A religião cristã em sua expressão doutrinária - Edgar Young Mullins.pdf

June 6, 2018 | Author: wanmozes | Category: Divinity (Academic Discipline), Apologetics, God, Science, New Testament
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A RELIGIÃOna s u a e x p r e s s ã o d o u t r i n á r i a EDGAR YOUNG MULLINS, D .D .JL. D A religião cristã na sua expressão doutrinária Edgar Young Mullins, D.D., LL. D. UIAGNOS C o p y r ig h t © 2 0 0 5 E d it o r a H a g n o s L t d a P u b lic a d o o r ig in a lm e n te p o r: C a s a B a u t is t a d e P u b lic a c io n e s, T ít u l o o r ig in a l : USA La Religión Cristiana en su Expresión Doctrinal T radução: Cláudio J. A. Rodrigues R e v isã o : Márcio Ribeiro Aldo Menezes C apa: . Marcelo Moscheta D lag ram a çã o : Printmark Marketing Editorial C o o rd e n ad o r de p rod u ção Mauro W . Terrengui Ia edição - fevereiro - 2005 Im p re ssã o e a c a b a m e n t o Imprensa da Fé D a d o s In te r n a c io n a is d e C a t a l o g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o (C IP ) ( C â m a r a B r a s i l e i r a d o L i v r o , SP, B r a s i l ) Mullins, Edgar Young, 1860-1928. A religião cristã : na sua expressão doutrinária / Edgar Young M ullins; [tradução Cláudio J.A. Rodrigues]. -- São Paulo : Hagnos, 2005. Título original: La religión cristiana en su expresión doctrinal. Bibliografia 1. Batistas - Doutrinas - História 2. Teologia doutrinai I. Título. 04-8656 Índices p a r a c a t á l o g o sistemático C D D -230.046 1.Teologia: Doutrina cristã ISBN 85-89320-67-7 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA h a g n o s Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 São Paulo - SP - 04809-270 Tel/Fax: (xxll) 5668-5668 e-mail: [email protected] www.hagnos.com.br Em memória do presidente James Petigru Boyce [1827-1888], grande administrador e professor de teologia, cuja visão inspiradora da educação teológica para os batistas do sul tornou possível o Seminário Teológico Batista do Sul. Este volume é dedicado a ele com afeição por seu agradecido aluno e sucessor na função. Sumário Prefácio Capítulo 1 Religião e teologia A. Duplo objetivo B. Formas modernas de considerar a experiência religiosa C. Experiência cristã e revelação D. Necessidade da auto-revelação pessoal de Deus E. Teologia e verdade F. Tópicos concluintes do exame preliminar 13 17 17 29 37 41 43 46 Capítulo 2 O conhecimento de Deus A. Definição de conhecimento e de religião B. Fontes do conhecimento religioso C. Conclusão Capítulo 3 Estudo preliminar da experiência cristã A. Seis hipóteses B. A análise da experiência cristã C. A unidade sintética da experiência cristã D. Aspectos psicológicos da experiência cristã E. A consciência natural e a regenerada F. A transição do estado natural ao regenerado 57 57 60 73 75 75 77 81 84 88 92 G. Objeções consideradas H. Como o conhecimento surge na experiência cristã I. Elementos de conhecimento na experiência cristã. J. O conhecimento cristão e a certeza cristã L. Objeções à certeza cristã. Capítulo 4 Conhecimento cristão e outras formas de conhecimento A. A ciência física B. A psicologia da religião C. A relação da experiência cristã com a ética D. A experiência cristã e a religião comparada E. A experiência cristã com relação à filosofia F. Opiniões modernas sobre o mundo G. Personalismo e teísmo cristão H. As provas da existência de Deus I. Conclusão geral Capítulo 5 A revelação Declarações introdutórias A. Pontos de vista opostos B. O conteúdo da revelação C. O registro da revelação D. Marcas distintivas da revelação bíblica Capítulo 6 A revelação suprema: Jesus Cristo A. Cristo: A chave das escrituras B. Jesus Cristo na experiência religiosa moderna C. Afirmações a respeito de Cristo na experiência Capítulo 7 A divindade de Cristo A. Um artigo de fé fundamental B. Considerações gerais 93 95 97 101 104 113 114 118 123 126 137 142 160 163 175 179 179 180 183 186 188 199 199 211 212 215 215 218 C. Os elementos divino e humano em Cristo D. A preexistência do Filho Divino E. O despojamento divino F. Estágios na ascensão de Cristo G. Objeções H. Teorias opostas Capítulo 8 O Espírito Santo e a Trindade A. O Espírito Santo B. A Trindade C. O valor prático religioso da doutrina da Trindade D. Objeções Capítulo 9 O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo A. Definição de Deus B. A definição cristã C. Os atributos de Deus. D. Erros que devem ser evitados Capítulo 10 Criação A. Definição. B. Opiniões divergentes C. A criação do homem D. A origem das almas Capítulo 11 A providência A. Definição B. Os anjos Capítulo 12 O pecado A. A origem do pecado 226 230 232 238 242 248 257 257 260 265 267 271 272 273 281 311 321 321 323 326 334 339 339 352 359 359 B. A relação natural e espiritual de Cristo com a humanidade C. O ensino bíblico sobre o pecado D. As conseqüências do pecado E. Solução do problema do pecado por meio da experiência cristã F. Objeções à doutrina bíblica do pecado Capítulo 13 A obra salvífica de Cristo A. O ofício tríplice de Cristo B. A propiciação C. Revisão de teorias D. Afirmativas gerais e preliminares quanto à doutrina bíblica E. A doutrina bíblica da propiciação F. A propiciação e a imanência divina H. Os elementos vitais e legais na propiciação I. A referência da propiciação em relação a Deus e ao homem J. Uma discussão acerca dos atributos de Deus na propiciação L. A extensão da propiciação M.A intercessão de Cristo Capítulo 14 A eleição: a iniciativa de Deus na salvação A. A soberania de Deus B. O propósito de Deus com relação à humanidade C. A salvação dos indivíduos D. Objeções E. Endurecendo o coração Capítulo 15 Os princípios da vida cristã A. A obra do Espírito Santo na salvação 364 368 375 381 383 385 385 386 388 394 397 405 407 417 424 425 426 427 427 429 432 445 448 451 451 B. O começo da salvação C. A ordem da salvação D. Regeneração nas suas relações mais amplas E. Justificação F. Adoção e filiação G. A união com Cristo Capítulo 16 A continuação da vida cristã A. A santificação B. A perseverança Capítulo 17 As últimas coisas A. Ciclo de idéias na teologia completado B. Questões preliminares C. A morte do corpo D. O estado intermediário E. A segunda vinda de Cristo F. A questão sobre o milênio G. A ressurreição H. O juízo I. Os estados finais: o céu J. Teorias que negam a punição eterna índice remissivo 458 462 482 487 501 509 519 519 537 545 545 547 568 569 572 576 583 590 596 605 623 Prefácio Várias razões levaram o escritor a preparar esta obra sobre teologia. Ele foi professor da matéria durante os últimos dezoito anos1 . Seu próprio método e ponto de vista em lidar com a verdade têm, como conseqüência natural, assumido uma forma definitiva. A teologia é como qualquer outra ciência: se está viva, progride. Isto não significa que vá além de Cristo e do Novo Testamento. Pelo contrário, significa que estes são a causa desse constante crescimento. O objeto da religião não cresce, mas o assunto nun­ ca atinge o estágio final nesta vida. A verdade não muda, mas apreendemos a verdade com crescente clareza. Em meados do século 19, após a era de Lutero, a teologia se ocupava sobretudo das questões que resultavam da Reforma. O método da teologia originava-se de uma era passada. As teologias eram abrangentes, tratados mais ou menos filosóficos e abstratos. Havia um desejo louvável de sistematizar as verdades do cristianismo. Mas, com demasiada freqüência, o método e o propósito bíblicos eram sacrificados em prol do interesse de determinada "escola" teológica ou de um princípio filosófico. Por exemplo, o arminianismo passava por cima de certas verdades essenciais acerca de Deus ao defender com veemência a liberdade humana. Em contrapartida, o calvinismo exagerou algumas de suas conclusões no desejo sincero de salvaguardar a verdade da X [NR] De 1899 a 1917, data do lançamento desta obra. soberania de Deus. Estamos aprendendo a romper com essas duas posições e a nos apegar fielmente às escrituras, ao mesmo tempo em que retemos a verdade de cada um desses sistemas teológicos. Durante o século 19 o pensamento humano do mundo inteiro passou por uma extraordinária revolução. Nas ciências físicas surgiram métodos e ideais novos. Na esfera social e econômica uma nova sociologia e economia política tomavam forma. Na psicologia, um novo método de estudo criou uma literatura inteiramente nova. Na filosofia todas as questões eram reafirmadas sob novas formas, e novas escolas de pensamento surgiram. Era inevitável que essas mudanças no pensamento humano introduzissem novas questões e crises na teologia. Muitos olhavam essas mudanças com medo e tremor, temendo a destruição dos fundamentos. Schleiermacher, no começo desse século, já havia antecipado a necessidade de mudanças no método de lidar com a verdade religiosa. O notável sistema de Ritschl foi um resultado lógico do impacto das novas formas de olhar as coisas diante dos caminhos antigos da teologia. Como sistema, tinha falhas fatais, e está agora perdendo força. Mas é um marco notável, indicando uma crise particular na história da teologia. Estamos vendo, por fim, todas as coisas sob nova perspectiva. Várias coisas são completamente claras. Uma delas é que nenhum dos fatos essenciais da vida espiritual do homem foi destruído por qualquer desenvolvimento em tempos recentes. Os métodos mudaram. Novas questões surgiram. Velhas questões assumiram novas formas. Novas afirmativas da verdade são necessárias. Mas Cristo permanece o mesmo "ontem, e hoje, e eternamente". O evangelho permanece. Os melhores métodos históricos e críticos do estudo da Bíblia nos deram uma visão mais clara de Cristo e da sua doutrina. Apreciamos melhor agora do que antes a grande sabedoria e o grande amor de Deus ao revelar-se a si mesmo de forma gradual à humanidade. Isto se torna claro para nós nas escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Temos melhores métodos de empregar as escrituras com o objetivo de provar as doutrinas. Aprendemos a reconhecer que a religião é uma forma de conhecimento; que o universo espiritual é a maior de todas as realidades; que Cristo é hoje o Criador espiritual em uma civilização em avanço. Juntamente com isso, temos aprendido que nossa religião é capaz de uma exposição clara e científica, e que provas novas e contundentes de sua verdade e finalidade são possíveis. O evangelho de Cristo, não em uma forma atenuada tão reduzida de difícil reconhecimento, mas com todos os seus elementos vitais intactos, está hoje no mundo moderno, e nada tem a temer de qualquer forma de estudo sensato. O autor acredita que esses fatos podem ser apresentados de forma inequívoca nas páginas seguintes. Com a finalidade de clareza e legibilidade, optou-se pelo uso da linguagem não-técnica e a mais simples possível. Algumas partes da teologia são inerentemente difíceis. Na maior parte, porém, o autor acredita que o leitor não achará o livro difícil de entender. Primeiramente, o livro foi escrito para ser usado por estudantes de teologia. Mas o leitor em geral também foi levado em consideração. Foi tomado cuidado para se evitar divisões e subdivisões em demasia. Excesso de subdivisões não torna o texto interessante nem desperta o interesse do leitor. O índice analítico de conteúdo ajudará aqueles que desejarem um sumário de uma seção particular da discussão. É impossível para o autor indicar, mesmo no sentido geral, sua dívida a outros escritores. Inumeráveis livros sobre todas as fases do assunto foram lidos e consultados. Teologias bíblicas, teologias sistemáticas, teologias da experiência cristã, psicologias, filosofias da religião e livros sobre religiões comparadas e outros assuntos foram examinados. Ocasionalmente foram mencionados em notas de rodapé. Mas foi impossível fazê-lo em todos os casos. O autor deseja expressar seu agradecimento ao rev. W. T. Conner (seu ex-discípulo, doutor em teologia e professor dessa matéria no Seminário Teológico Batista do Sudoeste, em Fort Worth, Texas), pelas valiosas sugestões baseadas em leituras cuidadosas do manuscrito. E.Y.M. Capítulo 1 Religião e teologia A .D u p lo objetivo O objetivo deste tratado é duplo: primeiro, o de estabelecer o conteúdo da religião cristã e, segundo, o de estabelecer as doutrinas da religião que surgem dela e que são necessárias para explicar seu sentido. O objetivo implica uma conexão necessária entre religião e teologia. A teologia tem sido muitas vezes definida como a ciência que trata de Deus. Essa definição é baseada na derivação etimológica dos termos gregos para Deus (theos) e razão (logos). Mas a teologia cristã é algo mais do que a ciência que trata de Deus. Também são incluídos no seu campo de investigação as relações do homem com Deus. A razão dessa definição mais ampla da teologia cristã torna-se clara quando consideramos a natu­ reza do cristianismo. A religião cristã não é uma teoria ou es­ peculação acerca de Deus. Ela é mais do que deduções de fatos objetivos concernentes à sua natureza e atributos. Estes não são conjuntamente excluídos da teologia cristã, mas não constituem o seu fundamento nem os elementos principais do seu conteúdo. Em primeiro lugar, religião é o relacionamento do homem com o ser divino. Envolve comunhão e obediência da parte do homem, e auto-revelação da parte de Deus. É uma forma de experiência e de vida. É uma ordem de fatos. A teologia é a explicação sistemática e científica dessa ordem dos fatos. As vezes o termo teologia é empregado em sentido mais estrito, significando a doutrina de Deus, distinta da doutrina do homem, do pecado, da salvação ou de outras doutrinas particulares. Isto, entretanto, não está em conflito com o que acaba de ser afirmado quanto ao uso geral da palavra. Ela passou a significar toda a gama de doutrinas relativas a Deus em suas relações com o homem. Esse significado aparece no uso do termo nas várias divisões da teologia. Quando falamos de teologia do Antigo Testamento queremos dizer a exposição sistemática das verdades acerca de Deus e de suas revelações ao homem, que se originam da vida e da experiência do povo de Deus na história do Antigo Testamento. A teologia do Novo Testamento significa as verdades correspondentes dadas na vida e na religião dos autores e escritores do Novo Testamento. A teologia paulina ou joanina significa as verdades encontradas nos escritos de Paulo ou João. Em geral, a teologia bíblica é a exposição científica da teologia da Bíblia, não misturadas com elementos especulativos ou outros elementos tomados da natureza física ou da razão humana. Mas em todos os exemplos mencionados, a teologia abrange a totalidade das relações entre Deus e o homem. Não se limita à doutrina da natureza divina ou de seus atributos. A teologia sistemática é a apresentação ordenada e harmônica das verdades teológicas a fim de alcançar a unidade e a totalidade. A razão pode suprir certos elementos nessa apresentação que seriam inadequadas em um método bíblico de tratamento rígido. A teologia histórica traça os estágios no desenvolvimento das doutrinas através dos séculos cristãos, com o propósito de demonstrar suas relações internas de século em século. Outro método de tratar as doutrinas da religião cristã é o que dá preeminência à experiência cristã. É o método adotado por este livro. A maneira experimental de tratar as doutrinas cristãs tem sido empregada, essencialmente, em todo sistema vital produzido desde os tempos do Novo Testamento. Mas na maioria dos casos tem sido mais implícita que explícita. A experiência cristã tem sido assumida tacitamente. É o princípio que anima todos os escritores bíblicos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. É a fonte de poder nos escritos de um Agostinho, de um Clemente, de um Schleiermacher. Toda teologia deve ser vitalizada pela experiência antes que possa se tornar uma força real para a regeneração do homem. Mas quando falamos em tornar a experiência explícita na exposição de doutrinas do cristianismo, não estamos de forma alguma adotando isso como o único