BATISTA, Nilo. Novas tendências do Direito Penal.

June 14, 2018 | Author: Nathália Rosa | Category: Causality, Criminal Law, Immanuel Kant, State (Polity), Crimes
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Novas tendências do direito penalNilo Batista( ) Para desincumbir-me da honrosa tarefa, a mim cometida pelo Ministro César Asfor Rocha, de proferir a palestra inaugural deste seminário, dispunha eu de duas alternativas confortáveis. A primeira consistiria em simplesmente visitar os temas das mesas redondas e conferências dele integrantes: estaria coincidindo com a organização do seminário quanto ao conteúdo das novas tendências. Para a segunda alternativa bastaria aceitar o tema delicadamente sugerido no esboço preliminar do programa a mim remetido (pós-finalismo): estaria restringindo ao campo da teoria do delito o objeto de nossa neste caso sonífera reflexão. Ao optar por um terceiro caminho, rendido pela forte convicção de que as maiores transformações que o direito penal experimenta e virá a experimentar provêm de uma ruptura metodológica que poderíamos perceber como uma sorte de reconstrução do discurso dogmático, não deixarei contudo de roçagar os assuntos de nossa pauta, nem de espiar a vitrine de novidades teóricas – algumas já em liquidação de verão – que podem ser rotuladas como pós-finalismos. ∗  ( ) Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Cândido Mendes. Presidente do Instituto Carioca de Criminologia. Palestra proferida em 8 de maio de 2003, no Centro de Estudos Judiciários. ∗ Prof. Dr. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Na virada do século XIX, o positivismo criminológico havia triunfado em nosso país. Em 1894, Nina Rodrigues publicava seu As Raças Humanas, e Viveiros de Castro, num livro intitulado A Nova Escola Penal, afirmava ser o crime “o efeito do contágio, (que se) transmite como um micróbio”. Dois anos depois, o futuro chefe de polícia, Aurelino Leal, dava a lume seu Os Germens do Crime. O saber médico tinha um encontro marcado com a política criminal e, portanto, reivindicava – e teve muito – poder. A medicina social havia conseguido, em 1893, na pele da poderosa Inspetoria Geral de Higiene, a um só tempo demolir o Cabeça de Porco e semear, com os destroços humanos e materiais do cortiço, a primeira favela carioca, no vizinho morro de Santo Antônio. Mas em 1904 conseguiria muito mais, nos complexos acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolta da Vacina. O positivismo criminológico, tanto quanto a política criminal acoplada a suas premissas, produzia um discurso estratégico para aquela conjuntura, no qual a perdida inferioridade jurídica inerente às dominações escravistas era substituída por uma inferioridade biológica, de base racial – que deveria ser cientificamente demonstrada –, e no qual se buscava a patologização da infração e dos infratores (aquelas metáforas do crime como doença transmissível, validadas agora por uma incipiente estatística criminal). Portanto, a última engenhoca institucional da política criminal norte-americana criminológico. de drogas, a chamada dois “justiça aspectos terapêutica”, não passa de uma falsa novidade, que tem a idade do positivismo Quero destacar 2 Prof. Dr. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes metodológicos daquela ocasião, aparentemente secundários: 1º) o saber médico e o saber jurídico (mesmo sob a forma mais tosca da gestão policial urbana) vivem intensas trocas; 2º) o paradigma etiológico está em seu inquestionável apogeu. Afinal, em 1895, uma das regras do método sociológico de Durkheim, relativa à explicação dos fatos sociais, recomendava precisamente “buscar separadamente a causa eficiente que os produz”. Desta breve fotografia do alvoroço positivista, que na jovem república se exprimia também como ciência política, passemos ao direito penal. Em 1899, um prestigiado José Hygino publicava, em dois volumes, sua tradução do Tratado de von Liszt, precedido de um prefácio que foi – e provavelmente ainda o é hoje – a página de um penalista brasileiro mais elogiada por seus colegas. Vários dos presentes sabem a raridade que é isso. Entre os inúmeros elementos que a tradução de von Liszt introduziu entre nós, quero destacar dois. Em primeiro lugar, estávamos tomando contacto com um conceito natural de ação, próprio de uma empostação causal do delito. Em segundo lugar, estávamos recebendo a grande concepção lisztiana da ciência criminal “total”, que ao lado do direito penal situa como suas “ciências irmãs” (são palavras de José Hygino) a política criminal e a criminologia. Olhemos mais de perto estes dois problemas. 3 e uma lei inglesa. “A concausa no homicídio”. Um excelente artigo de Eduardo Durão sobre o tema se intitulava. já que estamos provocadoramente falando de imputação objetiva na primeira metade do século XIX. valia-se do prazo mais prudente. a partir da tradução de 4 . que o código imperial contemplava um homicídio privilegiado quando a morte se verificasse “não porque o mal causado fosse mortal.Prof. A imputação objetiva da morte demorada. no Brasil. mas porque o ofendido não aplicasse toda a necessária diligência para removê-lo” (art. a ser afirmado pelos facultativos mencionados no artigo 195 CCr 1830. Convém acrescentar. Mas o código penal de 1890. e curiosamente possessório. que tradicionalmente se resolvia numa presunção temporal – o conselheiro Paula Passos lembrava que Farinácio excluía a imputação após 40 dias da ferida. recorria-se ao histórico critério da letalidade das lesões. a palavra resultado não aparecia uma só vez em sua parte geral. ainda vigorante no início do século XIX. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes O código imperial não dispunha de uma regra básica sobre causalidade. Dr. da autoexposição perigosa da vítima. naquele momento. por direta influência do artigo 38 do código bávaro de 1813 (que. 194): estes eram o lugar e os efeitos. Para os problemas práticos colocados pelo homicídio. significativamente. de 1 ano e 1 dia – a imputação objetiva da morte demorada era assim também entregue ao saber médico. ao qual um aviso ministerial de 1854 autorizava recorressem os juízes mesmo sem “pedido das partes”. este não será consumado sem a verificação daquele resultado”. isto é. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Vatel. Dr. e entre ambos deve ainda mediar uma “conexão causal”. e no qual “o resultado deve ser produzido pelo movimento corpóreo”. A questão do resultado desorientava um pouco nossos colegas de antanho. mantivera-se fiel ao 5 .Prof. por seu ineditismo: só isto explica que Oscar de Macedo Soares tenha cedido ao truísmo de que “ao vocábulo resultado damos a significação criminológica que deve ter. 10) e as regras da tentativa (arts. de 1852. trazia em seu artigo 11 uma regra segundo a qual “quando a consumação do crime depender da realização de determinado resultado. Assim fariam. Mas a principal dificuldade era que. perante um conceito de ação como o de von Liszt. perante tal conceito de ação é impossível reconhecer crimes sem resultado. considerado pela lei elemento constitutivo do crime. Em primeiro lugar. o que resulta de um ato ou fato criminoso. o primeiro código penal republicano. Galdino Siqueira e Costa e Silva. conforme a intenção do agente”. que implica “contração dos músculos”. circulava intensamente entre os penalistas do império). 12 e 13). tal dispositivo foi interpretado pela doutrina como simples distinção legal entre crimes formais e crimes materiais. centrado na “causação do resultado” através de um “movimento corpóreo voluntário”. Apesar do artigo 11. Topologicamente inserido entre a impunibilidade dos atos preparatórios (art. por exemplo. cujo parto induzido se iniciara ainda no Império como revisão e aprimoramento do diploma anterior. aparecia a expressão causa eficiente. em todo caso implícita) – esta receita gerava perplexidades e soluções contraditórias. podemos conhecê-la porque João José do Monte fê-la publicar no 56º volume de sua revista Direito. Manuel Pedro das Dores Bombinho. ao contrário de que se passava no correspondente artigo 195 do código de 1830. Também aqui. que remontava a Aristóteles e. da lavra do juiz municipal Zacharias Horácio dos Reis. chegara ao direito comum pela via canônica. integrava o princípio da legalidade. de 6 de março de 1891. Não 6 .Prof. complementando os artigos 1º e 7º. em minha opinião. Dr. Na prática judiciária. prolatada em Simão Dias. dentro da conhecida concepção das quattuor causae. chamou por José Leopoldino da Silveira Collete. e pediu-lhe que em seu favor elaborasse uma petição. onde se realizava uma audiência. Sergipe. Há uma sentença muito interessante. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes critério da letalidade das lesões: “para que se repute mortal. a partir de Tomás de Aquino. no sentido legal. muito antes de postular uma classificação legal de crimes formais e materiais. do lado de fora da Intendência Municipal. uma lesão corporal – rezava seu artigo 295 – é indispensável que seja causa eficiente da morte por sua natureza e sede”. Em 19 de janeiro daquele ano. esta receita – uma causa eficiente no artigo 295 (referindo um critério restritivo da imputação objetiva da morte demorada) mais um resultado no artigo 11 (que. e portanto como causa eficiente da morte. Nosso juiz não empregou explicitamente a fórmula. quem. como ter ocorrido durante a vacatio do novo código. Roxin recorda que o emprego judicial explicito da fórmula “suprimir mentalmente” deu-se pela primeira vez em 1910. seguiu-se um entrevero no qual Bombinho deu “uma bofetada” em Collete. Nada mal para um contemporâneo periférico de Thyren. sem uma orientação legal – só disponível a partir do código de 1940 – acerca da irrelevância de concausas antecedentes em hipóteses de interrupção de nexo causal. e convido meus colegas a imaginar as dificuldades de fundamentação de nosso juiz Zacharias. talvez porque já lhe bastasse.Prof. publicado exatamente um século após a sentença que ora examinamos. porém o critério foi substancialmente utilizado: “todas as testemunhas – escreveu ele – dão a luta e a bofetada como causa da apoplexia. num aresto do Tribunal do Reich. que foi aplicado por retroatividade benigna. ao retornar à Intendência. evitando redundâncias. e sem esta não se daria a morte”. Deixo de lado outros aspectos sedutores do caso. Dr. “caiu fulminado por uma asfixia produzida pela supressão brusca da circulação pulmonar. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes sendo atendido. sem a luta não haveria supressão da circulação pulmonar. a supressão da circulação pulmonar que os facultativos lhe haviam asseverado. como verificou-se da autópsia”. como critério central daquilo concluir que os que a velhos 7 . porquanto sem aquela causa não haveria este efeito. Em seu formoso Tratado. Seria contudo ingenuidade causalidade. 8 . tudo parecia cantar a glória do princípio causal. Do chamado renascimento científico brotara a concepção de um mundo físico causal. a vida proviria – numa metáfora etimológica – da força. e o fundamento da menor punibilidade da tentativa residia numa “menos íntima conexão causal entre ação e resultado”. ou seja. estava ingressando na doutrina penal brasileira tangida apenas pelo emprego. exprime uma recepção clara e direta daquela concepção. Para Feuerbach. ou ainda pela edição e circulação do livro de von Liszt. autor era “a pessoa em cuja vontade e ação está a causa eficiente que produziu o crime como efeito”. das expressões resultado e causa eficiente. onde o determinismo de Newton concebe a força como uma causa. Essas trocas não eram absolutamente inéditas: Galileu não sugerira a Hobbes que a ética poderia ser tratada com o método da geometria? Mas no mundo da revolução industrial. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes criminalistas chamavam imputatio facti. formulada por Camignani e desenvolvida por Carrara.Prof. que as decompunha em graus. Não nos esqueçamos de que Carrara fazia derivar vita de vis. onde fenômenos guardam entre si aquela “ferma e costante conessione” à qual se referia Galileu. A teoria jurídico-penal das forças – física e moral – do delito.em dois dispositivos desconectados do código de 1890. e o exemplo que fornecia era astronômico: “o que dá ao planeta sua existência e sua vida é a força de translação e rotação”. Dr. ou finalmente pelos casos concretos sobre os quais tinham os juízes que decidir. A coisa era muito mais profunda. da máquina a vapor aos crimes culposos. entendida como a totalidade dos fenômenos. e apta a prescrever leis à natureza. com aval kantiano. um conceito naturalístico-causal da conduta humana punível? Em suma. Dr. que a lei penal constituía um imperativo categórico. no último ano dos oitocentos.Prof. fartava-se mais nas enxúndias dos comentários do que nas ervas finas da sistematização dogmática. Como poderiam as futuras ciências sociais abrir mão deste instrumento. O tema que dominaria absolutamente – perdoe-nos a culpabilidade e sua eterna crise – a teoria do delito no século XX estava servido à mesa doutrinária brasileira. Kant não se contentara em afirmar. portanto perfeitamente conforme às funções lógicas gerais do pensamento. mas já estava morto havia uma década. a tradução que José Hygino publica. o grande Tobias Barreto. 9 . na Crítica da Razão Pura. mesa esta que naquele momento. a causa é concebida como categoria a priori. na Metafísica dos Costumes. como seu mais inquestionável e basilar construto. que facultava a inteligibilidade das relações e dos conflitos a partir do princípio causal? Como poderia a teoria jurídica do delito deixar de formular. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Também na filosofia o princípio causal parecia reinar soberanamente. divulga entre nós a formulação lisztiana da ação causal. à exceção luminosa de alguém que polemizara muito com o próprio José Hygino. cujo manifesto fora a aula magna de 1882. espécie e quantidade. Dr. dividida entre uma biologia e uma 10 . Sua frase lapidar – “só a pena necessária é justa” – orientaria inúmeras formulações preventivistas. quando von Liszt assumia a cátedra em Marburgo. e discutindo com Binding. e ao lado da organização propedêutica que articulava o direito penal à política criminal e à criminologia. aqui. quanto a conteúdo. estávamos paralelamente.Prof. ancorado em Hobbes (o direito evita que prorrompa a guerra de todos contra todos) e em Rousseau (o prudente José Hygino colocou uma nota de rodapé na expressão “vontade geral”. ao derivar a pena. decretando o “naufrágio” do empreendimento kantiano a respeito. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Porém. von Liszt construia a mais consistente versão de combate do relativismo penal. como já frisado. e constitui o antecedente doutrinário da polêmica quarta categoria do delito: a necessidade preventiva. chegava também a racionalidade final. Não cabe. Quanto à criminologia. mais importante do que isto. que poderia excluir a pena ainda que afirmada a culpabilidade. observaremos que. expor longamente o que era para von Liszt a política criminal e a criminologia. recebendo a grande concepção da ciência criminal “total”. diretamente da idéia de fim. da coerção pública e especialmente da pena objetos privilegiados da política criminal. von Liszt fez dos bens jurídicos. De forma sucinta. extensão. não tinha ele como escapar ao conceito de uma ciência causal naturalística. Ao romper com as fundações metafísicas da pena. negando tal filiação). Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes sociologia criminal. considerando a filosofia “de todo supérflua”. houve um fenômeno só explicável por uma interdição metodológica: nenhum diálogo entre política criminal. nada de dialogar com o produto “infecundo” da criminologia.Prof. ao longo do século XX. ou menos ainda com “devaneios filosóficos”. ressoa aí o memorável ornejo de Manzini. é o técnico-jurídico ou lógico abstrato”. que “todos estão acordes em que o método no direito penal deve ser o técnicojurídico”. Conhecemos de perto dois fundamentos para essa interdição: o do tecnicismo jurídico e o do neokantismo. Hungria dizia que o método do direito penal. que consumaria a edificação de uma muralha entre os saberes jurídicos e criminológico ou político-criminal. Mas foi o neokantismo de Baden. na famosa conferência paulistana. Podemos agora olhar para o direito penal de nossa família jurídica. então dominante – e que dominante se manteria por muito tempo. e particularmente o brasileiro. com a divisão irremissível entre o mundo – e as ciências – do ser e do dever-ser. Em 1942. neste amplo mosaico de tendências e movimentos. compatíveis ou antagônicos. O penalismo neokantiano chegaria à América Latina não pelos trabalhos de Max Ernst Mayer ou de Gustavo Radbruch. e sim pela tradução do 11 . Dr. Ecoam aí as palavras de Rocco em Sassari: “a elaboração técnico-jurídico do direito penal positivo e vigente é a tarefa e a função do direito penal”. e constatar que. em 1956. criminologia e nossa disciplina. Aníbal Bruno afirmava. “seu único método possível. meio parecido com o personagem da anedota. tanta violência. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Tratado de Mezger. Muñoz Conde apresentou. aquele paciente que. a realidade é que é insuportável. tantos campos. encontrando na rua um amigo que lhe pergunta como vai. lecionando entre os escombros fumacentos do pósguerra. Tantas violações de velhos e bons princípios liberais. O primeiro Heleno Fragoso afirmava que o direito penal se incluía “entre as ciências culturais. o melhor a fazer era discutir causalismo e finalismo?! Esta foi talvez a maior demonstração de força que o neokantismo deu. O penalista seria. tanta pena. fosse a polêmica causalismo–finalismo. recebe alta e. após três lustros de psicanálise. tanta privação de liberdade. houve tanta pena. em seu estudo sobre Mezger. assim. e frisava que “não é missão do jurista estudar a realidade social para estabelecimento de conceitos”. bons indícios de que o grande sucesso da polêmica 12 . tanta vigilância. intervindo num projeto político imperialista? E.Prof. por Rodriguez Muñoz. anteriormente. em 1935. tantas criminalizações do ser e do pensar. responde com um esgar: eu vou muito bem. não obstante. Dr. Que o assunto mais emocionante para penalistas. tantas mortes. conforme a classificação que provém da filosofia dos valores”. é verdadeiramente de estarrecer. tantas sentenças e tantos assassinatos sem elas. com todos os seus adereços institucionais e teóricos. tantos oportunismos teóricos. com tantas adesões. quando. nova. até a década de oitenta. a física do não-equilíbrio e os sistemas dinâmicos instáveis significaram um abandono da visão científica clássica. Os eventos do futuro. questionada pelo reconhecimento. dominaria o interesse dos penalistas na América Latina. 