jazentes no coro. é objecto de múltiplos trabalhos de que não daremos aqui o pormenor.que celebram os faustos que a abadia viveu desde a reabertura ao culto. Quanto ao próprio edificio. há pouco imperial. mas o sobrinho decidiu que a basílica será a sua última morada. a designação das personagens que representam está muitas vezes errada. comprimidos entre a exactidão arqueológica e os imperativos do culto. salvo forte conflito com os cónegos. a decisão de colocar as cinzas de Napoleão nos Inválidos não foi tomada sem múltiplas discussões: alguns. estão ameaçados. que marca o apogeu do Império autoritário. Por mais que Viollet-le-Duc faça a demonstração da sua concepção do gótico. cuja ala direita encara um retorno ao Estado confessional . opõe-se formalmente. Para a direcção do capítulo. mas morre em 1860. o solo da nave tinha sido consideravelmente elevado. racionalista e organicista. por que não sepultá-lo em Saint-Denis? Cerca de 1858. que impedem. A basílica. Depois de sujeitos à peritagem do arqueólogo Guilhermy. em frente do jazigo dos Bourbons. os trabalhos dos Inválidos terminam. No entanto. não se desinteressa da antiga necrópole real. um universitário americano. No momento em que os trabalhos começam: surpresa! Descobrem-se túmulos merovíngios. mas depara com a animosidade zelosa do arquitecto chefe dos monumentos históricos encarregado do lugar. Este último inicia um novo arranjo completo dos jazentes funerários e prevê valorizar o jazigo dos Bourbons. A existência do capítulo está em causa. depois da ordem imperial de 1806. A decisão é posta em acta no ano seguinte e. Nesta época. há queixas do número de enterros. a opinião protesta contra a organização da visita: os túmulos não estão iluminados. em busca de vestígios merovíngios. Cedo o culto incomoda. desprovido de rigor arqueológico. como para confirmar que a basílica perde toda a sua função comemorativa. A administração dos cultos opõe-se e erige-a em paróquia em 1895. os conflitos entre os funcionários das Belas-Artes e o clero paroquial multiplicam-se: como assegurar a prioridade da visita sobre o culto paroquial? Quem deve pagar os guias? Como controlar a qualidade artística do mobiliário litúrgico? Mas eis que. de facto. Mas que fazer da antiga abadia? No próprio seio do Estado. tal como havia sonhado Viollet-le-Duc. que quer garantir os interesses litúrgicos. herdeira do pensamento de Viollet-le-Duc. O ministério promete fazer esforços. mas os trabalhos arqueológicos de· Viollet-le-Duc. com o seu aranzel de discórdias. volta a ser Panteão reservado ao culto dos grandes· homens. Até ao fim dos anos sessenta. simultaneamente. diz-se. Pouco importa se o aquecimento e a electricidade são úteis ao turismo . A partir daí. a República aguarda o seu falecimento. começa. mas destina os seus créditos a novos trabalhos arqueológicos. outras do museu de Cluny. O seu projecto. em 1905. numa capela lateral.. pouco antes de 1939. Os créditos abundam. mas por consideração a Maret. especialmente a recusa pela Santa Sé do estatuto jurídico das associações cultuais. as cerimónias são imponentes e frequentadas. transformada em museu da escultura nacional e reservada a visitas. em pleno ministério Malraux. A ideia de um «museu local». a pesquisa geral do subsolo. Sumner McCrosby. os túmulos dos últimos Bourbons. as Belas-Artes e depois os Assuntos Culturais opõem-se ao financiamento de despesas tendentes à modernização e conforto da basílica: a lei de 1905. o jazigo de Napoleão III é destruído e transformado em campo de pesquisas. chocam muitas vezes com a hostilidade do primicério. Ao mesmo tempo. a basílica é despojada de um número importante de obras. o orçamento dos cultos é objecto de compressões financeiras. pede-se que os casamentos sejam celebrados à parte. Retoma as operações após cessação das hostilidades. Jules Formigé. perdurou: restam apenas em Saint-Denis os monumentos funerários. a questão é objecto de um debate contraditório. Desta vez. o jazigo restituído ao seu estado carolíngio. então jovem cronista deLe Monde. Depois de longas discussões entre as Belas-Artes e a Direcção dos Museus. Sainte-Geneviêve. É que. que de orleanista e depois bonapartista se tomou ferozmente republicano e anticlerical. mil anos de história de 344 345 1848 estivera próximo dos Republicanos. para o suprimir. o comentário dos guias é pobre. Como se. devolvida ao culto católico sob o Segundo Império. a basílica deve ser dessacralizada. o carácter obrigatório da visita guiada parece antiquado. proíbe o financiamento da instalação eléctrica e do aquecimento. enquanto se resolvem dificilmente estes problemas. De repente. Cedo se censura às cerimónias litúrgicas de estorvar as visitas guiadas. expulsos e relegados para um lugar cavado por baixo. o destino dos dois monumentos estivesse ligado. porque o Estado «não alimenta os cultos». o museu do Louvre organiza salas de escultura medieval: as obras de Saint-Denis permitiriam completar as séries. em 1884. Aos conflitos do fim do século XIX vem juntar-se a Separação.. umas em proveito do Louvre.Cedo a subida da esquerda republicana põe em causa o princípio da participação do Estado nas actividades de culto: a partir de 1878. Formigé fez admitir o seu projecto de restituir as formas originais do jazigo dos Bourbons e transformar em necrópole real a sala funerária criada por Viollet-le-Duc para Napoleão III pretende mesmo mandar repatriar as cinzas de Carlos X. decisão que proíbe às paróquias a personalidade financeira. Património recuperado: segunda metamorfose I ~ I I I li I . Para a administração das Belas-Artes. desencadeia uma violenta polémica em 1953 por instigação do historiador de arte André Chastel. Mas desde então. Hoje ainda. privando estas dos seus recursos. Uma violenta polémica. a mutilação dos monumentos. a situação agravou-se mais: por importantes que sejam as quantias que reserva à restauração de Notre-Dame de Paris. em 1885. retomando um velho projecto do período de entre as duas guerras. e. Em Saint-Denis. dentro em pouco. que no entanto conservou as suas riquezas. em Saint-Denis. Maria Antonieta. Infelizmente. contudo. Por esta razão. Notamos. França são abolidos em proveito da arqueologia merovíngia e carolíngia. por