critério da verdade. Aquele que tentasse deduzir toda doutrina cristã de sua própria experiência subjetiva seria um homem muito desprovido de sabedoria. Como logo veremos, o cristianismo é uma religião histórica. Jesus Cristo é seu único fundador e autoridade suprema como revelador de Deus. As escrituras são nossa única fonte de informação autorizada acerca de Cristo e sua carreira terrena. Estas são fundamentais a qualquer entendimento correto de nossa religião. Quando, portanto, falamos em tornar a experiência cristã explícita como princípio de afirmativa teológica, estamos simplesmente procurando entender o cristianismo antes de tudo como religião. Certamente não podemos conhecer o significado de religião até que saibamos o que é religião. Há maneiras de lidar com a doutrina cristã que se afastam da verdade. Um teólogo poderá adotar um princípio lógico ou filosófico abstrato e construir um sistema tendo pouca relação com o Novo Testamento. Para evitar esse erro, o melhor recurso é a religião do Novo Testamento em si mesma. Observar-se-á, então, que o claro reconhecimento da ex­ periência cristã na discussão doutrinária não torna a teologia menos bíblica, ou menos sistemática, ou menos histórica. A Bíblia é o maior de todos os livros de experiência religiosa. A teologia de seus grandes escritores é toda, em certo sentido, a expressão de suas experiências sob direção do Espírito Santo de Deus. A conversão de Paulo foi uma influência formativa em todos os seus ensinos doutrinários. Outra vez, nosso tratamento não é menos sistemático por ser experimental. Podemos ser mais cautelosos ao tirarmos inferências lógicas e filosóficas das doutrinas reveladas e conhecidas na ex­ periência. Mas isso não impede, de modo algum, um arranjo e exposição sistemática da doutrina. Assim também, ainda que os limites do espaço e o método de tratamento proíbam qualquer revisão geral da história da doutrina, todo o tratamento da teologia aqui representado implica um fundo histórico e todo o curso do desenvolvimento doutrinário através dos séculos do cristianismo. Resumiremos agora, de modo geral, os fatores que devem ser levados em conta se quisermos entender a religião cristã e os ensinos doutrinários que dela emergem. Em primeiro lugar, devemos reconhecer Jesus Cristo como a revelação histórica de Deus ao homem. O que ele é em si mesmo e o que significa para a nossa fé são verdades que devem aguardar o desdobramento em uma etapa mais adiante neste livro. Mas o cristianismo está ligado indissoluvelmente com os fatos do Jesus histórico. Em segundo lugar, devemos estabelecer as escrituras do Novo Testamento no seu legítimo lugar: como fonte indispensável de nosso conhecimento do Jesus histórico e de sua obra para nossa salvação. Em terceiro lugar, devemos reconhecer o lugar e a obra do Espírito Santo no coração dos homens. Ele continua a obra de Cristo. E por intermédio dele que somos levados a aceitar a Cristo. É nele e por meio dele que o significado dos fatos cristãos são trazidos até nós. Em quarto lugar, devemos procurar definir e entender as experiências espirituais dos cristãos como sujeitas à operação do Espírito de Deus revelando Cristo a eles. A história da doutrina ajudará nisto, mas também devemos fazer um estudo direto da experiência em si mesma. Pois bem, é na combinação e união de todos esses fatores, e não em qualquer um ou dois deles tomados isoladamente, que vamos encontrar o que buscamos quando procedemos a um estudo sistemático da religião cristã e sua teologia. Podemos relacionar algumas vantagens desse método de estudo nas afirmativas seguintes: 1. Capacita-nos a evitar um falso intelectualismo na teolo Mantém a teologia adequadamente ancorada nos fatos e no significado deles. Exige pouco discernimento para perceber que as teologias sistemáticas preocupadas principalmente com as relações lógicas ou filosóficas entre as verdades em ordem unificada podem facilmente passar por cima de interesses vitais da vida espiritual. As escrituras raramente apresentam a verdade dessa maneira. Elas nunca a apresentam separada das necessidades vitais da alma. O sentido de proporção e a ênfase sobre a verdade podem facilmente se perder quando admiramos a harmonia e a beleza de um arranjo sistemático. Uma única doutrina ou concepção, tal como a soberania de Deus, ou eleição, ou liberdade humana, poderá receber uma posição dominante, e todas as outras verdades modificadas a fim de se ajustarem a ela. Controvérsias teológicas podem levar a sistemas unilaterais. Assim, o calvinismo e arminianismo, algumas vezes, assumiram formas extremadas e levaram a resultados desafortunados. Outras questões mais comuns nos tempos modernos produzem as mesmas reações às formas extremas de afirmativas. Quando os interesses da vida e da experiência se tornam explícitos, muitos erros desse tipo são evitados. Percebe-se igual­ mente uma restrição que previne uma licença demasiada nas deduções especulativas e deduções metafísicas da verdade bíblica. Não podemos ter teologia sem metafísica, mas nossa metafísica deve surgir dos dados fornecidos pelas escrituras e entendidas através da nossa experiência viva de Deus em Cristo. 2. O método também fornece a necessária base factu para a apresentação científica das verdades da teologia cristã. A coisa mais correta no espírito científico moderno é sua exigência por fatos, bem como a interpretação meticulosa e conscienciosa deles. O desejo de conhecer a realidade em si mesma e não como desejamos que seja, combinado com o esforço paciente para expressar exatamente o seu significado, é a essência do espírito científico. Esse motivo e propósito satisfazem agradavelmente aos que querem estudar a religião cristã e expressar seu significado em um sistema de teologia. Fica claro, sob reflexão, que todos os fatores mencionados são essenciais ao estudo cuidadoso da religião cristã. Se estudar­ mos o Jesus histórico à parte dos outros fatores mencionados, nunca passaremos para além de um problema de história. Se nos devotarmos ao estudo das escrituras somente por meio dos métodos críticos e científicos mais aprovados, nunca superaremos as questões envolvidas na crítica literária e histórica, ou o melhor das questões exegéticas. Em nenhum caso alcançaremos o nível da religião em si mesma. Por outro lado, se nos cansarmos dos estudos históricos e exegéticos e nos devotarmos ao trabalho do Espírito Santo em nossos corações, à exclusão de outros fatores, de fato chegamos ao estudo da religião. Mas sob essas condições a religião cristã, na sua plenitude e poder, não pode estar. Não podemos dispensar Cristo, e estamos indissoluvelmente ligados às escrituras em qualquer tentativa de entender essa experiência religiosa que chamamos cristã. Duas perguntas fundamentais surgem de início em qualquer estudo adequado da religião cristã. Uma se relaciona a Jesus Cristo. Quem é Jesus, e o que ele é para os homens? A outra se relaciona à nossa experiência do poder redentor de Deus na alma. Qual é a relação de Jesus Cristo com essa experiência? Estas questões conduzem inevitavelmente ao assunto do Novo Testamento, a fonte histórica da nossa informação acerca de Cristo. Elas também conduzem à obra do Espírito de Deus em nosso coração. Assim concluímos que todos os quatro fatores mencionados são essenciais ao estudo científico da religião cristã. À luz dessas afirmativas vemos como são defeituosos certos esforços que são chamados científicos, para expressar o significado do cristianismo. Inúmeras tentativas têm sido feitas para estabelecer a "essência do cristianismo". Não é nosso propósito tratar aqui exatamente deles. Usualmente, porém, são esforços para extrair dos registros dos Evangelhos algum remanescente menor daquilo que é tido como a religião do Novo Testamento pelos cristãos em geral, e descartar os outros elementos sem valor. É claro que sempre estará em aberto a qualquer um levantar a questão quanto a se o evangelho original foi distorcido. Mas com freqüência os esforços desse tipo falham por não levar em consideração todos os elementos que há no problema. O cristianismo não pode ser reduzido a um simples problema de crítica histórica. Os fatos envolvidos possuem um alcance muito mais amplo. Outra vez, o cristianismo não pode ser interpretado sob a influência de alguma cosmovisão ou filosofia do. universo previamente estabelecida. Temos de começar com os fatos na sua totalidade, levando-os sempre em conta. Isto é simplesmente outra maneira de dizer que temos de adotar o método científico de lidar com a questão. 3. Esse método também fornece o melhor fundame apologético para um sistema de teologia. O termo apologético talvez não seja o mais adequado para descrever a defesa científica da religião cristã contra ataques. Mas geralmente tem sido usado com esse propósito e é entendido o bastante. A apologética é, e está bastante claro, uma subdivisão distinta da teologia, e pede discussão de alguns problemas que não podem ser tratados na teologia sistemática. Entretanto a última exige uma fundamentação apologética sã a fim de manter-se entre outras ciências. O método adotado nesta obra permite a mais contundente fundamentação apologética para a teologia porque ressalta os fatos da história e da experiência. Uma comparação com algumas das defesas apologéticas mais antigas demonstrará esse ponto de vista. Mencionaremos algumas delas: (1) A prova da existência de Deus por meio dos fenômenos do universo tem sido há muito um método favorito. Possui, sem dúvida, elementos de grande força; mas, juntamente com estes, há elementos de fraqueza. A dedução lógica dos fenômenos físicos presta-se a muitas teorias do universo. Cada uma delas reclama estar em melhor concordância com os fatos. Resulta sempre em um desequilíbrio das teorias. Nenhuma delas satisfaz plenamente. Immanuel Kant sustentava que não podemos conhecer o que está por trás dos fenômenos. Podemos apenas conhecer a realidade nas suas manifestações. E enquanto estamos limitados ao raciocínio dedutivo dos dados objetivos, há muita verdade na sua opinião. O que surge é uma grande probabilidade em vez de conhecimento no sentido estrito, quando raciocinamos dedutivamente para provar a existência de Deus. Mas para o cristão, que reconhece a realidade e o significado de sua experiência de Deus em Cristo, surge um novo conhecimento de Deus. As "provas" são transferidas do mundo exterior para o mundo interior. Assim surge o conhecimento direto de Deus. (2) A prova do cristianismo com base nos milagres sempre foi questionada por muitos dos seguidores das ciências físicas. Os cristãos têm adequadamente respondido que as objeções não eram bem fundadas. Mas também aqui a prova reside na região remota da história. O debate continua indefinidamente porque a preferência ou preconceito determina o ponto de vista adotado. É provável que os próprios cristãos não estejam convencidos completamente pela demonstração lógica baseada na confiabilidade do testemunho do Novo Testamento. Inconscientemente foram influenciados pela sua própria experiência de um poder sobrenatural operando neles e redimindo-os. É fácil acreditar nos milagres do Novo Testamento se o mesmo poder é conhecido como experiência pessoal e vital. Se tornarmos claro e explícito o que é essa experiência, e a combinarmos com o testemunho de registros históricos confiáveis, teremos um argumento muito mais poderoso favorecendo os milagres. (3) A deidade de Cristo tem sido empregada como meio de estabelecer a verdade do cristianismo. Um poderoso argumento é construído com base no testemunho de Jesus acerca de si mesmo, da impressão que causou em outros, de sua ressurreição, de seu lugar e poder na história do cristianismo, entre outros exemplos que poderiam ser citados. Mas quando acrescentamos a estas considerações os fatos do poder redentor de Cristo no homem, aumentamos grandemente a força do apelo à sua divindade. Os pontos acima são suficientes para mostrar a natureza da fundamentação apologética que é colocada para a teologia, quando a experiência redentora de Deus em Cristo se torna explícita e clara como um fator essencial na interpretação do cristianismo. De modo algum isso implica que, daqui para frente, a história ou as provas lógicas sejam irrelevantes, ou que seja irrelevante qualquer um dos processos pelos quais a mente produz suas conclusões. Implica apenas que do centro de uma história fundamentada, como à luz de uma experiência iluminada interpreta, podemos adequadamente estimar o valor de todas as provas. A religião cristã como poder na alma, redimindo-a e transformando-a, é sua própria e melhor evidência. 4. O método adotado tem mais uma vantagem que n capacita a mostrar a realidade, a autonomia e a liberdade da religião cristã. Estas são grandes exigências que o mundo moderno impõe à religião. A era científica deu lugar a uma demanda apaixonada pelo real no estudo de todos os assuntos. Farsas e ilusões de toda espécie são submetidas ao escrutínio e criticismo mais rígido. Nada pode estar seguro por muito tempo, a menos que possa suportar o calor ardente e a luz de uma investigação implacável. A religião de Cristo dá as boas-vindas a isto. A glória de Cristo tornou o universo espiritual uma realidade para os homens. Aqueles que conhecem Deus em Cristo encontram nele a realidade suprema. A religião de Cristo é autônoma. Isto significa que possui suas fontes em si mesma. O cristão tem a orientação do Espírito de Deus quando a busca em humildade. Ele adquire uma relação com a Bíblia e um conhecimento dela que para ele é a mais convincente e conclusiva. Ele tem o testemunho em si mesmo. Sua fé presta-lhe um serviço, assegura-lhe um poder, trazendolhe uma bênção e paz que não encontrará de nenhuma outra maneira. O conflito entre carne e espírito, visível e invisível, ordem temporal e eterna tem sua reconciliação e vitória em Cristo. Ele não valoriza outras formas de atividade humana menos do que estimava anteriormente, mas ainda mais. Mas ele vê que religião é o valor supremo da vida, a função suprema da alma. Nela tudo o mais — arte, ciência, educação, filosofia — é transformado em novas formas de desenvolvimento e de ministério. Mas ele também vê que todas essas coisas encontram sua consumação e plenitude na religião em si mesma. A religião de Cristo é livre. Ela não está sujeita às regras de qualquer forma de cultura humana alheia a ela mesma. Ela não está em conflito com nenhuma atividade legítima do homem. Cada grande período da vida tem seu método especial, seu grande princípio fundamental. A ciência física opera com o princípio da causalidade. A filosofia emprega o da racionalidade. A religião lida com a personalidade. Deus e o homem nas relações de amor e serviço mútuos são as grandes realidades com as quais lida. Não há conflito entre qualquer uma destas, como veremos. Apenas se manifesta quando uma dessas esferas procura impor-se a outra. Autônoma e livre, lidando com a maior de todas as realidades, a religião cristã presta-se a redimir os homens em todas as épocas. Eles a aceitam sob as condições de sua época, confrontados pelos próprios problemas e dificuldades. Por isso surge a necessidade de reafirmação de suas doutrinas em termos de experiência viva de cada geração. Os credos humanos são valiosos como tais expressões. Mas estes não servem a todos os fins da doutrina. Sempre devemos retornar às escrituras para encontrar inspiração. Sempre temos de perguntar renovadamente as questões quanto a Cristo e suas relações com as necessidades de cada geração. Ele não muda. Sua religião é a mesma em todas as épocas. Mas nossas dificuldades e problemas tomam novos aspectos pelo modo de vida que nos cerca. Por isto temos de revitalizar nossa fé pelo aprofundamento de nossa comunhão com Deus e testemunhar do seu poder em nós. 5. O método experimental de lidar com a verdade cristã n ajuda a definir a natureza da autoridade da Bíblia. A Bíblia, contra a tradição e contra a autoridade do sistema papal, foi um dos lemas da