Monica de Castro - Desejo.pdf

June 29, 2018 | Author: ProfessoraTassana | Category: Daniel (Biblical Figure), Love, Death, Life, Sleep
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© 2014 por Mônica de Castro ©iStockphoto.com/carolanne Editor de conteúdo: Marcelo Cezar Coordenador de comunicação e capa: Mareio Lipari Coordenadora de criação: Priscila Noberto Coordenadora editorial: Tânia Lins Assistente editorial: Mayara Silvestre Richard Projeto gráfico: Alexandre Santiago e Regiane Stella Guzzon Diagramadora: Letícia Nascimento Preparadora: Maria Glória Nolla Pires Supervisora de revisão: Cristina Peres 1° edição — 1ã impressão 20.000 exemplares — maio 2014 Tiragem total: 20.000 exemplares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Leonel (Espírito). Desejo - Até onde ele pode te levar? / pelos espíritos Daniela e Leonel; [psicografado por] Mônica de Castro. — São Paulo: Centro de Estudos Vida & Consciência Editora, 2014. ISBN 978-85-7722-278-0 1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance espírita I. Daniela. II. Castro, Mônica de. III. Título. 14-02076 CDD-133.9 Índices para catálogo sistemático: 1. Romance espírita: Espiritismo 133.9 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, por qualquer forma ou meio, seja ele mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc., tampouco apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da editora (Lei ne 5.988, de 14/12/1973). Este livro adota as regras do novo acordo ortográfico (2009). Editora Vida & Consciência Rua Agostinho Gomes, 2.312 - São Paulo - SP - Brasil CEP 04206-001 [email protected] www.vidaeconsciencia.com.br DESEJO Até onde você seria capaz de ir para satisfazer os seus desejos? SINOPSE Daniela ainda era uma menina quando percebeu que não era como as outras. Enquanto as garotas agiam de acordo com sua idade, ela tinha que lutar contra os próprios instintos e sufocar seus sentimentos mais íntimos, para não cair em tentação e revelar o seu terrível segredo. Uma confissão chocante. Uma vida marcada por julgamentos. Uma história arrebatadora, que vai desafiar tabus e expor um amor obsessivo, originado em vidas passadas. Ninguém, é culpado por amar, mas é responsável pelo mal que pratica em nome desse amor. PARA DANIELA, que aguardou mais de dez anos para divulgar a sua história. Que ela possa servir de exemplo aos que sofrem, a fim de que se e compreendam e parem de se culpar e sofrer. NASCIDA NO RIO DE JANEIRO, Mônica de Castro é apaixonada por literatura desde criança. Mas foi com o nascimento de seu filho que se sentiu inspirada a escrever seu primeiro romance, incentivada por Leonel, mentor espiritual que a acompanha há décadas. Ligados há muitas vidas, os dois desenvolvem horas repletas de personagens marcantes e ensinamentos sobre a espiritualidade. Por meio de casos reais, tirados dos relatos dos espíritos com quem mantém contato, Leonel transmite mensagens com o objetivo de que as pessoas aprendam a lidar com suas culpas e frustrações e possam encontrar a felicidade. . a renomada escritora espiritualista tem se dedicado a levar ao público romances esclarecedores. para a superação dos sofrimentos e descoberta de uma vida mais iluminada e feliz.Atualmente. com vinte livros publicados e mais de um milhão e meio de exemplares vendidos. voltados ao bem-estar e que estimulam os leito res a usar a autorreflexão na modificação de valores internos. E a história real da vida de Daniela. Não foi por outro motivo que. ficou aguardando o momento certo de ser editado.EM DOIS MIL E UM. sem meias palavras. por um lado. O momento é agora. então mais amadurecidas. sem rodeios. até que as pessoas. Se. quando este livro foi escrito. estivessem em condições de conhecer sem julgar. A obra aborda o incesto em sua expressão mais crua. Leonel me deixa livre para inserir na trama os elementos de dinamismo e emoção necessários à composição de um bom romance. Daniela não linha o mesmo . sem subterfúgios. por outro. tive certo receio de sua repercussão junto ao público. por treze anos. . a narrativa se altera. Em alguns momentos. com certeza. um desabafo. Eu só havia escrito dois livros e começava a me habituar à energia do Leonel. a quem coube transmitir os ensinamentos morais de amor e respeito. Mas aquela. Para ele. tão somente. na esperança de ajudar outros que vivenciam ou vivenciaram o mesmo drama. para introduzir a participação de Leonel. aonde ia. Lá ia o espírito atrás de mim. foi mais uma oportunidade de fazer o que mais gosta: quebrar preconceitos. Como. não era a energia dele. É quase um relato. era contar o que lhe aconteceu em vida.interesse. uma confissão. O que ela queria. Tudo começou numa tarde. Estava eu em casa e. em outras oportunidades. Mas ela ficava atrás de mim: "E a Daniela. Com certeza era. que valeu a . Sentindo seu desespero. Mas conseguimos. Hoje posso afirmar. acabei cedendo e me dispus a escrever. quis afastar de meus pensamentos os pensamentos que sabia não serem meus. No começo. é a Daniela.". surpreendendo-me a cada linha. querendo contar suas histórias. na minha cabeça Daniela era apenas mais um deles. com certeza. vários espíritos me assediaram. a cada capítulo. Foi difícil para nós duas.. pois precisei ultrapassar alguns conceitos religiosos predefinidos sobre a questão. Até no chuveiro ela me seguia. só que com a devida permissão da espiritualidade maior.. Não se deixem seduzir pelo preconceito. pelos milhares de leitores. A todos os que lerem este livro. peço apenas compreensão. Daniela é uma vencedora. respeito e um pouco de amor. que. verdadeira. Não teve medo de viver nem de morrer. Não julguem.pena. mais ainda. impactante. Seu valor só faz crescer na proporção de seu desprendimento. Por Daniela e por aqueles que dividiram . de uma maneira ou de outra. muito menos de reconhecer e assumir todos os seus atos. tanto por ela quanto por mim e. experienciam ou experienciaram igual situação. chocante. na simplicidade de trazer a público sua própria história. MÔNICA DE CASTRO . cada vez mais. que somos todos um só. Por todos nós. com segurança.com ela os momentos de angústia aqui relatados. em qualquer outra vida. nunca termos vivido. Pelo amor que nos une e nos faz ver. que não podemos afirmar. experiência semelhante. PARTE UM MUNDO CORPÓREO . A dor era verdadeira. não deixaria saudades no coração de ninguém.CAPÍTULO UM Gostaria de poder dizer que estava triste com tudo aquilo. e sua partida desta vida. Muito menos no meu. Mas a verdade é que não estava. Meu pai foi um homem cruel e frio. E era. Durante muitos anos. meu irmão chorava com olhos secos. a ele e a meu pai. A meu lado. A dor transparecia em seu semblante como se fosse verdadeira. com certeza. e só eu o sabia. mas o motivo era bem outro. vivêramos em . Passei a minha vida inteira a seu lado e o conhecia como ninguém. Eu estava distante. fingindo sofrimento. suando sob o calor daquele sol tórrido. Daniela. meu irmão se acercou de mim e disse: — Por favor. não fosse a imensa covardia que nos dominava. choravam copiosamente.paz. mas logo após a morte de minha mãe meu pai se transformou num estorvo em nossas vidas. talvez esperando que meu pai as houvesse agraciado com algum quinhão de sua pequena fortuna. e nós o teríamos matado. Ao fim dos serviços funerários. e nem percebi que os agentes funerários já haviam terminado de baixar o corpo à sepultura. podemos ir? Olhei para ele profundamente . Minhas tias. acariciei o seu rosto e respondi com ternura: — Está bem. Depois de alguns segundos. que partira para o outro lado sem a chance de um adeus. Seguindo pela alameda do cemitério.penalizada. queria partir dali. Nem meu pai. mas nossas vidas se haviam tornado sórdidas demais para serem compartilhadas. segurar em sua mão e fugir com ele para bem longe. creio que já não há mais mesmo o que fazer por aqui. Peguei na sua mão e comecei a me afastar. Nenhum de nós podia. e os demais presentes puseramse a nos seguir. Sim. pude ouvir fragmentos de . e não podíamos mais voltar a ser o que fôramos um dia. Daniel. Eu já não era mais nenhuma criança e podia muito bem cuidar de mim e de Daniel. o que será deles? — indagou uma tia. dinheiro que era nosso. — Será? Mas é tão novinho ainda — acrescentou uma terceira. Mas não precisavam. E por aí foi à conversa.suas conversas: — E agora. E . Mas ninguém se atrevia a falar diretamente conosco. No fundo. Queriam cuidar de nós. — Acho que Daniel vai cuidar da irmã — respondeu outra. eu sabia o que estavam pensando. os abutres. — Quase uma criança — observou uma vizinha. para poderem colocar as mãos no dinheiro de papai. por isso. eu sabia que eles não se importavam mesmo conosco.depois. mas Daniel veio ao mundo extremamente magro e franzino. forte e robusta. Talvez por isso tenha sido um fraco a vida inteira e sempre precisou de mim para cuidar dele e . e nós fomos ficando esquecidos pelo resto da família. e quase não sobreviveu. Eu nasci cinco minutos antes. recebêramos nomes semelhantes. Quando papai passou a destratá-los. não teriam esperado papai morrer para demonstrar isso e teriam tentado superar a barreira de sua intolerância e rabugice para nos ver. eles se acomodaram. Mas não. Daniel e eu éramos gêmeos e. Se se importassem. de administrar pessoalmente os negócios. pessoa da mais alta lisura e confiança. uma pequena chácara. Doutor Osório foi nomeado nosso . Nessa época. na verdade. e meu pai era dono de uma próspera fábrica de vidros que lhe rendera uma fortuna razoável. Não tínhamos vontade. meu irmão e eu. então mandamos chamar um dos advogados de papai. contávamos apenas dezenove anos e vivíamos sozinhos em uma bonita casa no interior. A casa era ampla e arejada. que agora nos pertencia.protegê-lo. e eu o amava acima de todas as coisas na vida. um pouco afastada do centro da cidade. doutor Osório. Era extremamente bonito e generoso. e isso era tudo o que queríamos. depositando no banco o dinheiro que nos caberia. sem alguém que nos dissesse o que era certo ou errado. olhei para meu irmão e sorri. trazendo nas mãos uma rolinha ferida. Agora sim poderíamos realizar nosso sonho de viver as nossas vidas sem qualquer intromissão.gestor de negócios e deveria nos prestar contas no final de cada mês. ou que era hora de parar. tínhamos mais tempo para nos ocupar um do outro. provavelmente quando tentara alçar seu . Pensando nisso. eu estava deitada numa rede na varanda quando vi Daniel se aproximar. lembrando-me de quando tudo começou. Com isso. Ele vinha correndo. Certo dia. Provavelmente. — Daniela! Daniela! Veja o que achei — e exibiu-me o pássaro ferido. — O que faremos com ele? — Não sei. Talvez seja melhor perguntarmos a mamãe. todo encolhido na palma de sua mão. Mas.primeiro voo. Tínhamos treze anos e ainda não havíamos descoberto o quão estranha e ingrata a vida podia ser. — Será que vai morrer? Examinei o animal com olhar crítico e dei o meu diagnóstico: — Não vai não. e corremos em busca de nossa mãe. que sempre resolvia nossos problemas com . nossa única preocupação era o animalzinho ferido. foi a queda. Ele só está machucado. naquele momento. Mostre a ela. ele apertara demais a . Fomos encontrá-la na cozinha. de mim e de meu irmão. Ela o amava e o colocava acima de qualquer coisa. Tínhamos três empregadas em casa.amor e bondade. Na ânsia de salvá-lo. à exceção. Ao ver-nos entrar apressados. ocupada com os preparativos do almoço. Daniel. mas ele não se mexia. — Daniel encontrou um passarinho. vamos! Daniel abriu a mão e mostrou o passarinho. mamãe! — disse eu. soltou o frango que estava recheando e perguntou: — Mas o que é isso. mas está ferido. talvez. meninos? Aconteceu alguma coisa? — Mamãe. mas minha mãe adorava cozinhar para meu pai. — Não foi culpa sua. você não fez de propósito.mão e o bichinho sufocara. meu filho — consolava minha mãe. — Foi minha culpa! — repetia desolado. Daniel — intervim eu. . Ao ver o seu corpinho sem vida. Deus vai me castigar! — Meu filho. Deus não castiga ninguém. — Pois se foi você mesmo quem tentou primeiro salvar o bichinho. — Foi sim! Foi sim! Eu o matei e agora vou ter que pagar por isso. Sei que foi sem querer... — Eu o matei! — Não diga isso. Daniel desatou a chorar. — É. Foi um acidente. sentindo-se culpado pela sua morte. mas ele não deu muita importância. . Daniel. Embora papai não costumasse bater em nós. Quando meu pai chegou. Homem que é homem não chora! Daniel viu-se obrigado a engolir o choro. e ainda hoje me lembro de suas palavras: — Pare com essa bobagem. Tinha medo de papai e não queria levar umas palmadas. Daniel era um menino extremamente sensível e impressionável. Ao contrário. o que. Até parece um mariquinhas.A muito custo conseguimos consolá-lo. e passou o resto do dia a lamentar a perda daquela rolinha. repreendeu Daniel duramente. por vezes nos aplicava uma palmada ou outra. minha mãe contou-lhe o ocorrido. pousando a cabeça em meu peito. Mas apanhar mesmo. Ele se deitou perto de mim e me abraçou. . Quando a noite chegou. nós nunca havíamos apanhado. Logo adormeceu. fomos dormir. parado e chorando. mas Daniel estava ainda muito abalado. a casa toda escura. — Não consigo dormir. Por volta da meia-noite. Daniel estava lá. — O que você quer? — perguntei. até o dia em que o mundo desabou sobre nós.por si só. ouvi passos perto de minha cama e me assustei. já era bastante doloroso. — Quer deitar aqui comigo? Ele fez que sim com a cabeça e eu cheguei para o lado. dando espaço para que ele se deitasse. ainda sonolenta. Por alguma estranha razão. — Hum. o sono chegou e eu adormeci.. Com o conforto da prece. com minha mãe chamando: — Daniela. e aquilo não estava direito. Apavorada. segunda-feira. . e aquilo foi me enchendo de desejo. acorde.—fiz eu. Daniel era meu irmão.. pedindo a Deus que afastasse aqueles pensamentos impuros da minha cabeça. somente despertando na manhã seguinte. Já é hora de ir para a escola. Eu podia sentir o seu corpo pressionando o meu.e quem não pôde mais dormir fui eu. a presença de Daniel ali a meu lado me perturbava. fechei os olhos e rezei. — Vamos. levante-se. que mal pode haver. eu me levantei e fui saindo em direção ao banheiro. — Onde está Daniel? — indaguei. que tolice. Mas não fica bem. Ele não estava mais ali. — Ora. mãe. . Você bem sabe que Daniel e eu sempre fomos muito unidos. quantas vezes tenho que lhe dizer para não dormir agarrada com seu irmão? — Mas mãe — indignei-me —.Abri os olhos e procurei meu irmão. Em silêncio. minha filha. se somos apenas irmãos? — Mal não há. minha mãe segurou-me o braço e falou meio sem jeito: — Daniela. — Acordou cedo e já se vestiu. Já na porta. ela devia se lembrar de tudo o que já acontecera em outras vidas e sabia por que havíamos nascido irmãos. pôde vislumbrar todo o drama que em breve se abateria sobre nós. e creio que ali. Em seu íntimo. naquele momento. eu sei. você sabe que seu pai também não aprova. Ela não respondeu e saiu. Minha mãe sempre foi uma mulher bastante sensata e intuitiva. assim como devia estar . E depois. Mas Daniel estava triste por causa do passarinho. — Eu sei. Somos irmãos. Mamãe. e não tem nada de mais dormirmos juntos. e Daniel já é quase um homem.— Mas você agora já está uma mocinha. você se preocupa à toa. e Daniela só quis ajudar. meu pai virouse para minha mãe e disse: — Eugênia. . E Daniel também já é um homem e não deve se impressionar com essas tolices. depois para Daniel. tentando se desculpar: — Ora. não foi nada. Já na mesa do café. e abaixou a cabeça. Gilberto.consciente de sua árdua missão de mãe. quantas vezes já lhe disse que não quero Daniel e Daniela dormindo na mesma cama? Minha mãe olhou para mim. Daniela já é uma moça e tem seu próprio quarto. — Mesmo assim. não quero. Não fica bem. O menino ficou impressionado com a morte do pássaro. Entramos cabisbaixos e nos dirigimos a nossas carteiras. Íamos em silêncio. Rita vivia a insinuar-se para meu irmão. mas ele não lhe dava a menor . mas ele nem se atreveu a levantar a cabeça. de nome Rita. e a seu lado sentava-se uma garota magrinha. estudávamos na mesma classe. Como tínhamos a mesma idade e a escola era pequena. de quem eu não gostava muito. Quando chegamos à escola. Depois do café. saímos e fomos esperar o transporte escolar na estradinha.Olhei para meu irmão pelo canto do olho. com medo até de pensar. fomos para a sala de aula sem dizer nada. A minha ficava duas atrás da de Daniel. porém. e ela derreteu-se toda para ele. Daniel resolveu prestar-lhe um pouco mais de atenção. Daniel e Rita desapareceram. louca da vida. Quando a sineta tocou. Fui encontrá-los atrás do muro do pátio. pus-me a correr de volta para a sala de aula e não disse mais nada. Estava confuso. envergonhado. Mais que depressa.importância. talvez em razão da bronca de papai. Na hora do recreio. anunciando o término das aulas. não pude esconder a indignação e gritei: — Daniel! Ele soltou a menina e se virou para mim. Naquele dia. Horrorizada. e eu saí atrás deles. levantei-me acabrunhada e saí para . beijando-se. Daniel atrás de mim tentando puxar conversa: — Ora. mas o fato era que estava. Pior: eu estava morrendo de ciúmes. depois do almoço.tomar a condução de volta. Na verdade. Em casa. Parei e me virei para ele. vamos. Daniela. A Rita é apenas uma menina. não deveria estar zangada. — Pare com isso. sem dar nem uma palavra sequer. . e deixe de besteiras. Daniela. fitando-o com o olhar carregado de angústia: — Mas você a beijou — desabafei por fim. o que foi que houve? Por que está tão brava? Eu não sabia o que dizer. fui para o quintal. não significa nada para mim. — E na boca! Eu vi. Sei que é errado. em sua boca. e ele afastouse de mim com um safanão. Segurando-Ihe a cabeça. Mas não pude evitar. Como podia . Daniel ajoelhou-se a meu lado e me acompanhou no pranto. e já não posso mais lutar contra esse sentimento. — Eu sei. mas não lhe dei tempo.— E daí? — Como pôde me trair? Ele já ia responder. mas não paro de pensar em você. — Ficou louca. Oh! Daniel perdoe-me. eu sei. Daniela? Somos irmãos! Eu me atirei ao chão e comecei a chorar copiosamente. em seu corpo.. Eu o amo e o desejo.. é pecado. beijei-o apaixonadamente. Depois. Aonde um ia. Não esperava que meu irmão me correspondesse. mas deixei-me ficar. Abraçou-se a mim e procurou a minha boca. Eu me assustei.condenar-me se ele também lutava contra aquele sentimento? Assim como eu. não pudemos mais nos separar. Depois desse dia. e só beijara Rita porque não podia me beijar. lá ia o outro atrás. ele também me amava e me desejava. Evitávamos as . Estávamos sempre juntos. começamos a nos acariciar e logo estávamos nos amando. beijando--me com sofreguidão. e não saíamos com mais ninguém. perdida em seus beijos. sua própria irmã. de mãos dadas ou abraçados. esquivava-me de falar com eles ou inventava uma desculpa para recusar convites para ir a festas ou ao cinema. Em casa. A paixão entre nós crescia vertiginosamente. Eu já estava uma mocinha.rodinhas de amigos. também não dava importância às garotas e vivia trancado dentro de casa. mas nós não podíamos mais deixar de nos amar. Era um amor selvagem e carregado de culpa. sempre que podia. por sua vez. nossos pais começaram a notar a diferença em nosso comportamento. Daniel nem olhava mais para ela. Daniel. Mas eu. sempre . Rita ficou esquecida. não tínhamos namorados. e era natural que os rapazes telefonassem à minha procura. o pior aconteceu. cujo nome tinha até medo de pronunciar: incesto. Estávamos vivendo um amor intenso e incestuoso e. Mas a verdade era uma só. sem saber por quê. também se recusava a crer que seus filhos pudessem estar cometendo o mais abominável dos pecados. Até que. Mamãe. tinha um estranho pressentimento. bastante desconfiado. só o nosso amor. Papai. Mamãe e papai estavam seriamente preocupados. embora não pudesse sequer conceber a dura realidade.em minha companhia. . apesar da culpa que nos roía. não podíamos mais nos separar. Nada nem ninguém nos importava. um dia. . até que nos amamos como dois animais. Mamãe ficou chocada. pedindo-lhe que viesse com urgência. a não ser nós. Em silêncio. voltou para casa e telefonou para papai. Talvez já não estivesse mais aguentando aquela suspeita.Havíamos chegado da escola e. perto do laguinho. ia até lá. para nos encontrarmos sob a sombra de nossa figueira preferida. Mas naquele dia mamãe resolveu nos seguir. Logo começamos nosso ritual de amor. foi atrás de nós e parou quando paramos. nos beijando e acariciando. lá embaixo. e ninguém. Em silêncio. almoçamos e partimos para o quintal. como sempre. tão chocada que não conseguiu falar. Era um local escondido. esperando por nós. forte como um trovão: — Daniel e Daniela. retornou na mesma hora e logo foi colocado a par do que acontecera. quero saber o que está acontecendo .Meu pai. que de nada sabia. a voz de papai se fez ouvir. estavam ambos sentados na sala. venham até aqui imediatamente! Nós nos olhamos alarmados. — Muito bem — prosseguiu ele —. Quando voltamos de nosso passeio. Assim que entramos. já sabíamos que eles haviam descoberto toda a verdade. O que estaria fazendo papai ali àquela hora? Ao entrarmos na sala e vermos as fisionomias graves de nossos pais. acertando-me em cheio no rosto. Eles não eram tolos.nesta casa! Será que perderam a vergonha. Tentei me levantar. Comecei a chorar e a gritar. mas ele não parava. o pudor? Não adiantava fingir. — Cale-se. na boca um gosto amargo de sangue. nos fazermos de desentendidos. eu titubeei e caí. sentindo uma dor horrível na face. Minha mãe. mas ele correu para mim e tirou o cinto. sua ordinária. . — Pai. cadela! Levantou a mão. No mesmo instante. assustada. e tentar enganá-los só serviria para aumentar ainda mais a fúria de meu pai. desferindo diversos golpes nas minhas costas. deixe-me explicar — arrisquei. Eu estava exaurida. e ela tombou no sofá. Partiu para cima dele. Subitamente. e minha mãe deixou-se ficar prostrada sobre o sofá. amparada por meu irmão. vencido. chorando feito uma criança desamparada. mas ele a repeliu com um empurrão. ele parou. — Papai. Minha mãe levantou-se e . Até que. por favor—suplicou Daniel —. ajoelhou-se no chão e desatou a chorar.tentou intervir. ele me soltou e virou-se para ele. Foi estranho ver meu pai ali. os olhos injetados de sangue. não tinha mais forças para reagir. vai matar Daniela. acertando-o em diversos lugares. — Venha cá. moleque. que lhe darei uma lição. de repente. — Por quê? Não fizemos tudo por vocês? Por que foram nos trair dessa maneira? — Mãe. posso explicar. e havia tanta dor naquele olhar. — Não. têm o mesmo sangue. Como puderam ser tão sórdidos? — Mãe.. Deixe-me terminar. — Não. nasceram . Vocês são reles e não merecem o nosso amor. Daniela. Vocês são irmãos. não há explicação para o que vocês fizeram. abraçando-o com ternura. Ela ergueu a cabeça e me encarou.. — Por quê? — indagou sentida. abusaram de nosso amor. que eu senti uma forte pontada no coração. não. por favor.acercou-se dele. Vocês traíram a nossa confiança. — É isso mesmo — concordou papai. podem ainda ser menores.no mesmo dia e. se deitam no meio do mato como dois animais. no entanto. já não são mais crianças. Eu . Aprontem suas trouxas e ponhamse daqui para fora! — Mas pai — chorava Daniel —. Porque só os animais copulam com seus irmãos e irmãs. Aonde iremos? Somos menores e. É isso mesmo o que são: animais. mas. não os quero mais em minha casa. — Vocês não são dignos de nosso amor e nosso respeito e. Deveriam ter pensado nisso antes.. E depois. de hoje em diante. — Isso não me interessa.. com certeza. você não pode. a culpa não foi sua. andando juntos. . por favor — objetei —. — Mamãe. Eles devem estar doentes da cabeça. e podemos procurar ajuda psiquiátrica. Devemos ajudá-los. — Mas eles são nossos filhos.bem que desconfiava. devemos ajudálos. — Não posso? Pois já os mandei. Daniel tem razão. Um bom médico há de curá-los. Como fui burro! — Não se torture Gilberto. se são dois sem-vergonha? — Ainda assim. No entanto. Apenas nos amamos. — Ajudá-los como. Você não pode mandá-los embora. não estamos doentes nem somos loucos. agarradinhos. e isso que chama de amor é expressamente proibido para vocês. — E não ouse repetir tamanha infâmia na nossa frente. Minha mãe também deve ter pensado a mesma coisa. porque ainda tentou contemporizar: — Gilberto.. — Ah. acalme-se.— Cale essa boca! — berrou papai. quase rugindo —. é? E por quem? — Por Deus e pela Justiça. Meu pai estava rubro de ódio. esbofeteando-me novamente.. Vocês são irmãos. — No entanto — prosseguiu ele. não vou mandá-los . O que vocês fizeram foi abominável e não merece perdão. e pensei que ele fosse enfartar naquele momento. não pode fazer isso! — protestei.embora. e tivemos que obedecer. Meu irmão estava apavorado e não ousava contrariar as ordens de papai. depois de três dias. estávamos frequentando as sessões de um psiquiatra que nos olhava como se . Mas é condição para que fiquem que consultem um psiquiatra. apenas porque é sua mãe quem está pedindo. — Basta. Não adiantava mesmo discutir. Fomos bruscamente separados e. — Pai. Estão proibidos de se encontrarem sozinhos. Daniela! Cale-se ou serei capaz de cometer uma loucura! Achei melhor calar-me. — Você não tem o direito de nos separar. E não os quero mais juntos. e logo . papai redobrou a vigilância sobre nós. Ele mesmo nos levava à escola e nos buscava. Em nossa casa. Nós o detestávamos. Os outros alunos ficaram intrigados e não tardaram a criar uma história na qual todos passaram a acreditar. e ela não tinha nada com aquilo. um de cada vez. e deu ordens expressas à professora para que não nos deixasse sair mais cedo nem no meio da aula sem a sua autorização. mas era assunto de família.fôssemos uma aberração. a professora também não perguntou nada e fez como ele pediu. mas tínhamos que ir. Ela nem de longe desconfiava do que se tratava. Embora ele não tivesse declinado o motivo daquela proibição. O mal-entendido e o isolamento se desfizeram. e . porque a maioria dos jovens fumava também. nos evitavam e mal falavam conosco. o que não era assim tão ruim. nós nos tornáramos delinquentes e não éramos mais companhia para os jovens de boa família. Quando mamãe soube do que estava acontecendo.se espalhou a fofoca de que Daniel e eu deveríamos estar envolvidos com drogas. foi até a escola desfazer o mal-entendido. justificando a proibição de papai com a alegação de que estávamos pegando a mania de fumar escondidos no banheiro. porque todos os jovens. Aquilo foi extremamente duro para nós. De repente. alertados por seus pais. até que funcionou. eu me levantei e . Durante as primeiras semanas. e Daniel tinha que subir para o seu quarto. era uma questão de sobrevivência. em sua companhia. mamãe dormia em meu quarto. Eu não podia viver sem ele. e eu só podia sair para ir ao banheiro ou beber água. Até que. Quando voltávamos para casa. enquanto eu acompanhava mamãe aonde quer que ela fosse. À noite. embora a proibição continuasse. mais do que uma necessidade. numa noite em que mamãe dormia profundamente. Mas depois. assim mesmo. almoçávamos.tudo voltou ao normal. e fazer sexo com ele. e. a ausência de Daniel começou a deixar-me louca. . para que ele pudesse ir ao banheiro. Imediatamente. seguindo direto para o quarto de Daniel. Experimentei a porta. Em silêncio. e eu colei minha boca à sua. se precisasse. enquanto murmurava baixinho: — Oh! Daniela. Ele abriu os olhos assustado. aproximei-me da cama de meu irmão. e só eu era constantemente vigiada por mamãe. — Mas o que é que está . que dormia um sono agitado. Estando com ela. que bom que veio! Já não podia mais suportar. Papai recusava-se a dormir com ele. Não ficava trancada. ele me abraçou e começou a me despir. não poderia estar com Daniel. e deitei-me ao seu lado..saí na ponta dos pés. papai correu para ver o que estava acontecendo. Ao se deparar com mamãe morta. Apavorada. até que se desequilibrou e caiu escada abaixo. já sem vida. ao mesmo tempo em que saía porta afora para chamar papai. mas ela lutou comigo. implorando-lhe que não fizesse aquilo.acontecendo aqui? — era mamãe. o pescoço quebrado. que acendia a luz. Eu me desvencilhei de meu irmão e corri atrás dela. Ouvindo aquela confusão. tentei segurá-la pela camisola. rolando os degraus até chegar lá embaixo. estirada no pé da escada. Mas ela não me dava ouvidos e continuou a avançar para o quarto de papai. desceu correndo e começou a chorar feito . pensando que eu a havia empurrado. foi um acidente. e não pôde acreditar quando lhe disse que tudo não passara de uma fatalidade e que eu também estava . Como ninguém sabia de nosso drama. fui para a sala e peguei o telefone para chamar um médico. acerquei-me dele e falei com pesar: — Pai.. Eu. Mas papai passou a desconfiar de mim.. que constatou o óbito.louco. sinto muito. a morte de mamãe foi dada como acidente. e nem sequer houve inquérito. penalizada. Ele me olhou sem nada entender e vociferou: — Saia daqui! Deixe-me a sós com minha Eugênia! Vendo que nada podia fazer. . acostumados àquela vida desregrada e desarmoniosa que se estabeleceu em nosso lar. Passamos a conviver debaixo do mesmo teto. mas não de forma pacífica. e fomos ficando. a nos ignorar. por vezes. Ele começou a nos maltratar e humilhar e. papai perdeu o interesse em nos ajudar e nunca mais nos obrigou a voltar ao psiquiatra. Mas não nos expulsava. mas sempre nos atirando na face o pecado que cometêramos. Desse dia em diante.sofrendo muito com a perda de mamãe. teria sido melhor se nos tornássemos ladrões. nós frustráramos o seu sonho de ter filhos perfeitos.CAPÍTULO DOIS Falar de meu pai sempre foi muito difícil e complicado. pouco compreensivo e nada transigente. Desde pequenos. desde que nos . era-nos difícil compreendê-lo e aceitálo. Para papai. penso que ele passou a nos odiar porque. para ele. Ele era um homem duro. Vivia rodeado de padrões de moral distorcidos e jurara a si mesmo que Daniel e eu nos tornaríamos pessoas de bem. No entanto. depois que tudo aconteceu. Não éramos mais pessoas de bem. Em casa era mais seguro. Só de pensar que poderia ser apontado na rua. ele poderia ter certeza de que não seríamos vistos por ninguém e conseguiria manter aquela sua capa de perfeição e virtude.mantivéssemos dentro de seus padrões de moral e não o envergonhássemos. E o incesto. era motivo de extrema vergonha. de homem íntegro. Ao menos assim. de nossa condição de irmãos-amantes. pudéssemos levar ao mundo o conhecimento do que havíamos feito. do que nos tornáramos. tanto que tentou nos ocultar da melhor forma possível. sem rabo preso. e isso o apavorava. . Tinha medo de que. Não. Por isso não nos expulsava. para ele. se saíssemos de casa. ele se desesperava. Não havia mais o que esconder. mas não nos importávamos. quando eu escapulia para o quarto de Daniel. e ele não tinha mais forças para nos separar. longe dos olhares dos . Fazíamos sexo quase que diariamente e não nos dávamos nem ao trabalho de esconder de papai. pois não podia conviver com o fato de que éramos mesmo amantes. À noite. ou quando ele vinha ao meu. tínhamos certeza de que papai nos estava vigiando. com todos os pormenores que essa condição implica. ao menos fazíamos sexo dentro das silenciosas paredes de nossa casa. não nos aceitou mais em sua vida.Apesar de nos aceitar em sua casa. Contudo. conforme ele mesmo pensava. lendo um romance. é sua tia Mara. e você? . foi motivo de brigas e desentendimentos em família. A empregada atendeu e me chamou: — Daniela. — Daniela. devido ao que nos acontecera. Quer falar com você. — Alô. onde alguém pudesse nos ver. Mas. Em outras circunstâncias.curiosos. teria sido um acontecimento. Lembro-me de nosso décimo quinto aniversário. quando o telefone tocou. querida. Eu estava sentada na sala. Larguei o livro de má vontade e fui atender. e não em qualquer motelzinho barato de beira de estrada. e Daniel assistia à televisão. como está? — Bem. como sempre fiz. Depois do que aconteceu à mamãe. se estivesse viva. — Como não? Pensei em ajudar. mas não creio que papai queira. Estou ligando para saber de seu aniversário.— Tudo indo. . Papai não quer. — Escute tia Mara.Ah! Mas não pode ser. Está próximo. não. Eu não estava nem um pouco a fim de perder meu tempo com aquela . e creio que vai dar uma bonita festa. ele não se interessa mais por festas. — Agradeço. não vai ter festa. não é todos os dias que se debuta. gostaria muito. Afinal. Tenho certeza de que sua mãe. . E depois. Vou pensar. me olhando cheio de ódio. me telefone que eu os ajudarei com os preparativos. Depois que ele concordar. Já fazia algum tempo que mamãe morrera. Desliguei e voltei para minha leitura. e uma festa serviria para nos descontrair um pouco. Prometo falar com papai. tratei logo de encerrar a conversa e falei por falar: — Está bem. — Ótimo.conversa. conhecia a verdade sobre nossas vidas. a não ser nós. — Pode deixar. embora concordasse com ela que uma festa seria divertida. Pouco depois. como sabia que meu pai jamais consentiria. Mas. papai apareceu na porta da sala. ninguém. pai — protestei eu. tentou intervir e apaziguar os ânimos. Só concordei para me ver livre de tia Mara. por favor. — Chega. — Papai. — . percebendo que iríamos começar outra briga. Não lhe perguntei nada. — Pensa que me engana. E nem estou a fim de festa nenhuma. não comece. — Fique quieto. Sabia que ele andara escutando na extensão e respondi de má vontade: — Ninguém. sua sem-vergonha? Então não sei o que lhe vai na cabeça? Daniel. é. Daniel.— Quem foi que disse que consentirei em dar uma festa? Eu o olhei com desdém. Tentando conter os ânimos. não é? Você que é a ordinária e ainda fica com raiva porque eu não aprovo suas sem-vergonhices? Eu me levantei revoltada. pai. Desde quando você me coloca de castigo? Você não manda mais em mim! — Mando sim. Estava furiosa e. — Ah! Então sou eu quem a está amolando. ter-lhe-ia dado uma bofetada. se pudesse.Não me amole. não vou ficar aqui escutando isso. Você é minha filha. Vá agora para o seu quarto! Está de castigo! Soltei uma gargalhada estridente: — De castigo? Essa é boa. . — Pois não vai mesmo. falei entre os dentes: — Pare. ou vai ser pior para os dois. quer não. Mas ele não quis ouvir. Fiquei furiosa e parti para cima dele. — Não lhe perguntei nada. Daniela não fez nada. covarde! Por que não nos deixa em paz? Ele. pai.. empurrou-me com violência e saiu em disparada. Cale-se você também. esbravejando: — Seu cachorro. que logo se avermelhou.. Obedeça-me agora ou vai apanhar! — Mas. Estalou uma bofetada no rosto de Daniel. — Não. enfurecido. gritando enquanto subia as escadas: . ela não fez nada — objetou Daniel. É menor de idade e vive à minha custa. pai.quer queira. sem aquele . até que acabamos por ficar sozinhos. Não preciso dizer que não houve festa alguma. Ela ficou indignada com a sua reação. com isso. o que acabou por afastá-los de nós.— Se pensam que vão se divertir à minha custa. rejeitados. Quando tia Mara ligou novamente. papai mesmo atendeu o telefone e tratou logo de despachá-la. Desde que mamãe morrera. Não estou aqui para apoiar depravações. e. só fazíamos alimentar o ódio que sentíamos de nosso pai. Daniel e eu nos abraçamos e começamos a chorar. papai passou a destratar todos os parentes. incompreendidos. Nós nos sentíamos injustiçados. estão muito enganados. Fomos nos isolando cada vez mais. Havia ocasiões em que papai fingia que não existíamos. recusávamos quase todos os convites para sair. e não nos demorávamos depois da aula. procurávamos ficar um pouco afastados dos demais alunos. Conversávamos com eles sem. à exceção de uma festa ou outra. Mesmo quando havia algum trabalho em grupo.convívio amistoso dos tios e primos. O ambiente em nossa casa era praticamente insuportável. nos deixar envolver. Em nossa escola. Daniel e eu sempre integrávamos o mesmo e marcávamos na casa de outros colegas para fazer o . Lembro-me de quando terminamos o curso científico. contudo. Nunca os convidávamos para ir à nossa casa. Foi com alegria que Daniel levou a meu pai o convite de formatura. e eu tive vontade de esmurrálo.trabalho. Daniel ficou chocado. conseguimos nos formar e nos sentíamos orgulhosos. Não está orgulhoso de nós? . estamos nos formando no curso científico. nunca na nossa. com a desculpa de que não tínhamos mãe. Papai pegou o papel e. Frustrado. sem nem olhá-lo. e que nosso pai ficava fora o dia todo. Com tudo isso. Daniel argumentou: — Pai. Tínhamos medo de que os colegas descobrissem nosso segredo e procurávamos agir da forma mais natural possível. atirou-o na cesta de lixo. Ele simplesmente nos ignorava. Apesar de tudo. segurei a sua mão e levei-o dali. pude sentir a frustração nos olhos de meu irmão. e seria extremamente constrangedor comparecer à cerimônia de formatura. pai. deixe para lá. . tentando consolá-lo da melhor forma possível. que seria seguida de uma missa e de um baile. Daniel. Naquele dia. Não adiantava. e Daniel insistiu: — Não está feliz? Não quer ir conosco? Não sente nada? Por favor. — Não se preocupe. Se ele não quer ir. era nosso pai. Eu me acerquei de Daniel.Meu pai não respondeu. fale alguma coisa. sem a presença de nosso pai. Isso foi causa de grande mágoa para nós. principalmente para Daniel. você vai ver. Não queríamos ir ao clube onde se realizaria o baile. deixamos a igreja e fomos para casa. Eles irão. Daniela. sonhava . Convidaremos nossos tios. e não queriam correr o risco de ter que aturar novas desfeitas. ninguém apareceu. nossos primos. logo após a missa. Mas não foi assim que aconteceu. que. A nossa também. ainda mais porque todos iriam perguntar comentar. mais sensível. bisbilhotar.