que deixá-lo no estado de terreno inculto? As coisas estão hoje assim: o Estado colhe os frutos amargos de uma imperícia secular. Eis que. mil e trezentos milhões à Biblioteca de França. a destruição e dispersão dos objectos e obras de arte que encerravam: abolindo as instituições que os possuíam ou. É necessário esperar pelo Ministério de Jack Lang e pelo dia 21 de Janeiro de 1993 para que as inscrições recordem aos visitantes que. e protege a arquitectura de eventuais actos de vandalismo. descobre numerosos vestígios. os créditos para a restauração do edifício e funcionamento do capítulo foram consideráveis. Em regime de Separação. que consagra no entanto quinhentos milhões de francos ao funcionamento do Centro Beaubourg e. só parcialmente era substituído pelo das pessoas de mão-morta eclesiásticas. as aventuras de Saint-Denis são notórias. Porque é bem depois de 1885. Fossem quais fossem os esforços financeiros do orçamento dos cultos. o monumento foi recuperado para fins de comemoração. comprometido num assunto que não lhe agrada. estão sepultados Luís XVI. Em muitos casos. esse terreno é célebre: encerra os últimos vestígios da rotunda que Catarina de Médicis mandara construir para abrigar os túmulos dos Valais. a segunda maneira de recuperação do património. admita pagar os três milhões necessários ao aquecimento. imagina a valorização do flanco norte. Não é apenas o vandalismo que está em causa. pelo menos. o orçamento dos cultos. iluminação e guarda da catedral. de assegurar a conservação das suas catedrais. as condições de visita e a vida quotidiana dos habitantes também o foram por sua vez. o orçamento das Belas-Artes é mesquinho comparado com o dos Cultos. é improvável que o Estado. é travada entre o Ministério Toubon e a cidade. Em resumo. Mas então. a das J 347 . encomenda calmamente um estudo prévio. Contudo. Em Saint-Denis.revela-se incapaz de assegurar o bom funcionamento dos monumentos que pertencem ao Estado. Votado à destruição pela Revolução. a situação foi sensivelmente diferente. pois não se deve subestimar a imperícia do Antigo Regime . a transferência dos cargos patrimoniais operada pela Revolução em proveito do Estado não se fez em boas condições. desde 1987. que Saint-Denis deixa de dispor de meios suficientes tanto para a conservação da arquitectura como para o funcionamento e organização da visita. arrelvando o terreno intermédio. contém talvez ainda os últimos restos das fossas revolucionárias em que foram lançadas as cinzas reais. que a Igreja Anglicana. que recusa ceder os seus direitos e destruir a vedação que delimita o seu domínio. é agora a municipalidade que conduz o jogo: comprometida num ambicioso programa de renovação urbana. o Conselho Municipal de Saint-Denis. quando se pôs fim à actividade de comemoração. já não se encontra em condições. desde o fim do capítulo. Assim.nunca mais reencontraram . o duque de Berry e Luís XVIII. apoiado num movimento de opinião. A arqueologia monumental vence pois a resistência da história e da comemoração. as despesas de manutenção e de funcionamento foram progressivamente reduzidas durante um século: exactamente até à lei de 5 de Janeiro de 1988. as catedrais . a que se junta a imprensa. o ministério 346 Património recuperado e transferência de cargos A ruptura patrimonial que a Revolução provocou foi considerável. na cripta.os créditos de que tinham necessidade. por seu lado.sem falar das grandes abadias em que a situação foi pior. esse terreno pertence ao Estado. quer sejam castelos ou catedrais. pede com insistência ao Estado a reconstrução da flecha norte: o Ministério da Cultura. a Revolução retirou aos edifícios os meios de conservação e de funcionamento de que gozavam sob o Antigo Regime. A vida paroquial foi a primeira vítima. enquanto se apaziguarem os conflitos entre o clero e o Estado. a seguir à Concordata. Na verdade.ou encontraram. inicia a pesquisa dos quarteirões a norte da basílica. Paris. 1992. pelos historiadores do político. Presses du Languedoc. «Le Panthéon/Sainte Geneviêve au XIXe siecle. Édouard Pommier. 1989. p. Paris. da explicação dos comportamentos políticos no decorrer da história. 2 Encontra-se uma exposição das grandes linhas desta renovação na obra colectiva publicada sob a direcção de René Rémond. Paris. com a apresentação de vestígios arqueológicos. symbole des révolutions. Caixa Nacional dos Monumentos Históricos. operada sob a inspiração de René Rémond e de que a universidade de Paris-X-Nanterre e o Instituto de Estudos Políticos de Paris foram os lugares de eleição2• Com efeito. sobre o comunismo. mais recentemente.ou dos Monumentos Históricos -. Kent State University Press. 1989. Pour une histoire politique. expulsou a poesia que rodeava as palavras: apagou a história em proveito do artefacto. aplicando a situações 1 Pensamos. L' Utopie française. Le Seuil. ou nos de Marc Ferro. Paris. La Culture des sans-coulottes. La monumentalité à 1'épreuve des révolutions idéologiques». a partir da convergência das ciências sociais de que a École des Annales mostrou a via. não conseguiu à altura das suas ambições. Kent. Sobre o túmulo de Napoleão Michael Paul Driskell. Jean-Miche1 Leniaud. Gallimard. ou de múltiplas teses avançadas pelos sociólogos do comportamento e mesmo pelos psicanalistas. Paris. situa-se no centro dessa renovação em profundidade do estudo das sociedades humanas. que o fenómeno da cultura política surgiu como oferecendo uma resposta mais satisfatória do que qualquer das propostas até então. A função «Belas-Artes» do museu. Paris. cuja riqueza é considerável desde há alguns anos. Por assim dizer. Referir-se ao político é trabalhar num campo a que os profetas desta mesma escola lançaram o anátema. Forçoso é verificar que o historiador. L'Allégorie du patrimoine. L' Art de la liberté. nos trabalhos de François Furet sobre a Revolução Francesa ou. 348 A CULTURA POLÍTICA Serge Berstein j' l l1 Falar de cultura política é a muitos títulos colocar-se num campo de componentes antagónicas. caricaturando-o. em particular. Le Panthéon. 