Reforma. O protestantismo, desde o princípio, tornou a Bíblia a fonte oficial do conhecimento do evangelho de Cristo. Os oponentes têm apresentado objeções à autoridade bíblica por diferentes razões. Têm objetado que a Bíblia não é infalível, portanto não pode ser autoridade. Argumentam que a existência de erros textuais, os desvios históricos ou científicos da verdade exata e as discrepâncias de diversas naturezas provam que a Bíblia não pode ser aceita como guia infalível na religião. Os apologistas cristãos costumavam empregar muita energia e vigor em responder a todas essas acusações. Chegaram a ver, por fim, que os oponentes demandavam mais do que a própria fé requeria.1Não somos obrigados a comprovar, com unânime aceitação, que a Bíblia é a autoridade suprema para a fé cristã. Tal prova não produziria fé de maneira alguma. Poderia produzir apenas acorde intelectual. A aceitação cristã da Bíblia surge de outra maneira. Vem em "demonstração do Espírito e de poder". E a vida presente nele, que corresponde à vida que as escrituras revelam, que o convence. Desse modo, a Bíblia não é para ele uma autoridade em todos os assuntos, mas na religião ela é definitiva e autorizada. Nesse estágio, o oponente deu um passo adiante afirmando que nenhuma autoridade externa à pessoa pode ser aceita. A verdade tem de ser assimilada e entendida, e não imposta por qualquer tipo de autoridade: o papa, a igreja ou a Bíblia. Os cristãos então formularam sua resposta sobre sua experiência interior. Eles declararam que a mesma essência da redenção que conhecem em Cristo é verdade assimilada interiormente e conhecimento real das grandes realidades espirituais. Continuaram a definir e a expor a verdade assim interiormente assimilada. Mas então o oponente deu ao argumento uma direção totalmente nova. Afirmou que o conhecimento do cristão era meramente interior e subjetivo. Estava faltando a realidade objetiva, por isso não era confiável. E claro que essas objeções contradizem uma à outra. Elas serão vistas em outras conexões nas páginas seguintes. Agora o cristão supera e vence ambas, as formas de objeções por insistir em que é na união e combinação da fonte objetiva e da '[NT]: E necessário lembrar que o autor escreveu esta obra há cerca de um século. Hoje m uitas evidências e provas foram acrescentadas ao conhecimento bíblico com o avanço da arqueologia, história e geografia, incluindo-se a lingüística, fortalecendo as posições apologéticas da autoridade das escrituras. U m exem plo é a descoberta de um a placa, em 1974, que contém as inscrições do nome e posto de Pôncio Pilatos, desfazendo assim um a acusação muito antiga, silenciando os opositores, a de que esse personagem havia sido criado, sendo um mito, para dar em basam ento ao julgam ento de Jesus. experiência subjetiva que a certeza e a garantia são encontradas. Ele não está menos interessado na realidade objetiva do que seu oponente. Ele não está menos interessado na assimilação interior da verdade. Mas ele encontra ambas na religião de Cristo. Ele descobre que Jesus Cristo é para ele a revelação suprema da graça redentora de Deus. Ele descobre que as escrituras são a fonte oficial do seu conhecimento dessa revelação. E então ele descobre em na própria alma que a operação da graça de Deus o habilita a conhecer a Cristo e a entender as escrituras. Assim os elementos objetivo e subjetivo encontram unidade e harmonia, e que é completamente satisfatório. Entretanto, se o método oposto é empregado e a Bíblia ou a experiência é considerada isoladamente, tal finalidade não é possível. Se a Bíblia é considerada meramente um caminho intelectual, separadamente da experiência da graça redentora de Deus em Cristo, então temos outra vez a recorrência do antigo debate na base da história e do criticismo. As teorias são então emolduradas de acordo com as preocupações intelectuais, e a unidade de opiniões é impossível. Contudo, se a experiência for considerada isolada da história, a acusação de subjetivismo ime­ diatamente ressurge. Por isso, não há para o cristão um ponto de vista final convincente e satisfatório exceto na combinação desses dois elementos. Aos oponentes do ponto de vista cristão isso também é mais convincente. Há uma realidade interior que corresponde aos fatos objetivos da história. A abordagem de Deus ao homem em e através de Cristo encontra sua reação na resposta do homem. A fé completa a união, e a vida de Deus flui na vida do homem, transformando-a. B . Form as m odernas d e considerar a experiência religiosa A fim de dispor nossa maneira de tratar a religião cristã e sua teologia, consideramos algumas das formas modernas de lidar com os fatos da religião e, especialmente, os da religião cristã. 1. Consideramos primeiramente a opinião de Comte posição da filosofia positivista. Comte sustentava que a religião é uma forma de superstição. Os poderes e mistérios da natureza impressionam o homem. Por conta de sua ignorância das leis naturais, ele imagina um Deus ou deuses para justificá-las. Esse é o período da infância da humanidade. Mas gradativamente a razão ocupa-se dos problemas da existência. Surgem teorias metafísicas para explicar o universo, e o homem imagina que encontrou a verdade. Mas essas especulações metafísicas são nada mais que o retorno aos velhos deuses nos quais previamente se acreditava. São as sombras de deuses projetadas à medida que os deuses desaparecem. Por fim, os homens aprendem a verdade. Não há deuses. Metafísica é uma ilusão. Nenhuma verdade vem através de especulação. A única verdade é a que surge dos fatos da matéria, força e movimento. As raças mais avançadas, em razão disso, abandonarão tanto a religião como a metafísica e se dedicarão ao estudo das ciências físicas. E claro que sob esse ponto de vista todas as formas de experiência religiosa são consideradas puramente emocionais e subjetivas. Não há base objetiva válida que possa ser encontrada. Não há necessidade aqui de responder extensivamente a essa teoria. Tudo o que se segue neste volume é a resposta cristã. Mas podemos dizer brevemente o seguinte: a teoria não explica a religião; meramente a descarta. A religião é um fato universal. Exige uma consideração cuidadosa que a teoria não oferece. Essa teoria é contrária à natureza do homem como ser espiritual. Fatos físicos e leis não satisfazem a alma. O homem anseia o infinito. Esse desejar é parte de sua condição espiritual. Essa teoria também ignora a natureza da personalidade e seu significado. O homem é tão real quanto a natureza. O que significa a personalidade na interpretação do universo? Comte não nos dá nenhuma resposta adequada. Essa perspectiva ignora a história e a experiência. Os homens não dispensam a religião, nem podem fazê-lo. Essa teoria ignora desse modo a metade dos fatos conhecidos por nós pelo interesse na outra metade. Ela constrói uma filosofia sobre um aspecto do ser, o físico. Ela é abstrata e insatisfatória no mais alto grau. 2. Outro ponto de vista intimamente relacionado ao acima considera a religião uma invenção útil, ou funcional, que os homens adotaram para auxiliá-los na luta pela existência. A psicologia da religião mostra como a fé, em alguma forma, é fundamental para os homens em geral. Ela é útil. Eles inventam um Deus ou deuses para responder às suas necessidades. Há um valor real na religião. Torna os homens fortes para resistirem e lutarem pela vitória. Mas os deuses nos quais crêem não possuem realidade objetiva. Religião é então simplesmente um "valor" que os homens "conservam". Mas virá o tempo quando estes valores darão lugar a valores mais elevados. A razão tomará o lugar da fé. O valor religioso será então substituído por um valor racional. Assim a religião passará, porque os homens poderão viver sem ela. Veremos que essa teoria é apenas uma forma levemente melhorada da teoria de Comte. Todas as objeções à última se aplicam àquela. Ela é falsa na sua avaliação do homem, da religião e dos fatos da história e da experiência. Ela tenta mostrar que as únicas satisfações válidas para a alma são aquelas da razão pura. A psicologia mostra claramente que o homem é um ser com outras necessidades e satisfações. Não há tal coisa como a razão pura, ou razão à parte dos sentimentos, do querer e da consciência. A natureza do homem possui mais de uma dimensão. Deus colocou a eternidade no seu coração. Somos irrequietos até nos aquietarmos em Deus. 3. Uma terceira opinião é a do misticismo. Há um objeto real para a alma na busca do infinito. Entramos em contato com ele nas nossas ansiedades e buscas espirituais. Mas isto é tudo o que podemos dizer acerca do assunto, além do fato de que os sentimentos são estimulados pelo contato com ele. Não podemos dizer que é um ser pessoal. Personalidade implica limitação, declara-se. O pensamento não pode formar uma definição de Deus porque o infinito está muito além do pensamento. Será o suficiente se o encontrarmos e descansarmos nele. Alguns adotam essa visão para evitar um confronto com a ciência ou outra forma de pensamento humano. Por evitar assertivas, evitam-se controvérsias. Outros a adotam porque para eles a religião é algo sentimental. O pensamento não faz parte disto. Essa idéia teve seus defensores através da história. Mas ela não pode responder a todos os fins da religião. Ela separa a religião da ética e da vida prática do homem porque não fornece uma explicação definitiva de Deus e de suas exigências. Ela tende à inércia porque não encontra propósito ou plano de Deus que deva ser realizado pelo homem. O estado vago e indefinido de sua concepção de Deus força nela uma marca panteísta. Ela não consegue evitar os males do panteísmo. No final das contas, todos os sistemas panteístas anulam o significado da ética, da verdade, da personalidade, da imortalidade e do reino eterno de Deus. O misticismo dessa maneira não pode escapar àqueles males. O misticismo no sentido de comunhão com o infinito é um elemento essencial da experiência cristã. Mas o cristianismo afirma muitos pontos que o misticismo nega. 4. Um quarto ponto de vista avalia as formas da experiên cristã como juízo de valores. Está embasado em uma teoria do conhecimento que nega que podemos conhecer as coisas em si mesmas. Conhecemos fenômenos. Não sabemos o que está por detrás dos fenômenos. Conhecemos Cristo na salvação. Ele tem para nós o valor de Deus. Mas não sabemos o que ele é em sua natureza essencial. Assim também outras formas de experiência religiosa são avaliações ou juízos de valor em relação a Deus e ao universo espiritual. Essa idéia assegura que nós não precisamos conhecer as coisas, mas como elas se relacionam conosco. Seu valor para nós é o único interesse que temos nelas. Esse modo de ver é valioso na sua ênfase sobre a experiência. Na religião é nosso interesse pessoal e nossa relação pessoal com Deus que concede vitalidade e poder. Religião não é uma especulação ou teoria acerca de Deus. É a experiência de Deus. Deus é conhecido por nós através da comunhão e da fraternidade. Ritschl, que desenvolveu a idéia do juízo de valores na religião, ajudou a ressaltar a necessidade de realidade e poder na vida cristã. Mas ele foi longe demais nas suas negações. As negações aqui, de igual modo, tiveram o propósito de evitar o conflito com as ciências físicas. Foi uma tentativa de escapar das antigas controvérsias acerca da pessoa de Cristo, da personalidade de Deus e de assuntos correlatos. Mas esse esforço não teve sucesso. As velhas questões voltavam. A mente humana não descansará satisfeita nas negações acerca das realidades últimas. A teoria falhou na sua justiça com relação à concepção cristã de revelação. Não reconheceu o lado divino do relacionamento religioso num grau que o cristianismo exige. Na religião Deus fala, e também os homens. Jesus Cristo é a revelação de Deus a nós em palavra e em atos. O que Cristo opera em nós é a melhor evidência do que ele é em si mesmo. 5. Um lema que se tornou comum nos tempos modern é o desdém do ensino doutrinário, insistindo na "religião sem teologia". "Apresente-nos os fatos", ela insiste, "não se preocupe com as teorias". Assim como podemos ter flores sem a botânica, também podemos ter religião sem teologia. Desse modo, há em alguns o esforço de evitar declarações teológicas o máximo que for possível. As vezes isto é um protesto contra a mera ortodoxia esvaziada de crença e contra a paixão por controvérsias teológicas infrutíferas. Como tal ela é às vezes justificada. Mas muitas vezes surge dos motivos que mencionamos: o desejo de evitar um conflito com outras formas de pensamento. Entretanto, há várias razões consistentes para sustentar que é impossível dispensar a teologia e ao mesmo tempo manter nossa religião. Não se nega que nos primeiros estágios da experiência religiosa haja pouca reflexão sobre ela e um mínimo de crença doutrinária. Alguns cristãos parecem nunca avançar além da fase de infância da fé nos seus pensamentos reflexivos acerca da religião. Mas para toda experiência cristã avançada tem de haver crença doutrinária para expressar seu significado. A necessidade da teologia surge das seguintes considerações: (1) Em primeiro lugar, a teologia é necessária como meio de expressar o significado da religião por causa da natureza do homem. Se o homem fosse apenas sentimento, então poderíamos dispensar o ensino doutrinário. Mas nossa natureza inclui a razão e também o sentimento. E impossível traçar-se uma linha clara entre a parte emocional, ou moral, ou volitiva de um lado da nossa natureza, e a razão do outro. Somos constituídos com uma capacidade para conhecer, e essa tem de ser satisfeita do mesmo modo como os outros elementos. (2) A natureza de toda experiência humana mostra a mes­ ma verdade. É apenas por um processo abstrato do pen­ samento que podemos separar o "fato" da religião da "teoria". A palavra "teoria" é simplesmente outra palavra para "significado". A assim chamada teoria da religião é simplesmente o seu significado. E para um ser inteligente, pensante, nada pode se tomar um fato para o conhecimento à parte de algum significado ligado com o fato. Não é um fato para o conhecimento, a não ser que um significado em maior ou menor grau o acompanhe. Em um estado de infância ou inconsciência, fatos poderão existir que não tenham significado para nós. Mas quanto mais estivermos distanciados destes dois estados, maior a necessidade de significado em todos os atos de nossa vida consciente. A religião em especial, que vai ao mais profundo de nossa consciência, desperta uma sede por significado. As doutrinas da teologia são as respostas para essa sede. (3) A teologia é necessária, portanto, se quisermos definir nossa religião. Não somos obrigados a exaurir o significado de nossa religião nas definições a respeito dela. Os objetos e experiências envolvidos estão além da nossa capacidade de conhecer em alguns dos seus aspectos. Mas podemos apreender o que não podemos compreender. Podemos conhecer em parte se não podemos conhecer o todo. (4) A teologia é necessária a fim de defender a religião contra os ataques. O cristão pode decidir por abandonar o pensar acerca da religião. Simplesmente desfrutará dela. Mas logo o pensador anticristão proporá uma teoria do mundo que deixará de lado por completo a religião cristã. Isto tem sido verdade através da história. O esforço para conhecer o significado da religião expresso na forma de doutrina sempre foi uma preocupação elementar para evitar algum novo assalto à fé. Surge, de imediato, a necessidade de afirmativas doutrinárias claras para contestar as objeções. Temos que definir a religião a fim de defendê-la. (5) A teologia também é necessária para a religião a fim de propagá-la. O cristianismo é uma religião missionária. Ele é combativo e conquistador no seu motivo e alvo. Mas nenhum sucesso possível poderá atender a propagação de um cristianismo sem doutrina. A experiência gera verdade. Então a verdade é empregada para produzir experiência. A experiência então concede uma nova apreciação pela verdade. Mas sempre, se quisermos propagar com sucesso a religião cristã, teremos de ter uma teologia cristã. 