— Mas. Todos estavam chateados com papai e cheios de suas grosserias. No dia da formatura. Nós nos formamos sozinhos e. a família de todos os nossos colegas estará presente. Daniel resolveu pedir-lhe dinheiro para comprar um carro.em terminar com aquela desavença e se iludia. Isso nunca aconteceu. . Meu pai olhou para ele incrédulo e ironizou: — Para que precisa de carro? Para levar sua irmã ao motel? Ele corou e respondeu indignado: — Como pode falar assim de nós? Somos seus filhos. e ele. um dia. sonhava com seu conversível. Alcançáramos os dezoito anos. e papai morreu levando consigo o imenso desgosto que nós lhe havíamos causado. — É mesmo? Que bom que falou. De outra vez. poderia nos entender e nos aceitar. pensando que papai. como todo rapaz. — Posso saber por quê? — indaguei já sentindo a raiva crescer dentro de mim. — Se diz respeito a Daniel. — Mas ele não quer me dar. — É que vim pedir a papai dinheiro para comprar um carro — apressou-se Daniel em explicar. . — Tenho sim. Entrei na sala e indaguei: — O que é que está acontecendo aqui? — Nada que seja de sua conta — respondeu papai mal-humorado. — Você não tem esse direito. é da minha conta sim.porque eu já havia me esquecido. O dinheiro é meu e faço com ele o que quiser. . Mamãe possuía bens. E tudo isso sem interesse algum. — Ah. — Porque vocês ainda não são maiores de idade e eu tenho que administrar o patrimônio da família.. Mas de mim não terão nem um tostão. até parece. — E por que ainda não fez? . e você nunca nos deu um tostão. — Pode debochar o quanto quiser. não? E se eu procurar um advogado para reivindicar o que é nosso? Sabe que eu faria isso sem hesitar. Sei que temos nossos direitos.— Esquece-se de que temos a herança da mamãe? — Herança. — Temos sim. — Oh! que magnânimo. . Se é isso o que quer. Ele pensou durante alguns minutos. Não pode lhe negar isso. Mas nem se dera ao trabalho de ir vê-lo. não . já perto de sua morte.. A situação ficava cada vez pior. e nós acabamos nos acomodando. e continuamos a conviver daquela forma desarmoniosa e mesquinha. até que deu de ombros e disse com indiferença: — Está bem. Mas agora Daniel quer um carro. e você tem que dar. O que fazíamos com o carro não lhe interessava em nada. No final. Nunca nos faltou nada. e Daniel comprou o carro.— Porque não foi necessário. Deu o dinheiro sem reclamar mais. Quantas bofetadas levamos. e eu também. pois só assim poderei reencontrar minha Eugênia e ficar livre de vocês. pouco antes de morrer. — É bom mesmo. porque jamais o . me dissera: — Daniela.podíamos falar mais nada. porque ele levantava a mão para nos bater. Mas quero que saiba que jamais os perdoarei principalmente a você. Daniel e eu.. estou doente e sei que não duro muito. — eu não respondi e ele continuou: — Sei que ficarão felizes quando eu me for.. em nome de seu ódio! Papai sempre me considerou culpada pela morte de mamãe e. — Não preciso de seu perdão — respondi de mau humor. .. — Pare.. — É claro que não. não é mesmo? — Não pode me acusar. Quantas vezes preciso lhe dizer que foi um acidente? — Acidente sei. pai! Não sou mais criança e não sou obrigada a tolerar isso. Não lhe convém expor os seus pecados.terá. uma malagradecida. uma assassina. Você é uma ingrata. — Não é verdade! — gritei zangada. — É sim. Eu a amava e jamais a machucaria. Matou sua mãe! — Eu não a matei. não é? . Um acidente casual e conveniente. — E não a machucou? Não a feriu com esse abominável incesto? — Não quero falar sobre isso. mas não quero que você se esqueça de que eu a odeio. porque não a matei. quer queira. Ela era minha . Mas você nunca poderá provar que eu a matei. — Cale a boca! Você não sabe o que diz! — Ah. quer não. sei que morrerei mesmo.— Enquanto viver sob o meu teto. né? Sei sim. Ainda está em tempo. Nem sei por que não a denunciei. porque você matou sua mãe e porque me envergonhou. não sei. — Faça isso. Você é uma criminosa e deveria estar presa. Infelizmente. e muito bem. eu sei. — Por que não morre de uma vez? — É isso que você quer. será obrigada a me aguentar sim. Sem responder. — O que é isso. uma maldição? — Entenda como quiser. — Por que sente prazer em me torturar? — Para que a sua consciência não permita que você se esqueça do que fez e nunca pare de atormentá-la. Na noite seguinte. mas não me importava. teve uma crise e foi hospitalizado. pelo resto de sua vida. Não queria mais ficar perto dele. — Bem se vê o quanto a amava. Já estava quase no fim. eu me levantei e saí. Ele se consumira pela raiva e deixara que o câncer de fígado o destruísse por dentro.mae e eu a amava. Seu estado se . Sabia que ele estava mal. Aos poucos. Daniel e eu suspiramos aliviados. já não falava nem nos reconhecia. No final. Ele nos odiava. um sábado pela manhã. foi definhando e começou a tomar morfina para diminuir as dores. ele faleceu. Estávamos livres daquele estorvo.agravava a cada dia. e Daniel e eu não podíamos deixar de desejar que ele morresse. . e nós. Até que um dia. Não o aguentávamos mais. a ele. quase sem dormir. porque era a mais antiga e ajudara muito a minha mãe. Desde que papai morrera. Era maravilhoso poder ter Daniel só para mim. praticamente não saíamos mais de casa e passávamos as noites nos braços um do outro. havia quase seis meses.CAPÍTULO TRÊS Daniel entrou na sala e me encontrou dormindo no sofá. . Das três empregadas que possuíamos somente Joaquina permaneceu conosco. cansada das extravagâncias da noite anterior. beijá-lo e amá-lo sem me preocupar com a vigilância de meu pai. poder abraçá-lo. pois vivia dizendo que éramos jovens demais para nos enfurnarmos dentro de casa. e acho que ela nem desconfiava. Talvez pensasse que nos drogássemos ou coisa parecida. nós as despedimos. Não queríamos testemunhas de nosso romance ilícito. Sei que ela nos achava estranhos. e Joaquina ficou.inclusive a nos criar. Mas nós precisávamos de alguém que cuidasse da casa e de nós. e ela não se importava com o que fazíamos. Nós lhe pagávamos muito bem. mas não creio que soubesse o que realmente fazíamos. . Mesmo assim. nunca deixamos que percebesse que entre nós havia algo de proibido. As outras duas. e que deveríamos sair e aproveitar a vida. Ele correspondeu ao beijo e me afastou logo em seguida. eu estava semiadormecida e mal percebi o seu vulto se acercando de mim. — O que é? — Bom. começou a dizer: — Daniela. agarrei-o pelo pescoço e puxei-o. naquele dia. tenho algo muito importante para falar com você. e pensei que ele tivesse ido me buscar para o almoço. sentando-se no sofá e colocando minha cabeça em seu colo. Alisando meus cabelos. beijando-o com vontade.Tínhamos dinheiro e não nos faltariam opções de distração. Já era quase meio-dia. ano passado nós . Quando o vi debruçado sobre mim. Quando Daniel entrou. E eu? Ele me encarou e não disse nada. — Sinto muito — prosseguiu —... — Mas. Daniel.terminamos o curso secundário. — E daí? — E daí que eu estive pensando.. — Ficou louco? — indaguei perplexa. você não pode. . Não tinha coragem de me encarar. Eu me levantei de chofre. ir para a faculdade.. Estava indignada e considerava aquilo uma traição ao nosso amor. — Como pode querer ir embora daqui? E o nosso amor? Ele abaixou os olhos e suspirou. gostaria de ir para o Rio de Janeiro estudar. mas já me decidi. — Daniel. temos nosso . não chore. É que eu já não quero mais viver assim. Sinto. O que foi que aconteceu? — Daniela. — Tresloucado? É assim que chama o nosso amor? — Não é isso. pelo tom de sua voz. que já não me ama mais.Fiquei algum tempo em silêncio. não houve nada. Somos jovens. você está mentindo! — comecei a chorar. até que desabafei: — Não entendo Daniel. Joaquina tem razão. Apenas penso se já não é hora de terminarmos esse romance tresloucado. pensei que me amasse. — Mas eu a amo — respondeu ele sem muita convicção. pensando. Se é isso que quer. Você tem razão. Europa. É.. Ninguém saberá que somos irmãos e poderemos andar livremente pelas ruas.dinheiro.. onde você quiser. Será até bom. podemos fazer uma viagem. é isso. é . Estamos há muito tempo presos aqui e. Daniela. Não é isso. — Daniela. abraçados. podíamos estar aproveitando um pouco mais a vida. — Mas não dessa maneira. — Como. — Está bem. então? — O que quero dizer. por favor. podemos até nos beijar em público. só nós dois. Estados Unidos. — Não é? Mas você acabou de dizer que deveríamos aproveitar a vida. pare. de mãos dadas. Daniela. o que você . ter uma profissão.que não quero mais viver na obscuridade. não nos presta contas? Está lhe faltando alguma coisa? — Não é isso. e o que é que deseja. viajar. podemos sair. todo mês. — Mas para quê? Então não temos tudo o que queremos? Nossa fábrica não dá bons lucros. confesso que não. Temos tudo. Quero pegar o dinheiro que papai nos deixou e aproveitar em outras coisas. — Não. não necessariamente em passeios ou distrações. e o doutor Osório. exatamente? — Desejo estudar. — Ora. você ainda não entendeu. Quero me formar. quiser. — Mas o que quero é estudar. espero que saiba o que está fazendo. mais até do que a mim mesma. Fiquei boquiaberta. e não poderia suportar viver sem ele. Estava abismada. Daqui a uma semana parto para o Rio de Janeiro. E não adianta tentar me fazer mudar de ideia. Tentando controlar a raiva. o medo e a frustração. . sem nem me consultar ou participar. Vou me inscrever no vestibular. Ele tratara de tudo pelas minhas costas. Meu irmão não podia estar fazendo aquilo comigo. Mas eu o amava loucamente. falei com frieza: — Pois muito bem. Fora uma traição. porque já está tudo resolvido. Se é assim. Daniela. Eu não vou sumir. estou tentando fazer algo que me agrade. não seja egoísta. vou apenas estudar.Mas depois não vá se arrepender e voltar correndo para mim. Você sabe que gosto de projetar casas. Daniela. Vamos. sempre gostei. e a minha alegria deveria ser motivo de contentamento para você. . ser arquiteto. O que está esperando? — Não quero deixá-la assim. — Pois então vá. — Pare com isso. Vire-se sozinho. — E como quer que eu fique? Contente? — E por que não? Afinal. Quero me formar. não seja tão dramática. — Egoísta. somente voltando altas horas da madrugada. virou-me as costas e saiu. que não ligo nem um pouco se você quer partir. Não retornou para o almoço nem para o jantar. não seja criança. ganhando a rua... — Daniela. Pode ir. Mato você antes. — Saia daqui. Pois fique sabendo. por favor. o que está esperando? Só vou lhe avisar uma coisa: se pensa em me trocar por outra. Eu fiquei apavorada. — Saia daqui! Suma! Desapareça! Daniel. magoado. Vamos. pode esquecer.. — Daniela. E se . Eu juro. não quero mais falar com você.. senhor Daniel. eu? Era só o que me faltava. virando-se para o outro lado e voltando a dormir. Desapontada. foi que despertei e vi que ele estava ali. porém. . comecei a sacudi-lo pelos ombros. tão belo e tão sereno. não pude conter a emoção e exclamei: — Daniel! Ele abriu os olhos e me fitou ainda com sono. corri ao seu quarto. Somente no dia seguinte. quando o sol bateu em meu rosto. mas me tranquilizei ao ver que suas roupas ainda estavam ali. até que adormeci e não vi quando ele chegou. até que ele despertou. Ao vê-lo.ele tivesse partido? Desesperada. ansiosa e agoniada. deitei-me em sua cama para esperá-lo. Eu. dormindo placidamente ao meu lado. pare com isso.— Meu Deus. sabia que não iria me abandonar. meu amor. e nós nos amamos loucamente. Comecei a beijá-lo e acariciá-lo. Daniel não pôde resistir às ousadias de minhas carícias. provocando-o. Estou com sono. Assim. Como já vivíamos mesmo um amor proibido. — Daniel. após breves instantes de provocação. Quanto . Daniela. Vivenciávamos o sexo em sua plenitude. nossa relação não encontrava limites ou censuras. nós nos havíamos especializado na arte de fazer sexo. sem pudores ou constrangimentos. Daniel cedeu aos meus apelos e me tomou nos braços. e tudo entre nós era permitido. Eu estava extasiada. Além de tudo. Já me decidi. — Muito bem. Se é isso o que você quer. então não irei mais contrariá-lo. — E quero. olhando bem fundo nos meus olhos. mais o queria. . — Você irá de qualquer jeito. Pensei que quisesse me ver feliz. — Meu querido — sussurrei —. Eu irei com você. Já estou decidido. Ele segurou a minha cabeça e.mais o tinha. quer não. — Irei. acrescentou: — Você me magoou mesmo. — Então não crie problemas e deixe-me partir para o Rio de Janeiro. não é? Quer eu deixe. sinto se o magoei. e não o perderia por nada neste mundo. e Daniel não queria mais pecar. Daniel lançoume um olhar indefinível. estava claro que Daniel . embora não quisesse aceitar esse fato. Eu devia ter notado que nosso amor.Naquele momento. ainda mais de uma irmã feito eu. tonta e apaixonada. o amor de meu irmão. na qual não se incluía a companhia de uma irmã. Ao contrário. Só que eu. queria me dizer muitas coisas. no fundo. mas eu. sabia que ele não queria a minha companhia. mas que. ao optar por estudar no Rio de Janeiro. Daniel não disse mais nada. e o que ele buscava era uma vida de liberdade. não pude ou não quis compreender seu significado. já se havia consumido. ou melhor. em meu íntimo. Eu era sinônimo de pecado. buscava se afastar de mim. carregado de culpas. tudo voltaria ao normal e nós continuaríamos a nos amar. devido à minha louca paixão. com o tempo. ele mesmo dissera que já era hora de acabar com aquele romance tresloucado. Lá ninguém nos conhecia e poderíamos muito bem passar por namorados ou. No entanto. eu jamais poderia aceitar que ele se fosse sem mim e tudo faria para mantê-lo a meu lado. Talvez até nos mudássemos em definitivo para o Rio de Janeiro. Afinal. e os novos ares da Cidade Maravilhosa talvez lhe fizessem bem? E. Quem sabe ele não estivesse apenas cansado daquela vida de clausura. enterrando em seu passado aquele amor obscuro que vivíamos. . Matriculamo-nos num cursinho e . rezando para que passássemos para a mesma faculdade. Era uma beleza! As inscrições para o vestibular já haviam começado. pouco depois. Assim. mas não poderia passar horas a fio sem a companhia de Daniel. até por marido e mulher. Uma semana depois. Logo que chegamos. nos hospedamos num hotel e. de frente para o mar. Eu não tinha a menor vontade de estudar. e ambos nos inscrevemos para arquitetura. a única solução que encontrei foi fazer o vestibular junto com ele.quem sabe. já havíamos alugado um apartamento em Copacabana. lá íamos nós rumo ao Rio de Janeiro. ambos. O tempo era curto e estudávamos dia e noite sem parar. preferi marcar as respostas que eu sabia que ele marcaria. o que aumentaria as minhas chances de passar para a mesma faculdade que ele. Eu estava tão ligada em Daniel que sabia quais as questões que ele havia aprendido. e quando o ano letivo se iniciou. lá estávamos nós. Passamos. Eu era mais inteligente do que ele e tinha possibilidade de fazer uma prova muito melhor do que ele. E assim aconteceu. até que o dia dos exames chegou. para a mesma faculdade particular. quais as que ele não sabia e quais aquelas em que ainda tinha dúvidas. .metemos a cara em livros e apostilas. No entanto. estudando na mesma sala. Eu estava feliz da vida. e ele não precisava se preocupar com nada. Dentre os amigos que fizemos. mas. Mas eu não estava interessada nem nele. Ainda assim. dois em especial se destacaram: Ana Célia. e Daniel parecia também estar. que muito se afeiçoara a nós. não conseguíramos ocultar nosso parentesco. . para ir a algum barzinho ou boate. Fizemos algumas amizades. nem em ninguém. Apesar de tudo. Eu cuidava de tudo. e todos sabiam que éramos irmãos. que parecia interessado em mim e vivia jogando piadinhas. ele estava satisfeito com a minha presença. ao contrário do que eu imaginara. e Marcelo. éramos bons amigos e muitas vezes saíamos juntos. preferia gastar o meu tempo livre sozinha com ele. No fundo. naquela época. Ele rápido se habituara a vida tumultuada do Rio de Janeiro e tomara gosto pelas saídas noturnas. tantas moças disponíveis para o sexo antes do casamento. quando estávamos sós ou viajávamos. com a mesma volúpia de sempre. Daniel sabia que eu era excelente amante. mas procurava não contrariá-lo e sempre o acompanhava. .Para Daniel tudo estava perfeito. com o mesmo ardor. e não havia. Eu. mais reservada. Somente à noite ou nos fins de semana. é que nos entregávamos a nosso prazer pessoal e continuávamos a nos amar com a mesma paixão. CAPÍTULO QUATRO Um dia. apesar de amigos. Só depois. convidamos Ana Célia e Marcelo. Embora a contragosto. Para mim. quando o pior . não compartilhavam da nossa felicidade. Naquela época. aceitei convidá-los. pois não pude perceber o que meu irmão pretendia. creio que eu era meio ingênua. a pedido de Daniel. resolvemos passar o fim de semana em Angra dos Reis e. seria muito melhor passar dois dias esquecida com Daniel num paraíso do que ter em nossa companhia dois estranhos que. havia muito. atirando-me nos braços de outra pessoa. foi que consegui juntar todos os pedacinhos de nosso drama e vi que Daniel. e eu dividia um quarto com Ana Célia. novamente concordei. enquanto Daniel dividia outro com Marcelo. só para deixar-lhe o caminho livre. O hotel em que nos hospedáramos ficava de frente para o mar. A contragosto. Ana Célia e eu conversávamos . mas meu irmão acabou me convencendo de que seria a mais normal e menos suspeita. planejava livrar-se de mim. Fazia um bonito dia e nós aproveitávamos o sábado nos tostando ao sol. Essa combinação também não era de meu agrado.aconteceu. sacudindo os cabelos para tirar o excesso de água. Estou com uma preguiça. assenti. Já estava me . — Você devia aproveitar. agora não. mas o que é isso? A água está uma delícia. por que não vamos nadar? — Ah. Ao final de alguns segundos. como sempre. Marcelo. — Ora. que vinha chegando por detrás dele. quando Marcelo se acercou de nós e convidou: — Daniela... para fazer a vontade de Daniel. — Está mesmo — concordou meu irmão. trocando ideias sobre determinada matéria da faculdade.animadamente. ou vice-versa. brincando com Marcelo. atirando-me na água e mergulhando repetidas vezes. Estava alegre. como se estivesse concordando com o que ele dizia. Aquilo me deixou louca de ciúmes e eu. e eu fui para a água em companhia de Marcelo. Até então. nunca desconfiara de que meu irmão pudesse estar interessado em Ana Célia. . falando coisas em seu ouvido. quando algo chamou minha atenção.levantando quando Ana Célia falou: — Também vou. saí da água. vi que Daniel se achegara demais a Ana Célia. rápido. Ao olhar para a areia. e ela ria e balançava a cabeça. Mas o olhar de meu irmão fez com que ela se sentasse novamente. e corri para o mar. Marcelo chegou para o lado.Marcelo. Sem compreender. e ele me soltou. — Nossa. segurava-me pelo braço. Eles gargalhavam e cruzavam olhares. Agora. espumando de raiva. e eu corri para onde Daniel estava. que bicho a mordeu? — Não é da sua conta. — Por que a pressa? — Deixe-me em paz — respondi bruscamente. o que foi que aconteceu? — perguntou ele. dando-me passagem. Quando cheguei. — Daniela. correndo atrás de mim. por vezes até se tocando de forma estudadamente casual. Ana Célia se assustou e indagou aflita: . preciso passar. com licença. Daniela — objetou Marcelo —. Mas eu não queria ouvir nada. aconteceu alguma coisa? Você está esquisita. Cerrei os punhos e disse entre os dentes: — Quero ir embora. Eu não respondi.. Precisava fugir dali o mais rápido . Mas não quero mais ficar. — Alguém lhe fez alguma coisa? — Não. Minha vontade era de esganá-la. alguma coisa deve ter acontecido para deixar você assim desse jeito. — Meu Deus. — Ora. por quê? — quis saber Ana Célia...— Daniela.. E de repente. Não tinha o que dizer. Daniela. — balbuciei — ninguém me fez nada. Eu? Credo. — Mas o que foi que deu nela? — insistia Marcelo. . frustrada e não queria acreditar. Será que foi alguma coisa que eu fiz? — Marcelo — repreendeu Ana Célia —.possível. ninguém entendia o que acontecera comigo. o que acabaria por nos delatar. Ana Célia. Saí correndo para o hotel e tranquei-me no quarto para chorar. Está certo que gosto de Daniela. Daniel não podia estar me trocando por aquela lambisgoia. Na praia. Só Daniel. você não a desrespeitou? Será que não tentou nada? . claro que não. ou seria capaz de cometer uma loucura. Aquilo não podia ser verdade. Estava desiludida. — Você sabe o que aconteceu? — Provavelmente. quando ela nos viu conversando. ciúme. E depois. meu Deus? — De você. Acho que. desde que mamãe morreu. Ana Célia. não diz nada? Daniel lançou-lhes um olhar enigmático e retrucou: — Deixem Daniela comigo. com a morte de papai. ficou com medo e reagiu dessa forma. . ficamos ainda mais sós. — De mim? Por quê? — Bem.mas jamais ousaria tocá-la. eu tenho sido a única pessoa na vida de Daniela. passei a cuidar de tudo sozinho. e ela tem medo de que eu me case e a abandone. — Ciúme? Mas de quê. — E você. Daniel. continuem na praia que. Quando . eu a trago de volta.. Minutos depois. Não se preocupem. — Não. Logo eu. fui abrir e Daniel entrou. Afinal. — Eu sei. — acrescentou Ana Célia.— Oh! — exclamou Ana Célia penalizada. escutei batidas na porta. não — interveio Daniel. — Talvez seja melhor falar com ela — sugeriu Marcelo. — Acho que é melhor eu ir. mas o ciúme é algo irracional. logo. — Vou lá. logo. — Mas que bobinha. somos irmãos e nossa ligação é muito forte.. que sou tão sua amiga e jamais pensaria em deixá-la sozinha. e voei no seu pescoço. — Oh! Daniel. por quê? Daniel agarrou-me pelos punhos com força e fez-me sentar na cama. — Psiu! Minha querida. tenha . Carinhosamente. e só queria ir embora dali. — Por que fez isso comigo. — Não é nada disso. por quê? Eu o amo tanto! Não me faça sofrer. humilhada. Eu não parava de chorar. como sempre fazia. — Acalme-se — disse. agarrando-me a ele. meu ódio aumentou. — Desgraçado! — berrava. Sentia-me traída. porém. ele colocou minha cabeça em seu peito e começou a alisar meus cabelos.o vi. enquanto eu me debulhava toda. Daniela? Você entendeu tudo errado.. pense bem.. Não é nada disso que você está pensando. Daniel. você. — Como não? Eu vi.. — Mas o que foi que você viu? — Aquela metida da Ana Célia toda derretida para você. E você.. Ana Célia não sabe de nosso envolvimento e é natural que tente me conquistar..calma. mas não do jeito como você está falando. sim.. — E de que jeito. Somos . então? — Daniela. todo enrabichado! — O que é isso. ninguém me contou. — Vai agora tentar me enganar que vocês não estavam flertando? — Bem. minha querida. alguma idiota? Posso ser louca por você.. — Você tem razão. Por favor. estamos sempre juntos. Daniel. não digo nada. Ela. se você arranjar outra mulher. Sei que errei e lhe peço perdão. E se eu a repelir. eu o mato e depois me mato. Mas você.amigos. não subestime a minha inteligência. mas não sou burra. Juro que. tudo bem.. . Eu sei o que vi e sei que você e Ana Célia estavam flertando bem debaixo do meu nariz.. ela vai começar a desconfiar. Daniel. Vamos ambos viver no mesmo inferno. — Pare.. você me deve fidelidade. porque não sabe de nosso amor. O que pensa que sou. desculpeme — falou vencido. — Eu o mato. — Eu sei. Prefiro vê-lo morto e a mim também. a vida não valeria mais a pena. só a mim. e ninguém mais o teria. Eu gostava muito de Ana . Eu sabia que ele acreditara em minhas palavras. Se ele ousasse me abandonar. falando sério. Daniel saiu cabisbaixo. O simples fato de imaginar outra mulher a beijá-lo ou tocá-lo me enlouquecia. Daniel me pertencia. que horror! Não diga isso nem brincando! — Não estou brincando.— Daniela. e eu estava. Ao menos no inferno poderemos nos amar sem restrições ou empecilhos. realmente. Nunca falei mais sério em toda a minha vida. Eu jamais poderei suportar perdê-lo para outra. ela era minha amiga.Célia. Mas jamais poderia permitir que ela me roubasse a única pessoa que eu fora capaz de amar no mundo. . fingindo dormir. evitava tudo que não fosse meu adorado Daniel. passava a mão em seu cabelo. procurando me esquivar das conversas. . como se fossem namorados. e eu me sentei no banco de trás. mas eu o evitava. Marcelo tentava puxar conversa. conversando e rindo.CAPÍTULO CINCO Voltamos para o Rio de Janeiro na tarde de domingo. Aliás. enquanto Daniel ia ao lado dela. ao lado de Marcelo. Por vezes. Eu ia calada. O carro era de Ana Célia. numa carícia disfarçada. — Bem. Vamos fazer uma coisa: iremos para casa agora. . e mais tarde. a viagem não foi assim tão cansativa. quem sabe. — Podemos pegar um cineminha. Obrigada.Quando chegamos. porém. Deixe Ana Célia — interrompeu meu irmão. Qualquer coisa. eu telefono. . ainda insistia para que fôssemos a algum lugar. — Acho mesmo que Daniela não está se sentindo muito bem. — Ainda é cedo — disse.Ora. mas estou cansada — desculpei-me. Daniela — falava Ana Célia —. fui logo tratando de me despedir. poderemos sair. E você veio o tempo todo dormindo. Marcelo. alegando cansaço. vocês é que sabem. Daniel.Quando entramos em casa. Ele sabia como me acalmar e me fazer sentir segura. tentando me acalmar. Estava claro que eu o estava perdendo. Daniel chegou perto de mim e me abraçou. não saímos. mas jamais poderia admitir. . — Não chore Daniela. Jamais poderia aceitar. Eu estou aqui. comecei a chorar. Preferimos permanecer em casa. tomou-me nos braços e carregou-me para a cama. e muito menos permitir. vendo que eu não conseguia conter o pranto. Não podia mais suportar aquilo. mais eu me apertava contra ele e chorava. Bastava me amar e me fazer sua mulher. não estou? Quanto mais ele falava. Naquela noite. e respondi: — Melhorei sim. como vai? Melhorou? Olhei para Daniel. — Não acha que devia ir ao médico? — Não se preocupe Marcelo — . perguntando delicadamente: — E então. — Você me deixou preocupado. Na manhã seguinte. que sorriu. Daniela. Foi apenas um mal-estar passageiro. nada de mais. — Não precisava. quando nos encontramos na faculdade. Marcelo. Marcelo veio ao meu encontro e me beijou nas faces. Daniel telefonou para Ana Célia e disse que não podíamos ir.abraçadinhos diante da TV. obrigada. — Que amigos? Eu conheço? .. você entende. fui para casa. não foi comigo e só voltou à noite. — Onde esteve? — perguntei. logo que o vi aparecer na porta. Coisas de mulher... Depois da aula. mas Daniel. — Sozinho? — Com uns amigos. Daniela já está melhor. a pretexto de passar na biblioteca para apanhar um livro. — Uma volta? Mas onde? — Pela praia. — Por aí onde? — Fui dar uma volta..interveio Daniel. Ele me encarou e respondeu de forma vaga: — Por aí. . tentando parecer casual: — Ana Célia também foi? — Por que quer saber? — Não pode me dizer? — Daniela. Daniela. — Pois não devia. é? — Não. atrás dele. — É meu irmão.. não é isso. Não sou seu filho nem seu marido. É que você demorou. fiquei preocupada. — É isso mesmo. . chega de perguntas. Não tem motivo.. fingindo que ia beber água.— Nossa. Abri a geladeira e tornei a perguntar.. sou só seu irmão. Eu me levantei do sofá e fui para a cozinha. Sou grandinho e sei me cuidar. por que esse interrogatório? Por acaso agora preciso de sua autorização para sair. — ... e meu amante. Será que Ana Célia gostaria de saber disso? Ele soltou a garrafa de refrigerante que segurava e me agarrou, sacudindome pelos ombros. — Ficou louca, é? Quer estragar nossas vidas? — Por quê? Por que não podemos dizer a ela, a todo mundo? — Porque somos irmãos. Não entende que somos irmãos, e o que fazemos é incesto? Isso é crime. Não é não. Andei me informando e sei que não estamos cometendo nenhum crime. O que fazemos é antissocial, só isso. — É errado, Daniela, e você sabe. — Mas por quê? O que pode haver de errado no amor? — No amor, nada. Mas o que fazemos não é amor. — Não? E o que é? Sexo? — Pare, Daniela, por favor. Vamos encerrar essa conversa. — Você não me quer mais? — Daniela, ouça, precisamos parar... — Não me deseja mais? Comecei a me despir, tão próxima a ele, que podia sentir seu hálito quente e sua respiração ofegante. — Daniela, por favor... Não lhe dei ouvidos. Completamente despida, eu me acerquei dele e comecei a acariciá-lo e beijá-lo. Eu conhecia o meu poder de sedução sobre ele, e era muito fácil fazer com que ele cedesse aos meus apelos sexuais. Assim, dali a poucos instantes, já estávamos nos amando loucamente, e toda aquela discussão havia sido deixada para trás. Era sempre assim. Toda vez que um de nós cismava com alguma coisa ou iniciava uma briga, o sexo era a maneira mais fácil de resolver o assunto. No meu caso, o sexo vinha acompanhado de uma paixão cega e insana por meu irmão. Eu o adorava e, por mais que fosse viciada em sexo, seria capaz de viver sem ele, desde que ao lado de Daniel, para Daniel e por Daniel. Mas ele não. Eu sabia que ele era atraído por minha sensualidade exacerbada e sem preconceitos. Eu o completava e o preenchia, e sabia satisfazê-lo como ninguém. Afinal, durante todos aqueles anos, eu me esmerara na arte de fazer sexo só para satisfazer os seus desejos. E era exatamente isso que o prendia a mim. Daniel não podia me deixar, não enquanto eu fosse a única a realizar todos os seus desejos e fantasias. Não que ele não me amasse. Eu tinha certeza de que ele gostava de mim. Só que o seu amor, a cada dia, ia se transformando, e eu, em meu íntimo, sentia isso e tinha medo. Medo de perdê-lo para um amor que fosse verdadeiro e livre, como poderia ser o de Ana Célia. Na faculdade, Daniel procurava sempre estar junto de Ana Célia. Eles se sentavam um ao lado do outro, e fui perdendo meu lugar para ela. Sempre que entrávamos em sala, Daniel corria para onde ela estava, e passei a me sentar mais atrás, acabrunhada, até que, um dia, Marcelo me perguntou: — Olhe, Daniela, não tenho nada com sua vida, mas você não acha estranho o modo como trata seu irmão? — O que quer dizer? — retruquei desconfiada. — Não sei. Mas você, de uns tempos para cá, anda muito esquisita. Basta ver Daniel com Ana Célia que... — Cale a boca, Marcelo! — esbravejei. — Você não tem nada com a minha vida e não tem o direito de ficar fazendo insinuações. Era a minha consciência que via acusações onde só existiam palavras. — Ei, calma aí, menina — defendeu-se Marcelo. — Eu não estou insinuando nada. Apenas acho estranho esse seu modo de agir. — Você não tem que achar nada. Daniel é problema meu, e eu sei muito bem resolver os meus problemas sozinha. — Como assim? Agora, quem não entendeu nada fui eu. — Melhor assim — e terminei a conversa, indo sentar-me em outro lugar, longe da companhia dos outros. Eu estava me tornando cada vez mais arredia e comecei a me afastar das pessoas. Não queria conversar com ninguém e só me importava com Daniel. Todo dia brigávamos, porque eu o encostava na parede, indignada com a forma como ele tratava Ana Célia. Discutíamos, eu ameaçava me matar, e a briga sempre terminava do mesmo jeito: na cama. Até que, um dia, não pude mais me conter. Era sábado, e eu resolvera aceitar o convite do pessoal para sair. Fomos a uma boate, Daniel e Ana Célia, como sempre, grudados feito dois apaixonados. Eu nunca havia presenciado nada entre eles e achava que nem estavam namorando. Mas tudo era questão de tempo. Logo que Daniel se desvencilhasse de mim, de meu ciúme, eu tinha certeza de que iria pedir para namorá-la, e eu precisava evitar isso a qualquer custo. Estávamos todos dançando, até que vi Ana Célia cochichar alguma coisa no ouvido de meu irmão e se afastar indo em direção ao banheiro. Mais que depressa, segui atrás dela e entrei no toalete, esperando que ela terminasse. Quando ela saiu, eu estava em frente ao espelho, passando batom nos lábios. Ela me olhou e sorriu, dizendo enquanto lavava as mãos: — Daniela, estou muito feliz que tenha vindo. — É mesmo? Por quê? — Porque gosto de você e porque é minha amiga. — Será? — Será o quê? Não estou entendendo. — Será que gosta mesmo de mim, Ana Célia? Ou será que gosta de Daniel? — Bem, não vejo no que uma coisa impeça a outra. Posso gostar de você e gostar dele também. Vocês são irmãos, e não vejo mal nenhum em gostar dos dois. — Quer dizer então que gosta mesmo dele? — Sim, por quê? Isso a incomoda? — Um pouco. — Por quê? Eu não respondi. Tinha vontade de contar-lhe toda a verdade, deixá-la bem horrorizada para que ela o deixasse, mas temia a reação de Daniel, temia perdê-lo para sempre. Em vez disso, peguei a sua mão e saí puxando-a para fora, procurando meu irmão. Ele estava sentado à mesa com o resto da turma, e nós nos dirigimos para lá. No caminho, eu ia pensando na melhor forma de afastar Ana Célia de Daniel, e uma ideia me ocorreu. Quem sabe não seria melhor fazer o jogo dele? Talvez ele estivesse se afastando de mim porque já estivesse enjoado. Os homens não gostavam de mulher chiclete, e eu, de uns tempos para cá, estava tolhendo demais a liberdade de Daniel, sufocando-o com meu ciúme e meu sentimento de posse. De toda sorte. e lançou-me um olhar indefinível. Estavam tocando uma música lenta. . e encostei minha cabeça em seu ombro. procurando Daniel com os olhos. Quando chegamos junto deles. Ou talvez estivesse confiante demais no meu amor e não imaginasse que eu pudesse trocálo por outro. mas não disse nada. Seria alívio? Contentamento? Ciúmes? Só o tempo poderia dizer.Talvez ele só precisasse de um tempo para experimentar novas conquistas e depois voltasse para mim. e ele aceitou todo feliz. Aproximeime de Marcelo e perguntei se ele não queria dançar. Ele estava perto de nós. lancei para Daniel um olhar de tristeza e mágoa. dançando com Ana Célia. .a semente estava lançada. e eu só tinha que esperar para ver de que lado ela cresceria: se do lado do sol ou da sombra. Já fazia um mês que estávamos saindo. Marcelo. Daniel — cumprimentou ele. indicando-lhe uma cadeira.CAPÍTULO SEIS Marcelo tocou a campainha de nossa casa. e meu irmão foi logo dizendo: . Marcelo se sentou. Tudo bem? — Tudo. um refrigerante? — Uma cervejinha cairia bem. e ele fora me apanhar para irmos ao teatro. Daniel levou Marcelo para a cozinha e colocou a cerveja nos copos. Daniela já está pronta? — Está saindo do banho. — Oi. e Daniel atendeu. Quer beber alguma coisa? Uma cerveja. — Oi. mas não deve demorar. — Eu também. Gosto muito de sua irmã. — O que é? — Lembra-se daquela vez. eu sei. Daniel. mas o que é isso? Então não estão saindo juntos? Mas isso não tem nada a ver. Aliás.— Estou muito feliz que você e Daniela estejam se entendendo. quando você contou sobre a morte de sua mãe e de como Daniela se sentia sobre perder . — Não precisa fingir. você sabe. e ela também gosta muito de você. Ora. — Sim. Queria mesmo falar com você sobre isso. foi até bom você locar no assunto. Sei que Daniela não me dá muita importância. mas acho que Daniela desenvolveu uma estranha obsessão por você.você? — Lembro.... Marcelo.. desembuche logo! — Daniel... não é fácil. — Mas o quê? — Bem. O que tem? — Pois é. homem. é que.. Então não nos conhecemos há bastante tempo? Pode confiar em mim. quero que me perdoe pelo que vou lhe dizer. mas. — Bem.. pare com isso.. fico meio sem jeito.. Fale. ande. Daniel ficou estarrecido. Eu estive pensando e. com medo .. bem. não sei não. — Pelo amor de Deus. — Vamos. . Marcelo. mas não é medo de ficar só. acho que você está imaginando coisas. — Ora.. o modo como fala de você. retrucou acabrunhado: — Por que diz isso? — Não sei. É estranho. O jeito como ela olha para você. Escolhendo bem as palavras. — Mas não é só isso.de que Marcelo tivesse descoberto toda a verdade. de perder você para outra mulher.. É medo de ficar sem você. — Então? Não foi isso o que eu disse? Daniela tem medo de que eu me case e a abandone. sim. Já disse que Daniela tem medo de me perder e de ficar só. Ela tem medo de perdê-lo. — Ouça. sou a única pessoa que ela tem. Ela tem medo é de ficar longe de você. Até você pode ajudar. sem ninguém. então. — Eu bem que gostaria. Você não entende? Daniel entendia muito bem. mas não creio que possa. — Mas não estão saindo? — Estamos. . mas não porque ficará só.— É. Marcelo. Daniela tem medo de me perder. fazia-se de tolo e desentendido. mas isso não quer dizer nada. mas não podia deixar transparecer e. Mas isso vai passar com o tempo. Tem medo de que você dedique seu afeto a outra pessoa. não entendo o que quer dizer. Isso não é normal. — Meu Deus! — Pois é. alguma coisa deve haver entre vocês. Por isso é que lhe digo: Daniela sente uma estranha obsessão por você. — Mas então. e talvez ela precise de ajuda. se saem juntos. Conta as suas aventuras de infância. — Psiquiatra? — Talvez. ela não quer. seus tempos de colégio. sei lá. — Ela passa o tempo todo falando em você...— Ora. como eram unidos e tudo o mais. — Que tipo de ajuda? — Um médico. . Não estão namorando? — Não. tudo bem? — Tudo bem. No caminho para o teatro. Como quem não quer nada. Marcelo. Escutara parte da conversa. indaguei. Só falta pegar a minha bolsa — voltei para o quarto. apanhei a bolsa e chamei: — Vamos? Marcelo se levantou e saímos.Nesse momento. entrei na cozinha. e ela não me agradara em nada. E depois. estalei um beijo na testa de Marcelo e indaguei: — E aí. tentando aparentar naturalidade: — Sobre o que vocês falavam? — Hum? O que disse? . Está pronta? — Estou. Eu estava sendo imprudente e quase me delatara. nem podia ouvir falar em psiquiatra. — Tem certeza? — É claro que tenho. Curiosidade.— Perguntei sobre o que você e Daniel falavam. Ele guiou o carro até a praia e parou. A sessão terminou por volta das dez horas. — Nada de mais. e . e nós ficamos olhando o mar. Estava uma bonita noite de luar. Parados no sinal. Por quê? — Por nada. e nós já estávamos voltando para casa. segurei a mão que Marcelo tinha pousada sobre o volante e convidei com voz melosa: — Por que não vamos até a praia? Ele me olhou surpreso e respondeu: — Para quê? — Para ficarmos um pouco a sós. — Sim. começou a me beijar. apaixonado. sim.. e foi então que sugeri: — Por que não vamos para outro lugar? — Para onde quer ir? . admirando aquela beleza. eu.. Eu me deixei acariciar e confesso que estava até gostando. não sabe? Eu suspirei e respondi: — Sei. Fiquei olhando para ele. Marcelo. os lábios entreabertos convidando-o para o beijo.ficamos ali parados. até que Marcelo começou a dizer: — Daniela. o que foi? — Sabe que gosto de você. e logo suas mãos começaram a deslizar pelo meu corpo. é que você. apontou para ele e perguntou: — Que tal ali? — Por mim.. Ele me olhou em dúvida e ligou o motor.. tudo bem.— Você é quem sabe. seguindo em direção à Barra da Tijuca. diminuiu a marcha. tem certeza de que é isso o que quer? — Mas o que há com você. Para onde quiser. Ao chegar perto de um motel. Marcelo? Por acaso tem medo de mulher. — Qualquer lugar? — Qualquer lugar. é? — Não é isso... . — Daniela. — É que eu. — Mas confuso com o quê? Por acaso pensou que eu fosse virgem. — Quer dizer então que. é que estou confuso e. Eu não o deixei concluir.