1995. Sobre o Panteão no século XIX Barry Bergdoll. Gallimard.meios~~ Belas-Artes . A função comemorativa teve o mérito de dar uma segunda vida à antiga necrópole: as actividades litúrgicas e musicais e as visitas aos túmulos reais tinham um sentido. a evocação da cultura política inscreve-se na renovação da história política. não pôs tanto as obras em primeiro plano como suprimiu a perspectivação. Sobre Saint-Denis no século XIX Jean-Michel Leniaud. 175-233. Le Seuil. Sobre a política do património Françoise Choay. antes que alguns dos seus membros soberbamente o ilustrassem 1• Do mesmo modo. Saint-Denis aux XIXe et xxe siecles. Ohio-Londres. 1992. sobre a Rússia ou a Primeira Guerra Mundial. essai sur le Patrimoine. da tese idealista pela adesão a uma doutrina política. Paris-Montpellier. A história cultural. Orientação bibliográfica Sobre a Revolução Bernard Deloche e Jean-Michel Leniaud. 1993. de culto ou político para uns. Building a Tomb for Napoléon. 1988. quer se tratasse da tese marxista de uma explicação determinista pela sociologia. As Befits a Legend. 349 . cultural para os outros. é no quadro da investigação. 1840-1861. 1991. Menges. Resta inventar uma terceira forma de recuperação para voltar a dar alma a Saint-Denis. em que os autores verificavam que a cultura republicana se inscrevia na linhagem filosófica das Luzes e do positivismo. em seu tempo. com Jean-François Sirinelli. PUF. 67-77.-Set. por outro lado. l'imagerie et la symbolique républicaines de 1880 à 1914. se se quiser poder utilizá-la e testá-la na sua eficácia explicativa. pp. ou a uma promoção de que a escola seria o motor. pp. Paris. evidente que não é possível satisfazer-se com uma definição global. a representação da Mariana. 1992. enquanto o barrete frígio. «grandes antepassados». tão sagazmente analisada por Maurice Agulhon 6 . O que é a cultura política? Porque a noção é complexa. as componentes são diversas e levam a uma visão dividida do mundo. permitindo definir uma forma de identidade do indivíduo que dela se reclama. mas um fenómeno de múltiplos parâmetros.. E se a cultura política responde melhor à sua expectativa é porque ela é. enquanto ritos e símbolos desempenham. Não voltaremos ao pormenor deste conteúdo que. uma leitura comum e normativa do passado histórico com conotação positiva ou negativa com os grandes períodos do passado. precisamente.l políticas precisas estas grelhas de análise. a bandeira tricolor. para exprimir o todo. ' a maior parte das vezes expressa sob a forma de uma vulgata acessível ao maior número. encontrando finalmente. t. estabeleciam uma linguagem simbólica adequada aos dados importantes desta cultura política. Paris. o mesmo papel significante. não uma chave universal que abre todas as portas. formalizados no seio de um partido ou. 1992. o carácter plural das culturas políticas num dado momento da história e num dado país. e que é indispensável examinar o conteúdo da noção. as palavras-chave. Histoire des droites. Paris.. Se o conjunto é homogéneo. III-IV. salvo de maneira parcial. Voyages en histoire. Flammarion. uma visão institucional que traduz no plano da organização política do Estado os dados filosóficos ou históricos precedentes. Maurice Agulhon. 350 351 3 . mais largamente. 2. foi objecto de uma proposta que permitia delimitar-lhe a abordagem 4• O objectivo era mostrar que a cultura política constituía um conjunto coerente em que todos os elementos estão em estreita relação uns com os outros. 1992. senhores dos seus instrumentos de trabalho. um discurso codificado em que o vocabulário utilizado. difundidos no seio de uma família ou de uma tradição políticas» 3• Desta definição. que se trata de «uma espécie de código e de um conjunto de referentes. mas permite adaptar-se à complexidade dos comportamentos humanos. Pode-se admitir. Le Modele républicain. Jui. «Pour une histoire des cultures politiques». Gallimard. porém. necessariamente abstracta. o hino da Marselhesa. Besançon. Revue d'histoire. n. as fórmulas repetitivas são portadoras de significação. Foi a encenação de uma das culturas políticas dominantes do último século que constituiu o objecto da obra colectiva Le Modele républicain 5 . e. É. ao nível do gesto e da representação visual. a sua definição não poderia ser simples. uma concepção da sociedade ideal tal como a vêem os detentores dessa cultura e. Vingtieme siecle. 0 35. fenómenos complexos que tenta compreender. 1989. a importância do papel das representações na definição de uma cultura política. Cultures. preconizava uma sociedade de progresso gradual no seio da qual a acção do Estado. Marianne au pouvoir. devia levar à criação de um mundo de pequenos proprietários. 1995. que faz dela outra coisa que não uma ideologia ou um conjunto de tradições. combinada com o mérito dos indivíduos. 4 Serge Berstein «L'historien et la culture politique». tirando a conclusão institucional da adequação total destas referências com um regime de tipo parlamentar. 7 Jean-François Sirinelli. um vocabulário do qual os termos «cidadãos». «princípios imortais» ou «progresso» constituíssem palavras-chave. É dizer que a cultura política supre ao mesmo tempo «uma leitura comum do passado» e uma «projecção no futuro vivida em conjunto»7 • 5 Serge Berstein e Odile Rudelle dir. reclamava a herança histórica idealizada da Revolucão Francesa. é levado a concluir que elas não lhe permitem explicar. para se exprimir. Annales littéraires de l'Université de Besançon. que não leva a uma explicação unívoca. 6 É a definição que çle propõe in Jean-François Sirinelli dir. em que entram em simbiose uma base filosófica ou doutrinal. reteremos dois factos fundamentais: por um lado. Mélanges offerts à Paul Gerbod. não uma chave universal que abre todas as portas. Jul. um vocabulário do qual os termos «cidadãos». Besançon. Paris. Gallimard. foi objecto de uma proposta que permitia delimitar-lhe a abordagem 4• O objectivo era mostrar que a cultura política constituía um conjunto coerente em que todos os elementos estão em estreita relação uns com os outros.a maior parte das vezes expressa sob a forma de uma vulgata acessível ao maior número. em que os autores verificavam que a cultura republicana se inscrevia na linhagem filosófica das Luzes e do positivismo. a bandeira tricolor. Voyages en histoire. É. Mélanges offerts à Paul Gerbod. e. Não voltaremos ao pormenor deste conteúdo que. 4 Serge Berstein «L'historien et la culture politique». uma visão institucional que traduz no plano da organização política do Estado os dados filosóficos ou históricos precedentes. combinada com o mérito dos indivíduos. 