6.0 estudo da religião e da teologia é algumas vezes submer no estudo de sua história. Contrasta-se a teologia histórica com o caminho da teologia sistemática ou dogmática. Sustenta-se que a história da religião e a história da doutrina são suficientes para as nossas necessidades. Com relação a esse método e ponto de vista podemos admitir de uma vez o grande valor do estudo histórico de qualquer assunto maior. A tendência de voltar-se aos primórdios e descobrir as origens e causas é muito valiosa. Descrever as variações e reações de qualquer movimento através da história é necessário para um amplo entendimento. Portanto, enquanto o estudo histórico da teologia é apreciado por seu verdadeiro valor, deverá ser bem elogiado. Tal estudo, entretanto, torna-se um grave erro quando é substituído por outra coisa que possua motivo e fim diferente. O estudo objetivo e desapegado da história da religião ou a história da teologia é válido do ponto de vista da pesquisa crítica. O acadêmico e pesquisador, que é isto e nada mais, encontrará um campo de interesse fascinante. Mas caso o acadêmico e pesquisador também seja um cristão, com um profundo interesse na religião e em sua difusão sobre a face da terra, o estudo histórico da teologia é invariavelmente modificado por um novo motivo e interesse. Para ele a pesquisa científica é um meio para alcançar um fim mais elevado. Ele deseja descobrir a verdade contida na história que possa ser empregado como meio para o avanço do reino de Deus. De outra forma o estudo da história é como observar as mudanças nas combinações de cores num caleidoscópio, ou as variações na aparência de uma nuvem ao pôr-do-sol. Para o homem cristão sério, especialmente para o pregador do evangelho, o mero estudo objetivo da teologia como movimento histórico à parte de um interesse mais profundo na verdade em si mesma poderá tornarse um impedimento em vez de auxiliar na eficiência. É um fato fundamental, claro por toda a história do cristianismo, que a eficiência na propagação do cristianismo está baseada na intensa convicção das verdades que contém. O pregador e mestre do evangelho não poderá manter-se neutro com relação ao conteúdo de verdade, e ao mesmo tempo reter poder nos seus esforços de levar outros para aceitá-la. Isto não significa a vontade de crer naquilo que é falso. Ele deseja apaixonadamente a verdade por causa de seu valor supremo para a vida religiosa dos homens. C . Experiência cristã e revelação Já observamos, e haverá freqüente oportunidade para retomar nas páginas seguintes, que a religião cristã lida com dois grandes grupos de fatos: os fatos da experiência e os fatos da revelação histórica de Deus em Cristo. O lugar das escrituras será considerado mais adiante na discussão. Por ora, é importante considerar as relações gerais entre estes dois grupos de fatos. O que queremos dizer com experiência cristã? A resposta a essa questão conduzirá à idéia da revelação cristã. As duas estão intimamente relacionadas. Nenhuma poderá ser plenamente entendida sem a outra. Por experiência cristã queremos designar toda a experiência que se torna nossa através da comunhão com Deus em Cristo. A referência não é feita simplesmente à conversão, muito menos a qualquer tipo particular de conversão. A experiência cristã, é claro, inclui o seu começo. Mas também inclui tudo o que se segue. A regeneração e seus resultados são todos incluídos. A experiência cristã também inclui tudo o que propriamente pertence à experiência na comunidade de cristãos. Ela inclui a vida de todos os cristãos, tanto do passado como do presente. Não é a experiência de um só indivíduo, ou qualquer tipo em particular. Ela inclui certos elementos essenciais de experiência, mas estes elementos aparecem diversificados entre os cristãos. A experiência cristã sustenta uma relação definida com os acontecimentos que estão fora da vida espiritual e pessoal cristã. Em outras palavras, ela é definitivamente relacionada com a providência de Deus. Ela é uma experiência que pode compreender inteligentemente seu lugar e significado em uma vida transcorrida sob condições de tempo e espaço na sociedade humana. Em conclusão, ela é uma experiência que é capaz de ser definida em relação a todas as outras formas de experiência humana e de cultura humana. Enquanto a experiência de redenção através de Jesus Cristo é única e excepcional entre as experiências terrenas dos homens, ela não deixa de ser relacionada com as outras. Aliás, é em parte porque pode ser tão claramente definida com relação à vida natural dos homens e seus distintos ideais e lutas, que traz para o cristão uma grande confiança e poder. Em suas relações com a ciência, a arte, a ética, a filosofia e toda a gama de interesses e ocupações humanas, a experiência cristã é capaz de exposição clara e convincente. Ela é o elo unificador de toda experiência humana. Todas as coisas se tornam novas sob a luz que propaga a própria experiência cristã. Tudo isto aparecerá de diversas maneiras nas páginas seguintes. Aqui, mais uma vez, encontramos a sempre recorrente objeção que a experiência do cristão é subjetiva, é fantasia de seu coração e não uma grande realidade. A objeção supõe que a experiência subjetiva não pode ser verdadeira; que Deus não pode se tornar conhecido ao cristão. Tal pressuposição não é justificável. É uma questão de fato, não de pressuposição infundada. Como previamente afirmamos, a questão de fato não é meramente a questão de uma experiência subjetiva. E também uma questão da revelação histórica de Deus em Cristo. A teologia muitas vezes considerou a questão da "pro­ babilidade antecedente" da revelação à humanidade. Vários ar­ gumentos foram apresentados para estabelecer tal probabilidade. Mas a questão e resposta ganham clareza caso se pergunte se a religião há de se completar, ou se permanecerá sempre uma ocorrência parcial. A religião é comunhão entre Deus e o homem. Ela é um relacionamento recíproco. Será que Deus fala? Será ele mudo? É a religião apenas um solilóquio da parte do homem? A religião cristã é a resposta de Deus a estas questões. Ele falou aos homens em seu Filho. Ele ainda fala a eles. Há três fases dessa revelação que devemos reconhecer para que ela se torne eficaz na nossa salvação. Estas receberão subseqüentemente tratamento mais extenso. Por enquanto, precisamos somente apresentar um esboço delas. 1. A revelação histórica em Jesus Cristo. Nesta revelação, inteiramente externa à nossa consciência, temos o grande fator central da religião cristã. Ele veio ao mundo comprometido a uma vocação definida. Sua consciência claramente refletia o senso de aprovação divina a cada etapa de seu ministério. Ele anunciou aos homens que ele veio para revelar Deus e para conduzir os pecadores a Deus. Ele morreu e ressurgiu. Sua morte foi uma propiciação pelo pecado humano. O dom do Espírito Santo foi o meio adotado para continuar sua atividade redentora. 2. O resultado da obra de Cristo na alma humana foi a libertação do pecado e da culpa, e transformação moral e espiritual. Um novo movimento na história humana resultou de sua obra espiritual realizada no interior dos corações dos homens. 3. Houve condições espirituais definidas às quais exigiam que os homens se conformassem a fim de conhecer a graça divina redentora e poder dela. O arrependimento e a fé resumem a atitude espiritual envolvida. Assim a revelação de Deus em Cristo possui todos os elementos que são necessários para estabelecer essa verdade. E conhecida como fato objetivo. Nos seus resultados, ela é conhecida como experiência subjetiva. Neste sentido, é co­ nhecida através de condições espirituais claramente definidas e bem entendidas. Estas condições são definitivamente relacionadas com os fatos objetivos. Está protegida contra mero subjetivismo pelo seu fundamento objetivo na história. Está protegida contra incertezas do processo meramente crítico e literário pelos seus resultados na nossa experiência. O professor Haering Teodoro resume a obra de Jesus na seguinte expressão:2 "Jesus é a auto- 2 Teodoro, Haering, A fé cristã, vol. 1, p. 208,209. revelação pessoal de Deus [...] do Deus que em seu reino une os pecadores consigo mesmo e uns com os outros na comunhão eterna do seu amor, julgando o pecado, perdoando a culpa, renovando a vontade, derrotando a morte. Jesus é a auto-revelação pessoal de Deus, visto que evoca tal confiança como a presença real ativa do Deus invisível no mundo atual, no qual não há outra forma de confiança real garantida neste Deus. Ele é o fundamento da fé, isto é, da confiança. Essa é a verdade da qual a fé do Novo Testamento testifica nas mais variadas formas. O que é mais importante, ela registra a impressão que Jesus mesmo produziu, e que ele sempre consegue produzir, à medida que os séculos passam". O ponto que necessita ser enfatizado é que a base na qual a doutrina cristã da revelação se fundamenta é a base do fato em todos os seus aspectos. A história e a experiência se combinam estabelecendo-a em fundamentos irrefutáveis. Não é necessário a esta altura considerar os diversos meios adotados para me­ nosprezar a revelação e seu significado fundamental para os homens. Falando genericamente, todos-estes esforços recorrem a métodos insustentáveis ao tratar a questão. Enquanto se permitir que os princípios estritamente críticos e científicos controlem o assunto, o resultado é o que temos indicado. Quando são adotadas pressuposições a priori ou suposições ilegítimas, é possível chegar a outro resultado qualquer. Afirmam, por exemplo, que todos os elementos do registro evangélico, exceto aqueles que apresentam apenas o Jesus humano, deveriam ser rejeitados. Mas isto não pode ser feito por motivos críticos. O criticismo não garante nenhuma conclusão desse tipo. Ou pode-se afirmar que os primeiros discípulos estavam influenciados pelas religiões pagãs a seu redor, introduzindo muitos elementos falsos no evangelho. Mas isto, como mera suposição, não convence. Outros esforços elaborados na tentativa de relacionar o Novo Testamento com tais influências falharam até o presente. Além disso, opositores poderão insistir no "princípio Cristo" distinto do Jesus verdadeiro, que é a revelação pessoal do Deus eterno. Mas isto também é o resultado de um manuseio puramente arbitrário do material do evangelho, baseado em um tipo particular de opinião filosófica. Também pelo interesse da teoria geral do evolucionismo como chave do significado do mundo, poderá se insistir em que nenhum homem em particular poderá jamais deter o significado absoluto e final para a espécie humana. Mas isto também é uma pressuposição filosófica que resulta na conclusão, em vez de considerar os próprios fatos. Em suma, cada ponto de vista, exceto o que reconhece em Jesus a revelação de Deus aos homens para sua salvação, desconsidera algumas partes dos fatos. Eles omitem elementos essenciais da história, tais como as afirmações de Cristo acerca de si mesmo, ou os efeitos que produziu sobre seus discípulos, ou as obras que ele realizou em e através dos homens no passado e no presente. A especulação filosófica pode eliminar Cristo, mas a ciência e o criticismo deixam de fazê-lo. D . Necessidade d a auto-revelação pessoal d eD eu s Temos então, na religião cristã, uma auto-revelação de Deus no domínio da história humana. Juntamente com isto, a revelação se faz real e vital para os homens na esfera da experiência pessoal. Se agora fizermos a pergunta por que a auto-revelação de Deus assumiu essa forma, e mantivermos em mente as necessidades e exigências da religião em si mesma, uma resposta satisfatória não está longe de ser encontrada. 1. Em primeiro lugar, uma personalidade humana é o ún meio adequado para a auto-revelação de um Deus pessoal. Apenas a personalidade pode plenamente revelar e expressar o significado de personalidade. E claro que há muitas notificações e sugestões de personalidade a serem encontradas no universo físico. Mas estas não são suficientes em si mesmas para expressar toda riqueza do significado na natureza do Deus pessoal infinito. As qualidades morais de Deus exigem especialmente uma vida pessoal, moral, a fim de que possam ser expressas clara e plenamente. A criação em seus diferentes níveis, como mostraremos posteriormente, dá surgimento a um ser pessoal como coroa da natureza. E se Deus há de fazer-se plenamente conhecido aos homens que, no exercício de sua liberdade, caíram sob o domínio do pecado, é mais que natural a expectativa de que ele se desvendaria a si mesmo a tais seres pessoais na forma de uma vida pessoal. 2. Novamente, a revelação pessoal e histórica de Deus foi necessária para completar e estabelecer firmemente a revelação interior do homem através de seu Espírito. Em outras palavras, era necessário resguardar a religião das incertezas e perigos do subjetivismo. Enquanto a religião estava sem um fundamento objetivo, estava sempre exposta ao perigo de que não alcançaria a estabilidade e a exatidão exigidas pela própria vida religiosa. Os homens têm realmente que conhecer a Deus, para que o conhecimento e o poder dele produzam os mais sublimes frutos morais na vida humana. 3. Uma terceira razão para mostrar a necessidade da autorevelação de Deus é que o ato de amor e justiça é uma revelação muito mais poderosa destas qualidades que há em Deus, que uma simples declaração destas jamais pudesse fazer. As escrituras declaram que Deus é amor. Elas também mostram que ele é justiça. Fica claro, portanto, que se Deus é tal ser na sua natureza essencial, uma simples declaração desse fato não constituiria demonstração real do mesmo. Tornar-se amor e justiça em ação seria a única revelação adequada do fato que há amor e justiça na natureza essencial de Deus. A encarnação e a propiciação de Deus em Cristo tornam-se assim o único meio adequado para um autodesvendamento de sua parte que satisfaria adequadamente essa pretensão. 4. Em quarto lugar, tal revelação era exigida a fim de pro­ duzir os resultados necessários na natureza moral e espiritual do homem. Esse ponto se torna claro quando consideramos a insuficiência de qualquer outra forma de revelação para o fim proposto. Milagres e maravilhas externas apenas não satisfariam a necessidade. Estes foram empregados por algum tempo a fim de despertar nos homens um sentido da presença de Deus. Mas estes sempre foram empregados para fins morais e pessoais. Em si mesmos, entretanto, nunca foram um meio adequado para criar nos homens a absoluta disposição religiosa para responder a Deus. Um homem pode de fato estar convencido da presença e atividade de Deus de maneira intelectual pelos milagres e sinais, mas permanecer intocado nas profundezas de sua natureza moral. Este não é, porém, o fim principal do evangelho. Esse fim não é compreendido até que percebamos que na sua auto-revelação em Cristo, a intenção de Deus era a de produzir a "correspondência das qualidades morais no homem às qualidades morais em Deus". Seu objetivo era o de produzir filhos dignos de Deus, em todos os aspectos, de seu Pai celestial. Para realizar isto ele deu seu próprio Filho, que revelou a natureza interior de Deus como amor justo e tornou-se o meio através do qual o poder de Deus pôde alcançar seres pessoais e reproduzir neles estas mesmas qualidades. Assim a idéia e o ideal da religião foi satisfeito; Deus falou ao homem, e os homens responderam a Deus; o amor divino despertou o amor humano. Pela primeira vez o homem entendeu clara e plenamente a natureza moral de Deus. E . Teologia e verdade Outro assunto que merece consideração neste capítulo introdutório é a relação da teologia com a verdade. Na apresentação de um sistema integrado de doutrinas teológicas, como temos visto, o objetivo é o de estabelecer o significado de religião. A teologia cristã é simplesmente a interpretação da religião cristã. Mas estamos lidando com a verdade neste afã? É a teologia em um sentido próprio uma ciência? O bastante foi dito nas páginas precedentes, para indicar muito claramente a direção que nossa resposta seguirá. Declaramos sem hesitação que, na religião cristã e na teologia que expressa o seu sentido, estamos tratando com uma forma de conhecimento real. Em uma outra ligação daremos a definição de conhecimento e desenvolveremos o conteúdo do conhecimento na experiência cristã. Até aqui é suficiente indicar em termos gerais as razões para sustentarmos que a teologia cristã é uma forma de conhecimento. 