— É que você me parece tão jovem e inexperiente.. eu? Espere só para ver... nunca a vi com nenhum namorado. sim.. E daí? Está decepcionado? Ele não respondeu e me olhou magoado.. — Escute Marcelo.. — Era só o que me faltava. confesso que pensei sim. por que nunca termina as frases que começa? — Bem. Soltei estrondosa gargalhada e acrescentei irônica: — Inexperiente. é? — Bem... Afinal. Marcelo era um . ao menos para os padrões da época. Daniela. Então qual é o problema? Não pode me aceitar do jeito que sou? — Eu a amo. — Eu não disse isso. tudo bem. Depois de alguns segundos. se não me quer. Dê a volta com o carro e me leve para casa. Acho que estou surpreso. — Gostaria que eu fosse virgem? . Não esperava essa revelação. — Olhe Marcelo. — E daí? — E daí que gostaria que você fosse só minha. respondeu: — Não sei Daniela.rapaz direito e pensou que eu fosse uma moça honesta. Não podia mais prescindir do sexo e mal podia esperar para me entregar a Marcelo. a imagem de Daniel não me saía . foi só. Era como uma necessidade. — Mas você me quer ou não? — É claro que quero. o que estamos esperando? Vamos ou não vamos para o motel? Ele acelerou o carro e entrou. fiquei surpreso. só para poder ter o prazer e o orgulho de dizer que me deflorou? — Não se trata disso. Eu estava louca por aquilo. porém. Quando aconteceu.Queria ser o primeiro. Como disse. Fazia já algum tempo que Daniel não me procurava. e eu não aguentava mais. — Então. Sei que minhas práticas sexuais não eram das mais convencionais. um prazer que ele talvez só pudesse imaginar sentir no leito das prostitutas. Mesmo assim. eu agia como uma rameira. impetuoso e arrebatador. mas era o que sabia fazer. senti imenso prazer nos braços dele. e isso o assustou. . Marcelo era mais carinhoso e comedido. Sim.da cabeça. e eu me imaginei transando com ele. Gostei muito. em lugar de Marcelo. porque. Mesmo assim. completamente despida de pudores ou censuras. dei-lhe muito prazer. quando se tratava das coisas do sexo. mas não pude me conter e comecei afazer coisas que o deliciaram e o chocaram. Ao contrário de Daniel. e me tratou feito uma princesa. é que fiquei surpreso. com seus métodos. essas coisas. ele me deu um rápido beijo. — Surpreso com o quê? — Não sei. não foi? — Confesso que um pouco. Não estou acostumado a esse tipo de amor selvagem — riu e me abraçou. — Ainda mais com uma moça feito você.Quando terminamos. olhou para o teto e perguntou: — Onde aprendeu a fazer isso? — O quê? — Você sabe. não pode . — Por quê? Não gostou? — Não é isso. — Eu o deixei chocado. — E daí? O que tem eu? Só porque pensou que eu fosse virgem. No entanto. — Quem foi o primeiro? Eu não esperava por aquilo e fiquei confusa.aceitar que sou experiente.. não faz. É que. depois de algum tempo. uns treze. entre quatro paredes. Por quê? Faz diferença? — Não. acrescentou: — Posso lhe fazer uma pergunta pessoal? — Pode. tão novinha. . livre e sem preconceitos? Gosto de transar e acho que. — E quantos anos tinha? — Sei lá.. não deveria haver censuras. — Tem razão — calou-se e. logo me recompus e respondi: — Um cara lá da minha terra. e eles jamais iriam aceitar. Você se entregou tão cedo. numa idade em que as meninas ainda são muito bobinhas. — E Daniel? — O que tem ele? . não me entenda mal. Dá para perceber. . se há uma coisa que nunca fui é bobinha. Sempre soube muito bem o que queria.Meu bem. Não é comum. E seus pais? Não sabiam? Eu estremeci e respondi: — Claro que não. É que eu apenas fiquei curioso. meu Deus? Desde quando precisa ser velha para conhecer o amor? Você está é com preconceito. — Não é isso. Já imaginou? Venho de uma cidade pequena.— Mas e daí. Ele estava apaixonado. e nada do que eu dissesse ou fizesse poderia destruir o desejo que sentia por mim.— Ele sabe? Eu pensei durante alguns minutos e falei. É meu irmão e meu amigo. . Agora pare com essas perguntas e venha cá. estudando bem as palavras: — Daniel é diferente. para terminar com aquela conversa que não estava me agradando em nada. e sempre esteve do meu lado. Eu o puxei para mim e o beijei. e nós nos amamos de novo. Embora meu romance com Marcelo estivesse até indo bem. e aquilo me doía imensamente.CAPÍTULO SETE Daniel chegou em casa já passava das dez horas. Havia parado de chateá-lo. ele passou a me tratar com certa distância. na esperança de que ele estranhasse a minha indiferença e voltasse a me procurar. como se fôssemos mesmo irmãos. e eu estava deitada no sofá da sala. em vez disso. vendo televisão e comendo pipoca. Mas. a . porque jurara a mim mesma que iria tentar reconquistá-lo sem forçar a barra e sem fazer escândalos ou dar vexames. Eu sofria em silêncio. que ele não percebeu. Eu gostava dele. Não como o que sentia por Daniel. — Daniela — começou a dizer com voz melíflua —. ele se aproximou de mim e fez algo que havia muito não fazia. Levantou minha cabeça e sentou--se no sofá. O que é? — respondi eu. há algo que gostaria de lhe dizer. Eu me emocionei e cheguei a derramar algumas lágrimas. mas não havia nenhum sentimento mais profundo que me ligasse a ele. Vendo-me deitada. mal contendo a ansiedade. pousando-a sobre seu colo. mas o que sentia por Daniel era inigualável e insuperável.verdade é que ele só me servia sexualmente. . qual não foi minha surpresa quando ele falou: — Gostaria que soubesse que Ana Célia e eu resolvemos nos casar. Furiosa. achava que ele iria me dizer que havia terminado tudo com Ana Célia e me pediria perdão. levantei-me e desferi violento tapa no rosto de meu irmão. Aquilo não podia estar acontecendo. ao mesmo tempo em que rugia entre os dentes: — Seu cafajeste! Como se atreve? Você não pode fazer isso comigo. não podia ser verdade. não . Contudo. Fiquei mortificada. Daremos uma festa de noivado daqui a quinze dias.Em minha inocência. implorando para voltar para mim. . é meu. — Não fale assim. Assim você só vai piorar as coisas. Ana Célia e eu nos amamos. pare com isso. Vou apenas me casar. — Eu também o amo! E muito mais do que aquela magricela.pode! Você me pertence. — Mas eu não vou abandoná-la. Eu fiz de você um homem! — Daniela. menina. — Ah. está ouvindo? Nem que para isso eu tenha que matá-lo. não? Então experimente me abandonar. — Não diga bobagens. ela é sua amiga. — Amiga? Bem se vê o quanto é minha amiga! Mas eu não vou deixar que ela tome você de mim. Você não vai matar ninguém. . não faça isso.. Não posso viver sem você. Só estou com ele por causa do sexo e para fazer ciúmes a você. — Marcelo é apenas um caso. — Está louca. . Não ligo de ser sua amante. Eu não o amo. — Ciúmes? Ficou doida? Pois se eu estou até feliz por vocês.— Dá no mesmo. Eu não me importo. — Não diga isso. desde que você não me deixe. Por acaso vai continuar me encontrando depois que se casarem? — Isso é um absurdo! — Claro que não. por favor — supliquei amargurada —. Daniel. — Mas agora você tem o Marcelo. — É verdade. não podemos viver juntos. Nós somos irmãos. Antes de eu acordar para a realidade e compreender que o que fazemos não é certo. — Por quê? O que pode haver de errado no amor? . — Mas eu não posso ser feliz ao lado de nenhum outro homem que não seja você. — Antes de quê? De virmos para cá? De você conhecer Ana Célia? — Não. caia na real. — Não vivemos até agora? Não temos sido felizes? — Isso foi antes. E torço para que vocês sejam felizes. — Daniela. desde que ele continuasse me amando e transando comigo. eu até me sujeitaria a ser sua amante. — Não acredito. Daniela. Mas nunca que deixasse de me amar. Eu não a amo mais. — Não acredito em você — tornei. com mulher e filhos. Eu fiquei mortificada. Podia aceitar que ele quisesse outras moças. Por isso. por que eu faria isso? — Por causa de Marcelo. Está mentindo só para me punir. O pior acontecera: Daniel deixara de me amar. — Pelo amor de Deus.— Aí é que está. Daniela. magoada. porque eu estou dormindo . Não desse jeito. Só para me castigar. até que ansiasse levar uma vida normal. o que é isso? . — É sim! Mas não precisa. Daniela — implorou. — Não. Sim. A princípio. Está enganada. ele estava implorando. — Daniela.com ele. não diga besteiras. porque sabia que não poderia resistir. E você também me ama. — Ora. ele tirou a minha mão e se afastou de mim. como só eu sabia fazer. É você que amo. — Pare com isso. e mais ninguém. — E o meu corpo? Não deseja mais o meu corpo? Ana Célia sabe fazer o que faço com você? Comecei a acariciá-lo. meu querido. o suor já escorrendo de sua testa. Não é nada disso. Eu não amo Marcelo. não faça isso.. já enfraquecido. não lhe dei ouvidos. Deve estar louco por sexo. não quero. eu o ia acariciando e beijando. Logo você. ainda tentou um último apelo: — Por favor. que sempre foi tão ativo. Daniela.Há muito tempo que não transamos. Ele.. até que tirei toda a sua roupa e não parava de tocálo. Como sempre. — Oh! mas que pena! Pobrezinho de você. . Enquanto falava. — Será que não? Será que Ana Célia o satisfaz tanto quanto eu? — Ana Célia ainda é virgem. não é mesmo? Por que não transamos agora? — Não. Deve estar sentindo a minha falta. espírito fraco. Não entendi muito . e eu podia ver o quanto de prazer ele sentia. foi como se nossos corpos estivessem eletrizados. nós nos amamos feito dois animais. não ficávamos mais do que três dias sem nos amarmos. e quando o fizemos. tanto quanto eu. não teve forças para me repelir e novamente se entregou ao meu amor. fazia já alguns meses que nem nos tocávamos. Depois de tudo terminado. Naquela noite. Mas agora. Ele. ansiava por aquilo. ele afundou o rosto no travesseiro e começou a chorar. e eu me dei conta de que Daniel havia sido feito para mim. assim como eu havia sido feita para ele.E ele. Desde que começáramos nosso romance. mas abracei-o bem apertado e indaguei carinhosa: — O que foi. só penso em sexo. Eu o soltei furiosa e indignada. Sinto que vamos nos destruir. Mas eu não a amo. sexo. meu querido. Como podia ele.bem aquilo.. Daniela! Não posso mais. e nada mais. é o que sinto por Ana Célia. Amor mesmo. depois de uma noite . Quando estou com você. Eu não a amo mais.. depois de tudo o que fizéramos. mas não posso ficar sem o seu corpo. o que aconteceu? Não foi bom? — Oh! Daniela. uma erva daninha que vai se infiltrando e minando todas as minhas forças. Você é como uma cadelinha no cio. de verdade. Você é como um vício. porque precisa de mim e não é homem suficiente para admitir isso. — Sua cadela! Daniel partiu para cima de mim. Daniel! Por que não pensou nisso antes de transar comigo? Onde estava sua consciência quando estava dentro de mim? Onde estava o seu amor por Ana Célia quando suas mãos deslizavam pelo meu corpo e sua boca buscava a minha? Hein? Responda-me! Ou será que não pode? Não pode porque é um fraco. reagi com furor: — Você é que é um animal.inteirinha de amor. . Você não é homem. Daniel. humilhar-me como se eu fosse uma prostituta? Coberta de revolta e ódio. não sem mim. deixando-me ali. Eu comecei a me debater e a chutá-lo. Dali ele partiu correndo para a casa de Ana Célia.tentando apertar minha garganta. ainda que isso significasse o fim daquele romance. tocou a campainha e a criada abriu. arfante. mas também porque sabia que não podia prescindir do meu sexo. o que ele considerava uma traição para com sua noiva. e ele ficou esperando que Ana Célia despertasse. Já era quase de manhãzinha. Por volta das sete horas. a soluçar. Estava roído pela culpa. . sabia que precisava contar tudo a ela. Daniel enlouquecera. não só por haver transado comigo novamente. até que ele me largou e correu porta afora. não posso. — Mas agora? Não pode esperar até a aula terminar? — Não. Daniel? — Precisamos conversar. onde a família tomava o café da manhã. Ele estava cabisbaixo.conduzindo-o para a sala. e a chance de encontrarem . É importante. até que ele parou o carro no Alto da Boa Vista. Já era quase hora de ir para a faculdade e Ana Célia pensou que ele havia passado ali para acompanhá-la. Ao menos ali podiam conversar sem serem vistos. Ela não disse nada e esperou. O lugar era pouco frequentado. e Ana Célia indagou: — Para onde está indo. quase não falava. Ao entrarem no carro. ele tomou a direção oposta à faculdade. — Nossa. está me assustando! Fale logo. começou a dizer: — Ana Célia. Daniel. não é mesmo? — Ela assentiu. — Que assunto é esse. . que não pode esperar e que nos trouxe aqui? Ele a encarou e. — Muito bem — disse ela.algum conhecido era bastante remota. tão urgente. logo que ele estacionou. com lágrimas nos olhos. Mas por que isso agora? — Porque o que vou lhe contar é extremamente grave. — Você não duvida disso. sabe que a amo. mas é exatamente porque a amo tanto que tenho que lhe contar. duvida? — Não. não duvido. tem que me prometer que irá tentar compreender e me perdoar.. . então? Vamos.. não precisa se preocupar. e você é homem. Com quem andou transando? Por acaso eu a conheço? — Conhece. Sei como são essas coisas. Daniel. Afinal. Daniel. — Perdoar? Por quê? Daniel.. — Mais ou menos. ainda não somos casados. — Pelo amor de Deus.— Antes.. — Como assim? Foi com alguma vadia? Se foi. fale. Não é isso. — É alguém da faculdade? — É. — Não? Mas o que é. não vá me dizer que andou me traindo. fale de uma vez. . com. — Com quem.... Vamos... Ele só podia estar brincando. — Você ouviu muito bem. meu Deus? Ele se encheu de coragem e confessou: — Com. — Foi com. — Como é que é? Será que ouvi direito? — Sim — respondeu ele com voz sumida. com.. é exatamente o que vai fazer. Não pense que vou embora sem saber quem é. .— Não posso! — Ah! Pode sim. conte logo ou nunca mais volto a falar com você. Se veio aqui para me contar. Daniela! Ana Célia olhou-o incrédula.. Aquilo era demais para ela. ouviu? É até pecado inventar uma coisa dessas. Ana Célia. Daniel estava envergonhado. ele sabia. — Você só pode estar brincando. Aquilo era uma indignidade. acredite. — Nunca falei mais sério em toda a minha vida. . Mas é uma brincadeira de muito mau gosto. Deixe de onda e conte logo de uma vez com quem andou dormindo! — Já disse. — Você não pode estar falando sério. Eu jamais brincaria com uma coisa assim.— Você disse que transou com Daniela? Sua irmã? — Disse. É verdade. com minha irmã. Como pôde beijar-me. Mas estava arrependido e queria livrar-se daquela maldição. até aquela última noite. tocarme com essas mãos conspurcadas pelo sexo de sua própria irmã?! — Por favor. o que você está dizendo é asqueroso. contou tudo o que acontecera entre nós.mas não podia mais esconder. desde quando começamos nosso caso. Aos poucos recobrando o ânimo. Como pôde ter coragem de praticar uma infâmia dessas? Incesto? É isso o que vocês são: dois incestuosos nojentos! Tenho nojo de você. é repugnante. Ana Célia. tente . porém. impregnada por tantos preconceitos. ainda meninos. Ana Célia. retrucou com desdém: — Daniel. não acho. indecente. somos um homem e uma mulher. Afinal. porque não têm a menor noção de moral. Nós não planejamos nada disso. Simplesmente aconteceu. Mas não é tão repugnante como você faz parecer. — Compreender o quê? Que vocês são dois animais? Só os animais fazem sexo com suas irmãs. — Simplesmente aconteceu? Mas como? Acha isso normal? — Normal. e não posso perdoar tamanha obscenidade! — Ana Célia. sua moral de homem digno e honesto? O que vocês fizeram foi imoral. . Onde está sua moral cristã.compreender. não é bem assim. Mas seres humanos não. .. — Não. — Ana Célia. Você e sua irmã. . perdoe-me. — Os laços de sangue devem falar mais alto do que qualquer desejo e são um obstáculo intransponível ao amor carnal! — Mas Ana Célia.e o desejo surgiu em nós de forma espontânea e natural. Agora leve-me de volta... não diga mais nada. Não quero vê-lo nunca mais. Daniel. Aquela fingida. Agora compreendo. Não posso viver sem você. Não quero ouvir nem mais uma palavra dessa infâmia. não faça isso! Por favor. e seu pecado não merece perdão. Eu a amo muito e estou arrependido do que fiz. — Não. você pecou. — Ana Célia.— Por favor. Nem Deus irá livrá-los de um . Nem vou mais voltar para casa. O que vocês fizeram não merece perdão. Prometo que isso nunca mais vai acontecer. Ela é um exemplo de virtude. eu a estou julgando muito bem. — Oh! não. Daniel. Ana Célia. Vou pedir ao Marcelo para ir lá e pegar minhas coisas e prometo nunca mais tornar a vê-la. — Quem entendeu tudo errado foi você. porque me interpus entre vocês dois. não é nada disso. Onde já se viu? — Por favor. — Não. não é mesmo? Eu é que não presto. me dê mais uma chance. não a julgue mal. não posso perdoálo. Você está entendendo tudo errado. — Então? Por que não me dá mais uma chance? Afinal. estou lhe implorando. Por acaso deixou de me amar? Ela hesitou e respondeu: — Bem. Às vezes. Mas incesto? É repulsivo.... — Você está sendo muito severa. fui sincero com . não cometi nenhum crime. Ana Célia.castigo impiedoso. Não matei ninguém. não posso dizer que deixei de amá-lo de uma hora para outra. e vocês irão queimar no fogo do inferno.. — Seria mais fácil entender um crime do que essa imoralidade. Por favor. não. mata-se por desespero e depois se arrepende. Afinal. — Mas eu também estou arrependido. ela mesma acabaria me contando. Daniel. Mas eu contei primeiro. Ao final de alguns minutos .. O que você fez é muito grave. E fiz isso porque a amo e porque quero que nossa relação seja a mais sincera e verdadeira possível. mas que deixou Daniel apavorado.Duvido. e você nunca ficaria sabendo. não sei não. não fui? Podia não ter lhe falado nada. — Hum. Será que não pode nem ao menos pensar? Por favor.você.... Do jeito como Daniela estava enciumada. . — Eu sei e é exatamente por isso que estou lhe pedindo perdão. Ana Célia fez um ar de mistério nada casual. Daniel saiu dali cheio de esperanças. a despeito de toda a sua incompreensão. em que ela parecia pensar. E ela. Mas não posso garantir que vou perdoá-lo. . Amava Ana Célia e não queria perdê-la. retrucou incisiva: — Está certo. com a condição de que ele nunca mais voltasse a me ver. Em nome de nosso amor. Daniel. acabou por perdoá-lo. prometo pensar.de silêncio. Conforme prometera a Ana Célia.CAPÍTULO OITO Daquele dia em diante. e ele alugou um apartamento só para ele. Marcelo chegou meio sem jeito. Marcelo foi buscar suas coisas. insinuando que eu estava me intrometendo demais na sua vida. Daniel não voltou mais para casa. mas não esclareceu o motivo. Marcelo era bom amigo e não fez perguntas. não sabia o que havia acontecido. bem longe de mim. sem nem sequer me deixar o endereço. Daniel dissera-lhe que nós havíamos brigado. Logo que abri a porta do meu . a xícara fumegando em suas mãos. eu estava chorando copiosamente. banhou-me e me deitou na cama. uma briga entre irmãos não era motivo para tudo aquilo. soltou uma exclamação. de tão alcoolizada. não entendeu bem o que estava se passando. talvez movida pela carência ou pelo vício. quando voltou. e ele se assustou. Em seguida. Afinal. Meu estado era lastimável. Ele me abraçou e me conduziu para o banheiro. Quando senti sua proximidade. Despiu-me. foi para a cozinha fazer café e. A princípio. não sei bem.apartamento e ele me viu. Eu estava cheia de olheiras e tropeçava toda vez que tentava me levantar. tentei abraçá-lo e puxá-lo para . . eu sei que é. beijando-me apenas com carinho. Ana Célia me odeia. sem desejo. — Não é não. e agora ele se foi. Daniela. Daniela. Com voz sofrida.mim. ele acariciou meus cabelos e forçou-me a beber o café. Calmamente. respondi: — Oh! Marcelo foi a Ana Célia. Aí então eu desabei. não quer me contar o que realmente aconteceu? Olhei para ele e recomecei a chorar. perguntou olhar sério: — Muito bem. o que acabou por me revigorar um pouco. dando murros na cama. Em seguida. Ela me envenenou com Daniel. — É mentira. Mas ele recusou delicadamente.. . Estava arrasada. — Algo me diz que você e Daniel. — E o que foi? — Olhe Daniela. Não é nada disso.. Mas creio que você e Daniel enveredaram por um caminho deveras espinhoso. — Porquê? — Quer que diga a verdade? — Por favor.é verdade. Sei muito bem o que andou acontecendo por aqui. que você e Daniel ... não quero que pense que eu a estou julgando ou condenando.. bem. — Pensa que sou algum idiota cego? — O que quer dizer? — Quero dizer que não sou tolo nem ingênuo. Pensei que ele fosse fazer algum tipo de comentário maldoso ou me recriminar. em vez disso.andaram. e não pude suportar. que vocês tiveram algum tipo de... ele me abraçou bem forte. Não tinha coragem para encará-lo e fiquei ali. e me agarrei a Marcelo como se ele fosse alguma espécie de tábua de salvação. derramando lágrimas sentidas sobre ele. a vergonha de haver sido descoberta me desconcertou. e era como se aquele abraço tirasse de mim o peso de todos aqueles anos em que nos . ou melhor. Só conseguia chorar e chorar. da obsessão que sentia por Daniel. agarrada ao seu pescoço. mas. relação. Eu desmoronei de vez.. Apesar do amor.. — Como você descobriu? Daniel lhe contou? — Não. pela maneira como se falavam. eu.. julguei que fosse apenas um amor platônico e não imaginei que Daniel estivesse . Eu mesmo percebi tudo. e nem precisava..entregáramos àquele amor ilícito e destrutivo. principalmente pelo modo como você o tratava. não sei o que dizer. A princípio. — Então não diga nada. — Como? — Pelo jeito como se olhavam. Ao final de alguns minutos eu já estava mais calma e consegui conversar com ele: — Marcelo. Não só você o ama. Não estou certo? Abaixei a cabeça e respondi quase num sussurro: — Está. Falou que não me amava e que .envolvido. do seu estado. não paramos mais. não tive mais dúvidas. Parecia-me que apenas você o desejava. mas não pude evitar. depois do que vi aqui. Oh! Marcelo. passou a me evitar. Tudo começou quando ainda éramos meninos e. depois que Daniel conheceu Ana Célia. desde então. não pudemos evitar. Mas agora. Mas depois de hoje. mas o que posso fazer? Sei que é errado. das meias palavras de Daniel. e nós acabamos brigando. mas também já mantiveram intensa relação amorosa e sexual. Ele me disse coisas terríveis. — Não posso aceitar. ele disse isso na hora da raiva. . pensei que fosse durar para sempre. e essa cumplicidade.eu só servia para o sexo. serviria para nos manter unidos para o resto de nossas vidas. na vergonha e na ilicitude. — Não. Quando começamos nosso romance. éramos cúmplices. não. Enquanto não havia mais ninguém. pense bem. mas agora sou um traste velho e usado.Daniela. Vocês são irmãos. Era . Que futuro poderiam ter juntos? Daniel só está tentando ter uma vida normal. — Provavelmente. e ele não me quer mais. Éramos mais do que amantes. Ele falou sério. eu servia. Ele me pertence. Daniel e eu. pela qual é responsável.como um pacto. e cada ser humano possui a sua. dividimos o mesmo útero. — Daniela. e me abandonar. e eu pertenço a ele. mas nunca a mesma alma. Demônios não existem e são criação de nossas mentes fantasiosas. Jamais poderia supor que um dia Daniel fosse me trair. se você acredita em . Temos o mesmo sangue. — No entanto. Não é justo. temos a mesma alma. A alma é única. Vocês podem dividir muitas coisas. parte do mesmo demônio? — Não diga uma bobagem dessas. — Será? Não seremos. rompendo nosso pacto. isso que você diz é um absurdo. e aquilo me impressionou. Se assim o fizesse. comecei a . Nunca o havia ouvido dizer aquelas palavras. Olhei para Marcelo profundamente admirada.Deus. — É exatamente por acreditar em Deus que não posso aceitar a condenação de seus filhos a uma punição eterna. e ele nada mais seria do que um implacável vingador. sua bondade não seria verdadeira. pronto a executar os espíritos em queda. Estranhamente. Deus é a bondade suprema e jamais consentiria que as suas criaturas padecessem para sempre em agonia. sem qualquer oportunidade de arrependimento ou perdão. deve concordar que nós estamos condenados ao fogo do inferno. mas também para as dores do mundo. — E que conforto é esse? — É o espiritismo. minha querida — respondeu ele sorrindo. — Ah! Não. como se o meu pecado não fosse assim dos mais terríveis. acabou encontrando um pouco de conforto. O que você é? Alguma espécie de padre? — Não. como se ainda houvesse algum tipo de salvação. eu nunca o vi falar assim. .me sentir mais calma e reconfortada. de tanto procurar. não só para minhas dores. essa não. Estava emocionada e retruquei com voz embargada: — Marcelo. Marcelo. — Eu sou apenas alguém que. um rapaz inteligente. se deixar levar por essas crendices? — Não são crendices. — E que espírito seria esse? — Na verdade. São verdades irrefutáveis e de profunda beleza.Mas logo você. — Por que não vem comigo ao centro espírita que frequento? Pensei durante alguns segundos. são muitos espíritos que. — Tudo muito bonito. de boa vontade. que só um espírito de grande sabedoria seria capaz de ensinar. até . se dispuseram a nos ensinar a compreender nossos processos de amadurecimento. mas não entendo qual a utilidade prática. transformando-os em sábias lições para o futuro. isso lhe trará conforto espiritual. — Engana-se. — Diz isso só porque está com ciúmes. — Isso é loucura. Daniela. minha querida. Sei que suas intenções são boas. — Então não. mas não é disso que preciso. Não sinto ciúmes de seu irmão. mas sim . Daniel é proibido para você. — Tem certeza? De que precisa então? — De Daniel. Marcelo.que respondi com outra pergunta: — Isso me trará Daniel de volta? Ele me olhou profundamente penalizado e respondeu: — Não. obrigada. não para tê-la ao meu lado. logo que me dei conta da situação.pena. Pena de vocês dois. enganou a você mesma. pensei que você gostasse um pouco mais de mim e fiquei um pouco frustrado. Mas eu a amo muito e estou disposto a fazer tudo o que estiver ao meu alcance. mas não do jeito que eu imaginava. Confesso que. mas um certo desgosto. — Mas eu gosto de você. — Sim. eu a amo e pensei que você também gostasse de mim. senti não ciúme. — Será? Não se sentiu traído por eu estar dormindo com você e com ele? — A quem pensa que enganou? A mim? Não. mas para curá-la dessa . sim. minha cara. Enfim. Afinal. Você é liberal demais. e isso me assustou. — Não. — Por quê? — Já disse. Já estou perdida e não posso mais resgatar minha honra. não.obsessão doentia. Não merece uma moça feito eu. Por mais que eu tente colocar a . — No entanto. — A honra de uma pessoa não está em seu sexo. — Marcelo. porque a amo e quero ver você bem e feliz. Eu fiquei surpreso e chocado. livre dessa prisão em que você se atirou. absolutamente. você quase me abandonou quando soube que eu já não era mais virgem. foi só. você é um bom rapaz. mas em seu coração. inteligente e honesto. sou também um homem e. — Marcelo. Erra -se quando se faz do sexo não um complemento do amor. às vezes. não compreendo você. Não há nada de errado com o sexo. do qual nos tornamos escravos em virtude de nossos vícios. mas uma fonte de prazer desenfreado e inconsequente. Você fala como um monge. Mas eu aprendi que nem sempre a ética social está condizente com os verdadeiros valores morais. antes ou depois do casamento. é difícil pôr de lado certos conceitos e valores que nos foram passados de geração em geração e que já fazem parte de nosso código de ética social. no entanto.espiritualidade acima de tudo. fez sexo comigo sem nenhum . sem freios ou limites. Sexo não precisa ser sinônimo de devassidão. E o desejo. Só quem faz do sexo um vício. teria feito sexo com você de forma responsável. Provavelmente. não. Daniela. com respeito e dignidade. — Então você admite que dorme com mulheres que não ama? . faz parte da natureza humana. como tudo o mais. de qualquer sorte.constrangimento. é que incorre num desvio de conduta. Eu não poderia fingir que não a desejava. Porque eu a desejava também. Mas. — E se não me amasse? Você me teria rejeitado? — Não sei. — Porque a amo. Já dormi até com mulheres de vida fácil e confesso que senti prazer com isso. dispensando-lhes o mesmo tratamento que dispenso a qualquer outro ser humano. Cada um está . Elas seguem o caminho que escolheram para si próprias e muitas lições devem tirar de sua infeliz condição. admito. Mas isso não exclui o fato de que eu sempre as respeitei e as tratei com dignidade. aprendendo que os desvios da vida conduzem todos ao mesmo lugar. que é o crescimento moral.— Sim. — E você acha que é certo? — Quem sou eu para julgar? Todos nós temos nossas dificuldades e não podemos nos julgar melhores ou piores do que nossos irmãos. e eu queria muito . que já alcançou um estágio superior em seu aprendizado. Eu estava profundamente admirada e emocionada. um dia. ela já é capaz de aprender os primeiros números. porque ela não alcançou ainda maturidade suficiente para aprender. No entanto. também chegará. porque isso é algo que está mais condizente com a sua maturidade naquele momento. Não adianta querer ensinar trigonometria a uma criança do jardim de infância. ao qual a criança.onde deve estar e aprende aquilo que tem capacidade para compreender. Mas não podemos dizer que a criança é inferior ou menos inteligente do que o adolescente. Aquelas palavras eram mesmo reconfortantes. julgava que Marcelo tentaria . Ao contrário. O que fiz foi rejeitar a ajuda que Marcelo queria me dar. e eu não estava ainda pronta para abrir mão de Daniel. naquele momento. porque aquela doutrina não me prometia trazer de volta o ser amado. e não adiantava tentar me ensinar algo que eu não podia compreender. Eu. Por mais que a minha alma ansiasse por seguir aquelas palavras. o meu temperamento rebelde e apaixonado recusava-se a aceitar um caminho que não fosse o desejado. eu estava ainda no lugar da criança.acreditar que a minha salvação estava ali. porque aquela ajuda não era a que eu esperava. em minha ignorância. No entanto. tudo faria para que eu não mais o desejasse. mas um amor abnegado e cheio de compreensão. Eu estava cega e jamais poderia enxergar algo que estava muito além de minhas possibilidades.me fazer parar de amar meu irmão e não pude compreender que o que ele tentava era. exatamente. Não aquele amor possessivo e mesquinho. . fora o caminho que eu escolhera: o caminho da dor. mostrar-me o caminho do verdadeiro amor. Só o tempo e o sofrimento poderiam me ensinar. Afinal. e era preciso que eu amargasse muito no pranto para aprender. eu não sabia que ele havia contado tudo a Ana Célia. Por outro lado. parecia não haver mais nenhum sentido em continuar. Nosso segredo passara a ser um . agora que ele não me queria mais ver. as aulas representavam um pretexto para estar perto de Daniel e tentar falar com ele. Durante uma semana. Afinal. e. não compareci à faculdade e já não tinha mais vontade de ir. mais ou menos. só me matriculara naquele curso para ficar perto de meu irmão. Até então.CAPÍTULO NOVE Depois da conversa que tive com Marcelo. Nem Marcelo sabia. meu coração parecia haver se acalmado um pouco. quando apareci na faculdade. tudo faria para continuar mantendo as aparências. que eu estivesse ali para ficar mais perto de Daniel. E assim eu fiz. Sabendo de minha volta. Marcelo entrou pouco depois de mim. puxava conversa descontraído. cheguei cedo e fiquei esperando o resto da turma aparecer. envergonhada por nós. sentado ao meu lado. queria estar ao meu lado. deixei parecer. para me dar força e me apoiar. Ele não imaginava. contudo. muito menos que eu fosse tentar reatar meu romance com ele. ou melhor.segredo deles. Na semana seguinte. Sua opinião era que eu deveria continuar tocando a minha vida. falando . Marcelo. e Ana Célia. e Ana Célia nem se deu ao trabalho de me cumprimentar. Finalmente. coração em disparada. mas a verdade é que. olhava para a porta. na esperança de ver meu irmão entrar. Logo que me viu. eu me sobressaltava. Daniel. Pensei que ele ainda estivesse chateado comigo e já ia saindo . a todo instante. balbuciou um oi quase inaudível e passou reto. um pouquinho antes da chegada do professor. Daniel entrou sorrindo. A cada aluno que chegava. Eu fingia prestar atenção. e ele abaixou a cabeça meio acanhado.de um novo filme que estreara no cinema. de mãos dadas com Ana Célia. o sorriso murchou. muito sem jeito. Eu me levantei eufórica e corri para eles. pensando que fosse ele. Eu esperava que o sinal anunciasse o intervalo para poder falar com Daniel. quase desfalecendo ao lado de Marcelo. não consegui pensar em nada que não fosse Daniel. Não prestei atenção no que o professor dizia. e Marcelo pôde notar a minha angústia. Mas nada. No final das aulas. Durante os cinquenta minutos seguintes. Daniel e Ana Célia já iam saindo quando me coloquei na frente deles e interpelei: — Daniel. e eu voltei para o meu lugar.atrás deles quando o professor entrou. e eu ficava desapontada. não pude mais me conter. A cada intervalo. será que eu poderia . Daniel e Ana Célia saíam apressados da sala. e eu insisti: — Por favor. Daniel. não insista. — Ana Célia. Já disse que não temos mais nada para conversar. — Mas. Tivemos uma briguinha. por favor. convença- . Ele me evitava cabisbaixo. Daniela. — Não. Daniela. Não temos mais nada para conversar. Você não pode me ignorar só por causa disso. Não queria me encarar e respondeu acabrunhado: — Sinto muito. coisa normal entre irmãos.falar com você? — ele me olhou em dúvida. você não pode estar falando sério. Como não? Sou sua irmã e preciso falar com você. é só um instantinho. você é muito cínica. não sei. — Ouça aqui.o. então não tem. Se Daniel diz que não tem mais nada a lhe dizer. — Mas o que há com você? — indignei-me. Por favor. para que possamos esclarecer. Daniela. — Não? Por quê? O que foi que lhe fiz? — Não sabe? — Não. digame. — Sempre foi minha amiga e agora me trata desse jeito? — Não sou mais sua amiga. a você também. se lhe fiz alguma coisa. — Sinto Daniela — respondeu Ana Célia com frieza —. mas não posso ajudar. Depois de tudo o que fez. ainda pensa que pode me cobrar alguma . coisa? — Mas. o que não creio. foi à igreja e se confessou. e não tem a menor noção de moral. por favor. Arrependeu-se de toda aquela infâmia e sujeira. Você é uma moça cínica. Daniela. E se você tiver um pingo que seja de vergonha. e não quer mais nada com você.. nunca mais volte a falar conosco. Seu irmão agora mudou. está muito enganada. Ana Célia. Agora . Quero apenas entender. não estou cobrando nada.. fingida e vulgar. Se pensa que pode aliciar Daniel para sua vidinha de pecados. não quero mais assunto com você. — Chega. Não é possível que você tenha tomado as dores de meu irmão e se voltado contra mim. Logo você. Marcelo. sem nem olhar para mim. Daniel contaralhe tudo. Se tivesse uma arma ali. menina. Você não tem que ensinar nada a ninguém. teria matado aquela esnobe. Estava confusa. cheio de autoridade. Não temos mais o que fazer aqui. — Não — disse ele. e comecei a chorar. Ele se foi. magoada e com raiva. uma criminosa. — Pare com isso. .com licença. naquele momento. — Solte-me. Preciso ensinar uma lição àquela metida. Saiu arrastando Daniel pela mão. e ela me tratara como se eu fosse uma aberração. Já ia saindo atrás deles quando senti a mão forte de Marcelo segurando o meu braço. . ajude-me! Traga-o de volta para mim. Esse relacionamento de vocês é extremamente pernicioso e prejudicial para ambos. não tenho a menor intenção de passar-lhe um sermão. E mesmo que pudesse. — Oh! Marcelo — desabei. — Daniela. Nem sou a pessoa mais indicada para isso. Não estou a fim de sermão hoje. Mas não vou deixar que você saia daqui e se machuque ainda mais. mas não posso.Você é quem tem muito que aprender. Daniela. Por favor. — Não me venha com suas lições de moral. não o faria. Muito menos que faça uma besteira qualquer. — Não sei mais o que fazer! Não posso viver sem Daniel. — Sinto. Eu lhe preparo um almoço especial. — Bom. — Pego no trabalho daqui a uma hora e ainda nem almocei. Vou levá-la para casa.. e aquela separação era como se eu tivesse perdido metade da minha vida. — Não seja por isso.Agora. Não podia ficar sem Daniel. e eu precisava ter Daniel de volta. sabia que ele estava certo. . mas não queria aceitar. se é assim. convidei Marcelo para entrar. Saí acompanhando Marcelo sem protestar. — Mas não posso demorar — disse. e ele aceitou. Quando chegamos ao apartamento. A vida não tinha mais sentido. venha. No fundo.. — Então. Enquanto ele comia. E você? Não sente falta de mim? Ele me olhou com ternura. não é? — Ele assentiu. — É? — fez ele meio incrédulo. — As aparências enganam. eu ia falando: — Sabe Marcelo. Soltou o garfo e acariciou a minha mão. e seus olhos me diziam isso. Em segundos. tenho sentido saudade de nosso namoro. por que não me .Fomos para a cozinha e eu lhe preparei a minha especialidade: espaguete com molho de tomate. já o estava despindo e dizendo ao seu ouvido: — Você gosta de mim. — Não é o que parece. Eu sabia que ele me amava. e logo o abracei e comecei a beijá-lo. . tenho que ir. Daniela.ajuda? Sabe que posso lhe dar o que quiser. Marcelo me . fique mais um pouco. Ele tentou se soltar de mim. já estávamos despidos. — Não.. Ainda não terminamos. — Então. e ele balbuciou: — Por favor. não é bom? Dentro de instantes. Preciso ir trabalhar.. e nos amamos intensamente. mas eu insisti.. nos braços um do outro. já está na hora. — Pare com isso. qualquer coisa. — Não me deseja mais? Já se esqueceu de como nos amávamos? — ele já não tinha mais forças para resistir e começou a ceder aos meus apelos. porém. não se ofenda. é? O que pensa que sou. Ainda o acariciando. sugeri: — Por que não me ajuda. Marcelo? Se me ajudar com Daniel. pouco ou nada interessada em seus sentimentos. os três. . algum tipo de degenerado? — Por favor. Eu apenas pensei que me amasse.amava. via nele um possível aliado na conquista de Daniel. Eu. Eram amigos. ele conhecia o nosso drama e bem poderia convencê-lo a voltar para mim. Não gostaria de transar a três? Ele afastou a minha mão e respondeu horrorizado: — Ficou louca. poderemos ser muito felizes. e cada gesto seu demonstrava o quanto era verdadeiro aquele amor. por mais que a ame. sim. tanto que me casaria com você mesmo conhecendo seu passado. você está confundindo as coisas. Contudo. tenho minha dignidade e não poderia descer tão baixo só para satisfazer os seus . — Pode chamar como quiser. é promiscuidade sim. Sou liberal. — Quem falou em promiscuidade? Pensei que você fosse mais liberal. mas isso não significa que esteja disposto a abandonar meus valores e princípios para me enfiar de cabeça em uma relação promíscua e doentia.