2. reteremos dois factos fundamentais: por um lado. uma leitura comum e normativa do passado histórico com conotação positiva ou negativa com os grandes períodos do passado.. e que é indispensável examinar o conteúdo da noção. . Pode-se admitir. as componentes são diversas e levam a uma visão dividid~ do mundo. 1995. a sua definição não poderia ser simples. E se a cultura política responde melhor à sua expectativa é porque ela é. se se quiser poder utilizá-la e testá-la na sua eficácia explicativa. salvo de maneira parcial. t. evidente que não é possível satisfazer-se com uma definição global. 1992. mas permite adaptar-se à complexidade dos comportamentos humanos. tão sagazmente analisada por Maurice Agulhon 6 . 1989. com Jean-François Sirinelli. difundidos no seio de uma família ou de uma tradição políticas»3 • Desta definição. as palavras-chave. ao nível do gesto e da representação visual. Serge Berstein e Odile Rudelle dir. 67-77. 1992. Marianne au pouvoir. por outro lado. senhores dos seus instrumentos de trabalho. Flammarion. formalizados no seio de um partido ou. Foi a encenação de uma das culturas políticas dominantes do último século que constituiu o objecto da obra colectiva Le Modele républicain 5 . estabeleciam uma linguagem simbólica adequada aos dados importantes desta cultura política. a representação da Mariana.-Set. que faz dela outra coisa que não uma ideologia ou um conjunto de tradições. «grandes antepassados». ~a~rice Agulhon. é levado a concluir que elas não lhe permitem explicar. uma concepção da sociedade ideal tal como a vêem os detentores dessa cultura e. encontrando finalmente. . mais largamente. enquanto o barrete frígio. É a definição que ele propõe in Jean-François Sirinelli dir. n. \ I j 351 ------····~ . devia levar à criação de um mundo de pequenos proprietários. um discurso codificado em que o vocabulário utilizado.. 3 6 I 350 l. III-IV. 5 1992. O que é a cultura política? Porque a noção é complexa. «princípios imortais» ou «progresso» constituíssem palavras-chave. para exprimir o todo. o carácter plural das culturas políticas num dado momento da história e num dado país. É dizer que a cultura política supre ao mesmo tempo «uma leitura comum do passado» e uma «projecção no futuro vivida em conjunto»7 • políticas precisas estas grelhas de análise. para se exprimir. que se trata de «uma espécie de código e de um conjunto de referentes. as fórmulas repetitivas são portadoras de significação. preconizava uma sociedade de progresso gradual no seio da qual a acção do Estado. «Pour une histoire des cultures politiques». enquanto ritos e símbolos desempenham. Cultures. em que entram em simbiose uma base filosófica ou doutrmal. ou a uma promoção de que a escola seria o motor. pp. pp. em seu tempo. o hino da Marselhesa. precisamente. Se o conjunto é homogéneo. Vingtieme siecle. a importância do papel das representações na definição de uma cultura política. Histoire des droites. Le Modele républicain Paris PUF . reclamava a herança histórica idealizada da Revolucão Francesa. o mesmo papel significante. . l' imagerie et la symbolique republzcames de 1880 à 1914. necessariamente abstracta. Revue d'histoire. Paris. 0 35. porém. Annales littéraires de l'Université de Besançon. permitindo definir uma forma de identidade do indivíduo que dela se reclama. fenómenos complexos que tenta compreender. tirando a conclusão institucional da adequação total destas referências com um regime de tipo parlamentar. que não leva a uma explicação unívoca. 7 Jean-François Sirinelli. mas um fenómeno de múltiplos parâmetros. em especial. ~ ~~ntnsmo. constituiu o próprio objecto das lutas partidárias. o gaulhsmo. mesmo quando o que mais difere é a expressão e não o fundo cultural"11 • Além disso. que levaria a libertar as vias da modernização. ao propor num número especial 8 a uma quinzena de historiadores e de politólogos a aplicação desta noção ao estudo das grandes _famílias polít_icas da França contemporânea (o comunismo. do seu passado. . do seu futuro. no estado actual das coisas. Acontece que. é alheia à abordagem histórica que procura conhecer e compreender. mas também das sensibilidades filosóficas ou religiosas (a cultura laica. Em contrapartida. a ecologia ou a corrente feminista não possuem cultura política constituída. Ora. encontrando-se a cultura política solidária com a cultura global de uma sociedade. e que não existe cultura política europeia. isto é. esta noção. 1992. porém. transmitida por herança de geração em geração.cultura. A ideia é ao mesmo sedutora e pouco satisfatória. 1969 (Studies in Politicai Development. uma vez que a cultura política. aliás como o centrismo. o socialismo. Cultura política ou culturas políticas? Tal como surge aos olhos dos historiadores. Não é absurdo pensar que. que a crítica incide sobre dois pontos totalmente alheios à cultura política tal como a encaram os historiadores: em primeiro lugar. de maneira não menos evidente. e na brilhante demonstração que dela fez M~rc Lazar no seu livro Maisons rouges. todos sentem que a cultura da elite é diferente da cultura de massas (e os desenvolvimentistas americanos reconhecem-no de boa mente). Pye. a Frente Nacional). em segundo lugar. 352 10 Ver. a primeira merece exame. acrescentado sem proveito à gíria técnica dos historiadores. Culture et Politique. Sem o que só seria mais um termo. é claro que a história de um país como a França desmente largamente a ideia segundo a qual o debate político se limitaria aos processos de gestão de uma sociedade da qual ninguém poria em causa as normas e a organização. o catolicismo). largamente utilizada pelos politólogos americanos da escola «desenvolvimentista» 10 . o pressuposto de uma hierarquia destas culturas políticas nacionais.