1. As escrituras, com grande uniformidade, apresentam a religião como uma forma de conhecimento real. Jesus declarou que "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste" (Jo 17.3). Aliás, é um ensino fundamental em todos os evangelhos e epístolas que na experiência que os homens têm da graça de Deus em Cristo, há um conhecimento real e uma verdade real. Isto aparecerá de muitas formas à medida que prosseguirmos. 2. Ainda, na experiência cristã, estamos lidando com a maior de todas as realidades, o universo espiritual. Não é simplesmente uma filosofia. É uma experiência viva de um tipo muito definido. Neste aspecto ela é semelhante a qualquer outra esfera de ex­ periência. Pode ser reduzida à expressão inteligível e sistemática para o intelecto. Por isto é propriamente um campo no qual a expressão científica de significado é possível. 3. Como ciência, a teologia está intimamente relacionada com muitos outros campos da pesquisa científica. Todas as ciências sociais diferem das ciências exatas em certos aspectos; mas mesmo assim não são menos ciências. Nelas não encontramos verdades que possam ser propagadas nas mesmas fórmulas exatas como as que são encontradas no campo da pesquisa física. Mas isto se deve não à ausência de realidade e verdade acerca delas. É devido à natureza da realidade com a qual lidamos. A verdade na religião deve o seu caráter científico não à sua qualidade matemática, mas ao seu uso como meio de expressar sistematicamente o significado das uniformidades que prevalecem na esfera religiosa. 4. A negação de que verdade e conhecimento são encontrados na religião é baseada em um conceito de conhecimento insig­ nificante e insustentável. A ciência física tem a tendência de reduzir a idéia da verdade, com proposições que podem ser provadas em fórmulas matemáticas exatas. Mas essa limitação do conceito é devido a uma confusão da própria verdade com uma forma particular para expressá-la. Há muitas maneiras de expressar o significado da realidade. A pretensão de ser verdade não se estabelece de uma única maneira excluindo todas as outras. A prova da pretensão para ser verdade é a prova da realidade com a qual lida, pelo menos essa é a prova primária e fundamental. As realidades espirituais não utilizam as mesmas fórmulas para expressar seu significado como as que são encontradas na esfera da física. Mas não são menos reais e podem encontrar interpretação em termos de verdade. 5. A verdade da religião cristã toma a forma que a religião exige, faz o apelo mais forte e amplo ao nosso amor à verdade. Quanto à forma, a religião não precisa nem exige demonstração matemática. Tal demonstração não produz fé nem pode fazê-lo. Não pode servir como prova da realidade do conteúdo da fé. Realmente, se fosse substituir a fé, iria destruir seu principal elemento de valor. Segue-se daí, que tal demonstração não pode destruir a fé. O tipo de verdade que é exigida e encontrada na vida de homens religiosos é a que define as relações de seres morais livres com Deus e de uns com os outros. As relações de pessoas, não forças físicas, estão em questão. Nesta esfera funcionam as causas livres, não as físicas. As verdades que expressam as relações de Deus com o homem são tão abrangentes quanto a própria vida. Crescimento, desenvolvimento, realização progressiva do ideal moral e espiritual são as condições que determinam as formas de manifestação das verdades da religião. Também, a influência das verdades da religião é do tipo mais forte. É uma influência intelectual no sentido mais restrito da palavra. A razão se satisfaz porque as verdades da religião cristã podem ser apresentadas em um sistema coerente que possui unidade e autoconsistência. A natureza moral se satisfaz porque o resultado é o triunfo da natureza moral sobre o pecado, o ego e o mundo. Toda a vida pessoal moral se satisfaz porque na experiência cristã a personalidade humana se desenvolve. A auto-realização, uma consciência de ter encontrado sentido da vida e do destino, está inclusa na experiência cristã. Em todos estes e outros caminhos, a verdade é conhecida pela natureza humana na experiência cristã. F . Tópicos conduintes d o exam o preliminar Examinamos e discutimos preliminarmente certos princípios fundamentais que reaparecerão de tempo em tempo nas páginas seguintes. Serão tratados nas conexões que surgirem no curso do desenvolvimento sistemático das verdades da religião cristã. Há vários outros tópicos que demandam uma breve consideração antes de encerrarmos nosso exame preliminar. São os seguintes: Fontes da teologia cristã, Princípios materiais e formais da teologia, Ordem e arranjo das doutrinas, e Qualificações para o estudo da teologia. 1. Primeiramente, quanto às fontes da teologia, nossa claração foi antecipada na exposição antecedente. A fonte da teologia cristã é a religião cristã. Por religião cristã entendemos todos os fatores que participam dessa religião: históricos, literários e espirituais. Fundamentalmente e de maior importância, Jesus Cristo - sua vida e ensino, morte vicária e ressurreição - é a fonte da religião cristã. O Espírito Santo como dom de Cristo aos homens, o líder e guia no registro inspirado da vida e obra de Cristo, o guia sempre presente diante dos cristãos em todas as épocas, é necessário para nós se quisermos entender a Cristo e sua religião. As escrituras do Antigo e do Novo Testamento são indispensáveis à teologia cristã porque são um produto e ao mesmo tempo a fonte da religião cristã. Apenas por meio delas podemos entender as grandes causas que operaram na realização da religião cristã, tornando-a um poder na terra. Nossa experiência da graça redentora de Deus em Cristo é necessária para uma plena compreensão da teologia cristã. À parte dessa experiência religiosa a teologia é um movimento intelectual, carecendo dos elementos vitais exigidos pela própria natureza da religião cristã. A experiência sempre se desviaria se não houvesse a presente influência corretiva das escrituras, e a autoridade das escrituras nunca se tornaria para nós uma realidade vital e transformadora se não houvesse a operação da graça redentora de Deus em nós. O que acima é mencionado são as fontes primárias do conhecimento da religião cristã, que é expressa na teologia cristã. A teologia não rejeita a verdade tal como aparece através da natureza, da história e da psicologia, ou de qualquer outra fonte. Mas se fundamenta firmemente nos fatos cristãos e desenvolve suas perspectivas doutrinais partindo em primeira instância desses fatos. 2. O significado da teologia tem muitas vezes sido expre em termos de seus princípios materiais e formais. Por princípio material queremos dizer seu conteúdo vital e essencial; por princípio formal queremos dizer a forma ou meio através do qual o significado é apreendido. Podemos dizer então, como se apresenta aqui, que o princípio material da teologia é a comunhão do homem com Deus, tal como mediado por Cristo. O princípio formal é a interpretação espiritual das escrituras. Outros meios de expressar estes princípios foram adotados. A justificação pela fé foi considerada o princípio material da Reforma. Isto diz respeito à essência da vida espiritual e ao conteúdo fundamental do cristianismo. Mas como declaração de seu significado interior não é o suficientemente distintiva. É um princípio do Antigo Testamento abraçado pela religião do Novo Testamento. Mas ela não reconhece especificamente Jesus Cristo como agente principal na revelação do Novo Testamento. As relações pessoais de Cristo com nossa fé são um elemento necessário em qualquer declaração destinada a expressar o significado central do evangelho. A mesma objeção se estende ao reino de Deus como meio de expressar esse significado central. Carece da referência específica a Jesus Cristo. Mas quando falamos da comunhão com Deus mediada por Cristo, expressamos a verdade vital contida nas outras duas declarações. A justificação pela fé é uma justificação condicionada à fé nele. O reino de Deus é um reino no qual ele é Rei. Comunhão com Deus mediada por Jesus Cristo é uma frase bastante abrangente para denotar todos os elementos essenciais. Ela inclui a justificação pela fé. Ela inclui e necessita do reinado de Deus no seu eterno reino. Contém o pensamento de uma consecução moral progressiva, na qual o caráter cristão é gradualmente transformado na imagem de Cristo. Isto envolve os aspectos sociais do evangelho, de acordo com o qual as relações dos cristãos, de uns com os outros, são determinadas pela comunhão comum que têm com Cristo. O princípio formal da teologia cristã são as escrituras es­ piritualmente interpretadas. Isto se aplica particularmente ao Novo Testamento. Mas o Antigo Testamento não está excluído. É a revelação preliminar. A expressão "espiritualmente interpretadas" é empregada para distinguir o método de uma teologia viva daquela de um mero estudo críticò ou exegético das escrituras. Se a teologia no uso correto do termo é uma interpretação da vida divina na alma, então somos compelidos a expressar as relações entre a vida e a teologia ao definir o método de alcançar a verdade. A idéia do tubo que conduz a água desde o reservatório não pode ser entendida a não ser que mantenhamos em mente sua relação com a água que conduz. O estudo bíblico e a interpretação têm muitas vezes sido um tubo vazio com nenhuma relação com a verdadeira utilidade na vida da alma. 3. Nosso próximo tópico é a ordem e arranjo da doutr Algumas vezes as teologias se desenvolvem sobre a presunção de que a teologia natural precede propriamente a teologia revelada em um tratado doutrinário. Usualmente os argumentos a favor da existência de Deus tirados da natureza e do homem são apresentados na primeira divisão. Mas o plano envolve um método duplo de tratar o material da teologia, o que pode ser confuso ao leitor. Estes argumentos, ainda que tenham uma grande força, não produzem uma concepção estritamente cristã de Deus. Poderão até mesmo deixar a impressão de que a crença cristã em Deus estabelece neles seu fundamento principal. Nosso plano é adiar a consideração destas provas até que a prova da vida interior do cristão esteja estabelecida. Isto é, para o próprio cristão, a mais convincente e satisfatória de todas as provas. Uma grande parte da força das provas do homem e da natureza, mesmo quando apresentadas de princípio, é derivada dos fatos da experiência cristã que são tacitamente presumidos. Preferimos, por isto, unificar o sistema doutrinário trazendo todos os elementos da doutrina relacionados com a realidade central, a graça redentora de Deus manifesta primeiramente no próprio Jesus Cristo, e em segundo nas almas dos crentes. Alguns tratados de teologia têm deixado a doutrina da Trindade para ser tratada no final do sistema doutrinário. Isto é feito na suposição de que a verdade concernente à Trindade se situa na região limítrofe do conhecimento. É uma espécie de remanescente que sobra após as coisas principais terem sido demonstradas. Entretanto, esse método superficializa as relações vitais da Trindade com a própria experiência. Deus é revelado como Pai, Filho e Espírito muito claramente na vida regenerada, como será mostrado. O uso e valor práticos da doutrina da Trindade são muito grandes. É bem verdade que precisamos exercer adequada reserva no esforço de darmos definições metafísicas da Trindade, precisamente como o Novo Testamento o faz. Mas a doutrina em si mesma precisa ser reconhecida, se não no início, pelo menos relativamente cedo no desenvolvimento doutrinário. A ordem adotada por nós, então, difere do método mais antigo de colocar a consideração das provas gerais da existência de Deus após a exposição das verdades fundamentais da experiência cristã. Difere da seqüência da doutrina encontrada em alguns dos tratados do início do século 19, colocando a discussão da doutrina de Deus e da Trindade no princípio. Isto está em conformidade com a exigência da experiência e sua relação com a doutrina. O ponto no qual a doutrina das escrituras é explanada concorre com sua natureza, uma autoridade espiritual distinta da que é meramente legal ou eclesiástica. Os escritos do Novo Testamento foram produzidos para estabelecer o significado da revelação através de Cristo e a salvação que ele traz. Sua autoridade não se deve aos credos dos primeiros concílios eclesiásticos. Seu poder e importância fundamental para os cristãos não são baseados em uma autoridade externa. Eles estão alicerçados no conteúdo divino e auto-evidenciador. É para nós o Livro da Vida a partir do momento em que desvenda a nós as fontes de nossa vida espiritual e as grandes causas históricas e divinas que produziram. A respeito disso, ela é mais bem entendida por aqueles nos quais a própria vida se tornou realidade. Veremos também que o método adotado ao se usar as escrituras para estabelecer a verdade das doutrinas é o da teologia bíblica. Onde o espaço não impedir, seguiremos o curso do ensino das escrituras no seu desdobramento histórico. Isto nem sempre é possível ou necessário. É porém feito normalmente no tratamento das doutrinas mais fundamentais. Possui uma vantagem sobre a seleção aleatória de textos-prova dos estágios primitivos ou posteriores da revelação do Antigo e do Novo Testamento. Serve para indicar o processo divinamente orientado, pelo qual Deus tornou conhecida a verdade ao seu povo. Dedicamos uma extensa seção às relações entre a forma cristã e outras formas de conhecimento. O objetivo em vista é de tornar claro e óbvio para o estudante a realidade do conhecimento que acompanha nossa salvação em Cristo, sua independência e valor para a vida religiosa do homem, e sua harmonia com todas as outras formas de conhecimento humano. Consideramos esse objetivo de vital importância para a teologia cristã. Tem havido uma confusão quase interminável na mente dos homens nesse ponto. Há uma constante tendência de suprimir a vida religiosa do homem, ou de reduzi-la a um mero mínimo de emoção, ou de ética, no interesse de algum princípio estranho que, na sua aplicação adequada, não exige tal redução. As divisões do conhecimento do espírito humano deveriam viver lado a lado em paz. A confusão e o atrito surgem apenas quando uma das divisões se revolta e procura reinar soberanamente.. Uma das vantagens principais de se considerar a doutrina expressando o significado da vida divina na alma é que nos capacita a tornar claro para o intelecto o lugar da verdade religiosa no grande universo da verdade. Agindo dessa forma, evitamos qualquer conflito real com a ciência e outras formas de cultura humana. Descobrimos também como realmente todas as outras buscas intelectuais terminam na necessidade fundamental da vida espiritual do homem. Segue um breve panorama da ordem na qual o material deste tratado é apresentado: No capítulo 2 damos uma definição de conhecimento, com referência especial à religião, e indicamos as fontes de nosso conhecimento religioso. Isto leva diretamente a Jesus Cristo, a suprema revelação de Deus aos homens. No capítulo 3 apresentamos o estudo preliminar da própria experiência cristã. Certas objeções são ressaltadas, e a natureza do conhecimento cristão e a certeza cristã são indicadas. Isto naturalmente leva em consideração o conhecimento cristão em relação a outras formas de conhecimento. O capítulo 4 se dedica a esse assunto. No capítulo 5 é apresentado o registro da revelação cristã fornecida pelas escrituras; e no capítulo 6 a pessoa de Jesus Cristo, que é em si mesmo a revelação da qual a escritura é o registro. No capítulo 7 consideramos a questão da deidade de Jesus Cristo e consideramos várias fases da discussão moderna de sua pessoa. Isto é seguido por uma consideração no capítulo 8, da doutrina do Espírito Santo que, juntamente com a doutrina da pessoa de Cristo, ocupa um lugar central no sistema cristão. No capítulo 9 consideramos a doutrina de Deus. Essa ordem é adotada porque somente depois de o cristão conhecer a Deus na experiência redentora em Cristo é que ele está na posição de entender Deus, o Pai, a quem Jesus Cristo revelou. Nos três capítulos seguintes, 10, 11 e 12, as doutrinas da criação, providência e do pecado são apresentadas. No capítulo 13 a obra salvífica de Cristo é apresentada, e no capítulo 14 a doutrina da eleição, ou a iniciativa de Deus na salvação; no capítulo 15 os primórdios, e no capítulo 16 a continuação da vida cristã, e no capítulo 17 a doutrina das últimas coisas. Notar-se-á ao longo deste volume que o objetivo fundamental foi mantido, isto é, apresentar a doutrina cristã como resultado necessário e expressão da religião cristã. O elemento experimental tanto no conhecimento como na certeza cristã certamente foi reconhecido em todos os pontos. 