— Eu a amo. me desculpe. Ainda mais com o irmão da mulher que amo! — Mas que preconceito bobo. Mas sexo a três. — Daniela. Nem sequer poderia me olhar no espelho. Quero ajudá-la. preciso pensar em mim. Amo-a. não vou fazer. em meu orgulho. Daniela. Daniela. porque o que sinto por você é amor. Só Deus sabe o quanto. pois teria perdido o respeito por mim mesmo. Acima de você. estaria era compactuando com essa vida desregrada que você insiste em seguir. e muito. — . E isso. mas não vou me violentar nem me anular. não poderia dizer que a amo. — Saia daqui! — gritei furiosa.desejos. Meu amor por você não vai ao ponto de me humilhar e rebaixar. Mas não tente me usar. sim. não uma obsessão doentia. em minha dignidade. Se assim o fizesse. na verdade. Eu podia ler em seus olhos toda a mágoa que lhe ia no coração. Meu amor por Daniel era tão forte que eu seria capaz de qualquer coisa só para tê-lo ao meu lado. Usaria o que estivesse ao meu alcance. Ele apanhou suas coisas e saiu.Vá embora! Você não serve para mim. e comecei a chorar. em desespero e. por mais que soubesse que o que estava fazendo era loucura. e não quero mais saber de você! Marcelo se levantou em silêncio e começou a se vestir. pisando em seus sentimentos como se faz com as formigas. Estava humilhada. sem dizer palavra. Eu fora cruel com ele e tentara usar o seu amor para alcançar meus objetivos. não conseguia evitar. desde . destruir. No fundo. nem nada. e eu acabara de enxotá-lo dali. Deixara algumas tias lá no interior. já não os tinha. e a amizade que me ofereciam era interesseira e coberta de bajulações. era meu único amigo. Só me restava Marcelo. Nem parentes. Os poucos que fizera também não me queriam mais ver. Ele era um cara legal e não merecia aquilo. pisar e até de matar. eu lamentava por Marcelo. De repente.que isso me desse alguma esperança de reconquistar o amor de meu irmão. dei-me conta de que não possuía mais ninguém no mundo. mas elas só se interessavam pelo meu dinheiro. Amigos. porém. nem amigos. Seria capaz de mentir. . Além disso. mas não pretendo me afundar. e ele não pôde me abandonar. contudo. quero ser seu amigo e só. chega de sexo entre nós. Por isso. de hoje em diante. mas também não posso abandoná-la. Quero ajudá-la. era verdadeiro e desinteressado. mas me amo muito também. mas também não quero sofrer. Ao contrário. Não vou mais permitir que você me use. Por isso. ao me ver na faculdade. eu a amo demais. Não quero que você sofra. no dia seguinte. .como se fosse um cachorro vira-lata. sentou-se ao meu lado e segurou a minha mão. falando com tanta compreensão que meus olhos se encheram de lágrimas: — Daniela. O amor de Marcelo. Estava feliz. . Ao menos sabia que podia contar com um amigo. o que só agora eu começava a valorizar.Apertei a sua mão e agradeci com um sorriso. CAPÍTULO DEZ Daniel e Ana Célia não apareceram mais na faculdade. Seus pais não sabiam de nada. que era desembargador do Tribunal de Justiça. . por colegas. Uma desculpa esfarrapada e infame. apenas que Daniel e eu havíamos brigado por causa da herança da família. mas tinha medo de me aproximar da casa de Ana Célia. Eu quase me desesperei. Soube. mas era a única que eles podiam apresentar. que eles haviam pedido transferência para outra universidade. o que conseguiram graças à influência do pai de Ana Célia. Precisava descobrir onde ele morava. que horror! Você fala como se aquela vida fosse algum tipo de praga da qual se deve afastar. e eu sabia que estava mentindo. — Por que será? — Não sei.— Você sabe onde Daniel está morando? — perguntei um dia a Marcelo. como quem não quer nada. Nossa. Marcelo. — Não — respondeu ele secamente. — Ele não me disse. desde aquele dia na faculdade. Aliás. Talvez Daniel não queira mais nenhum contato com nada que lembre aquela vida. — E será que não é isso mesmo? — Não concordo. Sabe que éramos . já não nos falamos há muito tempo. Não tinha interesse algum por aquilo. comecei a me sentir um pouco mais livre e tinha mais tempo para pensar. num .inocentes. Precisava descobrir o endereço de Daniel e resolvi contratar um detetive. de me formar. Não tinha vontade de estudar. Liguei para o escritório do homem e marquei uma hora. de perder o meu tempo enfurnada em algum escritório. nunca tivera. desenhando casas e pontes. Procurei nas Páginas Amarelas e logo encontrei um que me serviria. não quero brigar. Eu também parei de ir à faculdade. — Está bem. Depois que abandonei o curso. Era no centro da cidade. Daniela. Assim que o vi. meu coração disparou. e o homem parecia competente. Ele estava lindo. uma foto de meu irmão e fui para casa. Atravessei a rua correndo e alcancei-o no saguão do edifício. fui para lá e postei-me do outro lado da rua. e quase chorei. Já eram quase sete da noite quando ele apareceu. . De posse do endereço. e eu o amava mais ainda do que antes. Mas o escritório era grande. Daniel alugara um apartamento no Leblon. Descobrira o endereço. bem em frente ao prédio.prédio meio antigo. o que fora bem fácil. Dei a ele todas as informações necessárias. No dia seguinte ele me telefonou. perto da casa de Ana Célia. . mas reconsiderou e virou-se lentamente. também sinto a sua. Daniela. — Mas. os olhos já úmidos refletindo a imensa dor que sentia. Daniel.. Estava sofrendo... quis abraçá-lo. mas ele me evitou.— Daniel — chamei emocionada. tão frágil e desamparado. não faça isso — pediu quase em desespero. Ele se virou abruptamente e... eu sabia. olhou indeciso na direção do elevador e ameaçou fugir. quando deu de cara comigo. — Oh! Daniel! . — Você sente? — Sinto. — Eu sei. estou sentindo a sua falta. e quando o vi ali. — Por favor. apenas deixou-se abraçar. Daniela. Precisamos conversar. colocou os braços ao meu redor e foi apertando.Atirei-me em seus braços. vamos subir. Nós nos amamos com paixão. só que dessa vez ele não me repeliu. e ele sussurrou em meu ouvido: — Venha. Quando chegamos ao seu apartamento. até me envolver completamente. apertando. Mas depois. A princípio. Eu chorava de mansinho. como fazíamos . Eu estava em êxtase e não podia perder um minuto sequer daquele momento. sentindo meu corpo trêmulo colado ao seu. ele me tomou nos braços e começou a me beijar. o corpo ardendo de desejo. Subimos abraçadinhos. Por que nascêramos irmãos? Por que o destino fora tão cruel conosco. ao mesmo tempo. encheu-me de prazer. mas aquilo não me incomodou. Era uma alegria sem igual. pensei que Daniel fosse outra pessoa. um torpor que me ia amolecendo a alma. quase como num sonho. e Daniel passou então a ser várias pessoas ao mesmo tempo. Ao contrário. e mais outra. inseparáveis como irmãos xifópagos. a ponto de nossa união ser a única responsável pela nossa . e mais outra. De repente. mas. era só Daniel. Fiquei confusa com aquela sensação repentina. e eu me senti completa com ele.antigamente. como se Daniel e eu fôssemos almas havia muito ligadas. Todo casal tem. Mas por quê? Nós tivemos apenas uma briguinha. não é nada de mais. — Acorde. e o sexo entre nós é proibido pela moral dos homens. eu o amo — falei emocionada. Será que não me ama mais? . Daniela! Nós não somos nem nunca seremos um casal. Ele me olhou consternado e respondeu num desabafo: — Não posso. — Sexo? O que é isso. Volte para casa comigo. Somos irmãos. — Não quero mais viver longe de você.separação? — Daniel. Daniel? Então agora só fazemos sexo? Antes você falava do nosso amor. Não sei explicar. Daniel. Você não sabe o que é amor de . — Fraternal? Essa é boa. já disse.. mas o que me liga a você é mesmo o sexo.. Quando a vejo.. não sei explicar o que aconteceu comigo. olho para você e sinto uma ternura muito grande. É.. Sinto que ainda a amo. um amor de irmão mesmo. meu coração dispara e sinto vontade de tomá-la nos braços. O amor. fraternal... já não é mais o mesmo.. Mas depois que o sexo acaba.— Daniela. Você transa comigo e diz que sente um amor fraterno por mim? Não vê que isso é um contrassenso? — Pode ser. como a uma mulher. — Você está sendo hipócrita.. mas é uma moça pura e honesta.irmão. Nunca conheceu o amor de irmão. e você sabe disso. porque nós nunca nos amamos feito dois irmãos. Pensa que sou alguma vadia? — É claro que não! Se você hoje é uma moça perdida. e só quer se . — Perdida? Mas o que foi que deu em você. Não venha agora inventar uma desculpa só para transar comigo e depois se desfazer de mim. afinal? Foi a Ana Célia quem andou metendo essas bobagens na sua cabeça. a culpa também é minha. é? E desde quando ela virou santa? — Ana Célia não é santa. Nosso amor sempre foi de homem para mulher. Amava Daniel acima de todas as coisas e queria que ele também me amasse. por que me trouxe aqui? — Porque você me excita. — Ouça Daniel. não foi o que quis dizer. prontos para chorar. se pensa isso de mim. se ele não me amava se só me queria para o sexo. — Mas foi exatamente o que disse.entregar depois do casamento. não é? A mulher da vida! Pare com isso. — Oh! mas que lindo! E eu sou a vagabunda. — Essas são as suas palavras. Encarei-o apertando os lábios. Daniela. os olhos já abarrotados. No entanto. Eu estava profundamente magoada. eu estava disposta a me curvar ante o seu . Você é muito especial. mas nem Daniel saberia explicar o que significava. algo de indefinível que eu. Ele me puxou para si e alisou meus cabelos. — E não está? — Não. . Era preferível ser usada por ele a ser rejeitada. dizendo ao final de alguns minutos: — Daniela. Não me importava que ele me usasse. não quero que pense que a estou usando para satisfazer os meus desejos de homem. só para ficar com ele. Mas o olhar que ele me lançou de volta tinha um quê de especial.desejo. naquela época. não podia ainda compreender muito bem. Era um misto de desejo e ternura. É como se todo esse instinto.Não sei definir. — Nem eu. tentando se libertar da imensa carga de sexo que nos une. essa animalidade. mas. Mas é assim que sinto. é minha amante. um desejo quase animal. O que sinto por você é uma forte atração. fosse aos poucos cedendo lugar a um sentimento mais sólido e verdadeiro. — Como assim? Não entendo. e ele permanece ainda apegado a algo que é mais forte do que nós mesmos e que parece sobreviver ao tempo. É minha irmã. que é o . mas esse amor vai se modificando. Eu sinto que a amo. Só que é difícil. ao mesmo tempo. mas há também um sentimento que parece estar se modificando. Aí é que está a diferença. Eu também o amo e gosto de fazer amor com você. Gostaria de saber o que o fez mudar assim. meu desejo também. mas o amor está se tornando diferente. com o tempo. Os .apelo sexual. — Pois é. e penso que.. — Eu não mudei de repente. — Isso tudo é muito confuso. uma amor fraterno. — Continuo não entendendo nada. só que nada em mim se modifica. Meu amor é o mesmo. como deveria ter sido desde o início. tão de repente. acabará por suplantar o instinto sexual e passará a ser. O desejo que sinto pode ser o mesmo.. realmente. Foi ela. — Engana-se. Daniela. Ana Célia foi apenas uma consequência de algo que havia muito eu desejava que era a vontade de levar uma vida normal. o desejo de amá-la só como minha irmã. porque as circunstâncias hoje também são outras. Por acaso está se referindo a Ana Célia? — Sim. É como se . mas sinto como se houvesse alguma força maior do que nós nos impelindo à transformação desse amor naquilo que deveria ter sido desde o começo: um amor fraterno.sentimentos é que mudaram. — Eu sabia. acho que você está tentando me enrolar. não foi? Foi ela quem o afastou de mim. — Daniel. Não sei por quê. estou. Daniela. porque ele não dizia coisa com coisa. Daniel? O que será de nós? — Não sei. Aquela conversa não estava levando a nada e só servia para me confundir. Creio que nem mesmo Daniel compreendia muito bem o que dizia.Deus quisesse me alertar de que. mas não podemos continuar nos encontrando. De onde Daniel tirara aquelas ideias? Pensei que Ana Célia devia ter feito algum tipo de lavagem cerebral nele. impedidos de nos envolvermos sexualmente. indaguei: — E agora. Suspirei desanimada. se nascemos irmãos. Carinhosamente segurando o seu queixo. algum motivo sério há de ter. . Mas depois vou tentar dar um jeito de reaproximar . por favor. — Eu sei. Você não sabe como sofro com a sua ausência. — Ana Célia. Mas Ana Célia não quer que nos vejamos. sujos. tudo menos isso. Não pode compreender ou aceitar.. — Mas eu sou sua irmã! — Mas para ela você é uma rival. obscenos. Ela nos julga pecadores.— Oh! não. teremos que nos encontrar às escondidas. — E só por isso vai deixar de me ver? — Por enquanto. que direito ela tem de interferir em nossas vidas? — Vamos nos casar.. vai viver a atormentá-lo com suas desconfianças. E depois. não terá confiança em você. mas com a condição de que nunca mais me veja. Será que isso é perdão? — O que você esperava? Ela ficou . já o perdoou. não poderei suportar ver vocês casados. Ana Célia me ama e já me perdoou. Ela não merece você e jamais saberá lhe dar o devido valor. Daniela. Você não pode se casar com Ana Célia.vocês duas. — Oh! Daniel. — Oh! sim. pense em quantas vezes ela irá lhe atirar na cara o erro que cometemos. É isso o que quer? — Está enganada. Qualquer coisinha e ela logo o irá acusar de devasso. Só estou tentando fazer você ver que Ana Célia não é uma alma assim tão generosa. — Ela não sabe o que é amar. pois o seu perdão está limitado ao seu interesse. — É. sabe? — Talvez sim.chocada. Mas pelo menos não fico por aí crucificando . talvez não. é natural que não queira me ver envolvido com você novamente. mas eu também não mereço o seu perdão? Não que isso seja importante para mim. — E você. — Ela me ama e não quer me dividir com nenhuma outra mulher. e o seu interesse é unicamente você. mas e eu? O que sou para sua noivinha? Ela não se dizia minha amiga? Não queria me ajudar? E agora? Soube perdoá-lo. Mas se você não quer contar a ela que nós fizemos as pazes. sem saber se poderia suportar aquela situação.ninguém. . Vou aceitar o que você quiser. Saí dali com o coração pequenininho. eu não vou discutir. Caso contrário. Havia-me transformado em um farrapo de gente. serei obrigado a deixá-la. tudo bem. — Será mesmo? E o que está fazendo com Ana Célia? Não a está julgando. só porque ela não quer mais vê-la? — Chega Daniel! Não quero mais falar de Ana Célia. Faço qualquer coisa para ficar junto de você. — Então não deixe que ela perceba que estamos nos encontrando. mas não via saída. Já não tinha mais como me humilhar ou me anular. . mas eu. E isso era tudo o que não queria. Ou me sujeitava às imposições de Daniel. mas eu não tinha forças para lutar contra aquilo. embora quisesse sair daquele limbo.mendigando o amor de meu irmão como se implora um prato de comida. Só Marcelo poderia me ajudar. ou perdê-lo-ia para sempre. tinha medo de que Marcelo conseguisse me convencer a deixar de amar Daniel. Era humilhante a minha degradação como ser humano. e quem acabou dançando fui eu. Ele voltou a me evitar. não atendia meus telefonemas. Meu irmão. e foi chamá-la. fugia de mim na rua. Um dia. embora não lhe contasse a verdade. . teve medo de perder a noiva. Eu estava ficando desesperada. acomodando-me na sala de visitas. Ana Célia. desconfiada de que Daniel se encontrara comigo.CAPÍTULO ONZE Mas as coisas acabaram não saindo conforme o planejado. ameaçou romper o noivado e nunca mais falar com ele. Ela chegou toda cheia de si. fui à casa de Ana Célia. A criada que me recebeu fez-me entrar. Ela estava muito diferente da Ana Célia que eu conhecera na faculdade. Aquela menina era doce e meiga.ciente de sua superioridade em relação a mim. sem nem me cumprimentar. totalmente despida de piedade ou compaixão. — Preciso falar com você. — Acho que já lhe disse que não temos mais nada que conversar. Temos um assunto em comum. — Não vejo do que poderia se tratar. Quando a vi entrar. ao passo que essa se transformara numa mulher fria e cruel. . — O que quer aqui? — perguntou. tive vontade de esganá-la. — Está enganada. toda altiva e arrogante. não seu. com certeza ele teria me dado um fora e corrido para os seus braços. No entanto. — Você não pode afastá-lo de mim. — Eu não o afastei de você. — Porque você o forçou. . se não me preferisse a você. — Ora. Se você fosse assim tão importante para ele. seja realista. Daniela. é comigo que ele está apesar de todas as facilidades que você lhe oferece. não ligaria a mínima para minhas exigências. Foi ele quem escolheu ficar comigo. — Daniel é assunto meu. Se Daniel não me amasse. mas ele concordou porque quis. Eu exigi que ele parasse de ver você sim.— Daniel. não estou interessada em sua opinião. então? — Porque o amo. É uma pessoa proibida para você. — Por que então se deu ao trabalho de vir até aqui? . — Mas que amor é esse. — Não precisa. — Não mesmo? E por que se deita com ele. E por favor.— Sua cachorra! Não lhe ofereço facilidade alguma. não me obrigue a expor todos os motivos que me levam a sentir nojo de você e desse seu amor. que não respeita as leis de Deus ou dos homens? — Não tenho culpa de amar a pessoa errada. — Daniel não é a pessoa errada. Daniela. — Isso não é verdade. De forma impensada. Não quero contato com gente de sua laia. E agora chega dessa conversa. — Não me interpus entre ninguém. — Eu não estraguei nada. E quer saber? Foi você quem se interpôs em nosso caminho. e eu me descontrolei.— Vim pedir-lhe para nos deixar em paz. Daniel está comigo porque quer. . — Está se interpondo entre nós. está desperdiçando o meu tempo. eu não o forcei. Saia daqui e nunca mais apareça. — Eu? Mas não fiz nada. Eu estava feliz com Daniel. Aquilo foi demais para mim. até que você chegou e estragou tudo. Ele me procura porque só eu sou capaz de satisfazê-lo por completo. chamando os empregados. Completamente aturdida e desfigurada. ela cambaleou e caiu no sofá. A mãe saiu do quarto assustada. menos transar! E ele me procura. e apareceu todo mundo. porque conheço cada milímetro de seu corpo e posso dar-lhe um prazer que você nunca conseguirá! Ela estava apavorada e começou a gritar. pensando que alguém . não porque precise de sexo fácil.estalei-lhe uma bofetada na cara. vagabunda! Pensa que me engana com esse seu jeitinho de virgem imaculada? Aposto como já fez de tudo com Daniel. comecei a gritar: — Sua cretina. Bateu o portão na minha cara. Era um homem robusto. Caída na rua.havia atacado sua filhinha. Lugar de vadia é na sarjeta. senti que mãos fortes me agarravam e me levavam para fora. Abriu o portão e me enxotou. . e eu fiquei com muita vergonha. pude ainda ouvi-lo perguntar: — Quer que chame a polícia? Ana Célia olhou-me friamente e respondeu com azedume: — Não é preciso. As pessoas que passavam na rua me olharam assustadas. empurrando-me para a rua. Levantei-me meio trôpega e fui para um bar na esquina. devia ser alguma espécie de segurança ou vigia. De repente. como se eu fosse uma pestilenta. enchendo a cara. até que ele me puxou e me beijou. e subimos no elevador às gargalhadas. e eu o conduzi ao meu apartamento. Eu estava descalça. e. quando a porta se abriu. incentivando suas investidas. com as sandálias na mão. Lá pelas tantas. já estava completamente bêbada. O homem. Depois de certo tempo. e logo um homem pediu para sentar comigo. Meu . e eu correspondi. começou a se aventurar e explorar o meu corpo. e continuamos ali. animado com a minha cumplicidade. Concordei. e eu dava gargalhadas. saímos tropeçando. ele me chamou para sair dali.Sentei-me sozinha a uma mesa e comecei a beber. Quando chegamos já passava da meia-noite. ...... o. aí? Marcelo.. irmão. bem.apartamento ficava do outro lado do corredor.. deparei com Marcelo sentado na minha porta. meio adormecido. vejamos. — comecei a dizer — .. ouvindo a voz de meu acompanhante... apontando para ele: — Esse aí.. ao chegar. hum.. quem é es...... meu pai? Não.. esse aí.. O homem a meu lado indagou com voz pastosa: — Ei.... e qual não foi o meu espanto quando.. ninguém dorme com. Meu irmão? Lógico que não. acho que é.... Eu estava completamente embriagada e comecei a rir.. não é mesmo? .. despertou de sobressalto e logo se pôs de pé..se. benzinho. que é. eu comecei a chorar. e Marcelo estendeu a mão para mim e me amparou. é isso...... — Não! Vim aqui para. que eu me senti pequenininha diante dele. Em seguida. virou-se para o homem a meu lado e falou com voz incisiva: — Muito bem. o que. .. e é o que pretendo fazer... mas agora pode ir.. — Muito obrigado por acompanhála até em casa. Pode ir embora agora. abraçando-me com força. me divertir. Havia tanta piedade naquele olhar. meu camarada? A moça.. está comigo.. Cambaleei....... com ela. tanta compreensão. a festa acabou.. meu amigo.Ele me olhou penalizado. — Mas. Mas eu não queria nada daquilo. Queria ter sexo. abrindo a porta e levando-me para dentro. acabou por ir embora. . como já havia feito tantas vezes. Marcelo tirou a bolsa da minha mão e pegou a chave. com medo de que Marcelo chamasse mesmo a polícia. e tentei puxá-lo para mim. amigo. que tomei forçada. colocou minha camisola e fez um café bem quente e forte. muito contrariado.— Ouça. — Polícia? O homem. Novamente cumpriu aquele ritual: despiu-me. Por isso. saia daqui ou serei obrigado a chamar a polícia. você está alcoolizado e não quero brigar com você. deu-me banho. todo torto. desvencilhou-se de meu abraço e foi sentar-se na poltrona. Marcelo dormindo na poltrona. porém. Embora o banho frio e o café quente me tivessem recuperado um pouco as forças. e recostei-me na cama. do outro lado do quarto. eu estava zonza e cansada. Era a minha maneira de pedir . e eu o convidei para se sentar ao meu lado e saborear aquelas delícias. encontrou-me tirando o bolo do forno. Logo adormeci e só acordei na manhã seguinte. exausta. Estava com fome e preparei um café especial. Quando Marcelo despertou. Levantei-me e fui para a cozinha.Ele. Até bolo fiz. — Fiz especialmente para você — disse. — Oh! meu Deus..desculpas pelo papelão que fizera na noite anterior. eu. Ele sentou-se e eu o servi de uma xícara de café com leite. Ele fez silêncio durante alguns segundos e só então respondeu: — Não tenho nada a perdoar. Comecei a chorar e ele me abraçou. meu Deus! — . servi-lhe um pedaço de bolo. Você deve pedir perdão a si mesma por estar estragando a sua vida de forma tão lamentável. Ele ficou ali me olhando pensativo e começou a comer maquinalmente. até que eu disse: — Marcelo.. quero que me perdoe. coloquei manteiga e queijo no seu pão. — De novo com isso? Sabe que não acredito nessas bobagens. — Será que são mesmo bobagens? Como explica essa sua obsessão por Daniel? — Isso não tem nada a ver com espiritismo. Chama-se . Daniela? Já não a convidei para ir comigo ao centro espírita? Lá. — O que posso fazer para acabar com isso? — Por que não me ouve. — Será que não? Será que vocês já não se conheciam de outro tempo. eles podem ajudá-la. de outro lugar? — Não vai me dizer que acredita que tivemos outras vidas. — É claro que acredito.supliquei. — O destino não é irônico. — Não sei se acredito nisso. por exemplo. Por que acha que o ama tanto? — Não sei. Você e Daniel. — Como pode saber? Você se lembra de outras vidas? — Não. Mas muitas coisas por que passamos só podem ser explicadas através da multiplicidade de existências. . porque é a verdade. Ironia do destino.reencarnação. Daniela. — Acredite. e é através dela que compreendemos todos os nossos processos de evolução e sofrimento. — Grande perfeição. é perfeito. não me lembro. — O que quer dizer com isso? — Quero dizer que. nada mais é do que um reflexo daquilo que nós mesmos escolhemos. nós nos propomos a cumprir determinada tarefa ou seguir determinado caminho. que pensamos que podemos moldar o destino segundo nossas conveniências. a fim de aprendermos com os erros do passado. toda dor que sentimos. mas não em prol da satisfação de nosso egoísmo. antes de nascermos. Mas esse sofrimento pode ser alterado no decorrer de nossa . Isso significa que todo sofrimento.— Imperfeitos somos nós. Podemos alterá-lo de acordo com a nossa proposta de crescimento e evolução. nossa desvalorização. Mas a dor. Não podemos saltar experiências se elas são essenciais para o nosso amadurecimento espiritual. Sua alma já conhece tudo o que estou dizendo. — Não compreendo nada do que diz. não é necessária. inconscientemente. nossos medos. Somos nós que a atraímos com nossa ignorância. por favor. mas você. Daniela. se recusa a aceitar essa verdade. com nossas culpas. desde que tenhamos compreensão suficiente para modificá-lo e acreditemos nisso. Está me deixando deprimida. E. pois ela implicaria . pare com isso.encarnação. — Você se deprime porque tem medo de escutar a verdade. não com os ouvidos. e isso eu não podia fazer. mas meu tempo estava se esgotando. estaria também admitindo que deveria renunciar ao amor de Daniel.renúncia. porque eu mesma me encarregaria de encurtá-lo. Aquelas palavras eram profundamente sábias. Marcelo estava certo. mas com o coração. e eu sabia que deveria escutá-las. Se eu as aceitasse. Além de ainda não estar pronta para acreditar na verdade. Eu precisava de tempo para aprender e aceitar. . e você não quer renunciar. também não estava pronta para abrir mão de Daniel. preparando-se para a cerimônia. Nesse dia. e Marcelo tentou me confortar da melhor forma possível. chorei muito. Ana Célia. — Olá — cumprimentou Marcelo. e foi procurar Daniel. e eu estava louca para ir. Em determinado momento. quando ele abriu a porta. . Encontrou-o em seu apartamento.CAPÍTULO DOZE Era dia da formatura de meu irmão. — Tudo bem? Daniel olhou-o desconfiado. logo pela manhã. pediu licença e saiu. não queria minha presença e impediu meu irmão de me convidar. porém. mas eu estava inconsolável. Preciso sair mais cedo para ir buscar Ana Célia. Marcelo ficou ali. Então. com certeza. estava louco para saber notícias minhas. mas tinha receio de perguntar e . Não vá faltar. E a sua. vou bem. pode deixar. Marcelo. hein? Não. e você? — Tudo bem. não esperava que ele aparecesse por ali logo pela manhã. Ana Célia e eu estaremos presentes. no fundo. Daniel respondeu: — Oi. Meio sem graça. animado para a formatura? — Bastante. à espera de que ele perguntasse por mim. quando será? — Daqui a uma semana. Daniel. mais ou menos.Embora o tivesse convidado. Por fim. indagou: — E Daniela. — Ela o ama. Por isso estou perguntando.. E se você também quer saber. — Mesmo? Por quê? — Você sabe melhor do que eu. Sei que você é amigo dela e deve saber como vai. não podendo mais aguentar. — Eu sei. Por que a está tratando desse jeito? — Daniela anda se excedendo. Mas não posso deixar que minha irmã atrapalhe minha vida por causa de seus ciúmes . — Sei sim.acabar se envolvendo.. como está? — O que você acha? — Não sei. Também a amo. posso lhe assegurar que ela vai muito mal. Eu mesmo percebi tudo. já havia notado algo de estranho em suas atitudes. — Você já estava desconfiado. — Não precisou. mas do amante? Daniel levou um choque. Daniel olhou-o assustado e considerou: . — Chama de ciúmes infantis a dor que lhe causou a separação abrupta. envergonhado. Como lhe disse certa vez. — Ela lhe contou? — indagou com voz sumida. Achava que Marcelo desconhecia a verdade e abaixou a cabeça.infantis. não do irmão. não é? — Estava. não quero que pense que somos dois depravados. mas não a está ajudando. — E o que quer que eu faça? Que termine tudo com Ana Célia e volte para ela? — É claro que não. — Nós nos amávamos.— Ouça. — Então vai concordar comigo que o melhor a fazer é me afastar. desse jeito. Marcelo. mas agora acabou. Isso seria prejudicial para ambos. Assim. . — Mas não dessa maneira. Não tenho nada com isso. Mas Daniela continua amando-o da mesma forma.. — Não penso nada. Acabou para você. você só a está repelindo. Daniel não escondia a preocupação e retrucou hesitante: — Como posso ajudá-la? — Não a exclua de sua vida. cabisbaixo e envergonhado. mas que não a deseja mais. — Já tentei fazer isso. mostre-lhe que a ama. — Será que tentou mesmo? Ou será que disse que não queria mais o seu amor e. Fale com ela. dormiu com ela? — Foi um erro — concordou Daniel. mesmo assim. Como quer que ela acredite em você? . trate-a com carinho e com respeito. Sua fala não condiz com suas atitudes. mas ela não compreende. — Um erro que a deixou confusa e cheia de esperanças e ilusões. mas não creio que Daniela . — Com o tempo entenderá e se tornará sua amiga e de Ana Célia. que são irmãos e que devem se amar de forma abnegada e sem interesses escusos. — Ana Célia não quer a companhia dela. mas sem desejá-la. Trate-a com carinho e respeito.Ele ergueu as mãos para o céu e tornou com voz súplice: — O que devo fazer? — Já lhe disse. mas que não interfira. Mostre. — Desculpe-me a franqueza. Faça com que ela participe de sua vida. — Ela não entende as coisas dessa forma. com carinho. Recusa-se a aceitá-la e perdoá-la. Daniel. precise do perdão de Ana Célia. — Não posso fazer isso. — O que faço Marcelo? Por favor. Queria continuar a me ver. — Bem. então. mas não queria mais me amar e tinha medo de Ana Célia. — Ouça Marcelo. — Então não quer mesmo ajudá-la. não posso. Por mais que deseje. diga-me. Ele estava sofrendo também. convide-a para sua formatura. quero ajudá-la. mas desde que isso não prejudique meu . para começar. Ela está louca para ir. Daniel encarou-o como a implorar a sua ajuda. — Quer mesmo ajudá-la? — Você sabe que sim. Marcelo silenciou por uns instantes. não o faça. até que considerou: — Está bem. Não é justo. Mas deixe-me levá-la como minha namorada. tenho certeza de que nenhum dos dois se oporia. — Ora.. — Hum. ao menos isso você lhe deve. então. — Então não vejo problema algum.. — Ana Célia pode não gostar. Se eu quisesse levar outra moça. não sei se seria boa ideia. — Por favor.. — Mas é diferente. Daniel. Eu entendo. Outra moça não . Se não quer convidá-la pessoalmente.. o que é isso? Não fui convidado? — Daniel assentiu.noivado com Ana Célia. Se quiser mesmo levar Daniela. não tenho como impedi-lo. No entanto. sentia minha falta. não conte com a minha colaboração. E ainda devo alertá-lo de que ela poderá passar por situações constrangedoras. — Ela é sua irmã! Daniel ocultou o rosto entre as mãos e suspirou. — De que tipo? — Bem. Mas o medo de desagradar Ana Célia era maior do que a sua vontade.teria o envolvimento de Daniela. — Olhe. Se a levar. Queria muito que eu fosse. Marcelo. não posso mandar em você. será à minha revelia. e ele acabou cedendo ao desejo dela e não concordou. não posso lhe assegurar . por que não se casa com ela e a faz mudar de vida? — Pensa que não desejo isso? Eu seria capaz de qualquer coisa para fazêla feliz e estaria disposto a passar por cima de tudo isso só para ficar ao lado dela. Marcelo encarou-o com profunda tristeza. Gosto muito dela e não quero que sofra mais. Daniel. Jamais supusera existir tanta incompreensão no coração humano. — Se gosta tanto dela como diz. ainda a tratará mal.que falarei com ela. diz que . Mas Daniela não me quer. você venceu. Após alguns instantes. E Ana Célia. com certeza. Não submeterei Daniela a constrangimentos desnecessários. finalizou: — Está bem. Eu estava aflita . infelizmente. Minha última esperança era você. uma fixação. uma doença. Marcelo saiu dali arrasado e voltou para o meu apartamento. quase num sussurro: — Sinto muito. com o seu amor e a sua compreensão. Na verdade. É algo assim como uma obsessão. é mais do que isso. você fosse capaz de libertá-la dessa prisão. vejo que o seu desejo de ajudar não é assim tão forte.não me ama. lamentavelmente. Daniel abaixou os olhos e respondeu. E eu. E nem sei se poderia chamar de amor o que ela sente por você. Pensei que. Mas. não tenho forças para fazê-la se desapegar desse sentimento tão daninho. Logo que ele chegou. menina. Precisamos ter uma conversa muito séria. e . tudo vai acabar bem. Marcelo? Foi falar com Daniel? O que ele disse? — Daniela — começou ele com cautela —. Ele não me dissera aonde tinha ido. sussurrando em meu ouvido: — Acalme-se. pelo tom de sua voz. Podia perceber. Eu estou aqui e a amo. interpelei-o ansiosa: — E então. Ele correu para mim e me abraçou. Comecei a chorar. venha até aqui e sente-se perto de mim.à sua espera. que seu encontro com Daniel não fora dos mais felizes. mas eu tinha quase certeza de que fora mesmo procurar meu irmão. — Ele tem medo é de Ana Célia. — Oh! Marcelo. sobretudo. confie. O que . eu creio. Confie em Deus. Medo de si mesmo. por que Daniel me trata desse jeito? Não é possível que me despreze tanto! — Ele não a despreza.vou ajudá-la. Tem medo de que ela 0 deixe. em você. Confie. não é mesmo? Pois seria bem feito. confie em mim. — Isso não importa Daniela. — Medo de quê? — Não sei. Apenas tem medo. Ela nem sabe o que é amar um homem de verdade. Daniela. Ela não o ama como eu. não sabem compreender. — Obrigado. Vamos sair dar uma volta. — O que farei Marcelo? — Nada. E depois. você foi convidado para a formatura. Isso só serviria para me desgostar ainda mais. . Você acaba desligando e se distraindo. não tenho vontade nem disposição. infelizmente. Por favor. — Mas você deve. mas prefiro ficar aqui com você. não misture as coisas. Que tal se fôssemos ao cinema? — Não quero. Procure esquecer. Deve ir.importa é que você não deve mais pensar nisso. Daniel e Ana Célia. Marcelo. — Não quero ir sem você. não. Você deve ir. Eu estarei aqui. Marcelo. Se quer mesmo o meu bem. — Está bem — disse por fim.