13 . que “privilegiava a ordem e a estabilidade”. retirado para o ambiente mais rarefeito da filosofia do direito.135 ss). Olhando-se de certo ângulo. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes causalismo-finalismo ajudou a manter a reflexão penalística longe do debate sobre a trágica experiência penal nazista. nos meados dos trinta. o princípio causal estava já completamente desacreditado no âmbito das ciências físicas. de maneira nenhuma. Como diz Prigogine. do “papel primordial das flutuações e da instabilidade”. A crença no nexo causal é a superstição” (5. aquele da finalidade potencial. nem polêmica havia. Na década anterior. inferir a existência de uma situação completamente diferente dela. Wittgenstein escrevera em seu Tractatus Logico-philosophicus essas palavras incisivas: “Da existência de uma situação qualquer não se pode.Prof. e ainda causal-naturalista. “em todos os níveis de observação”. verdadeiramente. Dr. Quando Welzel elabora o primeiro finalismo. mas que buscara na filosofia dos valores o expediente metodológico da normativização – e outra. Um nexo causal que justificasse uma tal inferência não existe. que se chamou “da ação final” ou “finalista”. O certo é que a polêmica entre uma teoria do delito – sucessora daquela de von Liszt. não podemos derivá-los dos presentes. E. o finalismo não descartou o princípio causal: apenas isentou de tal modelo de determinação a conduta humana. negasse frontalmente o paradigma causal. no prólogo à 4ª edição do Das neue Bild. orientada a fins.Prof. constrói a casa na cabeça antes de plantá-la no espaço. Marx já houvera formulado isso naquela comparação entre a mais laboriosa das abelhas e o mais desastrado dos arquitetos – que. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes Mas Welzel se fundamentou precisamente na filosofia causalista de Nicolai Hartmann. efetivamente. tal como ocorreria nas ciências sociais. investindo antes na indeterminação. à diferença do inseto. Dr. as provas em sentido contrário são muito convincentes: todos os elementos integrantes daquela frase que correu os cinco continentes... se excetuarmos a conduta humana. cujos fins são previamente representados pelo sujeito. no entanto. estão em Hartmann. causalista?! Uma teoria jurídico-penal que. no primeiro exemplo com o qual queria caracterizar a “causalidade cega”. todo o resto do mundo seria resultante de processos causais – que o homem conhece mais ou menos. Que dúvida poderemos ter de que o finalismo era. para distingui-la da “finalidade vidente”. sobre a cegueira da causalidade e a vidência da finalidade. Embora ele tenha tentado negar isso. Welzel afirma que ser o homem atingido pelo raio era algo que “estava por certo condicionado causalmente na cadeia infinita do devir”. com conseqüências dogmáticas que aqui não nos interessam. Porém. Em seu Tratado. na possibilidade sobre a 14 . e por isso Welzel falava de um “saber causal”. por duas circunstâncias. Ouçamo-lo para entender porque. O sucesso da teoria finalista – além da utilidade entrevista por Muñoz Conde na polêmica que a divulgou. no que Zaffaroni viu. Zielinski: “o ilícito jurídico-penal é constituído pelo desvalor da ação. no qual uma das oposições propagandísticas situava no ocidente cristão a liberdade e na União Soviética materialista o determinismo histórico.Prof. Não me deterei sobre o subjetivismo monista. pedra angular do então nascente direito internacional dos direitos humanos. este pós-finalismo que. Dr. Por um lado. de outro lado. Ouçamos um de seus corifeus. uma exasperação da eticização welzeliana do direito penal. era totalmente impensável em meados do século XX. negando a pretensão de validade ontológica da teoria finalista com base numa crítica gnoseológica neokantista. quis conformar toda a teoria do delito ao modelo da tentativa. era um personagem benvindo. o resultado de uma ação é sempre casual”. no quadro da guerra fria. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes certeza. este sujeito que pode atuar finalisticamente. contrariando a ansiedade 15 . e rompendo os preconceitos que nos fariam ver na locução “sistemas caóticos” uma contraditio in adjecto. e neste desvalor se esgota. fora dos condicionamentos de classe social. e além do inquestionável aprimoramento e coerência que trouxe para diversos núcleos problemáticos da teoria do delito – este sucesso foi alavancado. de evitar assuntos desagradáveis. com razão. subtrair o sujeito do mundo causal determinado era algo em consonância com o princípio da autonomia moral da pessoa humana. em minha opinião. por outro também significava a implantação da racionalidade de fins – 16 . só lográvamos nos ouvir mutuamente. Em nosso esplêndido isolamento técnico-jurídico. O movimento de retorno a von Liszt. travestido com a toga e o gorro de Fausto. recusou-se a dialogar por exemplo com o marxismo. como dizia Hungria. nos anos setenta. quero recordar aquelas interdições metodológicas que concederam um certo autismo discursivo ao direito penal. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes colonizada de. Com efeito. de uma a outra geração. ao resultado. mas trata-se do diabo. se de um lado implicava o resgate do preventivismo. ou ainda com certas frutuosas vertentes da filosofia da linguagem. em diversos níveis. um estudante que lhe disse não querer ingressar na faculdade de direito. não há exagero no apodo de autista atribuído a uma disciplina que. ao atender. ultrapassando acolá. uns fundamentando-se nos outros. Parecíamos concordar com Mefistófeles quando. ou com a psicanálise. numa enfadonha mesmice. emitir fumaça sempre que a Europa acende um fogo. jamais incorporados. como doença perpétua sem descanso”. sem embargo de esforços individuais e isolados. alapados entre as ameias da alta muralha que impedia a realidade de penetrar na cidadela do dever-ser. repetindo aqui. acrescentou que “as leis e o direito se transmitem.Prof. É forte. cujo código explicitamente atribui relevância e efeitos. Dr. o subjetivismo monista não influenciou o direito penal brasileiro. Antes de chegar aos funcionalismos sistêmicos. ampliando para o âmbito criminológico a interação que sua famosa monografia dos anos setenta prescrevera apenas do ângulo da política criminal. bem como descobertas empíricas e dados criminológicos especiais”. foi a destruição daquela muralha. A política criminal ganhou legitimidade para intervir na solução de problemas dentro da teoria do delito. Ou seja: o que Roxin propôs. e principalmente representava a recuperação metodológica do intercâmbio direito penal – política criminal – criminologia. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes para que serve tudo isto? –. referia-se pejorativamente Mezger como “irmã mais moça e mundana” do direito penal. vedado por aquelas interdições. que abria caminho para a inserção do discurso jurídico-penal na experiência histórica concreta do sistema penal institucionalizado. a qual.a 17 . A política criminal. Roxin aspira a “tornar frutíferos para a dogmática postulados sócio-políticos. Dr. Esta é a grande novidade metodológica do último quarto de século em direito penal. e os dados da criminologia também podem ingressar na cidadela dogmática. e dos horizontes abertos por esta interdisciplinaridade é que brotam as novas tendências do direito penal. e a criminologia – que na mesma conjuntura dos anos setenta começava a abandonar o paradigma etiológico para finalmente investigar o complexo fenômeno da criminalização e os aparatos de poder que a realizam – a nova criminologia. Em seu artigo sobre as fundações políticocriminais do sistema de direito penal. na introdução de suas Moderne Wege.Prof. com sua sistematização teleológico-funcional. foi tímido no momento de entreabrir a porta à criminologia. Toda simplificação é perigosa. simplistamente – dizer de seu sistema teleológico-funcional que. a criminologia foi deixada no vestíbulo: era uma convidada algo inconveniente. eram ambas – política criminal e criminologia – concitadas a ingressar no templo. principalmente quando dirigida a uma obra jurídica cujo autor não apenas tem um conhecimento enciclopédico do direito penal. Se a adoção de uma concepção retributivo–absoluta de pena não passa de um ato de fé. Dr. mas também uma probidade e finura intelectual a toda prova. é desafiar todo o fracasso das pesquisas que empiricamente tentaram comprovar as funções preventivas. ai de mim.Prof. Estou me referindo à construção teórica de Claus Roxin. se as trocas com a política criminal receberam um enorme impulso. numa palavra a criminologia crítica. No sistema de Roxin. para – simplificada e talvez. quando tal comprovação era factível. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes criminologia da reação social. deste herdeiro direto de von Liszt. cujos maus modos poderiam perturbar o encontro. explodindo numa gargalhada quando alguém falasse de ressocialização através da privação de liberdade. adotar uma concepção preventiva – mesmo na sofisticada versão antes dialética e agora unificadora roxiniana – é mais do que isso. se foi pioneiro e criativo em fazer a política criminal dialogar com a dogmática e ajudá-la a resolver problemas. 18 . remeto às palavras definitivas de Juarez Tavares e Heitor Costa Júnior.Prof. O problema é de qual teoria social se trata. mas. paradoxalmente. uma teoria perante a qual o conflito equivale a uma perturbação. apontadores do bicho. em realidade. para essas estratégias de sobrevivência. que mediatiza o sofrimento humano penal definindo a pena como demonstração de vigência da norma à custa do responsável. ou. melhor ainda. aqui?! Faz sentido olhar por exemplo para a criminalização das ilegalidades populares. ricos. com baixa conflitividade social. ao sempre previsível e perene mundo do princípio causal. uma teoria da ordem e da estabilidade. em suma. prostitutas. e como se deu sua incorporação. também uma elaboração teórica de altíssimo nível. etc. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes A questão é diversa no funcionalismo sistêmico de Jakobs. um teoria que postula o equilíbrio do sistema a qualquer preço. e não a uma dinâmica social. ficando apenas no meu Estado. Era talvez inevitável que a primeira teoria social a acasalar-se sistematicamente com categorias jurídico-penais fosse. Aqui. Dr. camelôs. É naturalmente grande o repúdio a uma proposta que atribui ao poder punitivo a função de reforçamento do sistema através da certeza na interação conforme a papéis sociais. uma teoria social está no cerne da reconstrução dogmática. e pensar em reforçar o sistema (e não mudá-lo) ou 19 . com novas e sofisticadas fórmulas. para a qual. Poderá fazer sucesso nos países centrais. influenciando suas soluções de alto a baixo. Não cabe aqui aprofundar essa crítica. sacoleiras. cujo espírito pertence. de qual versão da teoria social se trata. Passemos por elas com a observação de que tais autores na verdade não descartam a causalidade. de risco (se reconhecer a causa pelo efeito é impossível. Dr. mirarmos as construções que. neste momento histórico. e acopla-se ao requisito causal um conjunto de topoi. como reconhecer o risco que se realiza no resultado sem grandes dificuldades?). bem longe de unívoco ou denotativo. de diversa procedência e natureza. e quais são elas. Confrontar essa tópica com o texto do código penal brasileiro. comparar os impasses da causalidade com aqueles advindos do conceito. reinventam criativamente o velho problema da imputação objetiva. com a capacidade de resolver constelações de casos. o debate causal se refina criticamente. que não quer ver a miséria por perto? Fujamos à tentação de. aplainando desavenças. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes na satisfação de expectativas da classe média. tendo por cumieira o risco de Roxin ou os papéis de Jakobs. mesmo rapidamente. que em algumas versões normativizadas era já quase uma metáfora atributiva. tudo isso nos tomaria o tempo que nos resta deste encontro.Prof. E este tempo deve ser dedicado ao esclarecimento de quais orientações político-criminais e criminológicas estão. e com atenção especial em nosso país. fermentando novas tendências no direito penal. O empreendimento neoliberal 20 . O quadro de transição histórica que vivemos – apresentado quase unanimente como inexorável – produz conseqüências sociais gravíssimas. do qual 21 . basta comparar o espaço concedido a delitos praticados no âmbito empresarial – salvo os casos de perda de invulnerabilidade por disputas de poder – e delitos praticados por ou envolvendo funcionários públicos. a intencionalidade desta campanha. quando não é o próprio Estado a conceder a esmola como “bolsa” ou “cidadania”. e. por essa caridade virtual que passa seu pires nos intervalos comerciais da televisão. era preciso. o corte nos programas assistenciais públicos representa o fechamento de saídas de incêndio. Como lembra Atílio Borón. Dr. O corte nos programas assistenciais públicos. e é parte importante deste processo. gerando desemprego massivo e obrigando esse proletariado. a se agarrar a subempregos ou buscar estratégias de sobrevivência na economia informal. uma campanha de desmerecimento das instituições públicas e da vida política. Para aferir a intensidade e. e foi cabalmente realizada pela mídia. mais ainda. de cujos efeitos ainda não nos conscientizamos completamente.Prof. A verdade é que a mídia em geral integrou-se aos grandes negócios das comunicações (publicidade. para essas versões do liberalismo a democracia se reduz a simples método de constituição da autoridade pública. telefonia. etc). Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes implica o sucateamento da considerável parcela “não competitiva” do parque industrial nacional. náufrago do mundo industrial. para os pobres. gradualmente substituídos por planos de saúde ou previdenciários privados para o que resta da classe média. como uma espécie de seu braço armado. Para favorecer a privatização dos diversos setores sobre os quais o estado de bem-estar intervinha diretamente. O estado de São Paulo. por ter ostentado o maior parque industrial. tendo o FMI por spalla. apenas do ponto de vista da expansão de seu sistema penal. Dr. Da mesma forma que o discurso econômico único procura convencernos. O movimento de mutilação institucional que desaguará no estado mínimo dos sonhos neoliberais tem. A política criminal hegemônica acaba. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes tem a pretensão delirante de ser cronista imparcial. Os índices ascensionais de encarceramento fizeram Loïc Wacquant pensar tal fenômeno como uma espécie de único programa público habitacional do capitalismo tardio. assim também a política 22 .000 habitantes. Ou seja: o estado mínimo acaba sendo um estado máximo. tendo já ultrapassado de muito todos os países da comunidade européia.Prof. de que o sistema econômico regido pelo capital financeiro transnacional. constitui uma inevitabilidade histórica sem alternativas. tem a ferida quantitativamente mais aberta. como a política econômica. dos Estados Unidos. uma conseqüência: este estado mínimo precisa de preservar e ampliar o controle social penal sobre os contingentes humanos marginalizados e desassistidos por suas políticas econômicas e pelos cortes que a busca deste paraíso que parece existir no equilíbrio orçamentário lhe impôs. contudo. o tempo todo. e deverá este ano aproximar-se da metade da escandalosa cifra. calculada por 100. até quase coincidir com ele. surpreendendo pela generalidade de sua aceitação: partidos e lideranças com programas ou passados antagônicos terminam reunidos no discurso político-criminal. 2ª (pergunta sobre a conveniência) a experiência recente das prisões 23 . uma espécie de lesa-majestade penal. Tomemos dois exemplos. Da indemonstrabilidade da concepção retributivoabsoluta da pena. Dr. deslegitimar a pena é quase deslegitimar o estado. no ambiente político neoliberal. Esta política criminal hegemônica bloqueia as trocas possíveis entre a criminologia e o direito penal. com escassa intervenção da vítima). Entretanto. com sua natureza – como Tobias Barreto nos ensinava há cento e vinte anos – política. a pena existe. negativo. quanto demoraria e custaria implantar essa medida?. positivo. o programa de construção de penitenciárias e o fluxo de ingressos. e corresponde ao direito penal produzir a teoria que regule e controle seu emprego. a partir do texto legal. e da grosseira inaptidão do modelo punitivo para solucionar conflitos (pois se limita a decidir sobre eles. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes criminal correlata a tal sistema aparece como necessidade incontornável. menos ainda. e.Prof. Mas não precisamos de uma teoria falsa que a legitime. de derivar dessa falsa teoria legitimante soluções dogmáticas. Em síntese. Pensemos agora na recente proposta de elevar o patamar máximo da pena privativa de liberdade para quatro anos. de todos os matizes – experimentaram sempre que levados à proveta da investigação empírica. Caberiam algumas perguntas: 1ª) (pergunta sobre a viabilidade) considerando-se o número disponível de vagas. do fracasso que os preventivismos – geral. disso tudo brotou uma teoria negativa ou agnóstica da pena. especial. projetandose na geopolítica. no primeiro exemplo.Prof. a lavagem de dinheiro e a responsabilidade fiscal são outros itens 24 . dito de outro modo: a política dos crimes hediondos tem dado bons resultados. A questão das drogas ilícitas. 