-Dez. implicando um juízo de valor. novas correntes surgidas no campo do político (a ecologia ou as mulheres).ecial na importância de uma cultura poht1ca sohdament constituída. Revue d' histoire. especificidades infra ou supranacionais (a cultura política do Norte ou da Aquitânia. Out. 1 353 . se inscreve no quadro das normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma. Foi a verificação experimental tentada pela revista Vingtieme siecle. Aubier. se possam discernir normas e valores comuns que exprimissem as da comunidade nacional. Economica. pelo menos na sua maioria. número especial La Culture politique en France depuis de Gaulle. n. a ideia de que existiria uma cultura política nacional própria de cada povo e. . por conseguinte. Não só confirmam a validade da grelha. 5). sem todavia se confundir totalmente com ela.. e 9 Pensamos em esP. que se supõe representarem o modelo acabado da modernização das sociedades. 1983. Paris. foi vivamente criticada. a alinhar as culturas políticas das diversas nações com as normas e os valores das democracias liberais do Ocidente. não a exprimir um juízo ou a traçar o sentido da história. trazendo mais uma prova ao que se podia evidentemente supor por intuição ou deduzir de estudos anteriores 9 . É evidente que a segunda ideia. A fecundidade dos resultados surpreende. porque o s~u campo de aplicação incide exclusivamente sobre o político. a do com~nismo. ver Bertrand Badie. a noção de cult~ra política está pois estreitamente ligada à cultura global de uma sociedade. como permitem ainda afirmar que. O que não promete de momento a estas correntes mais que um futuro precário. Lucian W. Paris. ao ponto de se encontrar hoje completamente rejeitada pela ciência política. Observamos. como a própna s Vingtieme siecle. Les Partis communistes français et itallen de la Libération à nos jours. como se verá ao examinar as funções da cultura política. 1994. até uma época recente. Foi de facto o projecto global desta que. Não pode~a pois haver antinomia. Princeton University Press. 0 44. Sydney Verba (ed. Politicai Culture and Politicai Development.). 11 Para debate e crítica da noção de cultura política.. Esta proposta de grelha de leitura do político através da cultura política só tem evidentemente interesse se oferecer a possibilidade de melhor fazer compreender a natureza e o alcance dos fenómenos que é suposto explicar. ou a Europa face à cultura política francesa~. I 977. I 980. através de organizações políticas diversas e por vezes opostas.longe de constituir um dado fixo. que adere no imediato à cultura republicana. o liberalismo conservador. !995. O socialismo é obrigado a conjugar socialismo e república. de que se pode dizer. na 12 Ver. eventualmente monárquico.acudidela. . Paris. 13 Alain Bergounioux. Histoire du Parti radical. que provoca o nascimento de uma política normativa. enquanto as profundas transformações das técnicas e dos modos de vida dos anos de 1875 ~ 1~90 permitirão a expansão das correntes apoiadas na ?emocracia directa das massas que. sobre este ponto. cujas referências e visões de futuro não são de forma alguma comuns: a cultura política socialista sonha com uma revolução proletária que levaria ao aparecimento de uma sociedade sem classes. Jean-Marie Mayeur. mas que corresponde às respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história. definindo um conjunto de referências. Paris. Foram precisos três quartos o prazo pode ser mmto de século entre o nascimento da ideia republicana e a implantação na 1 355 ________________ . mas com zonas de abrangência que correspondem à área dos valores partilhados. existem outras culturas políticas. 354 ---------------- sua versão barresiana. sinónimo de tradição politica. etc. Le Modele républicain. E~ta osmose entre culturas políticas muito afastadas na origem Im~l~ca que. remetendo o socialismo para o futuro 13 • A cultura republicana favorece a emergência. de futuro. no primeiro terço do século XX. As dificuldades de adaptação da religião cat!lhca ao mundo moderno estão na origem da cultura democrata-cristã. respostas com fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem as gerações. aceita uma parte da herança republicana. esteJamos em presença de um fenómeno evolutivo que corresponde. é evidente que no interior de uma nação existe uma pluralidade de culturas políticas. no seio da nebulosa católica. porquê nasce a cultura política? A complexidade do fenómeno Implica que o seu nascimento não poderia ser fortuito ou acidental. num dado momento da história. verificar o período de elaboração e acompanhar a evolução no tempo. Pierre Letamendia.Para os historiadores. E a grande crise nacional de 1940-1945 que dá oportunidade ao gaullismo. . essa área dos valores partilhados se mostra bastante ampla. as quais representam as respostas antagónicas a essa vasta s. PUF. in Serge Berstein e Odile Rudelle dir. e consegue-o de certo modo através da síntese jauresiana. temos então uma cultura política dominante que faz inflectir pouco ou muito a maior parte das outras culturas políticas contemporâneas. ao lado desta. Des partis catho~iques à la démocratie chrétienne. Complexe. I 980. P~rque surgem ousadas ou inovadoras. op. L' Europe de la démocratie chrétienne. mais ou menos. XIXe-xxe siecle.I 982. Serge Berstein. cit. La Démocratie chrétienne. estas respostas levam tempo a Impor-se. Presses de Ia Fondation nationale des sciences politiques.. diferentemente da corrente maurrassiana. Paris. Um fenómeno evolutivo Co~o e. Bruxeiies. 14 Jean-Dominiquí{ Durand. Da nova solução que propõem à sua transformação em corrente estruturada. para simplificar. estarão integradas no J~go político que o nacionalismo e o socialismo renovado do fim do s~~ulo XIX constituem. Foi por ocasião da grande crise de legitimidade que marca os anos d~ 17~9 a 1815 que nascem as culturas políticas republicana e tradiCIOna~Ista. · · longo. Se. de uma democracia cristã que retém alguns dos seus princípios. a um dado momento da história e de que se pode identificar o aparecimento. É esta cultura política dominante que explica a sorte do Partido Radical. que estabelece a sua identidade na rejeição global desta. «Socialisme et République». que assentaria nas comunidades naturais. a cultura política republicana desempenhou um papel dominante. concordar com os seus princípios. A Revolução Industrial do século XIX fará nascer 0 socialismo e o seu antagonista. mas não a totalidade 14• Finalmente. acima evocadas. a cultura política