4. Há muitas qualidades intelectuais que podem ser m cionadas como assistentes daquele que se torna um estudante de teologia. Mas todas essas qualidades são dependentes de uma atitude fundamental da mente e do coração. A qualificação mais alta para o estudo da teologia é a atitude religiosa. Na religião, o homem aborda a Deus de uma certa maneira. Através de sua comunhão com Deus certas experiências surgem. Isto é verdade particularmente na religião cristã. Se alguém quer entender a teologia cristã, é essencial, portanto, que a atitude requerida pela religião cristã seja mantida. A teologia é a interpretação da religião, como vimos. A interpretação é impossível à parte da própria realidade. Concluímos, então, que a religião é o requisito fundamental para o estudo da teologia. À luz dessa verdade geral podemos notar as qualificações que vêm da erudição e da cultura geral, da capacidade intelectual e das qualidades morais e espirituais. (1) Todas as formas de erudição e cultura geral ajudam no estudo teológico quando são empregadas no interesse da vida religiosa dos homens. A teologia é, como a filosofia, um estudo muito abrangente. Dificilmente haverá um ramo de estudo que não lhe seja tributário. Isto é especialmente verdade de toda forma de erudição pertencente à Bíblia, tal como o conhecimento das línguas originais, perícia na exegese e outros departamentos da ciência bíblica. Do mesmo modo, um conhecimento geral da ciência e da filosofia também é valioso ao estudante de teologia. A dificuldade e o perigo no emprego de todos os resultados da pesquisa erudita no estudo da teologia consistem em que algum outro interesse ou ideal poderá deslocar o que é peculiar à teologia cristã, ao interesse e ao ideal religiosos. A vida religiosa tem de ser vista em toda a manifestação e em seu verdadeiro significado e valor interiores. Se o interesse principal do estudante é alguma coisa à parte da religião, haverá o perigo de que a religião venha a ser sufocada ou crucificada. Muito do assim chamado estudo "objetivo e desinteressado" da religião e teologia é desse tipo. Ao trazermos métodos científicos para o estudo da religião e da teologia, a primeira coisa a ser lembrada é que a religião é necessariamente pessoal e subjetiva ao estudante que espera penetrar no seu verdadeiro significado interior. De outro modo nunca sairemos da superfície da religião, e nunca obteremos o verdadeiro material para a construção de uma teologia. (2) Os dons intelectuais de todo tipo são, da mesma forma, valiosos no estudo da teologia. A habilidade de pensar clara e pacientemente, o desejo de exatidão e perfeição, o desejo de unidade e coerência de opinião são qualidades admiráveis no teólogo. Especialmente útil nesta esfera é a qualidade usualmente conhecida por intuição. A palavra simplesmente significa percepção mental e espiritual, o sentido de verdade baseado em amplas afinidades intelectuais. Assim se distingue do processo lógico de dedução de conclusões a partir de premissas. Ninguém poderá jamais esperar alcançar grande competência em teologia sendo indisposto ou incapaz na questão de esforço paciente e persistente. Mas as recompensas de tal esforço são muitas e de máximo valor. (3) As qualidades morais e espirituais são as mais fundamentais no estudo teológico. Nomearemos algumas delas. Um sentido de dependência para com Deus e de orientação de seu Espírito é necessário. Quanto mais o estudante penetrar nos grandes mistérios da religião, tanto mais ficará impressionado com essa necessidade de auxílio divino para compreendê-los e expressar o seu significado. Docilidade ou tratabilidade, vinculada com humildade e receptividade, é uma exigência fundamental. O desejo de conhecer a verdade e uma vontade dócil acompanham o verdadeiro teólogo. A obediência é de fato um "verdadeiro órgão do conhecimento" , apesar de, é claro, não ser o único. O orgulho de opinião tem de ser colocado de lado se alguém quer entrar na viva comunhão com Deus em Cristo. Em certa ocasião, Jesus agradeceu a Deus por ter ocultado as verdades do evangelho dos "sábios e entendidos" e os revelou aos "pequeninos" (Mt 11.25). Essa grande verdade está lentamente chegando ao reconhecimento na psicologia moderna e nas teorias do conhecimento. Há uma esfera imensa de realidade, grande correnteza de vida e poder que fluem de Deus para dentro do homem sob condição de docilidade e receptividade da parte do homem. Em outras palavras, a fé é o elo entre o homem e Deus, que não apenas traz vida nova e novo poder, mas novo conhecimento. A teologia é a expressão e a coordenação sistemática desse conhecimento. Capítulo 2 0 conhecimento de Deus A questão que se destaca já de início em um tratado de teologia é a seguinte: "Podemos conhecer Deus?" Se respondermos na afirmativa, somos confrontados com outra questão: "Como conhecemos a Deus?" Essa última pergunta conduz por sua vez a mais outra questão: "Como o conhecimento está relacionado com a fé?" E, finalmente, tendo sido satisfatoriamente respondidas todas essas perguntas,, precisamos definir as relações entre o conhecimento religioso e as outras formas de conhecimento. A . Definição d e conhecim ento e d e religião A seguinte definição fornece resumidamente os elementos essenciais de conhecimento: 1. O que é evidente por si mesmo na natureza da raz os axiomas matemáticos — do tipo uma linha reta é a menor distância entre dois pontos — ilustram bem isso. 2.0 que ocorre imediatamente na experiência, como no c de um homem que vivência as manifestações da natureza em uma tempestade de raios e trovões. 3. O que é inferido naturalmente do que se vê, como u relâmpago ter atingido uma árvore, inferido da condição na qual se encontra o tronco partido. Nota-se que nesta definição há um fator interno de conhecimento: a própria razão. Há também um fator externo, algo que poderá vir de fora, e muitas vezes vem, mas que ocorre imediatamente em nossa experiência. Há também um procedimento de dedução que inclui tanto o fator interno, a razão, quanto o fator externo, o objeto ou objetos que ocorrem em nossa experiência imediata. A definição de conhecimento dada acima é de grande importância para a teologia pelas seguintes razões: primeira, torna claro o ponto de que na religião e na teologia (definida como a explanação ordenada e sistemática da religião) estamos lidando com o conhecimento verdadeiro. Em segundo lugar, mantém o conhecimento adequadamente fundado em uma psicologia sensata. A definição reconhece a natureza da própria razão, contribuindo para nosso conhecimento, e não nos deixa meramente recipientes passivos de impressões vindas de fora. A razão do homem confere sua impressão a todo o conteúdo do conhecimento, como uma caneca confere forma à água que pega de uma correnteza. A definição também ressalta a própria experiência, os processos da vida pelos quais entramos em contato com o mundo ao nosso redor. E, por último, é uma definição que reconhece a presença de todas as faculdades e potenciais humanos nos processos do conhecimento. O homem não é uma razão abstrata, ou vontade abstrata, ou sentimento abstrato. Ele é todas estas em combinação. Nenhum destes atua jamais por si só. Esse conceito de conhecimento é de grande importância para a teologia. É um ponto de contato vital e de concordância entre a psicologia científica moderna e a Bíblia, como veremos. A seguir partiremos para a definição de religião. Isto preparará o caminho para uma declaração de como se origina o conhecimento de Deus, e como a teologia se torna necessária como uma expressão ordenada e sistemática do significado da religião. Há muitos caminhos para definir religião. Alguns adotam os tipos mais inferiores de religião, tais como o fetichismo, ou animismo, e afirmam que as diversas religiões são simplesmente um desenvolvimento destas. Outros iniciam no outro extremo, adotam algum princípio altamente intelectual ou filosófico, como se contivesse a essência de todas as religiões. Os defensores de certas formas de idealismo adotam o último método. A religião se torna assim um processo do intelecto nas suas reações sobre o mundo ao nosso redor. Há vários outros métodos adotados para se definir religião. O melhor método, entretanto, não consiste em tomar o que é inferior, nem mesmo, de maneira abstrata, o que é elevado, se quisermos obter uma definição geral de religião. O melhor método é o de estabelecer os elementos essenciais que pertencem à idéia de religião em si mesma, e que são encontrados entre homens religiosos. Isto conduzirá naturalmente à consideração da religião cristã, que é o ideal e cumprimento de todas as outras diversas tentativas de se aproximar à definição de religião. Em termos mais gerais, então, definimos religião: (1) Como reconhecimento de uma potência não nossa, e um esforço de estabelecer relações harmoniosas com ela. (2) O objeto na religião é pessoal, espíritos supra-humanos, ou um espírito supremo pessoal. (3) A relação com estes poderes supra-humanos se realiza em termos pessoais e sobre a base de relacionamentos pessoais. Essa relação pessoal tem em si pelo menos os seguintes elementos: (a) Revelação da parte de Deus ou deuses adorados, e (b) confiança e adoração por parte do ser humano. (4) A religião também inclui, como essência dessa relação pessoal, um exercício dos sentimentos, da vontade e do intelecto. Os sentimentos entram em ação porque há um senso de dependência e de necessidade. A vontade está incluída porque há um ato de submissão e conformidade à vontade do objeto de culto. O intelecto está ativo porque ali surge o conhecimento do objeto de culto como resultado da relação religiosa. (5) Acrescentamos que o objetivo proposto da religião é redenção. A redenção é distintamente uma palavra cristã. Mas há um sentido elementar cuja idéia existe em todas as religiões. Os homens tendem fazer alianças com forças bélicas superiores a fim de assegurar êxito na guerra, ou para evitar perigos de diversos tipos. A idéia de redenção é completamente modificada na religião cristã. Perceberemos que a definição que acabamos de dar é pro­ jetada para demonstrar o conteúdo da fé religiosa encontrada em geral entre as nações. São elementos comuns mantidos de modo imperfeito e indefinido, sempre que há atividade religiosa entre os homens. Também deve ser observado que a definição não trata a questão do grau de verdade, ou falsidade, das formas de religião à qual é aplicada. O objetivo contido nela é simplesmente expressar o significado de religião em uma forma abrangente. A fim de tornar a definição inclusiva para a religião cristã, precisamos apenas ressaltar o lugar central de Jesus Cristo: revelador e mediador de Deus aos homens, juntamente com os elementos que resultam da vida redimida em e através de Cristo. B . Fontes d o conhecim ento religioso Há várias fontes de conhecimento religioso. A maioria delas é insuficiente para as necessidades religiosas dos homens, a menos que concordem com a revelação cristã. Consideraremos brevemente algumas delas. 1. Uma das fontes de conhecimento de Deus são as evidên presentes na natureza e o próprio homem. No passado, muitos iniciaram tratados teológicos procurando provar a existência de Deus através das inferências lógicas da natureza e do homem. São os argumentos das causas, da ordem, do desígnio, da ordem moral, das necessidades da própria razão e outros. Teremos oportunidade de considerá-los em uma etapa posterior. Eles são valiosos no seu devido lugar, e de modo algum devem ser rejeitados. Mas esses não são primários nem fundamentais para a teologia cristã. O seu valor aparecerá subordinado a outra fonte de conhecimento acerca de Deus. A natureza insatisfatória dos argumentos baseados na inferência lógica do homem e da natureza aparece nas seguintes considerações: (1) Eles nunca levam ao ponto de vista cristão acerca de Deus. Através deles derivamos alguma idéia do poder de Deus, sabedoria, propósito e outras qualidades do ser divino. Mas eles falham em nos dar uma idéia satisfatória do caráter moral de Deus e sua atitude com relação ao homem, especialmente da sua graça e amor perdoador. (2) Ainda, o conhecimento concernente a Deus derivado apenas do processo lógico, na realidade nunca é colocado como base dos sistemas doutrinários dos teólogos cristãos. Mesmo quando produzem tais provas da existência de Deus (são primárias quando tratam a questão de como conhecemos Deus), eles se afastam delas nos sistemas doutrinários que seguem. (3) As provas dessa natureza não produzem aquele tipo de certeza exigida na vida religiosa. E claro que teremos de indicar o tipo de certeza requerida na vida religiosa. Por ora, ressaltamos simplesmente que é uma certeza que resulta do real contato da alma com o objeto religioso. E uma certeza baseada no conhecimento da realidade, e não simplesmente na força de uma inferência lógica. (4) Provas baseadas na dedução lógica dos fatos da natureza são deficientes em um outro sentido. A psicologia, na sua melhor forma moderna, mostra claramente que nosso conhecimento é construído com base em nossa vida de experiências, e não simplesmente através da atividade da razão abstrata. Nós vivemos, lutamos e sofremos; somos derrotados ou vencemos; perseguimos objetivos e somos desapontados; fazemos descobertas e sofremos perdas. Dessa maneira, gradativamente descobrimos a verdade. A verdade que adquirimos se torna assim um tesouro feito de "pequenas moedas", por assim dizer, de descobertas humanas na luta e adaptações da vida. Nada poderia estar mais distante da realidade do que supor que a verdade surge principalmente através do raciocínio dos homens sábios que se isolaram das lutas da própria vida e por último, as provas lógicas da existência de Deus em si mesmas são insatisfatórias porque, em relação aos que tiveram a experiência cristã, as deduções lógicas são sempre influenciadas pela experiência. Isto é inevitável e necessário devido à natureza do homem. Ele não pode separar de sua natureza os procedimentos da razão. 