—Não. Vá e depois conte-me como foi.. — Não discuta. É um favor que lhe peço. — Mas. — Por favor. Embora a contragosto. Só o que me interessa é o seu bem-estar.. Quero que mostre a ele que não ficou magoado e que é muito superior a tudo isso. então vá. Marcelo não teve outro remédio e acabou se dando por vencido. — Seja feita a sua vontade. torcendo por meu irmão. — Mas não preciso mostrar nada a ele ou a quem quer que seja. Marcelo se aprontou e saiu. rumo à festa . Horas depois. de formatura de Daniel. arrumei-me toda e fui para a rua. Fui dando voltas. e eu não conhecia ninguém. Eram quase seis horas. Paguei a conta e fui. Em sua inocência. e os bares já estavam abertos. eu já estava praticamente bêbada. mas nada. pedindo logo uma cerveja. e mais outra. E estava mesmo. Depois pedi outra. Quando cheguei. nem desconfiou de que eu estava planejando algo. e mais outra. Entrei no salão e continuei a procurar. . Busquei um café no calçadão e sentei. Depois que ele saiu. mas não o vi. cambaleando. Dali a umas duas horas. tomar um táxi rumo ao clube onde estava se realizando a festa. Havia muitas pessoas. procurei Daniel com os olhos. está perdendo seu tempo. Puxei o braço com fúria e exclamei: — Solte-me. sua lambisgoia. cheia de ódio. mas não o vi. De repente. porém. Ele não quer falar com você. Não estou aqui por sua causa. — Por que não deixa que ele mesmo me diga isso? Ou será que tem . — Daniel e eu não a convidamos. Era Ana Célia. Mas se veio em busca de Daniel.passando por entre os pares que dançavam ao som dos Beatles. que cravara suas unhas em minha carne. senti uma dor aguda no braço e me voltei. — O que está fazendo aqui? — perguntou. — Sei que não. Começou a gritar. — Está bêbada. Acertei-lhe em cheio um soco no queixo. antes que eu lhe parta a cara. Ana Célia rodopiou e desabou no chão. não é? Duvido que você lhe dê o prazer que só eu sei lhe proporcionar. sua covarde. o sangue jorrando da boca. Bati com tanta força que até minha mão chegou a doer. Você é uma bêbada vulgar e ordinária. — Chamem a polícia! — . — Faça isso. e logo todos acudiram.medo de perdê-lo para mim? Sabe que sou muito mais mulher do que você. Ponha-se daqui para fora imediatamente ou serei obrigada a chamar a segurança. e seu lugar é a sarjeta. Até que. por fim. Fiquei ali gritando. Ele me abraçou. meu espírito foi se acalmando. Foi uma cena horrorosa. tentando me conter. mas eu não parava de me agitar. Os seguranças chegaram e me seguraram. se . proferindo os palavrões mais obscenos que conhecia. enquanto esperneava e xingava todo mundo. Os seguranças me atiraram dentro da sala e trancaram a porta. levando-me para a sala da diretoria do clube. Estava arrasado. sentindo o amor que emanava de seu peito. Eu fui arrastada aos berros. até que a porta se abriu e Marcelo entrou. — Essa louca acabou de me agredir! Foi um corre-corre danado.esbravejava. até que desabei num pranto sentido e prolongado. Em minha cegueira. afastou-me bruscamente e disse com dureza: — Francamente. falsa. Não quero mais ouvir suas sandices. porém. A porta novamente se abriu. implorando-lhe que me tirasse dali. — Cale-se. Onde já se viu agredir minha noiva? —Ah! Daniel perdoe-me. desta vez você passou dos limites. invejosa. E teve o que merecia Aquela intrometida.. e meu irmão entrou. Daniel.. e escute-me. pensei que ele estivesse ali para me proteger e me atirei em seus braços. Daniela. Daniela.acalmando. Por . Você quase me arruína a vida. mas ela me provocou. De hoje em diante. A muito custo consegui que não chamassem a polícia. vou fingir que não a conheço. Agora preste atenção ao que vou lhe dizer. vá embora daqui e não volte nunca mais. Faça de conta que eu não existo que nunca existi. porque vou dizer uma vez só. se cruzar com você na rua. você é uma completa estranha para mim. não tenho mais irmã. Um escândalo agora só serviria para piorar ainda mais a situação. Esqueçame. Por isso. e. pois acabaríamos tendo que contar sobre o que fizemos. Não podia . Eu o olhei admirada. A partir de hoje.pouco os pais de Ana Célia não descobrem toda a verdade. e isso não seria bom para ninguém. por favor. Sabia que havia descido ao fundo do poço e . humilhada. Eu estava destroçada. arrasada. tentei ponderar: — Daniel. você não pode fingir que não existo. Queria protestar.acreditar que estivesse ouvindo aquelas palavras tão ásperas e insensíveis. tire-a daqui e leve-a para bem longe de minha vista. Sentia-me a criatura mais miserável do mundo. você não pode estar falando sério. — Pois de hoje em diante não existe mesmo. onde nunca mais seja obrigado a pôr meus olhos sobre ela. Desesperada. Marcelo me segurou firmemente e saiu puxando-me para fora. mas não tinha mais ânimo. Marcelo. Tudo estava perdido. Sou sua irmã. e logo alcançamos a rua. de olhar para dentro de mim mesma. e então pude compreender suas palavras.que agora começava a me enterrar na lama. Não tinha mais para onde descer. não havia ninguém no corredor. e eu já não tinha nem mais dignidade. Chegamos ao estacionamento e entramos no carro de Marcelo. Tinha vergonha de mim. de me fitar no espelho. eu ia calada. na cabeça uma infinidade de questionamentos e dúvidas. No caminho. Quando saímos. Eu não poderia mais conviver comigo. quando se perde a dignidade. Lembreime de Marcelo dizendo que. sabendo-me tão indigna. perde-se o respeito por si mesmo. Minha queda fora degradante. Quando . e amanhã tudo isso já terá passado. acariciou meus cabelos. Eu continuava calada. O sono lhe fará bem.chegamos. apagou a luz e disse baixinho: — Durma Daniela. custasse o que custasse. ainda que só o tivesse após a morte. Eu jamais admitiria perdê-lo para outra mulher e estava disposta a abrir mão de tudo nessa vida para tê-lo. Deitoume na minha cama. e ele também parecia não ter nada para dizer. cuidando de mim com o mesmo carinho de sempre. fosse onde fosse. Daniel seria meu. e nada no mundo me faria voltar atrás. Marcelo me pegou pela mão e me levou para o quarto. já sabia o que fazer. Tomara minha decisão. Olhei para ele e sorri. Em meu íntimo. . CAPÍTULO TREZE O dia seguinte era domingo, e Marcelo passara a noite em minha casa, como de costume. Estava deitado ao meu lado, ressonando, e eu me levantei em silêncio, pisando na ponta dos pés para não despertá-lo. Fui para o banheiro e liguei o chuveiro. Um banho frio era tudo de que precisava. Poucos minutos depois, ele apareceu e me sorriu. — Bom dia — cumprimentou. — Dormiu bem? Sente--se melhor? Olhei para ele com ar um tanto ou quanto alheado e respondi, tentando aparentar naturalidade: — Sim. O sono me fez bem. — Ótimo. Que tal darmos um passeio? O dia está maravilhoso. Podemos ir à praia. — Não sei. — Ora, vamos, Daniela. Você precisa sair e se distrair um pouco. Vai lhe fazer bem, você verá. — Sei o que está tentando fazer por mim, Marcelo, e agradeço. Mas não precisa tentar me animar ou me consolar. Sou adulta e posso muito bem encarar os meus problemas. — Sei disso. Você é uma mulher forte e corajosa, o que não significa que não precise de amigos. Eu sorri, saí do chuveiro e o abracei apertado, murmurando em seu ouvido: — Obrigada. Sei que você é meu amigo. Talvez o único que já tive. Ele ficou meio sem jeito e me devolveu o abraço com outro, ainda mais apertado. Era um abraço carinhoso, amigo, desinteressado e, acima de tudo, carregado de amor. Por fim, respondeu encabulado: — Sabe que a amo muito, não é? — Sei sim. E serei eternamente grata por esse amor. Por isso, vou lhe fazer um pedido especial. — O que é? — Gostaria de ficar sozinha hoje. — Sozinha? Mas por quê? Não sei se lhe fará bem. — Preciso pensar. Refletir sobre o que me aconteceu ontem. Por pouco não cometo uma loucura que poderia arruinar toda a minha vida. E não quero mais isso para mim. Não quero mais sofrer pelo amor de quem só me despreza. Ontem pude perceber que Daniel não me ama mais. Talvez nunca tenha me amado. Mas isso não importa agora. Não quero mais ser humilhada desse jeito. Só o que quero é passar uma borracha nisso tudo e esquecer. Preciso refazer a minha vida. — Ótimas falas, Daniela. Fico feliz que você tenha, finalmente, conseguido enxergar isso. Você é jovem, bonita, inteligente. Merece ser feliz. E, no que depender de mim, estarei sempre ao seu lado. A menos que você não me queira. — É claro que o quero, bobinho. Mas hoje não. Hoje preciso estar só e espantar os meus fantasmas. Por favor, Marcelo, compreenda. Deixe-me sozinha um pouco. Amanhã já estarei totalmente refeita e prometo partilhar com você os novos planos que pretendo traçar para a minha vida. Ele me encarou com alegria. Estava esperançoso e confiante, certo de que eu, finalmente, abrira os olhos e compreendera a loucura que era aquele amor impossível. — Está bem — disse convencido. — Se é por uma boa causa, concordo em ir para casa e deixá-la. Mas amanhã, bem cedo, passarei por aqui para vê-la. E mês que vem estarei de férias, poderemos viajar. O que acha? — Acho uma excelente ideia. Marcelo saiu logo após o café. Já passava das dez horas. Eu me vesti e saí. O dia estava maravilhoso, quente e ensolarado. Tomei um táxi e dei o endereço do apartamento de Daniel. Enquanto ia sentada, pensava em minha vida, no que me tornara por amor a meu irmão. Chegara à degradação total, descera tão baixo que já não havia mais para onde ir. Eu já não era mais uma pessoa. Era apenas um espectro de alguém que, um dia, pensara ser uma mulher. De repente, senti ódio e apertei a bolsa, sentindo a pressão que o cano do velho revólver de meu pai me imprimia na mão. Quando saíramos de nossa cidade, Daniel insistira para que trouxéssemos a arma. Dissera que o Rio de Janeiro era perigoso e seria bom termos com que nos defender. Depois, quando partira, não levara o revólver, que ficara esquecido no fundo do armário, sem nenhuma serventia. O Rio de Janeiro então nem era assim tão violento, e nenhum de nós tinha afinidade com armas de fogo, de forma que ela não nos teve, assim, grande utilidade. Até aquele dia. O táxi parou em frente à portaria do prédio em que Daniel vivia, e eu desci, o coração aos pulos. Passei pelo saguão e subi. Ninguém me vira, e eu ia resoluta. Ao chegar à porta do apartamento de meu irmão, experimentei a maçaneta. Estava trancada, e eu me dirigi para a porta de serviço, torcendo para que estivesse aberta. Com efeito, virei a maçaneta e a porta abriu vagarosamente. Em silêncio, entrei pela cozinha e fui em direção à sala. Nada. Não havia um ruído sequer. Entrei na sala em silêncio e os vi. Eu não esperava encontrar Ana Célia ali. Pensei que Daniel estivesse sozinho, mas aquilo não faria nenhuma diferença. Seria até bom que ela presenciasse o que estava para acontecer. Ela teria algo de que se lembrar pelo resto de sua vida, e a imagem de Daniel acabaria se transformando numa massa disforme de carne e sangue. Eles estavam sentados no sofá, bem juntinhos, se beijando, e não notaram a minha chegada. Mais que depressa, tirei o revólver da bolsa e apontei. Ana Célia, talvez percebendo minha presença, abriu os olhos e me viu, afastando Daniel com um grito assustado. Meu irmão voltou para mim os grandes olhos castanhos e estacou. Ia dizer alguma coisa, mas eu o impedi. Em lágrimas, disse quase num lamento: — Sinto muito, Daniel. Se não posso tê-lo, ninguém mais o terá. Você é meu, se não nessa vida, na outra, para onde levaremos o nosso amor. Só nós dois. Atirei, acertando-o em cheio no coração. Ana Célia soltou um grito de terror e se encolheu toda, o rosto sujo com o sangue de meu irmão, certa de que eu a mataria também. Mas eu, ignorando-a totalmente, voltei o cano do revólver para o meu peito e disparei novamente, tombando morta no instante mesmo em que a bala atravessou meu coração. Pronto. Estava feito. Eu chegara ao extremo do desespero e adotara aquela medida drástica como forma de estar a sós com Daniel. Apesar de não dar importância ao que Marcelo dizia sobre espiritismo, acreditava na sobrevivência Não de forma carnal. Mas só um . Eu imaginava que Daniel fosse ficar com raiva de mim. ao passo que eu. onde eu pudesse amá-lo e tê-lo só para mim. livre da matéria. a morte seria apenas uma passagem para uma vida de prazeres ao lado de meu irmão. Matála também seria o mesmo que premiar Daniel com a companhia da noiva em outra vida. Para mim. Daniel e Ana Célia nunca mais se tocariam.da alma e esperava encontrar meu irmão na outra vida. e eu o acabaria perdendo de novo. Por isso poupara Ana Célia. poderia amá-lo à minha maneira. Não. O que eu pretendia era separá-los para sempre. e eu sabia que os vivos não se relacionavam com os mortos. que foi o começo do que. E ainda hoje guardo na memória aquele dia. de seu ciúme. ele estaria livre da influência daninha de Ana Célia. eu o faria ver que. um para o outro. tanto que nos encontráramos até no mundo dos mortos. realmente. e teríamos toda a eternidade a nosso dispor. menos ainda. sobre minha própria consciência. naquele mundo. Ali. Depois que a surpresa do primeiro impacto passasse. realmente. se poderia chamar de sofrimento: 16 de . de seus feitiços.pouquinho. E nós voltaríamos a viver como antes. porém. Infelizmente. fôramos feitos um para o outro. eu estava bem longe de conhecer a verdade sobre o mundo dos espíritos e. dezembro de 1973. . PARTE DOIS MUNDO INCORPÓREO . Por uns instantes. sentindo uma dor aguda no coração. Aquele lugar era gelado. . Aos poucos. Um vazio que parecia se estender por quilômetros. Para onde quer que olhasse. havia me esquecido do que fizera e pensei que estava em minha cama e acordara no meio da noite. Mas não vi nada nem ninguém. só o negrume. tentando identificar o lugar em que me encontrava. Só uma total escuridão. porém. e comecei a tiritar. E o frio. não via nada.CAPÍTULO UM Abri os olhos lentamente. fui me recordando do acontecido e forcei a vista. Olhei para um lado. Mas onde ele estava? Juntei as mãos em concha ao redor da boca e gritei: . Lembrava-me bem de que havia atirado em meu irmão e em mim logo em seguida. Eu morrera. Parecia sólido. Tentei ver na escuridão. Podia ainda lembrar a cara de espanto de Ana Célia. Mas não.Vagarosamente. tinha certeza. E Daniel também. Só se não tivesse morrido. experimentei o chão e me levantei. procurando por Daniel. mas ele também não estava ali. mas estava certa de que tinha morrido. Tinha certeza de que não estava sonhando. e pude me suster. Não sabia como. para o outro. Eu não compreendia o que estava acontecendo. e nada. Só silêncio e escuridão. que o esforço deve ter soltado algo em meu peito. Tanto chamei e tanto gritei. desesperada. Fiquei ali a chamá-lo por um longo tempo. Era como se só a minha boca se movesse. e eu. senti nova dor no coração e me curvei sobre o meu corpo. sem obter resposta. apalpando o peito. Tentei novamente: — Daniel! Daniel! Nada. Levei um susto quando senti o sangue em minhas mãos e pude perceber que havia um rombo bem na altura de meu coração.— Daniel! Estranhamente. mas nenhum som saísse. o som não se propagou. porém. o . Embora soubesse estar morta. subitamente. Ainda mais com aquela ferida horrorosa no meu peito. Talvez fosse melhor esperar que alguém viesse. tentando estancar o sangramento. escorrendo pelo meu corpo. Então era por isso que sentia tanto frio! De repente. e não sabia o que fazer. fui acometida por imenso pudor. sentindo o sangue escorrer. Só então me dei conta de que estava nua. completamente nua.. O sangue brotava aos borbotões por entre os meus dedos. Mas aquilo era bobagem. Não havia mesmo ninguém ali. Mas quem? Daniel deveria estar à minha . Eu estava de pé.instinto fez com que apertasse as mãos sobre a ferida. Inútil. porém. E se alguém estivesse me observando? Não queria que vissem a minha nudez.. tinha certeza de que não estávamos no paraíso. ou então. Aquela ideia me encheu de pânico e senti que precisava agir. Era só questão de tempo . eu me matara e a ele no mesmo dia.procura. Afinal. talvez estivesse ferido em algum lugar. Pensei que o inferno deveria ser grande. impedido de se locomover. Ele só podia estar por ali. Como nenhum de nós era santinho. Só não entendia por que ainda não nos havíamos encontrado. quem sabe. Não podia deixar que Daniel ficasse à mercê daquelas trevas. e acreditava que só poderíamos estar em algum lugar feito o inferno. e talvez Daniel tivesse ido parar em outro setor ou quadrante. na expectativa de tocar em algo. uma parede que fosse. Percebi que era feito de . Decidida. À medida que avançava naquelas trevas. pus-me a caminhar. vendo que a escuridão era a mesma em qualquer direção. a vista não se acostumava. mas nada. A princípio. mas supus que fora muito. Por mais que me esforçasse. ainda hesitei. caminhei. girei o corpo ao acaso e fui em frente. menos conseguia enxergar. Parei e me sentei no chão. Eu não sabia quanto tempo estivera andando. apalpando-o.até encontrá-lo. até que comecei a me cansar. Estiquei o braço. e só o que via era o vazio. Mas depois. devido ao meu cansaço. Caminhei. sem saber para que lado ir. uma pedra tão lisa que não possuía sequer uma ondulação. mas imaginava que deveria haver algum lugar habitado por ali. com . Tudo ali era igual. O que estaria acontecendo? E por que não havia mais ninguém ali? Não era possível que só eu fosse mazinha e aquela parte do inferno fosse minha exclusividade. invariável.pedra. o frio. por mais que me movimentasse. Aquela mesmice foi me dando nos nervos. não conseguia espantar o frio. A escuridão. Era como se o corpo não se aquecesse. Era uma temperatura baixa mesmo. E eu. Não havia nem vento. Nada parecia mudar. Coisa mais estranha. o solo. Eu não acreditava em diabo. como de um frigorífico. gente bem ruim, os capetas da vida. Só o que tinha a fazer era encontrar esse lugar. Depois que descansei, levantei e continuei a caminhada, até que senti fome. Mas não havia nada para comer, e eu tive que acostumar o estômago à fome e, logo, logo, também à sede. Dali a mais algum tempo, tive sono. Deitei-me e dormi. Talvez, quando acordasse, alguma coisa tivesse mudado naquele inferno. Ao despertar, porém, nada havia mudado. O frio, a fome e a sede continuavam, e a escuridão ainda era a mesma. Tudo permanecia igual, e comecei a ficar irrequieta. Eu continuava só, e aquela solidão estava me enlouquecendo. Não podia ficar ali, à espera de que algo acontecesse, e resolvi me levantar e retomar a caminhada, sabe-se lá para onde. Logo que fiquei de pé, apurei os ouvidos, mas só o silêncio se fez ouvir. Eu estava louca de vontade de ver Daniel e comecei a chamá-lo novamente, dessa vez com mais insistência. Chamei durante vários minutos, mas ninguém respondeu. Daniel parecia haver desaparecido. Subitamente, uma ideia atroz me atravessou o pensamento. E se Daniel não tivesse morrido? E se o tiro que lhe desfechara não tivesse sido fatal, e ele estivesse agora nos braços de Ana Célia, livre de mim? Esse pensamento quase me enlouqueceu. Se isso tivesse acontecido, podia-se dizer que o feitiço virará contra o feiticeiro, e o que desejara para mim, acabara por conceder a minha maior rival. Fiquei tão desesperada com essa ideia que me pus a correr, até que a dor em meu peito me fez parar, quase sufocando. Eu nem entendia como podia ter a sensação de estar sufocando se a morte levara consigo o alento. No entanto, eu sentia como se respirasse, e o esforço da corrida me tirou o fôlego, não pelo cansaço, mas pela ferida aberta em meu peito, que sangrava sem parar. Aquilo eu também não entendia. Pensava que, depois da morte, não sentiria mais dor, não teria mais sangue, frio, fome ou sede. Contudo, exatamente o oposto acontecia, e eu tinha em espírito todas as sensações que tivera na carne, inclusive o desejo de sexo. Às vezes, quando pensava muito em Daniel, sentia um enorme desejo de possuir o seu corpo e então eu me masturbava, sempre pensando nele. Nessas ocasiões, eu sentia como uma presença perto de mim, chegava mesmo a sentir o calor do seu hálito. Essa coisa parecia flutuar sobre o meu corpo, alguns centímetros acima de mim, e quase me tocava em minhas partes mais íntimas. Parecia que a vibração do orgasmo que eu alcançava em meu amor solitário alimentava aquela coisa, e era como se ela sorvesse todo o fluido que emanava de mim. Em seguida, ia embora sem nem me tocar e muito menos dizer uma palavra. Nas primeiras vezes em que isso aconteceu, senti um medo imensurável. Mas depois, vendo que a presença não me tocava, comecei a me acostumar e até a gostar dela. Ao menos era uma companhia. Invisível, é certo, mas uma companhia. Tentei conversar, perguntar quem era, porque eu pensava que poderia ser um espírito que ali estava e que talvez fosse tão sofredor quanto eu. Estava certa de que não era Daniel, mas, fosse quem fosse, era melhor do que aquela solidão insuportável. A presença, porém, não respondia e permanecia apenas o tempo suficiente para se alimentar de meus fluidos. Depois de certo tempo, passei a achar que ela só estava interessada na energia de sexo que eu, de forma tão desprendida, dividia com ela. Mas não parecia interessada na minha pessoa e, por isso, não prestava a menor atenção ao que dizia, e era como se eu não existisse, apenas o meu sexo. O tempo foi passando, e nada ali se alterava. Até que, um dia, comecei a sentir certa comichão no corpo e, quando olhei para mim mesma, percebi algo estranho se movendo em minha pele. Passei a mão pela coceira e fiquei horrorizada. Não sei como nem por quê, mas em meio a tanta escuridão, eu conseguia ver a mim mesma e pude me certificar de que a comichão eram bichinhos que saíam de meu corpo, como minhocas irrompendo da terra. Aquilo me aterrorizou, e eu comecei a gritar, esfregando o corpo numa tentativa inútil de tirar aqueles animais de dentro de mim. Seriam sanguessugas? Eu não sabia, mas comecei a sentir uma dor imensa, como se algo me estivesse devorando as entranhas. Aquilo era pior do que a morte. Chorei muito, de dor, de medo, de abandono. Eu chamava Daniel a todo instante, implorando que ele aparecesse e viesse me salvar. Não sei dizer por quanto tempo permaneci naquele estado, sendo devorada viva. Só o que posso afirmar é que me pareceu uma eternidade. Durante aquele processo, desejei morrer, mas sabia que isso era impossível, porque já estava morta, e a morte não era o fim dos sofrimentos. Ao contrário, com a morte eu conhecera a verdadeira dor e comecei a me revoltar. Onde estava Daniel, que não me respondia? Será que tinha conhecimento de meu estado e resolvera me abandonar? Será que vivia e estava feliz com minha morte, desfrutando de sua liberdade com Ana Célia? Desesperada ante essa possibilidade, eu chorava sem parar e o chamava com insistência, doida de vontade de encontrá-lo. O mais estranho era que eu, mesmo com todo aquele sofrimento, nem sequer me lembrava de que Deus existia. Eu nem mesmo o culpava pela minha dor, o que já seria um começo. Ao menos eu estaria admitindo a sua existência. Mas não. Eu realmente não me lembrava de que existia alguém no mundo além de Daniel, e que esse alguém era a imagem da perfeição e da bondade, e que bastava apenas um gesto meu, um simples e sincero gesto meu, para que Ele viesse em meu socorro. Eu não estava interessada em Deus. Só me interessava por Daniel, mas Daniel era o único que não poderia atender aos meus apelos. Os anos foram avançando sem que me desse conta disso. Eu havia me transformado num molambo, com aquela ferida em meu peito que não parava de sangrar. Além da presença que eu sentia quando me masturbava, ninguém nunca me visitou durante os anos em que permaneci naquele estado. Nem os espíritos mais atrasados, que costumam povoar o umbral, pareciam interessados em mim. Apenas as trevas e o frio eram os companheiros da minha solidão. Até que comecei, realmente, a me cansar de tudo aquilo. Afinal, para que tanto sofrimento? Por que insistir em chamar Daniel, se estava claro que ele não podia ou não queria me atender? Eu olhava para o meu corpo e sentia pena de mim mesma. Meu corpo era, todo ele, uma imensa ferida, sujo, malcheiroso, coberto de crostas de sangue. Era repugnante! Por que me suicidara? Não Eu entrara ali por algum lugar. Desesperada. e uma luz acendeu em meu coração. atirei-me ao chão e desabafei.sabia que era errado? Não aprendera na Igreja que era contra as leis de Deus? Em que me transformara? E por quê? Teria valido a pena? Diante de tudo o que me acontecera. O que fazer? De repente. e eu quase o ouvi rezando por mim. Bastava encontrá-la. implorando em meio ao . Pensei haver atingido o auge do desespero e da angústia. Mas já havia caminhado tanto e nunca avistara porta alguma. então deveria haver alguma porta de saída. comecei a pensar numa maneira de sair dali. a imagem de Marcelo surgiu em minha mente. até então. Eu sabia que pisava em algo. eu imploro o seu perdão! Sei que errei. nem grades. frio e liso feito uma lápide. nunca pudera enxergar nada. Uma lápide! Estaria eu em . nem portas. Apenas o chão parecia existir. ajude-me. Nada. Por favor. como se algum sopro de vida me enchesse de ânimo. Nem paredes. ajudeme! Disse isso com tanta sinceridade e sentimento que logo senti uma sensação estranha. mas estou arrependida e não suporto mais tamanho sofrimento. Só a escuridão e o vazio. Eu. e era sólido. aquecendo meu corpo e espalhando um pouco de luz naquela escuridão.pranto: — Oh! meu Deus. implorando o seu auxílio. senti cheiro de terra molhada e estiquei a mão. onde o teto parecia ceder. Quando os abri novamente. Movi os braços para o lado. Esfreguei os dedos e me certifiquei: era terra. Havia. De repente.alguma espécie de tumba? Fixando bem o olhar. comecei a divisar uma silhueta ao meu redor. e eles bateram em algo sólido e frio. Mas como? Eu parecia estar confinada. e eu toquei em algo molhado. alguns buracos. como se houvesse ali algum tipo de parede. Estivera ali todo o tempo e nem . mas como podia ser? Fechei os olhos e tornei a pensar em Deus. por entre aquelas estranhas paredes. eu me certifiquei: estava deitada em meu túmulo. . E foi então que.me dera conta disso. . e suspirei. desesperada. adormeci. realmente.. tornei a fechar os olhos. Confusa. Parecia que o sol. Achei engraçado estar morta num hospital. aquele . Não havia ninguém naquele quarto. redobrava de intensidade e deitava raios de luz branca sobre todas as coisas. Até a luz que penetrava pela janela era extremamente clara e brilhante. Tudo era tão branco que eu me extasiei. pensei que estivesse no céu. que me pareceu de hospital. mas aceitei o fato com certa naturalidade. Depois de tudo por que passara. ali. Era um contraste incrível com as trevas em que estivera. os lençóis. a cama.CAPÍTULO DOIS Quando despertei. Tudo ali era alvo: as paredes. era extremamente benfazejo. além de puro. Embora ainda doesse. livre de poluição. finíssima. era uma dor mais confortável. daquelas que a gente sente em machucados que nossa mãe . que ao mesmo tempo aliviava e curava.hospital era mesmo um paraíso. O ar parecia mais puro. e eu me senti tranquila e refeita de minhas dores só pelo fato de o estar inspirando. Mas não era só isso. de repente senti uma pontada no coração e pude perceber que havia sobre ele uma espécie de gaze. Era como se eu respirasse um pouco do sopro de Deus. porque aquele ar. Eu estava me sentindo tão bem ali que nem me importei de continuar só. Ao pensar nas dores. Foi quando a porta do quarto se abriu e um senhor negro apareceu. mas só de a sabermos cuidada. sente-se melhor? Assenti sem responder. Usava óculos e vinha todo vestido de branco. aquilo nos enche de conforto e certeza de que ela logo irá sarar e de que nem é assim tão horrível. Não respondi e . Daniela. perdera a vontade de falar. que não quis perder aquele momento. A dor está ali. tão carinhosa e me deu uma sensação de acolhimento tão boa. Julguei que fosse o médico dali e já ia enchê-lo de perguntas quando ele se adiantou e perguntou na minha frente: — Então. É que a voz daquele homem era tão doce.trata com carinho. De repente. porém. molhando-a com minhas lágrimas de gratidão. Você fez uma longa e exaustiva viagem e não convém que gaste suas forças falando. continuou: — Imagino que deva ter muitas perguntas a fazer. Comecei a chorar e segurei a sua mão. . de reconhecimento. porém. Ele. Em breve você poderá perguntar tudo o que quiser e terá as respostas de que necessita para compreender o que se passou com você. Eu estivera tanto tempo ausente que nem me dera conta do quanto sentia falta das pessoas. e pus--me a beijá-la.fiquei ali a olhá-lo. tão perfumada. é melhor que repouse. No momento. Ele se aproximou do meu leito e acariciou meus cabelos. vendo a ansiedade em meus olhos. Depois que ele saiu. um estranho para mim.Embora aquele homem fosse um desconhecido. saindo logo em seguida. . Ele se abaixou gentilmente e beijou-me na testa. Da porta. virou-se para mim e acrescentou: — Repouse. era como se eu o amasse. virei-me para o lado e comecei a chorar. Depois de alguns minutos. Estava grata àquele homem que eu nem conhecia. Em breve voltarei para vê-la. e senti enorme prazer em sua companhia. uma emoção nunca antes experimentada: — Obrigada. eu o soltei e balbuciei a voz carregada de emoção. em que ele deixou-se ficar preso a mim. como se eu a . ora nos acusando. e ele também não pudera nos compreender. depois da morte de mamãe. Onde estaria? Será que estaria por perto? Senti uma enorme vontade de encontrá-la. porque não o compreendia.Grata pela sua bondade. pelo amor que demonstrara em seus gestos afetuosos para com uma estranha que ele talvez nunca tivesse visto. ora nos ignorando completamente. Eu nunca amara meu pai. um verdadeiro estorvo em nossas vidas. pela sua compreensão. Além disso. Lembrei-me de meu pai e senti imensa angústia. culpava-me pela morte de minha mãe. Fechei os olhos e pensei em minha mãe. de falar com ela e pedir-lhe perdão. Fora. tivesse empurrado escada abaixo para que morresse e não atrapalhasse meu romance com Daniel. Mas não era verdade. Fora difícil conviver com aquilo durante todos aqueles anos. mas como se minhas atitudes a houvessem impelido para a morte. Eu amava minha mãe e sofrerá muito com sua morte. mas tinha medo desse encontro. não com ã mão do corpo. . como se eu a houvesse mesmo empurrado. e o problema com minha mãe acabou por ficar em segundo plano. Daniel! Onde estaria meu irmão? Eu estava louca para encontrá-lo também. mas o amor que sentia por Daniel era mais forte do que qualquer outra coisa. roendo-me de culpa pela sua queda. Ele devia me odiar. Afinal. eu o arrancara da vida como se extrai uma erva daninha. quando acordei. e Daniel tinha ainda muito que viver ao lado de Ana Célia. pois não se interessara por mim durante todo aquele tempo em que eu permanecera presa ao túmulo. — Sinto-me muito bem aqui e sou-lhe muito grata por tudo. não queria me ver. sorrindo para mim. e ele indagou: — E então? Como está? Mais refeita? — Sim — respondi mais animada. Com certeza. Tentei não pensar mais nele e adormeci novamente. o mesmo senhor de pele escura estava parado ao meu lado. . Sorri de volta. Mais tarde. não me refiro a isso. — Não? Então a quê? Não é meu coração que está ferido? — Sim. o maior prazer é ajudar e ver que nossa ajuda está sendo bem aproveitada. Fique sossegada.. — Sarar? Estou doente? Ele apontou para o meu coração e respondeu: — Sim... parece que nunca mais vai ficar bom.. O tiro que dei em meu coração. minha querida. está. aqui. logo. Você é uma boa menina e logo. — Não. vai sarar disso tudo. — Oh! é verdade. Para nós.— Não precisa agradecer. mas a ferida que você . . O senhor fala de coisas que não conheço. — Não estou entendendo. embora não entenda por quê. — Perispírito é o invólucro semimaterial que reveste o espírito e que o acompanha mesmo após a morte ... Atirei em meu corpo físico. não é nada se comparada à imensa ferida que abriu em sua alma e que só o tempo. peri. e que acabou por imprimir em seu períspirito. períspirito. a compreensão e a vontade de mudar conseguirão fechar. — Isso.desfechou em seu corpo físico. e sei que meu espírito traz as marcas de meu crime. — Períspirito.. não. Mas esse tal de peri. Esse aí não conheço. sim. usamos o períspirito para moldar essa aparência. — É como brincar de massinha? Ele riu e concordou: — Mais ou menos isso. Como. é aquilo que você vê e percebe. O espírito. porém.do corpo físico. — Que engraçado. É por intermédio dele que reconhecemos os espíritos que convivem conosco. enquanto criação divina. E esse períspirito sofre as consequências de nossos atos? . precisamos ainda de uma aparência para que possamos nos identificar. no estágio em que nos encontramos. — Como assim? — Numa linguagem mais clara. não é dotado de forma. o períspirito é o espelho da carne. esses maus-tratos acabam por ferir também o períspirito.— Podemos dizer que. quando estiver . ao passo que o períspirito leva consigo as marcas e impressões que infligimos ao corpo. se desmancha e volta ao universo. em certos casos. confuso. que sofre por aquilo que o corpo físico não sente mais. Você está ainda muito debilitada para se envolver em questões complexas. Muitas vezes. porque não existe mais. Mais tarde. — Muito interessante. — Mais ou menos. a matéria. porém. O corpo. quando maltratamos o corpo físico em demasia. Mas deixemos isso para depois. Aqui abolimos essas formalidades. Queria parecer forte e corajosa para aquele homem. Todos nos . — O senhor é médico? — Sou sim. No fundo. Mas não precisa me chamar de senhor. não. e eu podia fingir que não estava sofrendo. e procurava agir como se tivesse superado todo o horror por que passara.totalmente refeita. e se desejar. poderei levá-la a uma aula sobre períspirito. — Como se chama? — Alfredo. de uma hora para outra. Como se isso fosse possível assim. Eu não disse mais nada. aquela conversa me interessava porque era uma forma de não pensar em meus erros e na minha miséria. Sabe. Ele sorriu para mim e me acariciou novamente. Somos todos filhos de Deus. mas o respeito nada tem a ver com os pronomes ou as formas de tratamento. O respeito vem de dentro. que só transmitia amorosidade! — Não diga isso. Daniela. da intenção da alma e não precisa de formalismos para se exteriorizar. — Será? . — É verdade.respeitamos muito. gostaria que soubesse que estou muito feliz por estar aqui. Alfredo. Como era boa aquela carícia. Todos merecemos a mesma parcela de consideração. e um pai não faz distinção entre seus filhos. embora não saiba se mereço tanta consideração. recebe a todos com igual consideração e respeito. Não quero entrar no mérito dessa discussão. Alfredo. minha cara. assim como sabedoria também não se confunde com ela. — Está certo. devido a circunstâncias especiais. Bem se vê que você é infinitamente mais inteligente do que eu. é qualidade do espírito. que evolui com ele.— O pai amoroso e consciente. — A inteligência. Mas conhecimento não é inteligência. você me convenceu. porque nem tenho conhecimento suficiente para isso. que aceita a responsabilidade de educar os filhos. embora às vezes. O . deva dedicar um pouco mais de atenção a um ou a outro. além de um jarro com água. A porta do quarto se abriu novamente. conhecimento. Mas acho você o máximo. e não sei se o que você tem é sabedoria. Basta que você deseje. Alfredo. — Obrigado. e uma enfermeira entrou. depositando a bandeja na . — Você é muito profundo. inteligência ou tudo isso junto. Ela sorriu e me cumprimentou. e a sua inteligência lhe abrirá as portas da sabedoria e do conhecimento. trazendo uma bandeja com um prato de sopa e algumas frutas. ao passo que a sabedoria se alcança com a vivência e a experiência das verdades da vida e das leis divinas.conhecimento se adquire com dedicação e estudo. Você é uma menina inteligente. Daniela. mas minhas mãos estavam trêmulas. hã. Então coma.mesinha ao lado da cama. — Sente fome? — Hã. — Pode deixar que. e eu a deixei cair. Isso vai reanimar suas forças. indagou: — Olá. — Ótimo. Como está? — Bem. num . — Oh! Desculpe — falei constrangida. Agradeci e tomei a colher. virou-se para mim e. obrigada. sujando o lençol e o chão. Daniela. — Não foi nada. Trouxe-lhe um caldo quente e nutritivo e algumas frutas. Em seguida. ainda sorrindo. querida — retrucou a enfermeira ainda sorrindo. Só depois que terminei foi que percebi o quanto estava com fome. Embora não identificasse os ingredientes do qual fora feito. mas continuava a tremer. eu limpo isso. porque não tinha noção do tempo em . foi colocando o caldo em minha boca. Quando terminei. e a enfermeira veio me ajudar. Pacientemente. e eu fui sorvendo aquele líquido. trazendo um pano e uma colher limpa. estava uma delícia e me fez muito bem. maravilhada com seu sabor. Segurei a colher com mais força. peguei uma fruta e comi com vontade. e devia mesmo ser. Ela saiu e voltou logo em seguida. Estava docinha e foi um imenso prazer saboreá-la.instantinho. Parecia que eu não comia havia séculos. que permanecera nas trevas. que é para eu trocar os lençóis — disse ela. Estava ainda fraca para . e eu cambaleei. — Agora você vai se levantar um pouquinho. — Pois então vamos. — Eu adoraria. Era fresca e cristalina. Em seguida. logo que se certificou de que eu terminara a refeição. servi-me de um copo de água. — Posso? — perguntei ansiosa. Ele me ajudou a descer da cama. — Que tal um passeio pelo jardim? — sugeriu Alfredo. Será um prazer caminhar ao lado de tão bela companhia. e eu me senti muito bem. — Trazidos de onde? — De diversos lugares. lado a lado. passando pelo corredor. tomei o seu braço e saí com ele. o sol e o ar fresco lhe farão muito bem. — São sim. Vamos devagar. E depois. Não temos pressa. Alguns .andar. mas Alfredo me amparou. — Há gente aí? — Assim como você. Em silêncio. — Isso tudo são quartos? — perguntei curiosa. muitos outros pedem auxílio e são trazidos para cá para tratamento. — Será que vou conseguir? — É claro que vai. onde se viam diversas portas. porém. Cada qual passa por aquilo que escolhe passar. — Por quê? — Porque nem todos são iguais. No momento. Daniela. como você. Outros permanecem vagando. e a experiência de um pode não ser a mesma de outro. Alfredo. Outros ainda. — Sabe. Breve você terá as respostas para todas essas perguntas.vêm para cá logo que desencarnam. perdidos. mas onde é que estive e por quanto tempo? — Uma coisa de cada vez. ainda não perguntei. Varia muito de espírito para espírito. não convém que você se envolva com fatos e lembranças que poderão ser . ficam presos ao túmulo. nem outra. O aroma das flores enchia o ar com perfumes dulcíssimos. o som de uma cascata. que eu nem pensava existir? Será o céu ou o paraíso? Alfredo riu gostosamente e respondeu: —Nem uma coisa. e eu não pude conter a admiração: — Mas que lugar é esse tão lindo. situada . Estamos numa colônia espiritual. Ao longe. no momento. só serviriam para amargurá-la e dificultar o seu restabelecimento. Nesse momento. atingimos o jardim e fomos nos sentar sob uma pérgula coberta de trepadeiras floridas. Parecia um verdadeiro paraíso.extremamente dolorosos e que. para onde são trazidos espíritos que. — E o que é. exatamente. estudando e trabalhando. — Que jornada? — Isso vai depender de cada um. Alguns preferem ficar por aqui algum tempo. então. reencarnação? . enquanto outros partem para nova reencarnação. preparando-se. uma colônia espiritual? — Já disse. como você. precisam de auxílio e proteção.acima da cidade do Rio de Janeiro. Um lugar para onde são trazidos espíritos enfermos que precisam de ajuda para curar suas feridas e compreender suas dores. Sabe o que é isso. para nova jornada de aprendizagem. . Alfredo. Em vez disso. Alfredo. pois assim não estaria compromissada com a responsabilidade pelos meus próprios atos. Comecei a chorar. Mas .— Já ouvi falar. como que lendo meus pensamentos. mas eu não quis compreender. Hoje posso reconhecer isso. Era verdade.. que tentou me ensinar essas coisas. Marcelo tudo fizera para que eu entendesse. Não entendo como nem por que tudo isso aconteceu comigo. Marcelo. preferi permanecer alheia àquelas verdades. tornou compreensivo: — Não se culpe Daniela. Na Terra. tinha um amigo. — Mas eu errei. e eu não agi da forma mais correta. que você é a única criatura no mundo a falhar. de uma maneira ou de outra. sumir do mapa. Mas . — E estaria assim resolvendo seus problemas? — Ao menos os estaria afastando. Desaparecer.0 fato é que aconteceu. — Mas eles continuariam ali. Todos nós. — Não tão graves como os meus. cometemos erros. Não pense Daniela. — E qual seria a forma mais correta? — Não sei. — Quem é você para determinar a gravidade das coisas? — Eu não quis dizer isso. .. — Tem razão.. dificilmente poderá ser reparado ou perdoado. A noção de pecado é muito relativa.. os erros existem porque precisamos deles para aprender e acertar. Ninguém aprende sem a experiência. Mas é que eu me julgo tão pecadora. Alfredo. Só quem já viveu ou passou por determinada situação é que pode dizer que sabe o que é ou como é. porque ela sugere algo que. por atentar contra as leis de Deus. — Sabe. Daniela. E . Se você soubesse. — Pois não se julgue. e nós não costumamos usar essa palavra aqui. Por isso é que não se erra no mundo. Experiencia-se.tenho consciência de que cometi erros terríveis. Daniela. — Não é a mesma coisa? — Não. por isso mesmo. — Você não é culpada. O erro não deve ser entendido no sentido vulgar do pecado.hoje sabemos. Digamos que seja um juízo mal interpretado e mal compreendido e que. como disse. nos leva a falhar naquilo que não estamos ainda maduros para entender e realizar. mas. — Falando assim. que não existe erro sem perdão ou reparação. você até me faz sentir menos culpada. e aquele que se sente culpado julga-se merecedor de todos os castigos. É responsável. penas e aflições que venha a . no de experiência. A culpa traz em si o peso da condenação. como forma de aprender uma lição que não foi ainda bem compreendida. difíceis às vezes. de nossos gestos. Vou usar a palavra erro apenas como ilustração. Mas compreensão de quê. nossas experiências. a nós e ao nosso próximo. Daniela. implica compreensão e consciência. A responsabilidade. para que você .sofrer. E é essa mesma consciência que fará com que optemos por enfrentar determinadas situações. Daquilo que fazemos e que nos prejudica. — Você fala muito em compreensão. que é a capacidade que temos de entender os nossos atos e as suas consequências. nossos sentimentos. meu Deus? — De nós mesmos. por sua vez. e pautamos as nossas vidas pelas experiências adquiridas. Ele era maravilhoso. Você já recebeu informações demais por hoje. esse erro reverte a nosso favor e passa a ser a espinha dorsal de nossas atitudes. Chega dessa conversa. Quando compreendemos por que erramos. não só com a colônia. tão . que irão nos compelir a buscar um caminho de acertos — ele pousou a mão no meu joelho e acrescentou com doçura: — Agora venha. Voltei para o meu quarto profundamente impressionada. mas principalmente com Alfredo.possa entender o que digo. Isso quer dizer que os erros atuam como modelo para aquilo que não nos serve mais. .maravilhoso que eu esperava que ele pudesse ser meu mestre dali para a frente. além de amigo sincero e desinteressado. Aos poucos. parti em visita a outras colônias. mas . contudo.CAPÍTULO TRÊS Os dias foram passando e comecei a me sentir melhor. assisti a palestras. Não se poderia dizer. que eu estivesse feliz. Alfredo era um excelente professor. não me atrevera a perguntar por meu irmão. fui me interessando pelos assuntos da colônia e busquei me instruir e aprender. Foi maravilhoso e bastante proveitoso. Durante todo o tempo em que estivera ali. Faltava-me algo. Passei a freqüentar diversos cursos. e eu sabia bem o que era. a verdade é que Daniel ainda era único em meus pensamentos. Até a ferida em seu coração já está melhorando e quase não sangra mais. Tem feito excelentes progressos. — Oi — cumprimentou ele —. não vive a se lamentar. tudo bem? — Tudo — respondi sem muita convicção. em que a saudade me apertava o peito profundamente. . Alfredo me procurou. — Sabe. Daniela. Você se dedica a aprender. apreciando as estrelas que iluminavam o céu. todos nós estamos notando o seu progresso aqui. Certa noite. indo me encontrar sentada a um canto do jardim. não se queixa. No entanto. a verdade é que sinto falta de meus. Nunca havia tocado no nome de Daniel com ninguém e me surpreendi com a pergunta de Alfredo. segurou a minha mão e falou com ternura: — Você se refere a Daniel.... Para mim. Ele me lançou um olhar bondoso. e respondi embaraçada: .. minha vida enquanto encarnada não era do conhecimento de ninguém. — No entanto.. — Bem.Eu sorri e retruquei meio acanhada: — Obrigada. estou me esforçando. entes queridos.. não é mesmo? Eu corei e abaixei os olhos. Alfredo. Você nunca tocou no assunto. — Você sabe? — Sei sim. a sua história? — eu não respondi. pensei que. não sabia que.. — Pensou que eu não conhecesse o seu passado. Daniela.. e ele continuou: — Na verdade. Cabe a você a escolha do melhor momento para se abrir. limitando-me a assentir com a cabeça. eu. — Mas como? Por que nunca disse nada? — Porque não tenho esse direito. e eu não quis invadir a sua privacidade.. e eu não posso pressioná-la a me contar coisas que não me dizem .. bem...