nacionalista preconiza a criação de um Estado autoritário. a cultura política católica procura as vias da realização do cristianismo na cidade. que com ela se identifica amplamente 12 • No entanto. Pode-se assim admitir que. o próprio nacionalismo. Mas nenhuma destas culturas antagónicas do modelo republicano se encontra ao abrigo da influência deste e todas devem. . Armand Colin.. . O exército desempenhou. constituía um obstáculo à penetração na opinião das ideias de direita que leva. Esta adquire-se no seio do clima cultural em que mergulha cada indivíduo pela difusão de temas. in Serge Berstein e Odile Rudelle dir. 356 357 15 ------------'1 . a família. não se poderia subestimar o papel dos media. Paris. o terreno para uma futura conquista política 16 . É a observação de que o domínio cultural da esquerda. onde a criança recebe mais ou menos directamente um conjunto de normas. a escola. Le Modele républicain. Será preciso meio século para que a conjunção das ideias de solidariedade e das exigências de justiça social do socialismo dê vida a uma cultura política de esquerda de que o Estado-providência constitui o tabuleiro social. Que o cultural prepara o terreno do político aparece desde já como uma evidência de que alguns retiraram estratégias. Se se considerar que o mendesismo representa uma cultura política do socialismo moderno muito distinta do marxismo. o número reduzido de jovens a que se dirige de futuro e as formas civis que tende a revestir para os estudantes. à escala das gerações. e é a composição de influências diversas que acaba por dar ao homem uma cultura política. é forçoso verificar que ele não dá lugar a uma transformação da cultura política socialista (e ainda muito parcialmente) senão com 0 nascimento do PS em Épinay. Le GRECE et son histoire. Noutros termos. a «Nova Direita». as das outras culturas políticas quando elas parecem trazer boas respostas aos problemas do momento. em especial audiovisuais. Em contrapartida. O mesmo acontece com a pertença a partidos políticos. que fixa assim um objectivo «metapolítico».. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. desde a Libertação. Pelo contrário. de normas. de valores. coloca o seu ideal social no culto do «pequeno». que transmitem. a universidade. de reflexões que constituem a sua primeira bagagem política. Sem dúvida que é preciso evitar ver as coisas de maneira excessivamente simplista. nos anos setenta.--~ I sociedade de uma cultura política republicana verdadeiramente coerente15. que conservará durante a vida ou rejeitará quando adulto.. os da evolução da conjuntura que inflecte as ideias e os temas. Não obstante. É um corpo vivo que continua a evoluir. é necessário o espaço de pelo menos duas gerações para que uma ideia nova. Verificar-se-á sem surpresa que estes canais são precisamente os da socialização política tradicional. o meio de trabalho continua a desempenhar um papel essencial. cit. durante muito tempo. as referências admitidas pelo corpo social na sua maioria e que apoiam ou contradizem a contribuição da família. muitas vezes de maneira indirecta. que traz uma resposta baseada nos problemas da sociedade. A cultura política republicana que.. que se alimenta. A cultura política assim elaborada e difundida. acabam por ser interiorizados e que o tornam sensível à recepção de ideias ou à adopção de comportamentos convenientes. sonhando com uma sacie- 16 Serge Berstein. Anne-Marie Duranton-Crabol. nessa difusão de representações normalizadas que é uma cultura política. não tem mais que um efeito marginal. fenómeno que foi sempre minoritário em França e que tende a sê-lo cada vez mais ainda. se enriquece com múltiplas contribuições. à criação do GRECE. de modos de raciocínio que. os vectores pelos quais passa a integração dessa cultura política merecem que se lhes dê atenção. Depois. não é de forma alguma um fenómeno imóvel. a sua multiplicidade proíbe pensar que se exerce sobre um dado indivíduo uma influência exclusiva. penetre nos espíritos sob forma de um conjunto de representações de carácter normativo e acabe por surgir como evidente a um grupo importante de cidadãos. Vêm depois as influências adquiridas em diversos grupos onde os cidadãos são chamados a viver. Visages de la Nouvelle Droite. que tende a declinar com a pouca duração do serviço militar. o de preparar. dantes factor importante de socialização política. por vezes contraditória. A acção é variada. a qual é. mais uma resultante do que uma mensagem unívoca. e que está longe de ter conquistado hoje esta corrente de opinião. op. mesmo se a sindicalização. 1988. Em primeiro lugar. não podendo nenhuma cultura política sobreviver a prazo a uma contradição demasiado forte com as realidades. com a repetição. de modelos. um papel importante.. o liceu. Não menos que a extensão do prazo. em 1971. no fim do século XIX. através de uma conquista cultural dos espíritos.' «La culture républicaine». Nenhum destes vectores da socialização política procede por doutrinação. mas que os governos socialistas praticam sem ousar anunciá-lo abertamente. a cultura socialista sofre uma verdadeira crise ligada. 1994. 1992. a menos que se perca toda a credibilidade e se desapareça. mas que só podem fazê-lo confrontando-se com tradições de que retiram precisamente uma grande parte da sua força 17 • Resta perguntar qual o interesse que pode revestir o estudo. que colocam geralmente o problema em termos muito contemporâneos sob a forma de um entendimento do fenómeno de participação ou de compromisso político 18 • A hipótese das investigações sobre a cultura política é que esta. a que aderem os militantes e que constitui a própria base da identidade do Partido Socialista. pelo contrário. que se encontra posta em questão.que então se dá entre a cultura política socialista tradicional. ainda que as representações difiram da realidade objectiva. pelo liberalismo. A questão. porque um dos fundamentos da identidade socialista é a crença na aptidão do Estado para conduzir a economia. Ela depende também da influência que possam exercer as culturas políticas vizinhas. embora nunca se tendo reclamado do solidarismo. muito afastada da realidade das sociedades evoluídas do século XX provenientes do crescimento. Fayard. no centro do questionamento dos politólogos. A esclerose da cultura comunista. constituiria o núcleo duro que informa sobre as suas escolhas em função da visão do mundo que traduz. ou in Pascal Perrineau dir. através da fiscalidade. 