4ª (pergunta sobre constitucionalidade) levando em conta a média da idade de ingresso. os mais recentes códigos penais operam com tal patamar. das versões mais simplórias (países exportadores “agressores” x países consumidores “vítimas”) encontrou na criminalização de guerras civis e estados internos de beligerância o álibi perfeito. recolhendo os dados sociais e checando sua consistência. não só pode interpelar propostas político-criminais. a própria pena. Esta política criminal hegemônica tem sua pauta. cujas virtualidades no campo das relações internacionais apareceram mais claramente após o fim da guerra fria e reinaram absolutamente até o 11 de setembro. como pode dialogar com o direito penal acerca de suas categorias mais centrais. para pretendermos ampliá-la. ou com patamares inferiores aos nossos trinta anos?. como. que. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes brasileiras sugere aumentar ou reduzir o tempo de internação? Ou. ou os presídios sem esperança de progressão estão em chamas? 3ª (pergunta sobre direito comparado) nos países europeus e latino-americanos de nossa família jurídica. Dr. não estaremos próximos de incidir na vedação constitucional de penas perpétuas? Fiquemos por aqui: a criminologia. e a expectativa de vida média do brasileiro. A criminalização da imigração ilegal. é certamente um dos itens mais complexos dessa pauta. que também pretende globalizar o jargão criminológico. conceitualmente e no campo de aplicação pragmática. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes importantes dessa pauta. tão essencialmente problemático quanto o de crime organizado – intensa e alegremente difundido pela mídia – torna-o suspeito de integrar o léxico desta política criminal. embora nem maconha nem cocaína sejam narcóticos. como a bruxaria. A rápida recepção e circulação de um conceito tão polêmico. é algo que. pode ser aquilo que o juiz quiser que seja. não se considerou devesse ser primeiro explicitamente construido antes de aplicado. maciçamente difundido desde o hemisfério norte: aqui ficamos nós a repeti-lo como papagaios. O sistema penal do empreendimento neoliberal tem características que o distinguem do sistema penal do capitalismo industrial. que no caso brasileiro correspondeu historicamente ao estado de bem estar. até o que se costuma chamar de crime as business. Dr. ao contrário daquele dos juros reais. Crime organizado.Prof. para evitar o que ele chama de “paraísos jurídico-penais”. que. de rua. É o que se deu com o termo narcotráfico. não conheço nada mais parecido com um “paraíso jurídico-penal” do que o campo de concentração de presos de Guatánamo. Silva Sanchez se detém sobre estes ensaios de compatibilização dos sistemas penais nacionais. de drogas ilícitas. Apenas mencionarei algumas dessas diferenças: 1ª) sua dualidade: para consumidores 25 . bem. É uma situação parecida com a do legislador ordinário perante o conceito de crime hediondo. do comércio local. encarceramento prolongado neutralizante. O discurso político-criminal e criminológico da mídia se impôs sobre o da universidade. estes papéis da mídia. 2ª) O abandono da utopia preventivo-especial. altera-se o estatuto ético da delação. Antes de apreciar. O símbolo da primeira face é a legislação dos Juizados Especiais. contudo. para concluir. no abuso freqüente de criar responsabilidade dilargando arbitrariamente deveres ou círculos dos garantidores na omissão imprópria.Prof. cabe frisar que a esta política criminal correspondem estilos legislativos e doutrinários que têm a mesma dinâmica de expansão – e não de contenção – do poder punitivo. própria do estado de bem-estar. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes ativos. Duas 26 . na introdução de uma espécie de “responsabilidade penal pela administração” em delitos societários. na transigência com o emprego de dolo eventual em supostos culposos. 4ª) os novos papéis da mídia. para consumidores falhos. etc. em favor de uma pena privativa de liberdade de segurança. Isso vai ocorrer freqüentemente nos tipos de perigo. espiona-se com câmeras e com prêmios). 3ª) o vigilantismo (corta-se na carne da privacidade. em especial abstrato (com ofensa ao princípio da lesividade). da segunda face. supera esses novos papéis que a mídia passou a desempenhar. Nada. suspensão do processo. a legislação dos crimes hediondos. transação penal. penas alternativas à privação da liberdade. sursis. Dr. cujas opiniões. Através desse expediente. se jornalisticamente não significa coisa alguma – quem ignora que garotos pobres das favelas cariocas vendem maconha para garotos ricos? – implica pautar e movimentar as agências policiais (eis aqui o rosto de doze garotos que estão vendendo drogas no morro tal). ou seja. no qual a única informação obtida e divulgada. regida por estereótipos criminais. Dr. passarem alguns veículos a operar como agências de criminalização secundária. fazendo do que foi o jornalismo investigativo um jornalismo policialesco. O espaço concedido ao “especialista” é apenas para referendar o sentido geral da mensagem. de resto.Prof. uma promoção ou uma sentença. achava que naquela situação havia efetivamente ilegalidade ou abuso de poder? Mais grave do que isso é a executivização. Uma manchete mobiliza muito mais o sistema penal – particularmente aqueles operadores que sucumbiram às tentações da boa imagem – do que uma portaria de instauração de inquérito policial. contrariamente. aquela seletividade que caracteriza a criminalização secundária. O poder de selecionar quais conflitos criminalizáveis serão tratados 27 . só serão divulgadas se e enquanto puderem ser adaptadas e apropriadas pelo discurso político-criminal único. vai acrescentar-se à nova configuração de poder da mídia. invocar a opinião de algum jurista que. anunciando desrespeitosamente a concessão de uma ordem de habeas corpus. alguém já viu um locutor. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes caretas desses oráculos pós-modernos que são os âncoras da televisão influenciam mais que a obra completa de nossos melhores penalistas e criminólogos. o primeiro com sua livre inventividade e o segundo jungido. Dr. Com algumas agências policiais já se instalou um contubérnio chocante: o que significa a câmera de uma empresa de comunicações instalada numa viatura policial? Em que inciso da Constituição se autoriza esta prática infamatória de “apresentar” um suspeito. as exigências formais. seja no Executivo. a regras e garantias estritas. em suma. realizam. com este apego a uma interpretação infracional de tudo e de todos. todo o devido processo legal passa a ser visto também como um “excesso” do estado do bem-estar. sucessivamente. hoje em dia. nas mãos da mídia. mais do que em quaisquer outras. a toda a imprensa. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes procedimentalmente está. Quando isto ocorre. a defesa plena. às vezes sob um cartaz? Essa dramaturgia policialesca vem sendo observada desde os estudos pioneiros sobre jornalismo radiofônico policial.Prof. 28 . forçando-o a exibir-se. sujeito a cortes e flexibilizações. ou muitas campanhas. mas está alcançando um nível que coincide com a ascensão de radialistas e animadores a altos cargos públicos. É curioso que com esta obsessão pela pena. O velho modelo do trial by the media não dá conta destes julgamentos diretos que muitos programas ordinariamente. seja no Legislativo. a mídia incorra na evidente contradição de opor-se radicalmente ao tratamento penal de seus próprios delitos. ou o governo é o show. os prazos. Quando o show é o governo. fica às vezes difícil definir os contornos entre o espetáculo e o exercício de poder público. ou mesmo um condenado. particularmente no campo penal.as garantias. Dr. para ser. no Brasil. O refinamento que o finalismo trouxe à teoria do delito chegou ao direito brasileiro – à parte os trabalhos precursores de Luiz Luisi e João Mestieri – na reforma da Parte Geral de 1984. Isto seria a ruína do Judiciário. com a implantação de um estado policial submisso à nova ditadura financeiro-virtual planetária. imobilizado na camisa de força orçamentária tão cara ao FMI. para ser um complacente espectador da criminalização secundária. seja para soluções arbitrais. de conter todo o poder punitivo exercido inconstitucional. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes O Poder Judiciário brasileiro recebe todos os impactos dessa política criminal e de seus fundamentos econômicos. está o Judiciário. Definitivamente. Claro está que não chegou de modo ortodoxo: se a paixão de Assis Toledo pela intrincada questão do erro conduziu a uma disciplina 29 . ilegal ou irracionalmente. aqueles que têm a responsabilidade funcional de velar pelo princípio da presunção de inocência dos cidadãos não desfrutam dessa garantia. Perante o desmerecimento do espaço público. numa palavra. qualquer procedimento que possa envolver a responsabilização de um magistrado terá divulgação similar à de uma catástrofe: hoje. para policizar-se. sujeito a perdas e reduções. uma espécie de capitão-do-mato dos foragidos da nova economia. pretende-se que o Judiciário abandone sua missão. No processo de minimização do Estado. insubstituível para o estado de direito democrático. seja para jurisdições internacionais ou regionais.Prof. seguida da ruína do estado de direito. agora. o que implica conhecer o funcionamento histórico concreto de sistemas penais determinados. todos. A febre da imputação objetiva não cancela esses merecimentos. com o desequilíbrio. Dr. e propor acerca deles. cá entre nós. do que o direito penal. ou o princípio da confiança. A causalidade perderá sua centralidade como critério de imputação no dia em que os penalistas assumirem que nenhuma outra disciplina. quando ultrapassada a tolice consumista de atirar-se ao último modelo. na disciplina dos crimes culposos? O que importa é que. e. constatar que a novidade é pouca. sob a designação de “determinação específica” – já não estavam. com a flutuação. apenas às marés das categorias jurídicas.Prof. pode ser mais comprometida com o conflito. Neste dia. e até da realização do risco no resultado – neste último caso. com a ruptura. já era tempo. o debate não será mais um debate fechado à realidade. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes enxuta e avançada. com a instabilidade. As novas tendências do direito penal não se subordinam hoje. os 30 . no tema da autoria e participação – que sofreu indiscutível aprimoramento – alguns passos adiante poderiam ter sido dados. do risco permitido. e será fácil. Elas provêm dos reflexos e influências que os dados econômicos e sociais concernentes à questão criminal – recolhidos e trabalhados pela criminologia – e a luta das concepções político-criminais introduzem nas teorias da pena e do delito. social ou jurídica. Nossa torre de marfim caiu. com tudo aquilo que nega a repetibilidade causal. como nos tempos da polêmica causalismofinalismo. e me surpreendo ao constatar quantas linhas relevantes sobre estes movimentos deixei de desenvolver ou mesmo enunciar. para concluir com um voto de esperança na superação do quadro preocupante dessas novas tendências do direito penal. *** 31 . e o campo dos princípios constitucionais não estava desenvolvido como hoje. Nilo Batista Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Titular de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes penalistas estarão se libertando do medo do conflito.Prof. Tomei demasiadamente o tempo de todos. redescobriam von Liszt de um modo intuitivo. que o recente estudo doutoral de Vera Malaguti Batista demonstrou ser um elemento estratégico desta política criminal hegemônica. Penso nesses companheiros de minha geração. já lá se vão trinta anos. Penso naqueles juízes brasileiros que. Dr. da desordem. chamando o argumento da política criminal para conter poder punitivo irracional perante situações nas quais faltava um dispositivo dogmático escusante.


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