— Alfredo. sei de tudo o que se passou com você. levantou-me o queixo e prosseguiu. — Ah! Alfredo. Sou seu amigo e estou aqui para ajudá-la. olhando fundo em meus olhos: — Por que chora. porém. criança? Não é preciso sentir medo ou vergonha. Estava envergonhada de mim mesma e não tinha coragem de encarálo. Abaixei os olhos e comecei a chorar. Alfredo. quem sou eu para julgá-la ou a quem quer que seja? Você é apenas mais um espírito em evolução.respeito. o que não deve estar pensando de mim? Deve julgar-me a mais reles das criaturas. — Minha menina. lutando para aprender e crescer com suas próprias experiências. . causei a morte de minha mãe. cuja lembrança. Sei que suicídio é pecado também. no quê? Para começar. não posso ser considerada um exemplo de virtude. Por causa desse amor. meu pai se tornou um homem amargo e detestável e. destruí a vida de Daniel e de sua noiva. o que é pior. — E o que é a virtude para você? . e muito. ainda hoje. matando-o e me matando logo em seguida. — É mesmo? E no que foi que errou? Eu me enchi de coragem e resolvi desabafar: — Ora. Como vê. me domina e excita. tinha um romance ilícito e condenável com meu próprio irmão.— Mas eu errei. não tenho nenhuma. — Minha querida. propriamente. Tenho consciência de meus erros e sei que deverei pagar por eles um dia. — Não? E como chama as besteiras que fiz? — Digamos que você ainda não compreendeu algumas coisas e. por isso. Você sabe que não devemos falar. a virtude são as nossas qualidades. E eu. . não fale assim.— A virtude? Bem. — Dá no mesmo. — Não acha que está sendo severa demais com você mesma? — Acho que não. não conseguiu agir de uma forma benéfica e saudável. infelizmente. em erros. quando encaramos nossas atitudes como erros. É a mesma coisa. deixamos de lado as nossas ações e permanecemos inertes. Se eu ainda não compreendi algo e por isso agi de uma forma que não é benéfica nem saudável. mas continuo achando que querem dizer a mesma coisa. Por causa dela. na verdade. porque não nos sentimos merecedores de coisas boas ou. e a culpa é grande responsável pelos nossos fracassos.—Não dá. cometi um erro. A única diferença está no modo . porque julgamos só merecer coisas ruins. ao contrário. — Suas palavras são muito bonitas. não. Conforme lhe dizia no outro dia. tendemos a nos sentir culpados. — Que seja. por exemplo. morais ou espirituais. que você usa de forma a suavizar e diminuir o peso que elas realmente têm. as palavras não expressam aquilo que realmente queremos dizer. — Não entendi. procure entender o erro não com . As palavras servem apenas de instrumento para nossa comunicação. — Muitas vezes. mas devemos prestar mais atenção à intenção com que foram proferidas do que ao seu real significado. No entanto. sejam elas sociais. é uma palavra que traz a idéia de algo que foi cometido em desacordo com as normas e convenções. O erro.como emprega as palavras. — Você quer dizer que meus erros só foram cometidos porque eu não sabia . mas como ignorância ou mero engano quanto à interpretação daquilo que nos foi ensinado. ela não é punida nem castigada. e ela faz novo dever.esse peso de imperfeição. Entenda Daniela. e a professora irá ensiná-la tantas vezes quantas forem necessárias. Quando uma criança erra no seu dever de casa. nós só erramos naquilo que ainda não aprendemos. e esse erro serve para que a professora a ensine novamente. de defeito. Erramos porque não compreendemos ou porque compreendemos mal. Pode errar ou não. até que ela compreenda a lição e não erre mais. de nossa alma. Ele . você só compreendeu com o raciocínio. sabia que era errado e.Engano seu. . mas não estava ainda madura para compreender com o coração. Não basta simplesmente aceitar a lição que nos é imposta. de algo em que acreditamos como verdade porque nos ilumina internamente e nos aquieta e aquece o coração.o que estava fazendo? — Mais ou menos. não pude deixar de fazer. porque vem de dentro. É como o aluno que decora a lição porque não conseguiu raciocinar e compreender. e a compreensão é fruto do amor. ainda assim. — Nesse caso. É preciso que compreendamos de verdade. Alfredo. Eu sabia bem o que fazia. Pode-se dizer que aprendeu? É claro que não. vários motivos . Você só conseguiu decorar que incesto é pecado e que você e Daniel não deveriam se relacionar. porque ainda não conseguiu interiorizar aquele ensinamento e aceitá-lo com naturalidade. Foi o que aconteceu com você.simplesmente aceitou o que lhe foi imposto. — Mas incesto não é mesmo pecado? Não foi errado o que fizemos? — Você continua ainda presa ao conceito vulgar de certo e errado. O pecado é criação humana. mas não conseguiu alcançar o seu real significado. não de Deus. Quando duas pessoas nascem ligadas por laços de sangue. mas não entendeu por quê. estão relacionados a vocês. — Quer dizer que sou responsável. Isso não é benéfico nem para você. Nós só somos responsáveis . nem para ele. de alguma forma. ainda. você e Daniel optaram por nascerem irmãos para aprenderem a desenvolver um amor mais sereno. Pelo amor de Deus. Daniela. pela queda de outras pessoas? — Eu não disse isso. há muitas vidas. mais puro e menos pernicioso para vocês e para seus semelhantes. nem para aqueles que. venham se destruindo em nome desse amor. nem pense numa coisa dessas. Falando no seu caso específico. — Como assim? — Digamos que você e Daniel.podem existir. . algo que fez e com o qual não pôde mais conviver. de alguma forma. digamos assim.pelos nossos atos. em sintonia com vocês. internamente. Então. tenha pedido aquele fim para resgatar. Disse que você e Daniel desenvolveram um tipo de sentimento que não foi benéfico para ninguém.. Se vocês prejudicaram alguém. conscientemente. julgou que a melhor . — Não foi isso que eu disse. Mas pode ser que. porque estava. Quando um homem mata outro homem. é claro que o que foi morto. isso só aconteceu porque esse alguém se deixou prejudicar. — Mas se você acabou de dizer que eu destruí pessoas ligadas a mim. não consentiu naquilo. pois que ninguém pode ser compelido a agir em desacordo com suas convicções ou com sua consciência. Mas nada impediria. — Quer dizer que o assassino agiu corretamente? — Ele foi um instrumento. quem matou já traz em si a semente do crime e nada mais fez do que extravasar uma tendência que já possuía. Só serve de instrumento quem sintoniza com o gesto. ele também.forma de aprender fosse morrendo assassinado. evoluído . pelo seu próprio ato. seja por ambição. seja por vingança. que o assassino houvesse. de alguma forma. também. Assim. o que não significa que não seja responsável. seja por desafeto. — É tão difícil. só você tem esse dom de me fazer sentir menos culpada.naquele sentido e não quisesse mais assumir aquele tipo de responsabilidade. Daniela. — Alfredo. . por isso mesmo. Não se esqueça de que o homem possui livre-arbítrio e é. Já lhe disse: tenha consciência. Entenda o que lhe aconteceu e procure transformar o seu sofrimento em fonte de aprendizado. livre para agir de acordo com sua consciência e seu desejo. Nesse caso. Mas sem culpas. o homicídio não existiria. e poder-se-ia dizer que o criminoso teria dado um grande passo em sua escalada evolutiva. Alfredo. não culpa. — Não se culpe por nada. é que ainda não acreditamos que podemos fazer diferente e modificar o nosso destino. Não estou dizendo que é fácil. Tudo pode ser evitado e modificado. isso não quer dizer que eu . está caminhando para a frente. O importante. Daniela. Mas podemos. O que não podemos é simplesmente cruzar os braços e deixar acontecer. e é por isso que ainda estamos aqui. Se eu escolhi passar por uma situação difícil que me trará muitos ensinamentos. se você se esforça. Todos nós vivemos carregados de culpas. Se você tenta. Basta querermos. para a sua própria evolução. Mas. lutando para crescer e nos libertar.— Eu sei. é tentar. como se tudo fosse inevitável. o que geralmente acontece. necessariamente. Mas não se preocupe. o homem está aprendendo e hoje. em determinado ponto de minha vida. modifico o meu destino. Posso muito bem. porque acredito também que posso aprender de outra forma e. com . Só que. não é. Por isso é que há tanto sofrimento no mundo. na maioria das vezes. — Como se isso fosse fácil. não conseguimos alcançar essa crença e acabamos mesmo por passar por tudo aquilo que programamos. assim. acreditar que não preciso mais daquela dificuldade. Seja como for.tenha. E muito poucas pessoas conseguem realizar isso. — Não. e o que poderia ter sido evitado acaba por se tornar inevitável. que passar por ela. certeza. nós. tinha tido poucas experiências. espíritos desencarnados. Isso porque era ainda muito primitivo. — Como assim? — Tomemos o seu exemplo. Há quinhentos anos. um espírito suicida costumava passar séculos no umbral. tinha aprendido pouco. Hoje. Da mesma forma. sabe mais do que há quinhentos anos. se arrependesse. Tudo vai depender do quanto esse espírito já . desejasse se modificar e pedisse a ajuda de Deus. um suicida pode ficar muito menos tempo no umbral ou nem passar por ele. hoje sabemos muito mais do que ontem e vamos ajudando no progresso do mundo espiritual também. até que se desse conta de seu estado. de seus atos. E sabe por quê? Porque talvez já tenha passado por aquilo antes e aquele aprendizado esteja guardado dentro dele mesmo. e isso foi suficiente. Ao contrário do que pensa. ele vai acionar aquele ensinamento. vai recordá-lo e vai se conscientizar muito mais depressa. Assim. Daniela. dentre as . por que passar trezentos anos no umbral se ele já compreendeu? — Foi o que aconteceu comigo? — Sim. Você ficou lá pouco mais de vinte anos. você é um espírito que já alcançou um alto grau de compreensão. e muito mais rapidamente vai tomar consciência da impropriedade de seu ato. embora tenha ainda muitas coisas para aprender. Então.tenha compreendido e aceitado. a voz embargada: — Obrigada. disse. virá visitála. em breve. sem conseguir soltarme de seu pescoço. meu amigo. e eu estava muito grata a ele por tudo. Comecei a chorar de mansinho e abracei Alfredo. Eu me afastei dele e perguntei espantada: — Notícia? Do que se trata? — Sua mãe.quais. muito obrigada. . — Está feliz? — Eu assenti. — Então deixe-me dar-lhe uma notícia que. muito irá alegrá-la. sua relação com Daniel. Cheia de emoção. Não sabe o bem que está me fazendo. Ele era maravilhoso. creio. — Minha mãe? Mas como? Meu Deus. — E você não compreendeu nada do que conversamos. se nem ela a culpa. por que você deve se sentir culpada? Ela a ama muito e está louca de vontade de vê-la. Além disso. — Não é isso. Mas não posso me esquecer de que sou culpada pela sua morte e. Aquilo já estava programado. não posso vê-la! — Por que não? Não sente saudades dela? Não a ama? — É claro que sim... não se culpe pelo desencarne de sua mãe.. — Verdade? Não está chateada comigo? .. é que. — Daniela. aproveite a oportunidade. Então. Mesmo depois que desencarnou. Se pedir-lhe perdão irá acalmar o seu coração. Então? Não está satisfeita de saber que sua mãe venha visitá-la? — Oh! Alfredo desculpe-me. faça isso. — Há muitas coisas que você não sabe. pedir-lhe perdão. É claro que estou feliz. — É mesmo? Eu não sabia. continuou a velar por vocês e muito contribuiu para o seu resgate das trevas. Há muito gostaria de falar com ela. . — Perdoar ao próximo e a si mesmo é uma grande virtude.— Mas o que é isso? Sua mãe é um espírito amigo e sempre se preocupou com você e com seu irmão. sentia-me mais feliz. menos criminosa. e eu. Seria muito bom reencontrá-la. mais segura. .Depois daquela conversa. Pensei em minha mãe e comecei a chorar de saudade. Estranhamente. Há quanto tempo não a via nem ouvia falar dela. voltei para o meu quarto. voltei meus pensamentos a Deus e agradeci. intimamente. me preparando para receber a visita de minha mãe. quando Alfredo bateu à porta e entrou. — E então? Animada para o encontro com sua mãe? — Estou muito ansiosa — virei-me para o espelho e perguntei: — Será que estou bem? — Você está linda.CAPÍTULO QUATRO Uma semana depois. . — Olá — cumprimentou sorridente. — Ora. Até parece que isso é importante aqui. mas que bobagem a minha. eu estava em meu quarto. à luz que irradia de um rosto bondoso e alegre. — Puxa. Daniela. Quando falo em beleza. eu não sabia. para que você possa se sentir bela. — Você está confundindo as coisas.Nem sei por que tem esse espelho no meu quarto. Pensei que ser bonito ou feio não fosse importante para os espíritos. Foi por isso que colocamos esse espelho em seu quarto. ao aspecto de limpeza. traz refinamento ao espírito e leveza ao coração. porque você traz em si o gosto pela beleza. — Cultivar a beleza. de serenidade. É o viço. que enche de cor e de luz qualquer semblante feliz e em paz . Daniela. refirome ao cuidado pessoal. o mau humor. e avistei minha mãe sentada à beira de . desde que se tenha o cuidado para que isso não se transforme em motivo de fútil ostentação.consigo mesmo. Cultivar a beleza é muito saudável e positivo. Em silêncio. o desleixo. Coisas que transformam até a mais linda face num espelho de feiura. saímos do alojamento e seguimos em direção ao jardim. Bem. Já está pronta? — Estou. — Podemos ir. O que é feio é a maldade. então? — Minha mãe já chegou? Onde está? — Ela a aguarda no jardim. agora chega. Estava um dia ensolarado e fresco. a sujeira. meu corpo todo tremendo de emoção. Alfredo me indicou o caminho e se foi. Não queria nos atrapalhar. mexendo na água com as mãos.uma fonte. realmente. emocionada. Minha mãe estava. muito bonita. os cabelos grisalhos e lustrosos. Minha mãe deixou que eu ficasse ali. Ela se virou para mim com um sorriso. Era a imagem da felicidade. — Mamãe — chamei. presa em seu abraço. Ao me ver. como um passarinho sob as asas da mãe. As faces coradas. . e eu me aninhei neles. Comecei a chorar. a pele lisa e suave. e foi então que pude entender a concepção de beleza de que Alfredo havia pouco me falara. estendeu os braços para mim. minha filha.... eu. Há tantas coisas que gostaria de falar. segurou meu rosto entre as mãos e pousou em minha face um beijo carinhoso e prolongado. Senti tanto amor naquele gesto que. ela me afastou.acariciando meus cabelos com ternura e compreensão. olhando-me em seguida nos olhos. como estou feliz em poder encontrá-la. — Vamos nos sentar ali naquela . foi como se nada mais no mundo importasse de verdade. bem profundamente. de repente. Depois de muito tempo (não sei nem quanto tempo ficamos assim). apenas o amor que ela tinha para me dar. — Mãe.. que nem sei por onde começar. nem sei o que dizer. dizendo: — Daniela. minha paixão cega e enlouquecida. Ela segurou a minha mão e foi me conduzindo para um banco. — Psiu! Minha criança. — Há. debaixo de uma árvore florida. mãe! Perdoe-me! Eu não queria. não chore. Logo que nos sentamos.sombra e poderemos conversar com mais tranquilidade. sim. Você não sabe o quanto sofri em silêncio após a sua morte. Mas eu não queria. bem em frente à fonte. Eu matei você com meu egoísmo. sentindo-me culpada. juro que foi sem querer.. não há o que perdoar... Mas foi . Você não me fez nada.. deitei a cabeça em seu colo e desabafei: — Perdoe-me. Não daquele jeito. mas não foi por querer. você caiu. eu não queria. Naquele dia. Eu me apavorei. Sei que a magoei com minha atitude. Por favor. Não foi de propósito. juro. Só tentei impedi-la. Eu não a empurrei. Eu só queria ficar ao lado de Daniel. mas eu não queria a sua ajuda. Eu a amava. segurei a sua camisola e você caiu. era só o que me importava. mas você não quis ficar. acredite em mim. Por isso. queria ir chamar papai. mamãe. não podia . eu estava desesperada e tinha medo do que papai pudesse fazer conosco se você lhe contasse o que vira.. Sei que você tentou me ajudar.. — Ainda a amo. Jamais faria algo para machucála. — eu soluçava quase em desespero.um acidente. e as palavras foram saindo aos borbotões. agarrada ao colo de minha mãe. iria nos separar de vez. e eu podia agora tentar me reconciliar com minha mãe. e eu não poderia suportar. Estava tão transtornada que mal podia concatenar as ideias. meio desencontradas. mãe. manchando suas roupas com minhas . acredite em mim e perdoe-me! Perdoeme! Eu estava descontrolada. A culpa.deixar que você falasse com papai novamente. Eu chorava feito uma criança. uma crueldade do destino. foi um acidente infeliz. Foi sem querer. Mas não queria matá-la. finalmente saíra. Por favor. Ele iria nos mandar embora. que me roera durante todos aqueles anos. . Só assim estaria preparada para conversar com ela. quando me acalmei e serenei o pranto. não precisa mais se desesperar. ainda que depois eu compreendesse que nada daquilo era real. Mas eu precisava daquele desabafo. mas agora deixe que eu fale. Daniela. minha mãe disse com doçura: — Está bem.lágrimas sentidas. sem dizer nada. Ao final de muito tempo. até que eu me acalmasse. Sei que é bom desabafar. e muito me fez bem falar sobre aquele dia. Ela ficou acariciando meus cabelos e beijando minha cabeça. Minha mãe compreendia o que se passava comigo e deixou que eu colocasse tudo para fora. até quase me esvaziar. na época. sem saber o que fazer. pensei que vocês fossem desequilibrados ou loucos e . porque julguei um erro e um pecado aquilo que vocês estavam fazendo. Naquele dia. que não quis me ferir. Eu sei que você não me matou. e a pior dor para uma mãe é ver o sofrimento de seus filhos. fui em busca de seu pai porque eu também estava desesperada. cheia de peso e de culpa. Não sabia por que você e Daniel praticaram um ato que eu. da forma como você coloca. Sou mãe. não tinha o conhecimento que tenho hoje.Tudo isso já passou e não aconteceu assim. Quando encarnada. Eu condenei vocês. sim. considerava abominável. Em minha ignorância. que sempre me amou. Minha alma já havia escolhido aquela forma de desenlace. — Não. parecendo evocar as lembranças daquele dia. também não foi um acidente. eu perdi o equilíbrio e caí. — Mãe. e que um psiquiatra resolveria aquele problema.. ainda que abruptamente.achei que seria melhor separá-los. e continuou com lágrimas nos olhos: — Eu estava errada.. — ela fez uma pausa.. Na luta para me desvencilhar de você... Falemos de meu desencarne. assim como a sua também optou por estar presente naquele . fraturando o pescoço.. Sei que não foi de propósito. Aquilo estava programado. Não quero falar sobre isso agora. Deixe-me terminar. por descuido. com isso. uma opção que fiz para me perdoar de algo que fiz no passado. Para você. embora eu sinceramente me arrependesse. Há muitos anos. Daí porque nós duas escolhemos nos envolver naquele acidente. empurrei você por um penhasco abaixo. Não que quisesse me castigar. Mas pretendia. rever a minha atitude quando. você não conseguiu me perdoar. foi uma forma de passar por aquilo que infligi a você. Para mim. e você experimentou consigo mesma aquilo . Não foi um acaso. digamos assim.momento tão doloroso. causei a sua morte em situação semelhante e. foi uma forma de reconhecer como é dolorosa a ausência de perdão. Foi uma combinação. em outra vida. de forma tão perfeita e maravilhosa. não podia ainda compreender por que minha mãe nos abandonara no momento em que mais precisávamos dela e perguntei: — Mas por quê. Você quis experimentar como é se sentir culpada. não soube ou não pôde conceder. No entanto. Eu estava surpresa. que você deveria aplicar em si mesma. em outra época. fazendo com que deixasse de lado a prática do perdão. Jamais poderia supor que a vida se engendrasse assim. e o perdão mais difícil de se obter é o da nossa própria consciência. Infelizmente.que. mãe? Por que teve . você não entendeu esse processo. e a culpa a corroeu por dentro. para depois alcançar o perdão. porém. eu jamais os deixei ao abandono. deixando-nos ao abandono? — Não. E foi o que tentei fazer. Mas era preciso que vocês mesmos . que eu tinha meu próprio tempo na Terra. porque eu também precisava aprender com ele. e minha missão com vocês estava terminada no exato momento em que desencarnei.que partir tão cedo. Durante todo o tempo. minha filha. embora vocês não pudessem me ver ou sentir. rezando e pedindo por vocês. para que pudesse orientá-los e mostrar-lhes o quanto aquele sentimento era prejudicial a vocês. Eu pedi um tempo exíguo. Acontece. estive ao seu lado e de Daniel. da forma como entendia. sem ciúme. apego ou sensualidade. o pecado está no . Para que aprendessem a amar sem destruir. — Minha filha. faz parecer que incesto não é pecado. Ele quer se preparar antes de reencontrar você. e foi por isso que você e Daniel nasceram irmãos gêmeos. Era o que esperávamos conseguir com a fraternidade. que não é uma coisa feia ou errada. — Mãe.conseguissem conter seus instintos e desejos. Mas ainda não é hora de falarmos sobre isso. — E papai? — Seu pai também sofreu muito. do jeito como fala. transformando aquele sentimento possessivo e adoecido em amor verdadeiro. não maltrata. Deus não está preocupado com as convenções ou as normas. porque . e não naquilo que se convenciona ser certo ou errado. o mal e as dores não existirão. Quem se reconhece amado não se deixa atingir. O amor tudo pode. e a felicidade somente poderá ser alcançada no dia em que compreendamos o que é. nem magoar. Preocupa-se com que aprendamos a ser felizes. verdadeiramente.coração do homem. o amor. nem ferir. Quem ama não erra. pois só um coração puro é capaz de ver na maldade e no sofrimento uma ponte para a perfeição. tudo constrói. não magoa. tudo fortifica e fortalece. Porque compreende. A compreensão plena é fruto do amor verdadeiro. No futuro. não fere. minha filha. mas entender e ajudar. ainda que caíssemos novamente? Estaria disposta a apoiar nossos erros sempre? — Apoiar não significa compactuar. tão amiga. e eu fiquei muito feliz por ter tido o privilégio de . sem críticas ou julgamentos. e sempre os estarei apoiando. — Você nos apoiaria. serei sempre sua amiga e de Daniel. Chorei de emoção.aqueles que praticaram a maldade já terão aprendido com ela que ninguém pode ser feliz fazendo o mal. tão carinhosa... não importa o que façam ou o que tenham feito. — Sim. — Mamãe. Minha mãe era maravilhosamente sábia. você é tão boa. Não era isso. onde o aluno que não aprende é reprovado e tem que repetir o ano. porque era necessário para o nosso aprendizado e crescimento. Não que achasse certo o que fizéramos. que tudo acontecera conforme o nosso preparo moral. consegui enxergar. a mim e a Daniel. Dali para a frente. Mas. assim .ser sua filha. Mas conseguira tirar o peso da culpa de meus ombros e passei a me olhar. em vez de estudar a lição. ao menos em parte. Sabia que não era apropriado e tudo faria para me corrigir. como na vida. como crianças rebeldes que optaram por gazetear. Já me sentia menos culpada pelos meus erros e comecei a encarar a minha vida com mais naturalidade. finalmente. . pudéssemos. e eu esperava que. que não conseguíramos entender nada do que nos havia sido ensinado. aprender.também meu irmão e eu. iríamos repetir o ano. na próxima oportunidade que nos fosse dada. já quase sarara. por outro lado. o homicídio e o suicídio não estavam ainda resolvidos. quando me emocionava muito. aos poucos. Às vezes. senti que minha vida começou a mudar.CAPÍTULO CINCO Desde meu encontro com minha mãe. Mas eu ainda tinha muitas coisas a trabalhar. foi diminuindo. ela começava a sangrar. Afinal. Eu agora já estava um pouco mais calma. o incesto. A ferida em meu peito. empapando as bandagens de . e eu também não conseguia dar conta dessas dores. e a culpa. Pensei se. Eu sempre valorizara muito o sexo. como meu pai. teria me entregado a qualquer um que me quisesse. Mesmo quando Daniel me abandonara. eu havia precisado desesperadamente de sexo e. Talvez pela raiva que sentia por perder Daniel. e bebia bastante.algodão que Alfredo colocava sobre elas. tanto que não podia prescindir dele. e o meu fígado já começara a se ressentir dos abusos. Não eram raras as ocasiões em que me embebedava. Não só pelo ferimento à bala. mas também pela vida dissoluta que levara. havia começado a beber. não fosse Marcelo. não . Além disso. Meu perispírito fora muito maltratado. sim. Tudo isso contribuiu para a lesão que imprimira em meu períspirito.teria desenvolvido alguma espécie de câncer no fígado. melhorou? — Melhorei. — Hum. — Alfredo. estava no consultório de Alfredo para trocar as bandagens. minha vontade de mudar era tão grande que ele aos poucos foi se refazendo. e eu quase não sentia mais dor. Vai . Daniela. Um dia. — E então. No entanto. será que vai desaparecer? Será que vou reencarnar com alguma sequela? — Isso eu não posso afirmar.. o ferimento já está quase cicatrizado.. e começamos a conversar. Já é um grande passo para a sua transformação. — Sabe Alfredo. destruindo algo que tomamos por empréstimo. do quanto você mesma vai se melhorar. Deus nos emprestou um corpo para que o usássemos segundo as nossas . que é o nosso corpo físico. hoje em dia me arrependo tanto de ter me suicidado. Quando você empresta algo a alguém. o mínimo que espera é que esse alguém tenha cuidado com o que lhe pertence e o devolva inteiro.depender de você. Assim é a nossa matéria. — Por que o suicídio é tão prejudicial a nós mesmos? — Porque interrompe o processo de evolução. — Que bom. — Assim espero. que é a nossa própria evolução. se destruímos o que está a nosso serviço. Mas se nós não damos importância a isso. Tinha muitas coisas a pensar e estava começando agora a me compreender.necessidades. Mas jamais serão irreversíveis. para que ele cumprisse a sua utilidade. No entanto. logo. havia algo que eu não entendia e . temos que prestar contas a quem nos emprestou. Quando saí dali. fui dar uma volta. mas que não nos pertence. Logo. As consequências estão sendo terríveis. — Hoje lamento muito esse ato impensado. você estará livre de tudo isso. sim. No dia seguinte. ele me encarou serenamente e perguntou: — Quer recordar o passado? — Se for a melhor forma de saber. Queria saber e pensava que ele poderia me esclarecer. decidida. Daniela.que havia muito me intrigava. Quando expus minhas dúvidas. verei o que posso fazer. — Está bem. Vou pedir autorização para . transformar a minha vida e partir para um rumo melhor e mais bonito. de verdade. Por que Daniel e eu estávamos tão ligados? Por que aquele sentimento nos unia quase como se fôssemos um só? Eu precisava saber. Só assim poderia. fui procurar Alfredo novamente. e muito. Esperava sair dali já com tudo na cabeça. eu mesmo irei procurá-la para iniciarmos os procedimentos. naquele momento. . mas não foi o que aconteceu e eu tive que me conformar. Era preciso que eu esperasse. que me preparasse emocional e psiquicamente para o que iria rememorar. quando Alfredo me procurou. se for concedida. Eu estava ainda muito crua no mundo dos espíritos.esse processo de rememoração e. Não posso dizer que não fiquei decepcionada. No entanto. só serviria para me confundir ainda mais. Saí agradecida. que aprendesse um pouco mais. Fiquei. e lembrar do passado. disse que o pedido havia sido negado. Aprendi que Deus não é um sonho distante. que ampara seus filhos de longe. mas uma realidade bastante presente. Até então. por detrás . sejam eles fáceis ou difíceis. porém distante. porque aprendi a buscar Deus dentro de mim. Se antes eu só frequentava os diversos cursos que a colônia oferecia. agora assistia também às sessões de oração e comecei a ver em Deus não um protetor benigno. via na figura de Deus a imagem do Pai inacessível.Passei então a me dedicar com mais empenho aos estudos e às orações. mas um amigo com o qual se pode contar em todos os momentos. embora eu lhe fosse muito grata por me haver tirado daquelas trevas. Foi muito bom me reconciliar com Ele. porque as origens de meu amor por Daniel acabaram se perdendo em minhas próprias lembranças. Não vou tentar precisar quando tudo começou. se deu por um processo muito semelhante à hipnose.dos bastidores. fez com que eu O sentisse mais próximo de meu coração. pude me sentir bem mais reconfortada. e a certeza de que Deus estava sempre presente. Foi só lá pela quarta tentativa que consegui autorização para relembrar meu passado. sem se deixar ver ou tocar. no meu caso específico. Mas depois que conheci os benefícios da prece. de tão . Alfredo me acompanhou durante toda a sessão de rememoração que. ao meu lado. já nos amávamos. desde os alvores do mundo. roubando e tripudiando para alcançar nossos objetivos. nós nos uníamos para destruir e sabíamos que nossa união era poderosa. como na Grécia antiga. sempre a serviço do mal. Creio que. havíamos desenvolvido uma .antigas que eram. no Egito ou na Etiópia. Além disso. na Roma de Nero e até na índia. matando. Revi brevemente algumas encarnações bem remotas. porque tive uma vaga lembrança de uma vida. e estávamos sempre juntos. Em todas elas. onde éramos rei e rainha extremamente cruéis. e não hesitávamos em exterminar qualquer um que ousasse se interpor entre nós. e costumávamos nos amar logo em seguida à execução de nossas vítimas. e o quanto também era primitivo o nosso amor. que tinham começado havia muitos séculos. . foram se repetindo a cada nova reencarnação.sensualidade exacerbada e desenfreada. e parecia que havíamos conseguido a ligação perfeita. Hoje. O cheiro de sangue funcionava como essência afrodisíaca. Éramos almas gêmeas. percebo o quanto éramos primitivos. Pude compreender por que estávamos tão ligados. revendo tudo isso. Esses encontros. Nós nos acostumáramos a nos encontrar sempre. e não raras eram as vezes em que matávamos para nos excitar. porque desperdiçáramos todas as chances que tivéramos para. jamais seria proveitosa e acabaria sempre nos atirando no mesmo precipício da imperfeição. conquistarmos a vitória. Era preciso que compreendêssemos a necessidade da separação. portanto. nos desligar assim tão de repente. da forma como estávamos acostumados. tanto na carne quanto em espírito. juntos.e nós sempre nos desvirtuávamos do caminho que primeiro havíamos escolhido. para nos entregarmos a todo tipo de loucuras e excessos. Estava claro que nossa união. Não poderíamos. . e separar-nos era tarefa das mais árduas e dolorosas. Vivíamos praticamente em simbiose. no princípio da Idade Média. Minha mãe fora mesmo minha mãe e morrera quando eu era ainda muito criança. mas porque era rico e muito poderoso. Esse barão foi meu pai na vida que agora terminara. Daniel era um rapaz musculoso e atraente. Casei-me com um barão extremamente influente e importante. apesar de bem mais velho.Lembro-me de uma vez. hoje Marcelo. não porque o amasse. capitão do exército pessoal de meu marido (ou meu pai). Fui criada por meu pai. em meio aos mimos e caprichos. casado com . e crescera acostumada a ter tudo o que desejava. Eu era então uma nobre inglesa. sempre às voltas com meus tesouros e minhas terras. que o convidara a passar uns dias em seu castelo. muito amigo seu. e ele foi a meus aposentos. um dia. Dada a sua extraordinária beleza. Depois que o recado foi dado. ausente numa caçada. mas ele sempre se esquivava de mim.Ana Célia. Até que. levando um recado que acabara de ser entregue nas portas do palácio. temendo uma reação violenta de meu marido. informava que iria se demorar ainda um pouco mais. Meu marido. pois encontrara o rei de um feudo vizinho. o capitão se dirigiu para a porta do quarto. a sorte pareceu me sorrir. eu estava lendo uns pergaminhos e larguei-os logo que o vi. Quando ele entrou. logo me interessei por ele e tudo fiz para atraí-lo até minha cama. . mais que depressa. Ele ficou confuso e estacou. Decidimos nos livrar de ambos. Mais que depressa. e meu marido e a esposa de Daniel acabaram por se tornar um empecilho à nossa felicidade. Com o passar do tempo. segurei a sua mão e coloquei-a em meu seio. Agarrou-me com furor. ele me beijou e se foi. sempre que meu marido saía.e eu. e ele não resistiu. com medo de me ofender. Quando terminamos. no chão. ele ia ao meu quarto e nós nos amávamos. e nós nos amamos ali mesmo. Daí em diante. e não haveria . me interpus em seu caminho. Foi fácil com Ana Célia. Ela era uma moça pobre e sem títulos. sem dizer uma palavra. nosso amor foi se intensificando. Sem pudor ou constrangimentos. ela caíra fulminada. Marcelo. . provavelmente por problemas de coração. e a morte foi tida como natural. e ele deitou a poção em seu cálice de vinho sem que ela percebesse.ninguém que se preocupasse com a sua sorte. contei-lhe de minha paixão por Daniel. o veneno fizera efeito. meu pai. pedindo-lhe conselhos sobre a melhor forma de me livrar de meu marido. Ele era poderoso e vivia cercado de guardas. Já meu marido seria mais difícil. Ele gostava de mim e era muito ambicioso. Eu mesma dei a Daniel o veneno com que iria matá-la. Fui procurar meu pai (Marcelo). Minutos depois. em sua barraca. Invadido pela cobiça. e ele o matou a punhaladas.a princípio ficou preocupado. enquanto dormia após um longo e exaustivo dia de caçada. desperdiçando-a em bebidas e mulheres. meu pai concordou em me auxiliar. a ganância acabou falando mais alto. Até que gostaria de poder usufruir da fortuna de meu marido. e meu pai executou o seu plano. Subornou o soldado de maior confiança de meu marido. O trato foi feito. oferecendo-lhe uma pequena fortuna. como era de seu prazer. mas tinha medo das consequências que a morte de um homem tão poderoso poderia gerar. Como . No entanto. em troca de uma considerável soma em ouro. Eliminados todos os obstáculos. e Daniel e eu passamos a viver juntos. não importava. mas nossa sensualidade desenfreada fez com que vivêssemos entregues a um amor promíscuo. após o período próprio do luto. e o soldado escolhido era de inteira confiança. Meu pai recebeu o seu dinheiro. envolvendo outras pessoas em nossas relações. Mantivéramos um romance tão secreto que ninguém nunca chegara a desconfiar. A única coisa que tinha importância era que queríamos .ninguém vira nada. o crime acabou por passar impune e nós ficamos livres para viver o nosso amor. sem levantar muitas suspeitas. passamos a viver com relativa tranquilidade. homens ou mulheres. lembro-me de outra época.sentir prazer e escolhíamos sempre mais uma ou duas pessoas para fazerem sexo conosco. ainda na Inglaterra. e nós morremos levando conosco nossos segredos de horror. o fato é que a atravessamos sem maiores dificuldades. que nada tinha de meu. em geral adolescentes recém-saídos da puberdade. Era . Apesar dessa vida dissoluta e criminosa. e só paramos de nos envolver dessa forma quando o peso da idade começou a tolher as nossas forças. Daniel e eu vivíamos pelo sexo e para o sexo. Os crimes que cometemos jamais foram descobertos. filha de um pobre pescador. Eu era agora uma jovem aldeã. Depois disso. ela havia perecido. Bastou que deixássemos a natureza agir e. a princípio. Não precisamos matá-la. o jovem também se interessou por mim e. vítima . No entanto. interessei-me por um jovem forasteiro que para ali fora juntamente com a família. e os homens da região viviam a me assediar. de constituição frágil. em pouco tempo. adoecera subitamente. embora meus pais tudo fizessem para me afastar de seus olhares lúbricos.bonita. pareceu um empecilho aos meus planos de conquista. o que. em pouco tempo. tornamo-nos amantes. Era casado e tinha dois filhos. Um dia. e víramos ali a chance que queríamos para viver plenamente nossa paixão. Sua esposa. cansado da solidão. Aquilo para nós foi motivo de imensa alegria. que não consentiram no meu consórcio com o rapaz. na esperança de poder resgatá-lo. Fiquei horrorizada e . Contudo. dessa vez. e sua esposa. Meu pai mesmo se encontrava ainda no umbral. era Ana Célia. e minha mãe permanecera na vida espiritual. havia ainda meus pais. foram outros. que não têm ligação com o resto da minha história.da febre. Meus pais. e meus pais viram nele um excelente negócio. O homem era muito