1992. a posição do problema pelos politólogos em Nonna Mayer. do Estado-providência que. Mas a evolução das culturas políticas não resulta apenas de uma adaptação necessária a circunstâncias forçosamente mutáveis. dade de pequenos proprietários independentes que realizaria as promessas da Revolução Francesa. déclin ou mutation?. Noutros termos. mais adaptada ao facto importante da concentração industrial e do desenvolvimento do salariado. que mal agitou os historiadores. Armand Colin. caracterizam bastante bem o processo de evolução das culturas políticas. e que desde já insiste na necessidade para o Estado. 1905-1992. É no conjunto um fenómeno individual. ligada a um modelo de operariado do século XIX e a uma leitura dogmática do marxismo. em nome do quase-contrato que liga o indivíduo à cadeia das gerações e à sociedade do seu tempo. Paris. pelo historiador. de exigir dos mais ricos que realizem. 18 Ver. realiza à evidência o seu desígnio. L'Engagement politique. tem de verificar que tal surge em total inadecjuação com a evolução económica. sobre este ponto. uma cultura política só pode ter um declínio inelutável. Les Comportements politiques. Lógica social que devia conduzir à criação. na medida em que estas parecem trazer respostas baseadas nos problemas que se depararam às sociedades num dado momento da sua evolução. que já não permite libertar os excedentes necessários ao financiamento da protecção social. retira a sua legitimidade para a história da dupla função que reveste. Gérard Grunberg. depois da Segunda Guerra Mundial. ao mesmo tempo resultante de uma série de experiências vividas e elemento determinante da acção futura. À falta de adaptação. elas não podem estar em contradição com ela. o seu dever social a favor dos mais pobres e mais desfavorecidos. interio- 17 ''~ . O divórcio Alain Bergounioux. Le Parti socialiste français.. uma vez adquirida pelo homem adulto. Paris. com o declínio do Partido Comunista. da confiança cega nos mecanismos do mercado. desta nebulosa complexa que é a cultura política. à ineficácia demonstrada da economia administrada dos países de Leste e às dificuldades do Estado-providência confrontado com a recessão ou com o fraco crescimento económico. 358 359 Para que servem a cultura política e o seu estudo? Recordamos mais uma vez que a verdadeira aposta está em compreender as motivações que levam o homem a adoptar este ou aquele comportamento político. por conseguinte. Desde logo se vê surgir no seu seio uma corrente favorável à adopção. colocada na encruzilhada da história cultural e da história política e que tenta uma explicação dos comportamentos políticos por uma fracção do património cultural adquirido por um indivíduo durante a sua existência. Le Long Remords du pouvoir. Também sem renunciar formalmente. adopção que causa um drama de consciência. tem muito a ver com a sua perda de influência e. a partir de meados dos anos setenta. obrigadas a transformar-se. É assim que. Pascal Perrineau. O estudo da cultura política. ao mesmo tempo. está. encontra no solidarismo uma estratégia de substituição. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. e essa adopção do liberalismo que alguns socialistas desejam inscrever no tempo. Paris. ele não é nem impulsivo. passada uma certa idade. intelectualmente formado numa família da classe média patriota. a adesão a uma análise proposta e que. Génération intellectuelle. expressão partidária adequada da cultura política de que se reclama. detentores da cultura republicana. na medida em que põem em causa identidades. vai encontrar no caso Dreyfus ocasião para pôr concretamente em prática a sua cultura política. entrando para a Liga dos Direitos do Homem. Adquirida no decurso da formação intelectual. que pô-la em prática com um dado facto implica análise ou. é bem este20 • Submetido à mesma conjuntura. de maneira menos dramática.rizado pelo homem. Consultar igualmente o número especial Les Générations. a crença no progresso. é impermeável à crítica racional. vivendo numa sociedade com normas idênticas. é à medida dessa cultura política e dessa experiência de juventude que considerará os acontecimentos políticos. tendo conhecido as mesmas crises no decorrer das quais fizeram idênticas escolhas. Pode-se considerar que a derrota de 1940. pode-se pelo menos admitir que. continua a aumentar em poder de convicção e no papel de chave da leitura do real. partilhado por grupos inteiros que se reclamam dos mesmos postulados e viveram as mesmas experiências. do emocional. beneficia do carácter de certeza das primeiras aprendizagens. nem irreflectido. Pode-se assim evocar a geração do caso Dreyfus. arriscando-se a ficar ultrapassado quando as referências que constituem as bases dessa cultura se deslocaram por efeito da modificação das circunstâncias 19• A partir daí. significa isso que. interiorizada pelo indivíduo. o movimento de Maio de 1968 para os universitários ou intelectuais. A força da cultura política como elemento determinante do comportamento do indivíduo resulta. o fenómeno da deportação durante a Segunda Guerra Mundial ou. Édouard Herriot. o primado do indivíduo e a defesa dos seus direitos. o abandono de culturas políticas solidamente instaladas ou a adesão a novas formas de cultura política. 1985. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques. 360 361 19 I - . da dedicação às causas pelas quais se milita. Assim. da lentidão e da complexidade da sua elaboração. uma vez alcançada a idade madura. Revue d' histoire. uma bagagem tão solidamente integrada. como tal. republicano e reformista ligado à herança da Revolução Francesa dos meios em que viveu. Se a cultura política acaba por fazer integralmente parte do ser humano. salvo traumatismo grave. A habituação do espírito à sua utilização como grelha de análise acaba por tomá-la um fenómeno profundamente interiorizado e que. trouxeram efectivamente a mutação. Vingtieme siecle. Paris. e todos têm consciência disso. porque esta faria supor que uma parte dos postulados que constituem a identidade do homem fosse posta em causa. a interiorização das razões de um comportamento acaba por criar automatismos que são apenas o atalho da diligência racional anteriormente realizada. depois pela universidade positivista e kantiana dos anos de 1880-1890. pelo menos. Quer isto dizer que a cultura política só proviria do instinto. partilhado por grupos numerosos. Paris. a que pertencem homens como Léon Blum. 1988. Reforçada pela confrontação destas com os acontecimentos surgidos durante a existência humana. a vontade de reforma social constituem um conjunto coerente e homogéneo 20 É a demonstraçã~ tentada na nossa obra Édouard Herriot ou la République en personne. não poderia ser atingida por críticas provenientes da argumentação racional. é dificil pô-la em questão. e para o resto da sua existência. Fayard. Édouard Herriot. em primeiro lugar. Maurice Viollette ou Joseph Paul-Boncour. o regime parlamentar. que se tomou por sua vez professor e partidário do ideal laico. militando nas universidades populares e aderindo depois ao Partido Radical. Simplesmente. se tomou intangível? Sem aí chegar. determinar as motivações do acto político. se o compromisso é um acto do ser profundo. da sensibilidade? Isso seria esquecer que a sua aquisição faz supor um raciocínio.o 22. e que beneficia do peso da experiência. e um fenómeno colectivo. grupos inteiros de uma geração partilham em comum a mesma cultura política que vai depois determinar comportamentos solidários face aos novos acontecimentos. Abril 1989. n. A partir de então. em simultâneo. Sobre o fenómeno de geração. Ora. ver a utilização que dela fez Jean-François Sirinelli. ela interessa ao historiador por ser. para quem a fidelidade ao ideal da Revolução Francesa. Se existe um domínio em que o fenómeno de geração encontra justificação plena e total. um fenómeno colectivo. se a cultura política retira a sua força do facto de. das suas aspirações para o futuro. " 22 Serge Berstein. 21 Jean-François Sirinelli. Valois. «La ye République: un nouveau modele républicain?».. em normas.. pelo contrário. como epifenómenos. o de compreender as motivações dos actos dos homens num momento da sua história. in Jean-François Sirinelli dir. em segundo lugar. de uma perspectiva idêntica de futuro. símbolos. superficial. restituí-las à coerência dos seus comportamentos graças à descoberta das suas motivações. mas que parecem ter retirado as mesmas lições das experiências vividas e que desenvolvem uma cultura política sem tabu e sem fronteiras. por reacção a esta. revela um dos interesses mais importantes da história cultural. o interesse de identificação desta cultura política é duplo. para exprimir tudo isto. op. Génération intellectuelle. Ela é apenas um dos elementos da cultura de uma dada sociedade. que não têm decerto a mesma idade. Mas. um vocabulário. in Serge Berstein e Odile Rudelle dir. o argumentário.. o gestual. pelo interesse. 1995. de que o gaullismo será o principal vector22 • Para o historiador. durante a sua vida. que marca uma nova cultura republicana. a cultura política ocupa pois um lugar particular. de normas. Todos os elementos respeitantes ao ser profundo. 23 Serge Berstein. gestos. que variam em função da sociedade em que são elaborados e que permitem perceber melhor as razões de actos políticos que surgem. 362 363 ~~~~~~~~~~~~~~--------~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ . fornecendo-lhes. das suas representações da sociedade. Por oposição a esta «geração realista». Factor de comunhão dos seus membros. em função da sua leitura do passado. ao mesmo tempo. o traumatismo da Primeira Guerra Mundial e que vai. Dictionnaire historique de la vie politique française au xxe siecle. numa leitura partilhada do passado. repudiar amplamente a cultura republicana em proveito dos dois elementos chave que vão conduzir a sua acção e que são o pacifismo e o realismo 21 • Aristide Briand é o seu inspirador e esta corrente é ilustrada por homens como Joseph Caillaux. valores que constituem um património indiviso. chega às posições importantes uma geração que viveu. que se ilustrará pela resignação à derrota de 1940. Le Modele républicain. cit. «Rites et rituels politiques». O repúdio do idealismo republicano está descrito in Jean Luchaire. vê-se aparecer depois desta uma nova cultura política marcada por um retorno ao ideal patriótico.T que guiará. crenças. porque parcial. passando da dimensão individual à dimensão colectiva da cultura política. esta fornece uma chave que permite compreender a coesão de grupos organizados à volta de uma cultura. descobrir as raízes e as filiações dos indivíduos. à vontade de renovação económica e social. op. Mas. em resumo. para uso dos sobreviventes do grande massacre. no que a explicação pela sociologia. portanto.. A partir do fim dos anos vinte. o que diz respeito aos fenómenos políticos. cit. por referência ao sistema de valores. até canções que constituem um verdadeiro ritual 23 • No centro da nova atenção dada doravante pelos historiadores ao fenómeno cultural. que respeitam ao homem por uma adesão profunda. Permite em primeiro lugar pelo discurso. Pierre Lavai ou Marcel Déat. nas trincheiras ou na retaguarda. ela fá-los tomar parte colectivamente numa visão comum do mundo. Paris. do lugar que nele têm e da imagem que têm da felicidade. PUF. o seu comportamento político. determinista e. estabelecer uma lógica a partir de uma reunião de parâmetros solidários. de crenças que partilham. à união dos Franceses. 1928. Une génération réaliste. Paris. pela adesão racional a um programa se revela insuficiente. Documents Similar To Para uma historia cultural - Sirinelli, Jean-Francois.pdfSkip carouselcarousel previouscarousel next171232213 Cultura Culturas Uma Perspectiva Historiografica Reveluploaded by Gleice SilvaArnaldo Momigliano -As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna.pdfuploaded by Donald HermanRoger Chartier - à beira da falésiauploaded by Historia E Historiografia BrasilNação e Consciência Nacional. Ática. - ANDERSON, Buploaded by Alena Angína NiňajováREVEL, Jacques. Jogos de escalas. A experiência da microanálise. 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