2. Um segundo método de chegar ao conhecimento de D e que é muito usado pelos modernos, é estudar a consciência religiosa. A Psicologia da Religião se tornou assim um ramo distinto de investigação. Já produziu grandes resultados, e no futuro, sem dúvida, ela se tornará mais produtiva. Aqui, temos um importante ponto de contato entre a teologia e outras ciências. A teologia observa os fatos da vida religiosa do homem, delineia suas leis e proclama os resultados de maneira formal. E o método seguido nas ciências físicas, exceto que na teologia e na psicologia da religião não chegamos a leis de exatidão matemática. Obtemos, sim, conhecimento baseado em dados, em experiências reais. Nosso conhecimento em religião obtém dessa maneira uma base factual. Mas a psicologia da religião é insuficiente para o propósito da teologia cristã, a menos que alcance o ponto de vista cristão. Surge a questão se as experiências da consciência religiosa são meramente subjetivas ou não. Será que o objeto da fé cristã é real? Pois bem, a religião cristã é uma religião histórica, e como tal está acima do mero jogo subjetivo das forças da consciência. Ela se torna a causa operante em e sobre a consciência religiosa do homem, entretanto permanecendo objetiva a essa consciência. Ela introduziu no mundo algumas concepções que atuam de modo muito definido. Torna-se necessário considerar o cristianismo a partir disto se quisermos entendê-lo. 3. Uma terceira fonte de conhecimento religioso é o estudo de religiões comparadas. A vida religiosa universal da humanidade é um fato interessante e significativo. O cristianismo declara que apresenta de forma perfeita todos os elementos válidos de religião encontrados em qualquer outro sistema. Tudo o que pede é o sincero reconhecimento dos fatos que são peculiares e excepcionais em si mesmos, em adição àqueles comuns a todas as religiões. Dessa maneira, a superioridade do cristianismo aparece facilmente. 4. Uma quarta fonte de conhecimento religioso são as de­ cisões das cortes e concílios eclesiásticos conforme expresso nos credos e artigos de fé. Com relação aos credos publicados sob autoridade eclesiástica, estas não são e nunca poderão ser fontes originais de conhecimento religioso. Para todas as pessoas, exceto para os que as publicaram, elas são conhecimento de segunda mão, ecos em vez de vozes originais. Eles são muitas vezes de grande valor. Elas declaram as crenças doutrinárias da época dos que as promulgaram. Mas o conhecimento religioso não surge primeiramente pela aceitação de credos. Vem preferencialmente através da presença de Deus na alma. Os homens aprendem acerca de Deus através da experiência com Deus. Uma das máximas favoritas dos escolásticos da Idade Média era "Creio, a fim de conhecer". Há um elemento de verdade neste dito. Mas pode ser muito enganoso. Se por crença quer dizer a mera aceitação de um artigo de um credo na base da fé implícita exigida pela Igreja Católica, então está longe de ser verdade. Se, entretanto, crer significa aceitar Cristo no sentido salvífico do Novo Testamento, então o dito é profundamente verdadeiro. Conhecer Cristo pela fé é conhecer a Deus. 5. Citamos a Bíblia como outra fonte de conhecimento de Deus. A Bíblia é de fato nossa fonte literária suprema e oficial da revelação de Deus que conduz à salvação. Mas a salvação não tem por condição nossa crença em um livro nem a aceitação dele. O conhecimento de Deus do qual estamos falando não é derivado de um mero ler as páginas da Bíblia, ou da mais rígida interpretação científica de seus ensinos. A auto-revelação de Deus a nós vem através de sua ação direta sobre nosso espírito. Ele vem a nós na sua graça redentora. Há um ajuste espiritual dentro de nós. Somos regenerados pelo seu poder, e elevados a um novo nível moral e espiritual. E então que adquirimos nova apreciação pela Bíblia. Assim Deus se torna nossa autoridade suprema, e a Bíblia é reconhecida como registro oficial de sua revelação suprema. 6. Agora é hora de formular e responder a esta questão: Qual é nossa fonte suprema de conhecimento de Deus, que dá surgimento às doutrinas da religião cristã? A resposta é a revelação de Deus em e através de Jesus Cristo. A fim de desenvolver completamente esse pensamento fundamental precisaremos considerar os seguintes tópicos: (1) Cristo como pessoa histórica; (2) Cristo como pessoa supra-histórica agindo sobre a história. Em capítulos mais adiante discutiremos o caráter e os atributos do Deus que Cristo revela, a natureza da experiência que ele media a nós e os vários outros tópicos que surgem da experiência religiosa e das exigências da teologia. (1) O primeiro tópico é Jesus Cristo como pessoa histórica. E desnecessário considerar a questão do fato quanto à existência de alguém chamado Jesus Cristo nos tempos do Novo Testamento. Isto nunca foi questionado com suficiente seriedade para justificar a dedicação de espaço aqui. Um sumário de sua carreira terrena e seu significado são necessários pela relação que mantém com a teologia cristã. Os pontos essenciais na representação no Novo Tes­ tamento são os seguintes: a. Jesus nasceu de uma virgem. Tanto Mateus como Lucas registram a história de seu nascimento da virgem Maria. A autenticidade destes registros tem sido questionada. Mas os argumentos contra eles são inconclusivos. Certamente a origem suprahumana de Cristo registrada por eles está em completa harmonia com as grandes características da vida que seguiu. Não podemos considerar em detalhe a questão quanto ao nascimento virginal. Fortes razões leva­ ram cristãos de todos os tempos a reter isto como um artigo de fé. O testemunho dos manuscritos antigos é praticamente unânime a favor dos relatos em Mateus e Lucas. Versões antigas são igualmente unânimes na evidência que apresentam. O teste­ munho dos primeiros escritores cristãos também é praticamente unânime a favor dos relatos. Os ebionitas e alguns dos gnósticos se opuseram ao nascimento virginal. Mas havia razões para tanto. Os primeiros eram antipaulinos e os outros nega­ vam a verdadeira humanidade de Cristo. Através da história do cristianismo, o nascimento virginal tem sido aceito como artigo de fé. É, como sabemos, parte do credo apostólico. Algumas das objeções instadas contra esse assunto são as seguintes: (a) Não consta nos evangelhos de Marcos e João. Paulo não se refere ao nascimento vir­ ginal, nem qualquer outro escritor neotestamentário. A resposta é que o propósito de Marcos não exigia que tratasse a infância de Jesus. Ele inicia com o ministério público. O evangelho de João lida com o Cristo préencarnado no prólogo, mas seu relato se harmoniza melhor com a idéia do nascimento virginal. Assim também nos escritos de Paulo não há referência expressa ao nascimento virginal. Mas sua doutrina de forma alguma contradiz isto. Seu ensino grandioso quanto ao Cristo pré-encarnado também se harmoniza com ele. (b) Alguns mantêm que crenças judaicas e do Antigo Testamento sugerem a idéia do nasci­ mento virginal; outros, contudo, opinam que são derivadas de fontes gentílicas. Estas se contradizem mutuamente. Um grupo diz que a idéia do nascimento virginal não poderia ter tido uma fonte judaica, e a outra diz que não poderia ter sido possivelmente de origem gentílica. Mas nenhuma das duas teorias têm mostrado uma associação clara entre as fon­ tes alegadas e os relatos que temos. Elas são suposições em vez de conclusões científicas válidas de fatos. (c) Também é argumentado que em qualquer caso a crença no nascimento virginal não seja necessário à fé. Caso se queira dizer que não é necessário para a fé salvadora, então é verdade no sentido de que muitos que crêem em Cristo não aceitam nem rejeitam conscientemente esse ponto. O ponto princi­ pal aqui é que não podemos determinar por antecipação o que é ou não é necessário para o evangelho. Se o nascimento virginal acon­ teceu, então podemos ter certeza de que foi necessário. Deus não realiza uma coisa des­ necessária para alcançar os seus propósitos. O nascimento virginal é a melhor explicação da pessoa sobrenatural de Cristo. Ele explica melhor sua impecabilidade. É o que melhor explica sua autoridade sobre a nova geração espiritual de homens. É o que melhor con­ corda com sua chamada para ser o divino revelador e redentor dos homens. b. Em seguida, observamos sua impecabilidade. Jesus Cristo afirmava que não cometia pecado. Ele desafiou os homens a acusá-lo de pecado (Jo 8.46). Ele assumiu uma atitude de superioridade sobre os pecadores, e na realidade pronunciava perdão de pecados ao lidar com eles (Mt 9.2). Ele anunciou que seu sangue deveria ser derramado pela remissão dos pecados (Mat 26.28). c. Cristo é o revelador de Deus aos homens. Ele de­ clarou que mantinha um relacionamento singular com Deus, o Pai, cujo Filho ele era, e a quem ele veio revelar (Jo 1.18). Alistamos os seguintes elementos na revelação que Cristo faz de Deus: Primeiro, ele traz Deus para perto em uma vida humana. A revelação de Cristo não foi em primeiro lugar a comunicação de verdades acerca de Deus. Foi a personificação, em uma vida humana, da realidade da vida divina. As verdades surgiram a partir dos fatos acerca de Deus. Jesus também revela Deus como uma pessoa. Na natureza e na história há revelações de Deus pouco compreensíveis. Ele apareceu como Lei, Força, Vida, propósito, Princípio moral e de outras maneiras. Mas estas são revelações parciais e fragmentadas, como veremos depois. Os estágios na revelação de Deus puderam alcançar o seu clímax apenas pelo meio mais elevado conhecido a nós: a personalidade. Todas as formas inferiores de revelação estão assim unificadas na personalidade de Deus como revelada em Cristo. Deus estava então presente na vida pessoal de Jesus de Nazaré. A lei foi "dada", mas a graça e a verdade "vieram" (Jo 1.17). Além disso, a revelação em e através de Jesus Cristo nos ensina o que é Deus em seu caráter. A teologia natural pode nos dar certas verdades simples acerca de Deus. Não nos dá conhecimento satisfatório das suas qualidades morais. Podemos resumir brevemente estas qualidades na expressão amor justo. Isto nos conduz a declarar que a revelação de Deus em Cristo dá conhecimento da atitude de Deus com relação ao homem. Ele é Deus de graça. Ele está intensamente interessado na vida dos homens. Ele vela por eles e cuida deles. Ele concede boas dádivas a todos os homens. Ele fez os seres humanos para si mesmo. Ele os constituiu para filiação no seu reino eterno. Na manifestação mais elevada, profunda e rica de sua natureza ele é o Pai infinito. Como Pai, ele tem um propósito eterno de bem para os homens. d. Consideremos a seguir Cristo como redentor dos homens. A redenção é um elemento essencial na revelação de Deus em Cristo. Algumas breves afirmativas resumirão em amplo esboço a atividade redentora de Cristo. Primeiro, nele Deus se aproxima dos homens para a salvação deles. Não apenas Deus se aproxima em Cristo; Cristo também personifica o poder de Deus para a salvação dos homens. Ele veio buscar e salvar o que se havia perdido (Mt 18.11; Lc 15.4). Seus "poderes milagrosos" eram evidência do poder divino atuando nele (Mt 11.1.20; 13.54; Luc 9.43). Além disso, a atividade redentora de Cristo ti­ nha como parte essencial os sofrimentos e a morte dele. O Novo Testamento atribui valor singular e eficácia aos sofrimentos propiciatórios de Cristo. Isto não é apenas verdade nas epístolas, mas tam­ bém nos evangelhos (Mt 20.28; 26.28). A doutrina da propiciação será desenvolvida em capítulos pos­ teriores. Aqui a mencionaremos como essencial à obra redentora de Cristo. Por fim, a ressurreição de Cristo, a ascensão à destra do Pai e a intercessão que faz por nós são a coroa e o apogeu necessários da sua atividade redentora. (2) Assim chegamos à segunda afirmação geral relativa à revelação de Deus em Cristo, isto é, que Cristo é mais do que uma pessoa histórica. Ele é supra-histórico. Ele age sobre a história e também fora dela. A auto-revelação pessoal de Deus em Cristo não terminou com a morte de Jesus. Essa afirmativa nos leva ao próprio coração do significado do cristianismo. Será que Jesus continuou a agir em uma forma causai e direta sobre o curso da história do cristianismo? Ele continua agindo agora? A resposta a estas perguntas é importante para determinar a resposta a outras questões fundamentais quanto ao significado da encarnação e da propiciação. Não hesitamos em responder a ambas as questões de modo afirmativo. Os fatos da vida terrena devem ser conciliados com a posterior atividade criadora de Cristo se formos estimar adequadamente o seu significado real para a vida religiosa do homem. Cristo não foi apenas um mestre enviado de Deus, ele também foi o criador espiritual. As considerações seguintes estabelecem a verdade destas afirmativas: a. Primeiramente notamos as afirmativas explícitas do próprio Jesus quanto à sua atividade continua­ da após a morte. Estas são claras e suficientes. Ele declarou que edificaria sua igreja e que as portas do hades não prevaleceriam contra ela (Mt 16.18). Ele comissionou os discípulos a evangelizarem o mundo, com a promessa de sua presença contínua com eles (Mt 28.20; Mc 16.20). Ele prometeu o Espí­ rito Santo através do qual estaria falando com eles (Jo 14.16,17; At 1.1.5). Ele predisse a própria volta em glória para julgar o mundo (Mt 25.31-46). b. Em concordância com estas predições temos o der­ ramamento do Espírito Santo no pentecostes, o tes­ temunho dos apóstolos do agenciamento de Cristo neste acontecimento, e toda a história subseqüente do livro de Atos. c. O testemunho uniforme das epístolas confirma estas passagens dos Evangelhos e da história em Atos. Em todos os lugares, Jesus é considerado o poder espiritual atuando sobre os homens através do Espírito Santo. d. Também temos a carreira e os escritos do apóstolo Paulo. Paulo descreve a origem de sua carreira espiritual como o momento em que Deus aprovou revelar nele o seu Filho (G11.16). Cristo é em todos os lugares o centro de seu evangelho e a causa eficiente operando através dele. Uma das provas mais convincentes da ressurreição de Cristo é o capítulo quinze da primeira carta aos Coríntios. Alguns tentaram explicar o cristianismo através de Paulo. Mas isto apenas ameniza a dificuldade aparente. Como podemos responder por Paulo? De que lugar provém a energia criadora que revolucionou a civilização ocidental? Além disso, o ponto de vista está em desacordo com o próprio Paulo, que era apaixonadamente devotado a Cristo, como seu próprio redentor e salvador do mundo. e. Mencionamos também o fato de que a nossa literatu­ ra cristã mais antiga sustenta o ponto de vista que defendemos. Paulo escreveu a epístola aos Romanos, aos Gálatas e aos Coríntios antes que qualquer um dos Evangelhos fosse composto. Estas são as nossas primeiras interpretações do significado do cristianismo. Todas elas atribuem a Jesus Cristo o lugar e função de criador espiritual. f. Observe ainda o lugar da ressurreição no cristia­ nismo primitivo. O movimento cristão começou como um movimento conquistador do mundo com a ressurreição de Jesus. Não há divergência material sobre esse ponto entre os exegetas e historiadores. A crença na ressurreição é reconhecida com unani­ midade prática de ter sido a primordial convicção por trás do movimento cristão. O fato no qual essa crença se fundava é a única e suficiente explicação daquele movimento. g. O lugar de Cristo como criador espiritual é con­ firmado pela origem dos Evangelhos Sinóticos. Estes surgiram como resultado da vida espiritual em Cristo. Estes registros foram compostos após as quatro grandes epístolas de Paulo. Eles não causa­ ram o movimento cristão, mas foram causados pelo mesmo. No presente, dois documentos são considerados pela crítica como contendo nosso registro mais an­ tigo da vida de Cristo. Um deles é o evangelho de Marcos; o outro, uma fonte comum para Mateus e Lucas, da qual ambos derivaram parte do seu mate­ rial. Mas em ambas estas fontes todas as caracterís­ ticas essenciais da vida de Jesus reaparecem como temos nos atuais Evangelhos de Mateus e Lucas. Todos os elementos sobrenaturais e transcendentes da pessoa e ministério de Cristo permanecem. Assim a crítica literária e histórica falhou com­ pletamente em eliminar o Jesus sobrenatural do Novo Testamento. O resultado da pesquisa crítica, portanto, é sem efeito para o ponto de vista anticristão. Vê-se mais claramente que há concordância em todas as representações neotestamentárias do lugar de Jesus Cristo em nossa vida espiritual. Em nenhum lugar encontramos contradições que ve­ nham a afetar a verdade do evangelho. Não se pode crer que caso Paulo