rico. Bem. novamente. eles haviam recebido a proposta de um fidalgo idoso e viúvo. É claro que o forasteiro era Daniel. Eu era linda e jovem. O homem era abastado e generoso. Mas eu jamais poderia aceitar aquela vida insossa. Contei-lhes de minha paixão por Daniel. e eu me mudaria para o castelo. e não estava a fim de enterrar a minha vida no castelo de nenhum velhote. mas eles nem me ligaram importância. Numa madrugada fria. fugimos. deixando para trás as duas crianças. .tentei protestar. Não tinha com o que me preocupar. O casamento se realizaria dali a um mês. e me daria uma vida de rainha. Disseram que aquele amor era impossível e que tudo já estava arranjado. adormecidas em seus leitos. longe do homem a quem amava. e meus pais continuavam os mesmos. Éramos amigos e muito ligados. Mas eu. revi outra encarnação. sem saber o motivo. a princípio. Daniel e Ana Célia acabaram se casando. e aquilo me horrorizou. pareceu se interessar também por ela. E assim fomos vivendo um para o outro. também comecei a gostar dele. que não as tratava lá muito bem. Desde a infância. embora eu . Ana Célia e Marcelo eram meus irmãos. Depois. sem ligar a menor importância a quem quer que nos rodeasse.Mais tarde soubemos que elas haviam sido adotadas por uma família da região. em que Daniel e eu nascêramos homens. Ana Célia demonstrou enorme interesse por Daniel e ele. Depois do casamento.estivesse certa de que o amava acima de todas as coisas. Cada vez que o encontrava. Todos os domingos. naquela época. muito boa e afetuosa. o homossexualismo era punido até com a morte. Marcelo era muito meu amigo. Daniel. No entanto. Daniel e Ana Célia vinham nos visitar. estávamos ainda muito longe de conhecer. e pensei não estar disposta a enfrentar um preconceito que sabia não poder vencer. eles passaram a morar em uma vila perto da nossa. despertando para verdades que nós. meu sangue . ou então éramos nós que íamos até sua casa. e minha mãe. papai e eu. Ela já começara a evoluir seu espírito. Tudo isso era feito sem que pudéssemos reconhecer para nós mesmos que estávamos apaixonados um pelo outro. meu coração disparava.parecia ferver. Fazia calor e o sol estava muito quente. o pior aconteceu. mais do que proibida. e passamos a trocar olhares e a inventar desculpas para nos aproximar. Ele também sentia o mesmo por mim. seria motivo de escândalo e vergonha para nossas famílias. e essa paixão. Até que. a respiração me faltava. que fornecia uma sombra fresca e agradável. Descemos do cavalo e fomos nos sentar debaixo de uma árvore frondosa. Éramos dois homens. . um dia. Nós dois saímos a cavalo e resolvemos parar para descansar. eu estava sobre ele. imobilizando seus braços. e foi quando senti uma estranha sensação percorrer todo o meu corpo. como faziam os rapazes saudáveis da época. e começamos a rir e a fingir que estávamos lutando.Inocentemente. começamos a conversar sobre amenidades. estávamos arrasados. até que a conversa se desviou para o campo amoroso. Eu disse que não. porque paramos de rir ao mesmo tempo e nos beijamos e fizemos amor. Ele queria saber se alguma moça já me havia conquistado o coração. Quando terminamos. De repente. Ele sentiu a mesma coisa. como podíamos ter feito e sentido prazer com . que não havia ninguém. Éramos homens. achando que talvez eu sofresse de algum tipo de loucura. ele foi mais forte do que nós. Não sabíamos como tinha acontecido. cada vez mais intensa e loucamente. e . Embora lutássemos contra aquele sentimento. Minha mãe ficou muito preocupada. e juramos que aquilo não iria se repetir. como conter a paixão e o desejo? Nós nos amávamos e não podíamos evitar. variando de humor a cada instante. mas o fato é que acontecera. começou a ficar diferente em casa. se alguém descobrisse. seria o nosso fim. No entanto. e até eu tinha ataques estranhos. como era de se esperar. e continuamos a nos encontrar e nos amar. Daniel.aquele sexo imoral? Sabíamos que. recusava--se a crer em suas desconfianças e procurava afastar aquelas idéias da mente de meu pai. tentando fazer com que eu lhe contasse a verdade. ouvi quando ele dizia a minha mãe: — Esse rapaz anda muito estranho. Será que não é homem. Ele é muito . Certa ocasião.meu irmão conversava comigo. Já reparou como ele tem certos trejeitos efeminados? E por que não se interessa por nenhuma moça? É jovem. prefere ficar em casa e só sai em companhia do cunhado. Só meu pai parecia adivinhar o que estava acontecendo. — Não pense nisso. embora seu coração a alertasse. está na idade de aproveitar a vida. No entanto. meu Deus? Minha mãe. Daniel. Meu pai se calava. Nesse gesto. Estávamos no alto de uma montanha. saíramos para fazer um piquenique e.jovem. Era uma visão linda e aterradora. Daniel e eu fomos dar uma caminhada. Começamos a nos acariciar e a nos despir com furor. e eu o amparei para que não caísse. Apenas não encontrou ainda a moça certa. Um dia. as ondas batendo nas pedras com fúria. e o mar lá embaixo se agigantava revolto. até . ele segurou minha mão e a levou aos lábios. enquanto todos estavam repousando. sentiu uma tontura. de repente. beijando-me logo em seguida. mas não se convencia. e Daniel partiu em seu encalço. de tão assustada. não queria que ele sofresse. Minha mãe estava envergonhada e não queria que meu pai descobrisse a verdade. Ana Célia. implorando a minha mãe que me perdoasse. as faces pálidas de horror. sem saber o que fazer. Ana Célia e minha mãe estavam ali. Ela me batia e gritava: — Por quê? Por quê? Não lhe demos tudo? Por que nos envergonha . não pude me mover e fiquei ali chorando. desesperada. Mas eu. partiu para cima de mim e começou a me esbofetear. desatou a correr. paradas bem ao nosso lado. Ela. e eu me deixei bater passivamente.que ouvimos um grito agudo e estacamos apavorados. Breve. porém. seu miserável? Acabou me empurrando penhasco abaixo. jurava que não tinha feito por querer. Até hoje me lembro da sensação do vazio. Eu morrera e quase passara a odiar minha mãe. meu corpo atingiu a água e logo foi atirado nas pedras e engolido pelas ondas. da momentânea liberdade de estar solta no ar. da queda livre no espaço. Em suas orações. viva do outro lado. porém. ela me pedia perdão. Não pensou que eu estivesse tão na beira do penhasco e chorava de dor. escutava suas preces com . Eu. Afirmava que me empurrara num momento de loucura e que jamais poderia prever que eu despencaria daquele jeito.assim. Meu pai só não cortou relações com ele por causa de Ana Célia. que me arrancara da vida de forma tão abrupta. Jamais poderia suportar tamanha vergonha. por outro lado. Não podia perdoar aquele gesto cruel. definitivamente. Não. Daniel. que se apaixonara pelo cunhado e com ele mantivera insidioso romance. com medo de tudo. não. Não iria aceitar uma filha descasada por causa do irmão. nunca mais foi o mesmo e passou a viver atormentado. e eles precisavam manter as aparências. Disseram a todos que o filho morrera tragicamente ao escorregar da .indiferença. envergonhado de si mesmo. Ela era sua filha. Ninguém tinha motivos para suspeitar dessa versão. como sempre. porque ninguém sequer podia conceber a ideia de que uma família tão ilustre pudesse estar manchada pela vergonha da pederastia.beira de um penhasco. Minha mãe. novamente. e Ana Célia. Esse jovem era Marcelo e tinha um irmão mais moço. à época com . Essa havia sido minha antepenúltima encarnação. meu pai foi novamente meu pai. Na que sucedeu. e meu pai planejara para mim um casamento de pompa com o jovem filho de um nobre vizinho. Vivíamos bem. aceitara o encargo de me ter como filha. que era Daniel. e assim foi. minha irmã mais nova. junto com seus pais e seu irmão. o que me deixou louca de ciúmes. Eu fui me . comecei a me sentir atraída por ele. Eu contava então vinte e cinco anos.apenas seis anos de idade. e Daniel não era mais que um menino. Ele. Ele e Ana Célia eram praticamente da mesma idade e logo começaram a namorar. me tranquilizava. A paixão novamente irrompeu em nós e tornamonos amantes. Quando Daniel alcançou a idade de catorze anos. onze anos mais velha. Eu. casei-me com Marcelo e fui morar em sua casa. e ele por mim. porém. dizendo que seu amor era por mim e que só aceitara namorar Ana Célia para não despertar suspeitas. Foi um choque para todos nós. expulsar a filha de casa. de uma rigidez inigualável. num momento de insensatez. porém. especialmente para papai. Daniel foi chamado e acabou por confessar a verdade. recebemos a notícia de que Ana Célia estava grávida. Tinha. Mas depois. Meu pai esbravejou. queria matar. . confiante no seu amor. e marcaram o casamento para breve. quando o pai de Daniel foi conversar com ele.acalmando e acabei aceitando. mas se comprometia a reparar o erro. casandose com ela. papai acabou aceitando a situação. arrebatado a honra da menina. A princípio. Um dia. foi uma confusão danada. Fiquei desesperada. Aquilo não podia estar acontecendo. Mentira. Fui procurar Daniel para tomar satisfações. Disse-lhe que o amava e que ele me enganara. Decidida. por isso. Fiquei furiosa e resolvi que não permitiria. . sentei-me ao seu lado e contei--Ihe tudo. com meus trinta e poucos anos. cedera às insistências de Daniel. Sem fazer rodeios. já estava ficando velha. jurando-me amor. bordando uma colcha para o seu enxoval. dizendo que meu marido não ligava para mim e que. e ele me disse que eu. parti para a casa de meus pais e fui encontrar Ana Célia sentada no jardim. e que ele precisava de uma esposa jovem para manter as aparências. mas o melhor seria que nós nos separássemos de vez. ainda fora humilhada e. revelara meu segredo a alguém que não me parecia digna de confiança. um cafajeste. tivesse com o que me ocupar e não pensasse mais em Daniel. Talvez. se eu tivesse filhos. o que era pior. levantou-se e se foi. que só agora iniciava a viver. Eu já era uma senhora. era verdade. Além de não conseguir separá-los. Depois disso. Fiquei furiosa. e ela era ainda uma mocinha. mas o que poderia fazer? Ela estava grávida e seria uma verdadeira desonra se não se casasse. Saí dali . Sentia muito por mim.Minha irmã ficou indignada. Como ele pudera fazer aquilo? Ele fora um covarde. fingindo dormir. não me atendia. onde Ana Célia estaria mais bem assistida na hora do parto. Ele me evitava e. Casaram-se cerca de um mês depois. e Daniel mudou-se para a casa de meus pais. acostumado que fora ao amor livre e sem preconceitos. Pouco tempo depois. e eu me esmerei para agradarlhe. ele voltou a me procurar.apressada e voltei para casa sem saber o que fazer. não pude falar com Daniel. Ele estava . Durante os dias seguintes. praticando um amor cada vez mais agressivo e selvagem. Mas Daniel não podia prescindir de meu corpo. quando eu ia ao seu quarto. quando a barriga volumosa de Ana Célia começou a dificultar o ato sexual. e ela adivinhou que ele. não podendo mais possuí-la. Eu sabia. distante. Em casa. frio. Ana Célia começou a desconfiar do que estava acontecendo. dar prazer a um homem e direcionava toda a minha técnica para satisfazer o único homem que amara em toda a minha vida. Sem desconfiarmos de nada. papai nos convidou. partimos. para jantarmos em sua casa. Certa noite. Notei que Ana Célia estava acabrunhada.encantado comigo. eu feliz da vida por poder rever Daniel. e que papai estava um pouco . fascinado pela minha arte de amar. a mim e a Marcelo. ou melhor. realmente. Ele estava estranho. voltara a me procurar. quase não falou comigo. um rapazinho? Não tem vergonha? E o seu marido? Não o respeita? Fiquei horrorizada e pensei em fugir dali. Mas papai me segurou com força e começou a me bater com violência. inesperadamente. Tombei no chão. parecia alheia a tudo o que estava se passando. Minha mãe. vagabunda! Então atreve-se a se deitar com o marido de sua irmã. . sempre alegre. meu pai nos levou para a biblioteca e. começou a atirar-me na face diversas acusações: — Sua ordinária. e mamãe correu a me acudir. gritando para que papai parasse.exasperado. Após o jantar. e Daniel agia como se nada estivesse acontecendo. pensei encontrá-lo no além. e pensei que fosse morrer. Mas Daniel.Mas ele não parava. jovem ainda. facilmente o desarmou e acabou atirando nele. não pude resistir e me matei também. Marcelo. não podia viver sem ele. Estava desesperada. Parecia haver perdido a razão e partiu para cima de mim novamente. mas não o vi e . Daniel foi preso e condenado à morte. até que Daniel resolveu interferir. Foi um alvoroço. não fazia nada para me ajudar. Como da última vez. Papai estava enlouquecido e sacou de uma pistola. apontando-a para Daniel. matando-o a sangue-frio. em sua indignação. pedindo a papai que me soltasse. Após a execução. vítima de minhas próprias paixões.fiquei perdida. até que tomei consciência de meu ato. vagando em meio às trevas. Fiquei assim durante muitos anos. a paixão por Daniel fora mais forte e eu. porém. por mais que tentasse. Infelizmente. novamente. sempre em contato com espíritos maus e odiosos. sucumbira. . me arrependi e pedi uma nova oportunidade. Já com meu pai foi diferente. e sempre se mostrou disposta a aprender. Minha mãe. pois sempre encarnava em situação inferior à nossa e acabava . era a que mais rápido evoluía. e várias vezes competira conosco pelo poder. Mas nunca pudera nos sobrepujar. Ele sempre se demonstrou irascível e orgulhoso.CAPÍTULO SEIS É engraçado como tudo se repete. aceitou com generosidade a tarefa de me dar a vida e por ela me guiar. por diversas vezes. pois sempre procurava cumprir tudo aquilo a que se propunha quando na vida espiritual. De todos nós. descambou para um autoritarismo que beirava a tirania e o despotismo. devorado por nosso temperamento implacável. por sua vez. como a alma feminina tende a ser mais . Mas tudo saíra errado e ele. Isso fizera com que ele. acabava perdendo-o para mim. em vez de evoluir no respeito. ao longo dos anos. Ana Célia. fosse alimentando por nós um ódio cada vez mais crescente. Se meu pai competia comigo pelo poder. ela competia no amor. Mas. Sempre apaixonada por Daniel. Tencionava com isso ser responsável por nós para aprender conosco o valor do respeito. até que reencarnou como nosso pai.preso em nossa teia. jamais pudera me superar. e ela acabava por aceitar as novas tentativas de poder viver com seu amado. a exemplo de meu pai. assim como minha mãe. desfrutando também de uma relação pacífica comigo.sensível e maleável. até que dava certo. Sempre gostou . mas com que determinação se levantava! Marcelo era o tipo de espírito que aceitava seus erros com naturalidade. quando Daniel e eu passávamos a amantes. e Ana Célia. Marcelo. enchia-se de ódio contra mim. A princípio. era mais fácil alcançar seu coração. Errara e caíra. sem o peso da culpa. e logo compreendeu a necessidade de mudar. era uma alma em franca evolução. Mas depois. todo o rancor retornava. Ao final de minhas lembranças. nos considerando perfeitos e melhores do que os outros. No dia seguinte. à sua maneira. propondo-se a me ajudar. o fato é que tínhamos a nossa própria história e era com ela que aprendíamos o valor do amor e do respeito. Alfredo veio . Pensei no quanto éramos falíveis e como éramos orgulhosos.muito de mim. Cada um de nós. estava tentando aprender e tinha o seu quinhão a passar. voltei para meu quarto sem dizer nada e fiquei pensando nisso. Estávamos enganados. Envolvendo-nos ou não com a história dos outros. daí porque estava quase sempre a meu lado. conversar comigo. Penso que errei muito e continuo errando até hoje. qual foi o proveito que tirou de tudo o que rememorou? — Não sei ao certo. porque estava ainda um pouco chocada com aquilo tudo. e daí? Para que serviram tantos erros? — Não sei. Para me mostrar o quanto sou imperfeita. — E que conclusões pode tirar de . minhas lutas e meus sofrimentos. o quanto sou atrasada. mas. Fiquei muito feliz ao vê-lo. Daniela. se havia compreendido o porquê de meus processos de crescimento. Queria saber se eu estava bem. — E aí. — Sim. tudo isso? — Bem, creio que preciso ainda pagar por meus erros. Fiz muita gente sofrer e só poderei dizer que sou feliz no dia em que me considerar quitada de tantos débitos. — Minha querida, você não precisa pagar por nada. A gente só paga por aquilo que compra e, como a felicidade não está à venda, não tem preço, e ninguém precisa pagar para ser feliz. Os erros são depurados pela conquista. Quando você aprende com suas próprias atitudes, entende que elas são prejudiciais a você mesma e a seus semelhantes, você conquista o conhecimento do bem e, consequentemente, conquista a sua felicidade. Por isso, não fale nunca em pagar. Aqui não se paga por nada, não há dívidas. Há, sim, experiências que adquirimos em função de nosso conhecimento ou de nossa ignorância, mas isso não significa que tenhamos contraído débitos que, mais tarde, tenhamos que saldar. Essa definição traz a ideia de um negócio, de uma transação, onde há sempre uma parte credora e uma devedora. — Pensando bem, não é isso que realmente acontece? Não seremos nós devedores daqueles a quem prejudicamos e credores de quem nos prejudica? — Essa visão é mesquinha e falaciosa, além de encerrar uma desculpa conveniente para nossas ações ou omissões danosas. Se assim pensarmos, seremos sempre credores e devedores ao mesmo tempo, pois não há ação que não tenha sido gerada por outra, seja nessa, seja em uma vida passada. Quando eu falho com você, não o faço porque esteja cobrando um mal anterior nem porque você esteja pagando algo que me deve. Não. Quando erro com você, é porque ainda não amadureci o suficiente para compreender o mal que estou infligindo a mim mesmo, seja porque não soube perdoar, seja porque sou ainda egoísta, seja porque sou orgulhoso. Não importa. A falta de perdão, o orgulho e o egoísmo nada mais são do que um reflexo de nossa própria ignorância e tendem a desaparecer na medida em que o ser humano evolui e descobre os verdadeiros valores da vida. Ainda que eu aja com a intenção de lhe cobrar um mal que você me fez, ainda assim, não há que se falar em débitos. Se eu lhe cobro algo, é porque ainda não aprendi a perdoar, assim como você paga porque ainda não aprendeu a perdoar-se a si mesma. Olhei para ele e abaixei os olhos logo em seguida. Estava envergonhada de minha burrice. — Sinto muito, Alfredo, tem razão. Você vive dizendo a mesma coisa, não é? Deve ser para ver se entra na minha cabeça dura. Foi uma asneira o que eu disse. — Não foi asneira nenhuma. É vergonhoso continuar na ignorância, com medo ou por orgulho de se expor e assumir que não sabe. É como muita gente faz: pede ao vizinho para ler uma carta porque os óculos quebraram e ela não enxerga sem eles. Na verdade, não sabe ler e tem vergonha de assumir. Não tenha receio ou vergonha de suas limitações. Tenha, sim, vontade de aprender e coragem para assumir sua ignorância. É melhor do que ficar fingindo que sabe algo que não sabe e que, mais tarde, você não poderá ocultar. A vida sempre nos coloca diante de situações em que somos obrigados a assumir quem realmente somos. Alfredo se despediu e saiu, e eu fiquei pensando. Ele estava certo. Eu havia feito muitas bobagens, era verdade, mas não fora a única. Estava apenas tentando ser feliz à minha maneira, só que não sabia ainda que a felicidade a gente conquista por nossos méritos, e não passando por cima da felicidade alheia. Por outro lado, ninguém se submete às maldades de outrem se a elas não deu causa e, seja de forma consciente ou não, consente em que o mal invada suas vidas. Agora eu começava mesmo a compreender a via de mão dupla em que nos encontrávamos todos, sem exceção. Somos os únicos responsáveis por nossos atos, e todo o mal ou o bem que sofremos nada mais é do que o reflexo de nossas próprias atitudes. Se alguém me ofende, posso me sentir ofendida ou não, e essa é a minha parte, o meu pedaço. Mas quem me ofendeu também tem o seu quinhão e terá que aprender, um dia, a respeitar seus semelhantes. Cada um terá que prestar contas de seus atos, independente da reação de seu irmão. Se a ofensa que me atiraram na face não me atingiu, ótimo para mim, porque reconheço que aquela ofensa não me pertence e não a recebo em meu coração. Mas quem a atirou, mais cedo ou mais tarde, terá que reconhecer que não deve ofender seus semelhantes, porque não deve fazer aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem. CAPÍTULO SETE Era bem de manhãzinha quando Alfredo chegou a meu quarto, em companhia de minha mãe. Sempre que podia, minha mãe vinha me visitar, o que me alegrava imensamente. Naquele dia, senti necessidade de trocar minhas experiências passadas com eles, e ficamos conversando durante longas horas. — Sabem de uma coisa? — comecei a dizer. — Agora posso compreender muitas coisas que se passaram comigo. — Que bom, minha filha — falou mamãe. — As lembranças de vidas passadas somente têm sentido quando delas podemos tirar algum ensinamento útil. — É verdade — acrescentou Alfredo. — De nada valeria recordar o passado se não se pudesse dele extrair valorosas lições para o futuro. De nada adiantariam suas lembranças se o único sentimento que a movesse fosse, por exemplo, a curiosidade. Saciada esta, de nada teriam valido as suas experiências e, ou elas cairiam no esquecimento, ou você acabaria por se revoltar diante de tantos infortúnios. — Sim. Hoje entendo bem isso. Ainda mais depois da conversa que tive com você. — Fico muito feliz em poder ser- de uma hora para outra. somos apaixonados. mas por quê? — Deixe que lhe responda — apressou-se Alfredo. e que nosso amor não poderia terminar assim. Vi que Daniel e eu. Só o que não pude entender muito bem foi por que tivemos que passar por tudo isso. Sinto como se nosso amor fosse proibido. minha filha? — prosseguiu minha mãe. . creio que a primeira coisa foi tirar mais um pouco do peso do incesto de cima de mim. há muitas vidas. — E então.lhe útil. — O que tem a nos dizer de tudo isso? Como reverter suas lembranças em proveito próprio? — Bom. desvirtuando e abandonando aqueles que estavam próximos a vocês. de um excessivo apego aos próprios prazeres. fortalecidos. Em nome desse amor. que não consegue enxergar nada nem ninguém e sai atropelando todas as . esmagar seus inimigos e desafetos. Vocês se uniram para. de amor. propriamente. embora destrutivo. O sentimento que nutriam um pelo outro não podia ser denominado.— Como pôde perceber você e Daniel sempre viveram um amor intenso. humilhando. — Não? E o que era então? — Uma espécie de enfermidade da alma. E tudo isso em nome de um egoísmo desmesurado. matando. não hesitaram em destruir quem quer que fosse. na realidade. não há amor em seu sentido mais puro e genuíno. minha querida. mas não posso concordar. — Fixação? Essa é boa. afinidade de propósitos e instintos com amor. Tenho certeza de que o que sentíamos um pelo outro era mesmo amor. é uma paixão ou uma fixação. . desejo. Quando isso acontece. se não há verdade no amor. O amor é um sentimento puro e sublime. E dos mais fortes. pois. — Não. Alfredo. não confunda paixão.barreiras só para poder viver aquilo que deseja. O amor jamais destrói. — Desculpe-me. Não é muito próprio falar em amor verdadeiro. que eleva as almas à perfeição. o que se tem. não importa. O amor não faz nada disso. Alfredo. e quando se confia não se tem necessidade de prender. e tudo o mais passa a não ter importância alguma. Amor é confiança. O fato é que o meu sentimento por Daniel não é . porque não se teme a perda. e quem ama sabe reconhecer o amor em seu semelhante apenas pelos gestos de compreensão e carinho. Entenda-a como um sentimento doentio que faz com que a pessoa veja na outra a sua própria vida. Ele é livre e desapegado. — Seja como for que queira chamar.— Não entenda fixação em seu sentido vulgar. ciumenta. exclusivista e extremamente apegada. Isso faz com que se torne possessiva. sabe que. Quem já experimentou o amor de mãe compreende as necessidades dos filhos. — É verdade. — Alfredo está certo — interveio minha mãe. sem que o amor que sente por eles diminua com a . por exemplo. à revelia mesmo de seus próprios sentimentos e desejos. sabe entendê-los e respeitá-los. se você o amasse verdadeiramente. Mas. em vez de tentar prendê-lo. continuam habitando seu coração. mesmo distante. e jamais se utiliza de artifícios para mantê-los por perto.igual a nada que já tenha sentido por qualquer outra pessoa. Ao contrário. como fez em sua última encarnação. — Veja o amor materno. saberia compreender e renunciar. eu não podia ver as coisas desse jeito e achava que realmente o amava. nunca nos havíamos amado mesmo? Ou seria o orgulho de admitir que me enganara. na verdade. vivenciando um sentimento que servia apenas aos meus instintos mais primitivos e não ao meu coração? Com voz sumida. depois de tudo por que passamos. Por que será que ainda insistia em dizer que amava Daniel? Por que não queria perdê-lo? Por que temia descobrir que. não sabíamos dessas . respondi: Têm razão. naquela época.distância ou a ausência. Nós estávamos cegos. Mas. novamente envergonhada de mim mesma. Abaixei os olhos. — Acha mesmo que era um vício? . você e Daniel foram esclarecidos sobre seus atos. — Pois foram. em nome daquele amor. ao se verem novamente na carne. poderíamos justificar qualquer ato de insanidade. Todas as vezes em que desencarnaram.coisas e. alertados de que estavam se destruindo e destruindo seus semelhantes? — Não sei. — Será mesmo? Será que não foram. tomaram consciência do mal que fizeram e sempre desejaram repará-lo. No entanto. e vocês não conseguiram se desapegar um do outro. o vício que possuíam voltou com toda força. por diversas vezes. Esse sentimento daninho.— Acho não. uma dependência. tenho certeza. Então. na primeira oportunidade que temos. e se não estamos dispostos e bem preparados. voltamos ao vício e nos damos por vencidos e convencidos de que não somos capazes. não conseguimos largá-lo. assumimos nossa impotência diante da dificuldade e nos entregamos ao mal novamente. nos enganando que tentamos. É como o fumo ou a bebida. Quantas vezes pensamos em parar de fumar ou beber. nada mais é do que um vício. mas que a dependência foi mais forte do . que não consegue se libertar e retroceder em nome do bem. desde que longe do cigarro ou do álcool? Mas. e até conseguimos. Assim foi com você e com Daniel. mas não acreditamos que podemos. mas como era preciso que esse germe fosse alimentado com luta e com esforço. vocês desistiram no meio do caminho. quando a única coisa que basta para medirmos o tamanho de nossa força é a confiança que temos em nós mesmos. Sempre nos desculpamos. afirmando que tentamos algo que está acima de nossas forças. Todas as vezes em que reencarnaram. e aquilo que seria difícil transforma-se em algo quase impossível. porque nos recusamos a crer que somos capazes. Somos capazes de muitas coisas.que nós. Na verdade. levaram consigo o germe da vitória. não queriam . sem disposição para a batalha. fraterno.enfrentar-se a si próprios. dispostos a mudar. No entanto. a princípio. — Foi por isso que nascemos em situações que. — Foi por isso que cheguei a nascer homem? — Nas primeiras encarnações que . os impeliriam ao amor genuíno. deveriam dificultar nosso encontro? — Foi por isso que nasceram em situações que. em face das convenções humanas. e o corpo não foi suficiente para conter a avassaladora paixão a que estavam acostumados. verdadeiramente. pois a luta mais difícil é aquela que travamos contra nossas tendências e pendores. sem desejos ou paixões. vocês não estavam. mentiram. roubaram. E tudo isso para quê? Para poderem viver livremente suas paixões. . principalmente a vocês mesmos. Com isso. pois emperravam o seu crescimento.. satisfazendo sua luxúria. Quem renuncia é porque ama muito. foram se enterrando mais e mais no egoísmo e na soberba.. saciando seus instintos inferiores. abandonaram crianças indefesas às agruras da orfandade.você recordou você pôde perceber o quanto sua união com Daniel era prejudicial. se soubessem renunciar. subornaram. de ceder. Vocês mataram. de abrir mão. pois só um amor verdadeiro é capaz de compreender a hora de recuar. aniquilando um sentimento que poderia ter sido puro. não foi para proibi-los de amar. Como lhe disse. e não de sexo para sexo. mas o sexo desenfreado se utiliza do amor como pretexto para justificar-se a si mesmo. Eu continuava calada. uma carcaça que se desnuda logo que confrontado com as verdadeiras consequências do amor. e ele prosseguiu: Quanto ao fato de você haver nascido homem. Foi apenas para que vocês pudessem tentar transformar aquele sentimento.O amor deve fluir de coração para coração. tendem a nos impor padrões de . É apenas uma roupagem. ainda mais naquela época. É claro que o sexo é complemento sublime do amor. as convenções sociais. conduta que. para fazê-lo crescer. é porque tem importância para o crescimento humano. — Quer dizer. Em absoluto. então. Nada na natureza de Deus é errado. Se existe. nada pode ser irrelevante. Mas não confunda . que o homossexualismo é irrelevante aos olhos de Deus? — Como na natureza tudo é perfeito. O homossexualismo. como tudo mais. muitas vezes. Não quero com isso dizer que o homossexualismo seja um erro ou que é certo ter preconceitos. existe por uma necessidade do espírito. nos auxiliam a encontrar o caminho do bem. e a única coisa que importa é o que vai no coração dos homens. que é a lei do amor. como não o seria se desvirtuada para o mal. Mas se. mentir. para concretizarem esse amor. que não é . quem assim nasce. porque só é errado aquilo que vai de encontro à lei universal de Deus. que trair. porque é importante para o aprendizado. não pode ser irrelevante. não há nada de feio ou de errado nisso. Se houve essa escolha a serviço do bem. enganar. o que não significa que apresente defeitos. tiverem. Ser homossexual é relevante porque. por exemplo. Se dois homossexuais se amam. há um desvio a ser corrigido. Tudo o que existe é relevante. optou por essa condição para poder crescer. Mas não há erro ou engano na condição de homossexual.relevância com defeito. diante dos preconceitos. Mas. mas o dos métodos utilizados para a realização de seus objetivos. Daniela. ele pode estar a serviço de uma . porque cria uma distinção em fatos que Deus jamais distinguiu. para ser homossexual. que é o preconceito.o do sexo. Era sua intenção aproveitar-se de algo que já existia muito antes de você e que poderia muito bem servir aos seus propósitos. como tudo o mais. Nasceu para ser uma criatura do sexo masculino porque pensou que. No seu caso. propriamente. Pelo contrário. Não estou dizendo que é certo ter preconceito. você poderia se libertar da paixão por Daniel. você não nasceu. Toda forma de preconceito deve ser abolida. causa maior. afastando a paixão por Daniel. No entanto. desde que se . quando serve para nos mostrar certas coisas que não queremos ver. o sentimento que os unia estava além do corpo físico. Poderia não ter escolhido isso. Você escolheu aproveitarse do preconceito para se conter. o sexo ajuda bastante. e apenas a igualdade de sexos não foi suficiente para impedi-los de se relacionar. a fim de vencer-se a si própria. Mas você quis escolher aquele corpo. Em muitos casos. Os sentimentos não são limitados pelo sexo. Foi uma imposição que fez a si mesma. — Eu escolhi passar pelo preconceito? — Não. Vocês não estavam proibidos de se amar . Não a forma corpórea. Vocês não deveriam conter o sentimento. que é imaterial.compreenda. por medo ou preconceito. ser contido pela matéria? É impossível. O que precisamos vencer é a forma como nos relacionamos com o outro. — Quer dizer então que não adiantou nada Daniel e eu nascermos homens só para contermos o nosso amor? — Como pode o sentimento. Deveriam transformá-lo. O amor transcende o corpo físico e independe dele para se manifestar. mas a maneira de sentir e de externar nosso sentimento. Não significa que tenhamos que lutar contra nós mesmos. porque eram homens. ainda assim. o sentimento falasse mais alto. como falou vocês ainda tinham a chance de viver aquele amor de maneira sublime. sem precisar passar pela dor. Mas se. Estariam então aprendendo a transformar pelo amor genuíno. e eu também era homem! Como poderíamos não atingir os outros? — Com a verdade. — A certeza da verdade dá ao espírito forças para enfrentar as . A masculinidade foi apenas um instrumento. uma tentativa de transformação. sem atingir ou ferir ninguém. — Verdade? Seríamos execrados. porque essa proibição não existe. — Mas como? Daniel era casado. Aos outros e a si mesmos. teriam tido a chance de vivenciar um amor que. mas é responsável pelo mal que pratica em nome desse amor. Mas. E é por isso que . porque verdadeiro. a despeito do horror e da decepção que causariam em seus familiares e na sociedade. Ninguém é culpado por amar. se ainda assim. já estaria se transformando. ninguém poderia acusálos de nada. não conseguissem. — Fala como se fosse fácil. embora incompreendido. Vocês escolheram reencarnar como homens para tentar transformar o sentimento de vocês em amor genuíno.vicissitudes. Se tivessem falado a verdade. — Sei que não é. É sentir.vemos tantos homossexuais reprimidos ou caídos na marginalidade. somos capazes de suprimir toda a jornada de sofrimento e . Quando isso acontece. Podemos compreender de verdade. mas com o coração e não com a mente. Aprender não é racionalizar. — Teríamos evitado tanto sofrimento? — Sem dúvida. Porque eles são os primeiros a não se aceitarem e a não acreditarem que não estão cometendo nenhum pecado. O dia em que perceberem que não estão fazendo nada de errado. conseguirão compreender o que significa mesmo amar. Ninguém disse que precisamos aprender apanhando. permaneci calada. envoltos naquela aura de amor. Ele respeitou o meu silêncio. Eu estava profundamente admirada. mais uma vez atendendo a uma convenção social. Só depois de muito tempo foi que continuei: — Foi o mesmo em minha penúltima encarnação. mais . Aquelas palavras possuíam uma beleza inigualável e eram muito reconfortantes. A diferença de idade. apenas digerindo o que Alfredo dissera.desviamos o nosso caminho para um atalho de amor. e nós ficamos ali. não foi? — Sim. Durante alguns minutos. Contudo. foi outro meio que você tentou para se afastar de Daniel. Esse gesto foi tão violento e lhe causou tantos danos ao espírito. Quando nascemos numa mesma . Daniel com um homicídio. vocês não conseguiram e agravaram sua situação. plantando nos corações humanos a semente do amor puro e sincero. nascemos irmãos. serve para mostrar os verdadeiros valores morais e afetivos. e você se suicidando. mas a uma intervenção divina.. — Por fim. e foram necessários muitos anos para que você despertasse e compreendesse a gravidade de seu ato.uma vez. — A fraternidade. A família terrena une espíritos afins e não afins.. que você não conseguia escutar a voz de sua própria consciência. atendendo não a uma convenção social. Somente precisarão dar as mãos e crescer juntos. mas quantas famílias há por aí em que ninguém se entende? — Foi por isso que lhe disse que todas as famílias têm muito a trabalhar e evoluir. Se são espíritos afins. — Não é bem assim. Alfredo. é porque temos muitas coisas a trabalhar e fazer evoluir juntos: sejam as afinidades. ao contrário. sempre se ajudando e amparando. sejam os sentimentos. estamos ligados por laços muito mais fortes do que simplesmente os consanguíneos. Não importa. ótimo. sejam as dificuldades. Mas. Quando somos pais. filhos e irmãos. que servirão para nos ensinar o respeito e a compreensão. sejam as desavenças.família. se são . Não quero me justificar. que somente se respeitando é que poderão alcançar a paz. e todos terão que aprender. com seus atritos e divergências. que só precisa ser desenvolvido. a necessidade do amor se impõe. por sua natureza. temos toda a potencialidade para nos entendermos e nos ajudarmos. Alguns.inimigos ou desafetos. já traz em si o germe da compreensão. conseguem vencer esses obstáculos e transformam o inimigo de ontem no amigo de todos os dias. Quando nascemos na mesma família. mais conscientes e dispostos a aprender. A família. . rompendo com as dificuldades que nos impeliram a reencarnar entre as paredes de um mesmo lar. — E quanto a mim? Quanto ao incesto? — O incesto é uma malsucedida tentativa de compreender e modificar. não estavam ainda maduros o suficiente. como irmãos gêmeos. — Mas. mas. como das outras vezes. e os sentimentos próprios da fraternidade não conseguiram penetrar seus corações e romper a barreira do vício e da sensualidade. Quando optaram por reencarnar na mesma família. como se deu com você e com Daniel. pensaram conseguir se libertar. por que as pessoas têm tanto preconceito contra o incesto? Por que olham os incestuosos como aberrações da natureza? . Alfredo. como é de costume. que ontem não podiam ser reconhecidos por seus pais. As pessoas não conseguiram ainda compreender que a real finalidade da família é unir pelo amor. uma compreensão equivocada ou distorcida das palavras de Deus. hoje podem ser reconhecidos . o casamento entre irmãos era comum. mas mero impedimento aos laços do matrimônio. o incesto não é considerado crime pela lei dos homens. Talvez tenha havido também. E até entre nós. Mesmo os filhos chamados de incestuosos.— Por pura incompreensão. É tudo uma questão de cultura. em muitos povos. o que serve aos propósitos de cada um. Lembre-se de que. e não afastar pelo preconceito. Porque o casal incestuoso sempre tem a . suas dificuldades e sua incompreensão. — Isso é maravilhoso. frutos do pecado! — Tem toda razão. Se já é horrível para nós sermos tratados como criminosos. Isso. foi um verdadeiro avanço no pensamento humano. imagine só para os filhos. sofrem a necessidade de rever e trabalhar seus preconceitos. fruto da obra de espíritos incansáveis e generosos. encarregados de inspirar a mente do legislador terreno. muito mais do que os pais. minha filha. E os filhos que assim nascem.publicamente e gozam dos mesmos direitos assegurados à filiação tida por legítima. fazer uma apologia do incesto. Mas não quero. não é essa a minha intenção e nem quero que você interprete mal as minhas palavras. ao passo que os filhos jamais deixarão de ser filhos. considerada maldita. Ainda bem que. existem espíritos amigos que procuram minimizar esse problema. e eles terão que passar o resto de suas vidas carregando o estigma do pecado. como se fosse a coisa mais normal do mundo.opção de deixar de sê-lo. para eles. os laços de família foram criados para desenvolver o amor em sua . desumano. injusto. — É verdade. A filiação será. com isso. Como disse. — É mesmo. Absolutamente. É horrível. pelo menos. aqueles que assim o desviaram não cometeram nenhum pecado. Esse é o propósito normal da filiação e da irmandade. Apenas não souberam superar suas dificuldades e precisarão retornar. Já . Abracei--me a minha mãe e me deixei ficar. do ciúme. Mas. até que consigam vencer — Alfredo me abraçou e finalizou: — Bem.acepção mais pura. certa de que tudo acabaria bem. livre do fogo da paixão. do sexo. pronto para enfrentar minhas próprias dificuldades. em circunstâncias semelhantes. se esse amor é desvirtuado. Alfredo se foi. minha querida. Preciso visitar meus doentes. agora tenho que ir. e eu senti o meu coração muito mais leve. do apego. seu irmão está bem. Também é meu filho e. a saudade de Daniel bateu mais forte. Como gostaria de poder abraçá-lo também. pedir-lhe perdão. Onde andaria? Estaria bem? Minha mãe.não me julgava mais um monstro. não tivera coragem de perguntar por ele. Contudo. Daniela. Desde que chegara ali. como que adivinhando meus pensamentos. naquele momento. apesar disso tudo. da mesma forma como me . estreitá-lo contra o peito e dizer-lhe o quanto sentia por tudo aquilo. e comecei a chorar. pedirlhe para não me odiar. segurou minha cabeça entre as mãos e disse com doçura: — Sabe. Procure esquecer que foram amantes e lembre-se apenas que são irmãos. .preocupo com você. agradecida por poder estar ali. ensinando-me os verdadeiros valores do amor. aconchegada no seio daquela mulher que me recebera em seu colo. preocupo-me também com ele. Não somos todos filhos do mesmo Pai? Fechei os olhos e chorei. ainda sentia uma enorme saudade de Daniel e. Contudo. Estava mais confortada. perto daqui. resolvi fazer a Alfredo a pergunta que. um dia. muito bem. — Está bem? — Sim. encontrava-se atravessada em minha garganta: — Onde está Daniel? Alfredo me olhou cheio de compreensão e respondeu: — Está em outra colônia. mais segura de mim. A princípio. de minhas dores e de meus processos de amadurecimento. . desde que chegara.CAPÍTULO OITO Eu já me sentia bem melhor. mas depois. — Oh! meu Deus. — Que risco? De matar e morrer? — Não exatamente. começou a compreender e a aceitar com mais naturalidade.encheu-se de ódio e revolta de você. Daniel. pois isso significaria um estágio a mais a ser . ao contrário de você. tomando conhecimento de tudo o que lhes acontecera. Ninguém vem ao mundo para matar. talvez tivesse conseguido alcançar seus objetivos. ambos sabiam que assumiam esse risco. estava mais firme em seu propósito de mudar e. Quando reencarnaram. não tivesse desencarnado intempestivamente. o que fui fazer? — Nada que já não fosse esperado. isso já entendi. Ele sabe que tem essa tendência.vencido. Digamos. — Refere-se à ferida em seu coração? — Não. — Sabe. Mas quem mata já traz em si essa potencialidade. assim como quem morre já sabe que poderá ser vítima de um homicídio. Refiro-me ao tempo em que passei no astral . falando em suicídio. não. admitido como possível. há certas coisas relacionadas ao meu que não compreendo. Alfredo. — Quer dizer que o meu suicídio já era esperado? — Esperado. já sabe que pode vir a matar. e é mais uma contra as quais deve lutar. Da mesma forma o suicida. permanece mesmo ligado ao corpo físico até que se escoe seu último fio de energia vital. Assim. o vazio. seu espírito também permaneceu ligado à matéria. ansiosa por reencontrar seu irmão.inferior. mas sua mente. tudo isso foi criação de sua própria mente. ainda mais com espíritos renitentes. No seu caso. que se negam a aceitar as verdades divinas em seu coração. É muito comum acontecer isso. o frio. as trevas. muitas vezes. que originou todo . Pensei estar perdida nas trevas. fosse onde fosse. mas depois descobri que ficara o tempo todo em meu túmulo. Como pode ser isso? — O suicida. somente podia pensar em buscálo. o que acabei conseguindo foi um nada. pensei comigo: "estou num beco sem saída. e. quando abri os olhos e não vi Daniel. daquilo que você julgava merecer. Sinto-me tão sozinha e não sei aonde ir. — Sabe. num caminho sem volta. no fundo você tem razão. mas agora não posso mais voltar atrás e consertar o meu erro. por isso. Sei que agi errado. sua mente respondeu à altura. Era o seu coração que sentia daquela forma e. criando para você um espelho daquilo que encontrou lá no fundo de sua consciência. no desespero de ter Daniel para mim.aquele espaço em que você se encontrava. uma horrível . sabia que estava morta. Será que. Logo depois que me suicidei. não é mesmo? — Mais ou menos isso. fatalmente. para fugir dessa realidade. você tinha consciência da gravidade de seus atos. . você criou a ilusão de que poderia encontrá-lo. não conduziria a ele. só que através de um caminho que. Em seu íntimo. nos recônditos mais escondidos de sua alma.solidão?" — Viu só? Lá no fundo. inclusive. as consequências de um suicídio praticado em iguais circunstâncias. por isso. você sabia o que havia feito. pois já conhecia. — Eu estava andando em círculos. Sabia que o reencontro com seu irmão seria extremamente prejudicial a ambos e. largura e profundidade. — Mas se é uma ilusão. temos a impressão de que existe algo ocupando o espaço onde ele se faz visível. Quando olhamos para um holograma. veremos que não há nada ali. não é? Uma ilusão com altura. não existe nada. Como pude criar tanta ilusão? — Através da holografia. verdadeiramente. como pode ser sentida? . mas se experimentarmos passar a mão sobre ele. — Exatamente. O holograma cria a ilusão de que existem coisas onde.— É impressionante. Foi tudo uma ilusão. Sabe o que é um holograma? — É uma imagem tridimensional. Daniela.. isso é fantástico! Jamais poderia supor que existisse algo assim. Para mim. sensitivas. visuais. é porque existe.— Ilusão não significa não existência. Apenas será imaterial. Na verdade. — Alfredo. só que não no plano físico que você imagina. — Mas aconteceu.. tudo aconteceu de verdade. Se você vê. mundos esses que gravitam em torno de percepções auditivas. seja em que nível for. o cérebro é responsável pela criação de mundos externos tirados de nossos processos internos. O . e aquela ilusão será real para você. uma construção toda particular da realidade que seu cérebro idealizou. refletindo no mundo exterior aquilo que habita em nosso íntimo. Não havia . — Há ainda uma coisa que não compreendo.plano holográfico trabalha em um nível não corpóreo. ouvir. sentir cheiros e até ter a sensação de dor e de morte. Ele cria essas passagens ilusórias a partir de algo que está dentro de nós. como de sonhos. julguei sentir a presença de uma criatura junto de mim todas as vezes em que me masturbava. Seria outro holograma? — Com certeza. acreditamos que tudo está acontecendo de verdade e somos capazes de ver. Quando sonhamos. Assim o holograma. Durante minhas andanças pelo mundo ilusório das trevas. que era o sexo. apenas a ilusão de que uma força estaria presente para partilhar com você aquilo de que você mais gostava e que a aproximava ainda mais de Daniel. Foi apenas uma projeção da sua mente. Eu estava perplexa e admirada com . algo que você imprimiu em seu campo áurico para satisfazer e preencher a necessidade que sentia da presença de Daniel. mas ao menos com sua presença. uma imagem de Daniel. Não com seu amor ou seu carinho. em quem pensava? Em Daniel.ninguém ali. sua mente criou algo que o substituísse. Aquela presença seria. Quando se masturbava. E como Daniel não podia estar ali para satisfazê-la. por assim dizer. Deus era. logo lembrou-se de Deus e foi socorrido. — Posso vê-lo? — Não. — Por quê? É algum tipo de . O universo era perfeito. Daniel passou muito menos tempo nas trevas e não sofreu os terrores por que você passou. porém. minha querida. Após alguns instantes de reflexão. ainda não. Ao contrário. sem a menor sombra de dúvida. a imagem da perfeição. voltei meus pensamentos para Daniel e tornei a indagar: — E Daniel? Terá também sido vítima de seus próprios espectros? Ele riu da minha comparação e respondeu: — Não. não dessa maneira.tudo aquilo. Daniela. Se tiver mesmo muita vontade de ver Daniel..proibição? — Você bem sabe que não está proibida de nada. se essa vontade for muito forte e decidida. não creio que sua vontade seja assim tão forte. . visto que você mesma possui dúvidas sobre a conveniência desse encontro. No entanto. O seu próprio pensamento a levará ao local onde ele se encontra. como ele mesmo diz. Desculpe-me. — Ele também sente. nós nada poderemos fazer para impedi-la. É que sinto saudades. Hoje compreende bem as coisas e se arrepende de a haver repelido de forma tão fria. — Tem razão.. ia se casar. por favor. — Fale-me dele. Daniel. assim como você. havia acabado de se formar. tinha planos para sua vida. estava apaixonado. Mas depois compreendeu e quase enveredou pelo desfiladeiro da culpa. No princípio. — Por quê? Está com raiva de mim? — Não. Como disse. também sente saudades suas. embora não deseje vê-la por enquanto. sim. sentiu bastante raiva. Afinal. Fui visitá-lo em companhia de sua mãe e levei-lhe notícias suas. — Ele está bem. começou a sentir despontar .— Você tem estado com ele? — Algumas vezes. quando encarnado. agora não. por favor. Eu só quero vê-lo. pense bem. deixeme vê-lo. todos aqueles sentimentos contra os quais você pretende lutar virão à tona novamente. — Oh! Alfredo. Será que gostaria de pôr em risco o seu progresso aqui. e a sua recuperação poderá se tornar muito mais difícil. Seja sincera com você mesma e diga se só a sua presença já não seria . Só por um instante! — Daniela. principalmente a você.dentro dele a luz da consciência. — Vê-lo seria extremamente prejudicial a ambos. Se você o vir agora. que o alertava da necessidade de se afastarem. apenas por alguns instantes de prazer? — Não é isso. nada mais. . Afinal. fui culpada pelo seu desencarne.. e talvez as culpas das quais pretendo me livrar viessem novamente bater à minha porta. há mais alguém que reclama a sua presença e por quem você. — Excelente.suficiente para perturbá-la. ainda não perguntou. No entanto. Vou me fortalecer um pouco mais e só então tornarei a lhe fazer esse pedido. até agora.. — Tem razão. — É mesmo. — Quem? — Seu pai. Você está certo. — Está vendo? Já está se acusando. Alfredo. Eu ficaria muito abalada. — Quando? Não sei. — Isso mesmo.— Meu pai? Eu fiquei chocada. seu pai. Não quer saber o que aconteceu com ele? — Para falar a verdade. Não me interessa. — E isso é motivo para desavenças? — Ouça. sei que suas intenções são boas. . Não agora. mas não estou a fim de falar com meu pai. — Por que tanto ódio? — Não é ódio. Alfredo. Não tinha a menor vontade de vê-lo. É que nós dois não temos nada em comum. não. Quando estiver mais preparada. muito menos de falar com ele. eu não podia esquecer que ele me havia dado a vida. e não era culpa dele . Abaixei os olhos. Daniela? Você também quer se preparar para reencontrar Daniel e se propõe a fazer todo tipo de sacrifício para poder vê-lo novamente.— Engraçado. quando se trata de seu pai. Qualquer que fosse o motivo ele havia concordado em me dar a vida e me orientar na Terra. toda a minha preocupação. Mas e meu pai? Embora não tivéssemos nada em comum. você não parece estar disposta a se dedicar com o mesmo empenho. No entanto. Daniel era merecedor de todo o meu respeito. Ele tinha razão. envergonhada. Ao menos isso eu lhe devia. não. e Alfredo se encarregou de chamar minha mãe. tinha resolvido não dar atenção a seus conselhos. ele fizera o melhor que podia. acabei por concordar em encontrá-lo. e eu estava sendo por demais exigente ao pensar que o melhor dele deveria ser o que eu queria de melhor para mim. Realmente. como sua filha. . dera o melhor de si.se eu. Assim. para que me acompanhasse naquela visita. algum proveito deveria tirar daquela visita e segui em silêncio ao lado de minha mãe. . acabara prometendo ir visitá-lo e não podia voltar atrás em minha palavra. evitando as palavras que pudessem denunciar o que me ia na alma. Pensei que. Não gostava de meu pai e não fazia a menor questão de aprender a gostar. Viera me buscar para irmos visitar meu pai. afinal. Embora houvesse concordado com aquela visita. Vestime apressada e saí com ela. o fato é que não estava nem um pouco satisfeita com ela. Contudo. acordei com minha mãe batendo à minha porta.CAPÍTULO NOVE No dia seguinte. julgando-os responsáveis pelos infortúnios que se abateram sobre a nossa família e. Logo . à revolta. sabe que você não teve culpa de nada. mas junto com minha mãe. algumas vezes. e outras. Algumas vezes. Em seu íntimo.Meu pai não estava na mesma colônia que eu. ela ia me explicando: — Não se impressione com seu pai. entregase ao desânimo. mas. pela sua própria infelicidade. Não com seu desencarne e nem mais com o meu. sobre a sua própria vida. No caminho. em especial. Tem consciência de tudo o que aconteceu. culpa-os. Mas revolta-se contra sua incapacidade de orientá-los no caminho do bem. a você e a Daniel. Ele ainda está um pouco confuso. não entremos nesse mérito. Mas não vejo motivos para ele pensar que foi muito bom e nós . para ele também é. exigindo demais de si mesmo. afinal.em seguida. por favor. seu pai está ainda muito confuso. — Daniela. é? Até parece que foi muito bom pai. assim como para você tem sido difícil superar certas dificuldades. mas acaba por justificar-se. Pense que. — Quem ele pensa que é? Por acaso é algum santinho. indignada. atrai para si a culpa pelo que aconteceu. — Nós? — falei. alegando que só poderão se reconciliar quando vocês resolverem mudar. Como lhe disse. — Eu sei disso e posso até compreender. é que fomos duas pestes. Francamente. Daniela. se é para ouvir algum tipo de sermão. mãe. está sendo injusta. — Daniela. ele gosta de você e sente muito tudo o que aconteceu. Não estou a fim de levar nenhuma lição de moral. Quer .. — Eu não quis dizer isso. — Acalme-se. Por que não pode ser mais tolerante quando se trata de seu pai? Afinal. severa e nada caridosa. — Mas foi a impressão que deu. prefiro voltar daqui mesmo. o que há com você? Então não percebe que seu pai está tentando assumir seus próprios fracassos? — Não tenho nada com isso.. Ele que vá se tratar primeiro. na sua teimosia. na sua falta de respeito.. na sua arrogância.. na sua falta de compreensão. com um amigo desses. como se diz por aí. Você e Daniel não estavam interessados em mais nada que não fossem seus próprios umbigos e não souberam reconhecer a ajuda que .ser seu amigo. Quer mais? — Mãe. que horror! Até parece que é assim. quem precisa de inimigos? — Por que está sendo sarcástica? Por que não se olha e reconhece que também errou com ele? — Eu? Mas em quê? — Na sua intransigência. — É. no seu egoísmo. — É assim mesmo. seu pai queria lhes oferecer. Olhei-a espantada. a questão não é essa. E depois. Não estou falando do que ele fez nem de como fez. — Ora. Nunca tinha ouvido minha mãe falar daquele jeito e fiquei surpresa com a veemência com que defendia meu pai. mas por que fez. — E por isso se esqueceram dos valores mais comezinhos que tentamos . mas nós não precisávamos e não queríamos essa ajuda. Tentando ainda me justificar. Tudo o que ele fez foi para separá-los sim. disparei: — Mas ele queria nos separar! — Era a única maneira que conhecia de ajudá-los. mas porque pensava que seria a única maneira de ajudá-los. Queria que obedecêssemos e curvássemos a cabeça feito dois cordeirinhos? — Não. . deveriam ser os primeiros a aceitar ajuda e tentar se modificar. a compreensão. mas de terminarem de se relacionar sexualmente.lhes passar. a obediência e. pedi-lhes obediência. Por que acusa seu pai? Ele pode ter errado. é diferente. não de se separar. sobretudo. Não lhes pedi subserviência. Lembre-se de que cada um tem . Mas vocês tinham medo. Se vocês se amassem mesmo. o respeito. É o que todo filho deve aos pais enquanto ainda está sob a sua guarda. que foram o amor. mas você também não acertou. novamente envergonhada. e ninguém. tem o direito de apontar o dedo para seu semelhante e decretar que o erro dele foi pior e mais grave do que o seu.os seus erros. aquela pobre menina que lutou. precisava me cuidar para não chegar ao extremo oposto e me colocar na situação de coitadinha injustiçada. despencando novamente pelo desfiladeiro do erro. para depois poder dizer: "Coitadinha de . Agora que já não me sentia mais culpada pelo que fizera. Tinha ainda muito que aprender e precisava tomar cuidado para não acabar me sentindo vítima do destino. tentou e não conseguiu controlar seus ímpetos. absolutamente ninguém. Abaixei a cabeça. — Não. Chegamos à porta de uma casinha toda pintada de branco. Vou tentar esquecer o que houve e tratar papai bem. você não deve esquecer. Fiquei admirada. deve se lembrar de tudo para poder transformar. — Sinto muito. Só quando essas lembranças não a estiverem incomodando mais é que você poderá dizer que tudo passou e não volta mais. O que passou. com cortinas rendadas na janela e um lindo jardim coberto de flores.. que nunca faço nada certo!". — Tem razão. Ao contrário.mim. — Papai vive aqui? — perguntei. mãe — disse arrependida. atônita.. minha filha. passou. eu ainda vivia no . Afinal. Ele passou muitos anos nas trevas. uma série de sessões terapêuticas.alojamento e sabia que poucas pessoas tinham conseguido conquistar o direito de morar em uma casa como aquela. Hoje . tivemos que fazer um longo trabalho no hospital em que ele foi internado. Quem mora nesta casa sou eu.. — Não precisa tentar se justificar Daniela.. revoltado. trabalho esse que envolveu.. e quando o resgatamos. e só depois de muito tempo foi que obtive permissão para trazer seu pai para cá. inclusive. — Por que o espanto? Pensa que seu pai não merece? — Não. Mas deixe que lhe explique.. — respondi confusa. não é isso. Sobre a mesa. que é o amor. avistei meu pai. Vinha a . encostada na parede. Agora venha. Abra o seu coração e nele receba o sentimento natural do universo.ele está melhor e já pode viver aqui comigo. à exceção de uma mesa. e partilhe-o com seu pai. toda caiada de branco. Passando os olhos pelo ambiente. Quase não possuía móveis. uma toalha de renda também branca e um jarro cheio de flores perfumadas. A porta se abriu e nós entramos. Era linda. A casa era muito simples. quatro cadeiras. e fiquei realmente admirada. duas poltronas e uma espécie de cômoda alta. vindo de outro cômodo da casa. com assoalho de tábua corrida e teto alto. que vinha chegando. — Gilberto — começou minha mãe. pois notei que deixara de usar óculos. parou e sorriu.passos largos. Tinha engordado um pouco. se bem que agora demonstrasse uma certa tranquilidade. como se estivéssemos nos estudando mutuamente. parecia mais saudável e suas mãos não estavam mais trêmulas. trouxe Daniela para visitá-lo. Seus olhos pareciam haver adquirido um certo brilho. Ficamos durante algum tempo nos olhando. Ao me ver. tentando quebrar o constrangimento —. Observando-o melhor. meio sem graça. esfregando as mãos com ansiedade. Não . pude perceber que sua fisionomia ainda guardava traços da antiga dureza. .. — Quer um refresco. Estava muito sem jeito. Como tem passado. vivêramos em mundos diferentes durante anos a fio e agora nos tratávamos feito dois conhecidos que se reencontram por acaso. Eu também não sabia bem o que dizer ou fazer. é claro que sim. Éramos pai e filha. Daniela? — Vou bem. sim. com medo de falar algo que não devesse. Daniela? — .está contente? Ele olhou para ela meio desconcertado e disse: — Si. Aquela cena era insólita. E você? — Vai-se indo. estávamos havia muito tempo separados pelo desenlace... Mas aquele abraço parecia tão sincero. vejo como foi lindo! — Daniela.. Minha mãe saiu e nós ficamos ali parados. gostaria que. nos olhando pouco à vontade. passei meus braços ao redor de seu corpo e comecei a chorar.... inesperadamente. convidando-me ao abraço.. pensando naquele momento.. emocionada... que me perdoasse. que eu me enterneci e..perguntou minha mãe. tão acolhedor. — Quero. apenas para ter o que dizer. não . — começou ele a gaguejar — . deixando-me abraçar feito um autômato.. e acabei indo ao seu encontro. Até que. Hoje. meu pai abriu os braços para mim. tão amigo. obrigada — respondi. Fui um tolo orgulhoso. eu. não. me aproveitei da minha superioridade de pai para subjugá-los.. de amá-los. — Papai! — exclamei em lágrimas. pai. — Mas eu fui pai.. em minha arrogância. Eu. — Não diga isso. de orientá-los e. Não soube reconhecer o seu amor. . pois inconscientemente pensava que assim poderia vingar--me de todo o mal que vocês me haviam feito no passado. — Não.. Fui injusto com vocês. Todos nós erramos. Assumi a responsabilidade de educá-los... — Não diga isso. minha filha..sabia ceder. Eu é que fui orgulhosa e egoísta. não sabia ajudar. não soube perdoar. acima de tudo. Durante todo o tempo em que estive ali. e não uma mera tentativa de me aceitar só para satisfazer . minha filha? — Tenho certeza.Sinto que falhei em minha missão. fomos passear. Passamos o dia todo conversando. Fizemos o melhor que pudemos e amanhã poderemos fazer melhor. meu pai e eu não tivéramos uma única discussão. Mamãe chegou. Eu sabia que ele estava se esforçando e notei que o seu esforço era sincero. escutamos música. Não foi culpa de ninguém. e ficou emocionada ao nos ver ali abraçados. — Todos nós falhamos pai. trazendo uma bandeja com os refrescos. Saímos. — Será. Parecia possuído por um inabalável desejo de mudar. e Daniel? Também já . era verdade. Ao final do dia. Não. Fiquei sensibilizada. Ele realmente sentia as coisas da maneira como falava. e aquilo me deixou bastante emocionada. Minha mãe me acompanhou até a porta de meu quarto. mas não menos verdade era que lutava consigo mesmo para vencer o orgulho e nos perdoar. despedi-me e voltei para meu alojamento. Fiquei admirada com a sua enorme força de vontade. Meu pai fora um homem duro e difícil. quando então perguntei: — Mamãe.minha mãe ou enganar--se a si mesmo. Estava muito satisfeita comigo mesma. Eu me sentia mais leve. No fundo. você e seu pai são muito parecidos. Beijamo-nos e nos separamos. — É verdade. Um era o espelho do outro e nenhum dos dois queria admitir ou ceder. Ambos sempre foram independentes.falou com papai? — Há muito tempo. Por isso foi tão difícil a convivência entre vocês. arrogantes. Mas hoje posso compreender isso e vou tentar me modificar. porque ele nunca teve a sua arrogância. orgulhosos. — Sei que suas intenções são sinceras. parecia que havia . assim como as de seu pai. E tenho certeza de que irão conseguir. Com Daniel foi mais fácil. minha convivência com papai seria um exemplo de amizade e carinho. sentindo ali a presença bondosa de Deus. vi as estrelas que faiscavam no céu. e teríamos que ser fortes e estar firmes no propósito de vencer. ajoelhei ao pé da cama e. Não tinha a ilusão de que. Mas sabia também que. Pensando nisso. Sabia que a vida espiritual favorecia os bons sentimentos. longe dos fluidos benéficos que imantam o mundo espiritual. E orei. pedindo a Ele que nos auxiliasse na luta . uma vez de volta à carne.tirado um enorme peso de cima de mim. pela janela. todas as mágoas e os ressentimentos poderiam aflorar novamente. porque aqui estamos envoltos por uma aura de amor e paz. dali para a frente. de cada dia. o . mostrando-nos verdadeiro caminho do bem. . passei a visitar meu pai com mais frequência. às vezes. todas as vezes pronunciava seu nome. mas falar sobre meu irmão ainda não me fazia muito bem. sempre em companhia de mamãe. trocávamos experiências. Eu entendia e não insistia. Só não falávamos de Daniel. Eu ainda estava muito ligada a ele para não me deixar envolver e.CAPÍTULO DEZ Depois desse dia. Sabia que me responderiam a tudo o que perguntasse. vinha me ver. Todo mundo evitava falar dele comigo. e ele. ríamos. sentia vontade de chorar. Daniel parecia um assunto proibido. Conversávamos. tudo bem? — Tudo ótimo. Sinto que a cada dia estou me fortalecendo mais. fui abordada por Alfredo quando me encontrava no jardim. . — O quê? Visitar a Terra? — Sim. — Não sei. Mas agora vamos ao que interessa — eu pousei o livro sobre os joelhos e o encarei com uma interrogação no olhar. lendo. — Fico feliz em ouvir isso. Daniela. —Vim aqui perguntar-lhe se você não gostaria de fazer uma visita ao orbe. A quem iria visitar? Todos de quem gostava encontram-se hoje aqui.Uma vez. Ele chegou sorridente e me cumprimentou: — Bom dia. Alfredo. e foi isso que levou meu pensamento a encontrar Deus. há quanto tempo não tenho notícias dele. Lembrei-me de seus conselhos e de suas explicações sobre o espiritismo. mesmo depois de todos esses anos.— Será mesmo? E Marcelo? — Marcelo. Puxa vida. Devo mesmo ser uma ingrata. e eu aqui. Ele sempre pensa em você com carinho e lhe envia as mais sinceras orações. — É verdade.. Foi um excelente amigo. — Marcelo ainda é seu amigo e continua gostando muito de você. Marcelo sempre pensando em mim. sem nem me lembrar de que ele . Tenho-as recebido aqui.. e foi dele que me lembrei em meus últimos momentos nas trevas. No dia combinado. Diga-me a hora. junto com vários outros . que eu estarei pronta à sua espera. Alfredo veio me buscar. Pensei durante alguns segundos e disse animada: — Está certo.existe. Que tal? — Tudo bem. — Então? Não gostaria de ir vê-lo? — Será que devo? — Você é quem sabe. então. e talvez seja bom para você ir receber essas preces pessoalmente. Quando iremos? — Depois de amanhã será dia de sessão. Mas é que ele sempre coloca seu nome na mesa de orações do centro que frequenta. Nunca havia feito aquilo e . foram resgatados das trevas e estão sendo conduzidos ao centro para que possam ouvir e aprender. dirigimo-nos para o lugar que os encarregados espirituais daquela casa nos indicaram e sentamo-nos. para a sessão no centro de Alfredo. Assustei-me. A sessão correu normalmente e. — São espíritos que. Em silêncio. Quando chegamos. um dos mentores da casa me convidou para me manifestar. assim como você. a sessão estava para iniciar. na hora das incorporações. — Quem são essas pessoas? — indaguei curiosa.espíritos. — Pensei que fôssemos sozinhos. A moça estremeceu ligeiramente. Queria muito ir. Foi uma sensação indescritível! Senti como se estivesse viva. minha irmã. não sei bem) abriu os olhos e eu ouvi nitidamente o chefe da mesa falar comigo: — Seja bem-vinda. Ela (ou eu. . experimentando o contato com aquele corpo físico. sorrindo. e que Deus a abençoe.não sabia como era. e incorporei nela. prometendo-me ajuda. Olhei para Alfredo. dando-me seu consentimento. dirigi-me para o local onde se encontrava uma moça de seus trinta anos. médium da casa. como se sentisse um calafrio. Um pouco temerosa. O mentor me tranqüilizou. e ele balançou a cabeça. ansiosa. Estou bem. Há muito tempo desencarnei. a fim de não embaraçá-lo ou constrangê-lo. em seu coração. — Gostaria de nos deixar alguma mensagem? — Sim. Há aqui presente alguém de quem gosto muito e cujo nome não gostaria de revelar. obrigada. Sofri muito no umbral. assim como saberá reconhecer-me em seu coração. vítima de impensado suicídio. reencontrei meus pais. mas não pude rever meu .— Obrigada — respondi e assustei-me com o som de minha voz. e penso que expiei as minhas faltas. ele saberá se reconhecer em minhas palavras. No entanto. mas hoje já me considero mais refeita. pronta para novas experiências. e meu irmão também. eu ainda hoje estaria nas trevas. Não chore por mim nem lamente a minha sina.irmão. fomos apenas seres . Na verdade. Mas não vim aqui para isso. meu amigo. Vim para falar com esse amigo aqui da Terra. porque assim me informaram meus amigos. que muito me ajudaram a abrir os olhos. Não fomos vítimas nem algozes. e tenha a certeza de que tudo aquilo que você tentou me ensinar sobre as verdades da alma não foi em vão. Sei que ele também está bem. Não fossem seus ensinamentos. sentir-se sempre abraçado por mim. eu só passei por aquilo que escolhi. Que você possa. que nunca se esqueceu de mim e cujas orações sempre recebo com alegria. e que Deus e Jesus estejam sempre presentes em suas orações. porque sua amizade por mim era sincera e leal. nem nunca haverá. agora preciso ir.humanos tentando ser felizes. e sei que em seu coração nunca houve. e eu concluí emocionada: — Bem. . Tampouco pense que eu não soube reconhecer a sua amizade. espaço para ressentimentos ou ódio — a médium soluçou discretamente. auxiliando-os nesse grandioso trabalho que é o de orientar e esclarecer as almas sofredoras desse mundo e do outro. sem dúvida. Você foi. o melhor e único amigo que qualquer pessoa jamais poderia desejar. Muito obrigada a todos pela oportunidade. Eu saí. procurando Marcelo na sala semiescura. apontou para um local na assistência. e Alfredo me recebeu em seus braços. não de tristeza. — Sente-se bem? — perguntou. Acenei com a cabeça e levantei os olhos. respectivamente. cutucando-me. mas de emoção. Alfredo acompanhou o meu olhar e depois. indicandome uma mulher com duas crianças. e os espíritos que tomavam conta da sessão me ampararam. Estava chorando. de sete e nove anos. Ele estava chorando. O mentor abraçou-me e conduziume para onde estava o meu grupo. Eram . Reconhecerame e estava feliz com a minha presença. acariciando-me com amor. principalmente por saber-me bem e confortada. . conheceu Liliana.sua esposa e suas filhas. mas não há dor que o tempo e a fé não curem. ele sofreu muito. com quem se casou e teve duas filhas. — Ele sabe. Sempre confiou em si mesmo e acreditou na infinita bondade de Deus. Na verdade. Marcelo está muito acima dessas coisas e não se deixou vencer pelo desânimo. Sei que fui injusta com ele. muito afeiçoado a você. que são toda a sua alegria. mas nunca pretendi magoá-lo. Fico muito feliz. Depois que você desencarnou. Marcelo é uma alma boa e pura. Alguns anos depois. — Que ótimo. Olhei para Alfredo emocionada e perguntei: — Ele é feliz? — Sim. Preciso vê-la.. e partimos. Se é o seu desejo.Depois nos calamos e ficamos assistindo ao restante da reunião. mas eu pedira a Alfredo que me levasse até Ana Célia. estava dormindo. — Está bem. saber como está.. que tão carinhosamente nos receberam. seu espírito flutuando apenas . Quando terminou. O grupo seguiu em direção à colônia. Quando chegamos. agradecemos aos espíritos encarregados daquela casa. — Tem certeza de que é isso o que quer? — Sim. Ele pegou a minha mão e me conduziu até a casa de Ana Célia. Ela também estava casada e tinha apenas um filho. chamou-a para junto de nós. Nem pense uma coisa dessas. — Ana Célia — disse ele —. Ao ver-me. Não lhe queremos fazer mal. Ana Célia. mas a luz que emanava de Alfredo a conteve. é? — Não. Vá-se embora daqui. — O que ela quer aqui? Voltou do inferno para me atormentar.. Nós nos aproximamos e Alfredo. — Não tenho nada para falar com você. cuidadosamente. viemos em paz. — Ana Célia — interveio Alfredo —. ela ameaçou partir para cima de mim.alguns centímetros acima do corpo. . não seja tão dura. Vim aqui apenas para conversar. claro que não.. ao passo que ela não passa de uma vagabunda suja e ordinária. Mas ela. Depois de tanto tempo. como você.. — A única diferença entre mim e ela é que eu sou uma moça honesta e decente. como eu. A única diferença entre nós é que você está encarnada. visto que brilha até no escuro. Você é minha inimiga. — Ela é apenas um espírito. Tentei ainda mais uma vez: — Não fale assim. e não dou conversa para inimigos. Ana Célia ainda me odiava com todas as forças de seu ser..— Você pode ser. Não sou sua . e nós não. Meus olhos se encheram de lágrimas. — Eu não disse isso. Mas estou tentando me reconciliar com você. Agora saia daqui! Está em . — Reconciliar-se? E quem disse que quero me reconciliar com você? Você foi uma prostituta nojenta e me roubou o que mais amei na vida. isso sim. não sou obrigada.. que foi Daniel.. há! Era só o que me faltava. há. — Vai me dizer que é minha amiga? Há. Por que não me ouve? — Porque não quero. Por quê? Porque ele não queria mais você? Porque você não podia ver a nossa felicidade? Você ficou foi com inveja.inimiga. — Não foi nada disso. senhor. abrindo sua consciência para . com toda a educação: leve-a embora daqui. Levantou-se. Ana Célia. não nos é direito impor nossa presença. penalizado. segurou a minha mão e disse: — Venha. concluiu: — Por favor. não teve outra alternativa.minha casa. Era um espírito por demais iluminado para invadir a intimidade de alguém e sabia como ninguém respeitar seus semelhantes. vejo que é mais educado do que essazinha aí. e que Deus possa iluminar a sua mente. Daniela. desapareça! Alfredo. Vamos. Não quero mais vê-la nem falar com ela. e eu não a convidei — virando-se para Alfredo. Adeus. Por isso é que lhe peço. ajudando-a a entender que ninguém é vítima. Por enquanto. senão de si mesmo. Partimos.que você. possa ver com os olhos do seu coração. e devemos respeitar o momento de cada um. porém. mais conhecedor da alma humana e de seus processos de amadurecimento. Vamos agradecer a Deus as lições do dia e pedir a ele que ampare Ana Célia. Ana Célia um dia também conseguirá compreender tudo o que se passou com ela. . julga-se ainda vítima. porém. tranquilizou-me: — Não se preocupe Daniela. Não esperava por aquilo. Eu estava arrasada. um dia. Alfredo. Valeu a pena. Sofri por Daniel e com Daniel. faço parte da imensa maioria que aprende a se transformar pela dor. Desencarnei aos vinte e quatro e passei outros vinte e quatro nas trevas. Mas tudo bem. bem diferente da que . Mas hoje posso compreender a necessidade de todo esse sofrimento. sei o quanto sofri na vida.EPÍLOGO Hoje. e como valeu! Hoje sei o quanto tirei de proveito de tudo isso e posso dizer que sou outra pessoa. não sei dizer. O que mais sofri. faz quase quarenta anos que me encontro no mundo espiritual. Infelizmente. Sei o quanto sofri no umbral. era. Sei que o novo século oferece milhões de oportunidades. Não quero. sim. não posso voltar. e para a frente. e vocês aí podem se considerar uns privilegiados por terem a oportunidade de participar de todas essas mudanças. mas não é mais aquela saudade desesperada. Ainda não me encontrei com Daniel e agora já começo a pensar nele de outra forma. Mas eu. Sinto saudades. é preciso continuar andando. Quero passar mais algum tempo aqui. não estou ainda pronta para voltar. me preparando para não cair novamente. Estou muito mais amadurecida e confiante. Devo ficar um pouco mais por aqui. com tudo isso. No entanto. que . com quem gostaria de poder partilhar todas as minhas aventuras e desventuras. meu espírito apague essas lições e volte a se entregar àquela . Não há nessa vontade nenhuma intenção escondida.parece sufocar com a ausência. penso nele como um ser muito amado e querido. mais esclarecida. pelo só fato de podermos trocar. Apenas o desejo de reencontrar alguém que me é muito caro. É uma saudade mais madura. nenhum artifício para estar perto dele. Quando penso em Daniel. Alfredo me diz que isso é normal e que eu estou a um passo de conseguir transformar esse sentimento em amor genuíno. tenho ainda receio de que. mais serena. Contudo. Não. de volta à matéria. Aprendi isso com minha mãe. Embora tema enveredar novamente pela senda espinhosa do incesto. Sei que isso é possível. no plano espiritual. onde os laços de sangue se rompem. constrói algo que é inabalável e indestrutível. que é o amor universal. porque o véu do esquecimento nos coloca no mundo cobertos por uma capa. mesmo aqui. e podemos fingir e mentir para nós mesmos o tempo todo. Mas aprendi que a maternidade. quero ser mãe de Daniel. a despeito do rompimento desses laços. Pude observar o quanto ela nos ama.loucura. Quando voltar. Quando a mãe recebe . penso que o amor materno é o único capaz de transformar as pessoas. Apesar do medo que sinto.seu filho. sabe que o amará para sempre. Leonel. não importa em quem se transforme. Já dei o meu recado e estou muito grata por isso. a quem fui apresentada aqui na vida espiritual tão logo me prontifiquei a passar as minhas . mais fiel. Bom. Há muitas vidas não experimento esse sentimento. que será algo novo para mim. O amor materno é incondicional e por isso é tão sublime. mais verdadeira. é isso aí. Na maternidade. poderei exercitar todo o meu amor e aprender com ele. não importa o que ele faça. Principalmente comigo mesma. estou me preparando para ser mãe de Daniel. Aprender a ser mais humana. Agradeço a você. porque sempre existirá algo a que poderemos nos agarrar e que é indestrutível. Espero que possam compreender que nem tudo está perdido. Em muitos momentos. Espero que o meu relato sirva para auxiliar outros em situação semelhante à minha. eu também fiquei insegura e tive medo de não ser bem compreendida e de acabar sendo julgada e rejeitada. . Sim. me orientando e auxiliando nessa nova e difícil tarefa que é a psicografia. porque não é apenas o médium que sente dúvidas e medos. Você foi incansável.experiências. Mas o resultado foi excelente. a médium e eu. Leonel. Tivemos ótimas oportunidades de aprendizado. que é a fé. Agradeço à médium que me recebeu e que. Agradeço. . a Deus. a despeito de suas dificuldades e inseguranças. Daniela. enfim. esse inigualável criador do universo. soube confiar e persistir. sem o qual eu nem sequer saberia que também sou parte dessa perfeita e maravilhosa força que é a vida. Table of Contents DESEJO PARTE UM MUNDO CORPÓREO CAPÍTULO UM CAPÍTULO DOIS CAPÍTULO TRÊS CAPÍTULO QUATRO CAPÍTULO CINCO CAPÍTULO SEIS CAPÍTULO SETE CAPÍTULO OITO CAPÍTULO NOVE CAPÍTULO DEZ CAPÍTULO ONZE CAPÍTULO DOZE CAPÍTULO TREZE . PARTE DOIS MUNDO INCORPÓREO CAPÍTULO UM CAPÍTULO DOIS CAPÍTULO TRÊS CAPÍTULO QUATRO CAPÍTULO CINCO CAPÍTULO SEIS CAPÍTULO SETE CAPÍTULO OITO CAPÍTULO NOVE CAPÍTULO DEZ EPÍLOGO .


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