houvesse mudado a opinião comumente aceita com relação à pessoa de Cristo, não encontraríamos objeção alguma expressa por algum de seus contemporâneos. Não há nenhuma indicação de controvérsia no Novo Testamento so­ bre a questão moderna entre o Cristo simplesmente humano e natural, e um Cristo sobrenatural. Essa questão, entretanto, assumiu uma nova for­ ma. Agora ela é a diferença entre teorias filosóficas ou opiniões universais. Opositores do cristianismo começam com uma opinião que nega o sobrenatural. Sobre essa suposição seguem explicando os elemen­ tos sobrenaturais no evangelho atribuindo-lhes a imaginação dos primeiros discípulos, o predomínio de mitos que foram incorporados nos registros, ou tendem em atribuir significações ilegítimas aos fatos elementares. C .C onclusão Podemos apresentar agora nossa conclusão do breve exame que fizemos das fontes do nosso conhecimento de Deus. E como segue: Jesus Cristo é a fonte suprema do conhecimento religioso para os homens. Na revelação que Deus faz de si mesmo aos homens através de Jesus Cristo, há dois elementos principais. Um destes é histórico. O outro é experimental. Ambos são essenciais ao cristianismo. Na vida e palavras e atos de Jesus de Nazaré temos os elementos históricos da auto-revelação de Deus. Mas a estes se deve acrescentar a obra supra-histórica de Cristo, que continua a atuar sobre os homens através do Espírito Santo, após sua ascensão. Isto conduz à idéia do registro da revelação de Deus aos homens nas escrituras. O Antigo Testamento é o registro da revelação preliminar. O Novo Testamento é a consumação da história. Através das escrituras do Novo Testamento mantemos uma conexão com os fatos históricos sobre os quais o cristianismo se fundamenta. Estas são nossa fonte suficiente e autorizada de conhecimento do grande feito do Deus redentor, que adentrou a humanidade para salvá-la através de Jesus Cristo, nosso Senhor. Mas a verdade dos feitos históricos e do registro destes feitos não se torna nossa no sentido pleno do conhecimento salvador de Deus até que temos a experiência de Deus em nossa própria alma. "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste" (Jo 17.3). O conhecimento de Deus então se torna nosso em uma forma tríplice: primeiro, da fonte original, Jesus Cristo; segundo, por meio do registro autorizado, o Novo Testamento; e terceiro, por meio da experiência da graça de Deus em Cristo; efetuada em nós pelo Espírito Santo. Só podemos entender a Cristo e a Bíblia através da experiência da graça salvadora de Deus. Como detentores de vida revolvemos a corrente de vida até sua origem. O que acabamos de afirmar não implica que não demos nenhuma importância ao conhecimento de Deus que vem através do estudo da natureza, das religiões comparadas, da psicologia da religião, dos credos publicados pelas autoridades eclesiásticas e de outras fontes semelhantes. O ponto de ênfase aqui é que estas são fontes secundárias de conhecimento religioso, e não primárias. A revelação de Deus em Cristo é primária. Chegamos a um conhecimento daquela revelação através das escrituras. Passamos ao estudo dos fatos e sua história através da nossa experiência viva da graça redentora de Deus em Cristo. Nossa primeira tarefa, então, é um estudo preliminar da própria experiência. Capítulo 3 ; Estudo preliminar da experiência cristã A . Seis hipóteses As hipóteses do argumento extraídas da experiência cristã devem ser mencionadas. Há seis delas. Elas serão apresentadas muito rapidamente. Primeiro, aceita-se indiscutivelmente que o mundo externo ao homem seja real. Há objetos à parte do próprio homem, à parte da consciência humana, que atuam sobre essa consciência. O mundo não é uma ilusão ou a mera criação subjetiva da consciência. E objetivamente real. Segundo, aceita-se, indiscutivelmente, que vivemos em um universo. As coisas são em certo sentido real, uma unidade. A natureza não é um caos sem sentido. O mundo não é um enigma sem esperança. Terceiro, que neste universo as partes combinam, ou en­ caixam uma na outra, tanto na esfera física quanto na espiritual. Não devemos supor que tudo esteja ordenadamente e repleto de significado na esfera da lei natural, enquanto a verdade e realidade estejam além de nós na esfera do espírito. Ao contrário, o mundo espiritual também é uma esfera de verdade e ordem. Quarto, aceitamos inquestionavelmente que nossas facul­ dades e potenciais, quando normalmente relacionadas realidade objetiva, sejam confiáveis. Quando observamos, sentimos, pen­ samos e exercemos nossas vontades nas lutas da vida, podemos estar seguros de que somos conduzidos para o domínio da verdade real acerca dos objetos com os quais lidamos. Não há fundamento válido para desacreditar; há, porém, toda razão para confiarmos em nossas faculdades. Quinto, damos por certo que descobrimos verdades no pro­ cesso da vida, na busca por satisfação das nossas necessidades. A descoberta da verdade não é um processo abstrato meramente do intelecto. Não é simplesmente o resultado de uma busca aca­ dêmica. A razão, é claro, é necessária na descoberta da verdade. Mas também a vontade, e assim também os sentimentos. Toda a natureza do homem está envolvida. Damos por certo, em sexto lugar, o fato da personalidade humana. Essa personalidade é dotada com poderes e capacidades extraordinários. Ela age sobre e pode ter ação exercida sobre ela, pelos objetos naturais. O ser humano conhece a si mesmo distinto de outros seres humanos e com capacidade de interagir com eles. Estes estão entre os fatos que são nos dados, não teorias a serem provadas. As hipóteses acima estão entre os postulados mais simples e fundamentais de todo pensamento humano. Não são peculiares ao raciocínio do teólogo cristão. Elas estão por base de toda a ciência e filosofia. Elas são essenciais a todo conhecimento. Sem elas a própria idéia da verdade em si seria impossível ou sem sentido. O conhecimento surge para o cristão, portanto, sobre os mesmos princípios de todos os outros homens. A diferença é que no exercício da fé em Cristo como revelador de Deus, e redentor, o cristão se relaciona com um objeto novo, uma nova esfera de realidades, de modo vivo e transformador que outros não conhecem. Podemos entender a natureza da experiência cristã apenas quando mantemos em mente o fato de que é uma relação entre pessoas divina e humana. A chave para o entendimento correto do assunto é a idéia de personalidade. Tem a ver com o homem, não como intelecto, ou sentimento, ou vontade, ou simplesmente consciência, mas com o homem na totalidade da sua natureza espiritual. A experiência cristã assim completa o ideal da religião, desde que ela não seja apenas o homem submetendo-se a Deus, mas também Deus comunicando-se ao homem. B . A análise da experiência cristã A iniciativa procede do lado divino. A mensagem nos al­ cança, na maioria das vezes, através de agentes humanos. A sua importância maior é que Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo (2 Co 5.19). A salvação do pecado e de suas conseqüências é a responsabilidade do chamado do evangelho. Os homens são convidados a abandonarem seus pecados e a confiarem e obedecerem a Deus, que se aproximou deles em Jesus Cristo. Assim percebe-se que Jesus Cristo é central e vital na mensagem do evangelho. O evangelho perde seu significado quando separado dele. 1.0 ponto de contato da mensagem do evangelho nos hom é a consciência de pecado. Existem outros elementos subordinados da consciência de pecado, tal como o sentimento de desamparo e dependência, e o sentido de necessidade. Eles estão acompanhados, em graus variados, pelo sentido de solidão doentia e de culpa. Em muitos casos assume a forma de autocondenação e de extremo desespero. Na linguagem da psicologia, esse estado da mente é algumas vezes descrito como "contradição interior", "um sentido de mal consigo mesmo, tais como somos por natureza" e "o ego dividido", entre outras. O evangelho intensifica a consciência de pecado. Naqueles que não regenerados há vários graus de sua manifestação. Algumas vezes não existe de forma alguma como "consciência de pecado" mas de outra maneira, como o sentido de dependência, ou o almejar por coisas mais elevadas. Em cada instante, entretanto, o efeito do apelo do evangelho, quando a consciência natural é despertada, é um aprofundamento do sentido de pecado e culpa. A ação renovadora do Espírito Santo, no impacto da mensagem do evangelho, é vista quando o pecador adentra um novo universo moral, com novos potenciais morais à medida que passa do estágio de transtorno ao da regeneração. 2. A resposta do pecador à mensagem do evangelho é um ato de liberdade moral. Deus se aproxima graciosamente dos homens com a oferta da salvação através de Cristo. Mas as forças divinas que operam através do evangelho estão ordenadas e adaptadas para evocarem uma livre resposta moral da parte do homem. Coação aqui, como em qualquer parte na esfera moral, destruiria o mais elevado elemento na natureza humana. A resposta humana ao apelo do evangelho consiste, nos primeiros estágios, de dois atos: primeiro, em afastar-se do pecado e, segundo, em um ato de confiança em Jesus Cristo como redentor propiciatório. O arrependimento, ou o afastar-se do pecado, é uma parte necessária da relação entre Deus e o homem, visto que uma renovação da comunhão será impossível enquanto o pecado — que anteriormente havia destruído essa comunhão — permanecer.. A fé, ou confiança em Deus como revelada no Cristo propiciador, também é essencial, porque a união com Deus que efetua a renovação espiritual é impossível de outro modo. 3. A atividade divina na experiência cristã é correlativa com a humana. Há quatro aspectos dessa atividade que devem ser mencionados. O primeiro é o perdão. A certeza do perdão se torna uma necessidade espiritual logo que se concebe o pecado como um rompimento da comunhão com a pessoa divina. Se o pecado é considerado uma enfermidade ou meramente um equívoco, ou mera ignorância, ou uma fase simplesmente no crescimento humano, o perdão não seria um dos imperativos da experiência religiosa. Uma visão panteísta do mundo acompanha estas concepções menos relevantes de pecado. A revelação cristã exalta personalidade em Deus e no homem. Por isso, o perdão se torna uma necessidade absoluta, para a consciência de redenção se tornar eficaz ao homem. Intimamente relacionado com o perdão está a justificação. A justificação, o ato de Deus que declara os culpados livres da penalidade do pecado, está alicerçada na obra propiciatória de Cristo. Assim, Deus justifica os ímpios e provê para eles um novo estado. Perdão e justificação estão intrinsecamente relacionados. No Novo Testamento a justificação é o ato de Deus que declara essa nova relação. O perdão estabelece essa relação. Nela o homem é aceito e restaurado ao favor divino. A regeneração é o resultado da ação direta do Espírito Santo sobre o espírito do homem. Nela o crente arrependido recebe uma nova natureza. Ali há uma mudança radical no alvo e propósito de vida, o advento de um novo conjunto de motivos e uma renovação moral e espiritual da vontade. Nas escrituras, a mudança de na­ tureza é descrita como o "novo nascimento" ou a "nova criação". A adoção é o ato de Deus aceitando a pessoa regenerada como seu filho. Nela o Espírito Santo confere a consciência filial pela qual clamamos: "Aba, Pai". Nossa filiação é assim uma re­ lação de natureza, desde que nascemos de novo, e também uma relação constituída por designação divina, pois é o estado da graça de Deus. A consciência de nossa filiação e da paternidade de Deus é o clímax da consciência cristã. Nela está contida toda possibilidade de transformação moral para o indivíduo e para a sociedade. Nesta consciência filial, de fato, toda experiência e toda vida são transformadas para o cristão, e todas as experiências comuns são cumpridas em suas formas elevadas. Conhecemos obediência na forma comum, mas a obediência filial é nossa suprema emancipação. Conhecemos o pecado em nossas relações sociais, mas o sentido de pecado contra o Pai celestial se torna a mais pungente de todas as aflições e tristezas. Conhecemos a vergonha em nossas relações humanas, mas nesta relação a vergonha se torna degradação pessoal, ao mesmo tempo que todas as outras espécies de vergonhas parecem levianas. Temos conhecido a esperança, mesmo esperança religiosa, baseada em doutrinas filosóficas. Mas esperança filial, baseada no conhecimento experimental de Deus Pai, é o apogeu e glorificação de toda esperança. Temos conhecido o amor pessoalmente, mas essa afeição filial é um "amor divino que excede todos os amores". Nossa consciência filial se torna assim a consciência dominante de toda a vida e o cumprimento transformador de todo elemento de nosso ser. A conversão é o ato exterior humano correspondente ao conceito que acabamos de descrever em esboço. A mudança interior da vontade afastando-se do pecado para a retidão tem a sua expressão externa adequada na conduta diária. O que chamamos de experiência cristã, portanto, não é meramente o que se conhece normalmente como experiência de conversão. A experiência de conversão é o estágio inicial de um processo que se estende por toda a vida. Além disso, concentra em si mesma todos os elementos que operam posteriormente. É a vida cristã na forma germinal. Mas devemos evitar pensar a respeito da experiência cristã meramente em termos de experiência de conversão, o que é apenas um fragmento do todo. A análise precedente da experiência cristã foi feita propo­ sitadamente de forma resumida. Ela constitui o trabalho de base do sistema doutrinário que seguirá neste tratado. Também é vital para a discussão da questão diante de nós, isto é, como podemos conhecer a Deus? Há certas características da experiência cristã que devem ser consideradas um meio para mostrar o conhecimento de Deus e preparar o caminho para uma conclusão geral sobre o assunto. C . A unidade sintética d a experiência cristã A primeira característica a ser notada é a natureza unitária dessa experiência. Com isto dizemos a transformação interior, a dependência mútua e completa moral e espiritual dos elementos da experiência cristã. Ao mesmo tempo é óbvio que, à luz da experiência cristã, a personalidade divina e a humana são semelhantes em suas aptidões e capacidades morais e espirituais. Desde que Deus fez o homem à sua imagem, ele pode transmitir um conhecimento de si mesmo ao homem; e desde que o homem carrega a imagem divina, ele tem a capacidade para conhecer Deus. Dessa capacidade humana de conhecer Deus surge a pos­ sibilidade de um novo nascimento. Na regeneração, Deus concede sua natureza ao homem, renova-o na imagem que havia sido desfigurada pelo pecado. Da capacidade do homem de conhecer e achegar-se a Deus surge também a necessidade de uma livre escolha moral da parte do homem, a fim de restaurar a atividade divina e graciosa no próprio homem. É claro que o perdão não poderia ser concedido por Deus ao impenitente. O perdão pronunciado sobre os que não perdoam nem se arrependem careceria de tudo o que é essencial no perdão. Seria uma declaração arbitrária, não um fato vital da vida espiritual. Por isso, o arrependimento torna-se uma coisa absolutamente essencial na relação moral e espiritual entre Deus e o homem. A necessidade para a justificação desponta de modo análogo. O homem perdoado deseja conhecer o seu estado permanente diante de Deus. A justificação é a resposta de Deus a essa consciência despertada. O homem é perdoado repetidas vezes, mas permanece justificado. A justificação cristã não é então um elemento legal retido em uma religião espiritual. É um ato divino que abole o motivo legal na obediência e prepara o caminho para a operação do motivo filial. Assim como a regeneração concede a nova natureza da qual surge a vida filial, assim também a justificação constitui um novo estado no qual o motivo filial tem livre ação. Disto que mencionamos observa-se que enquanto a análise da experiência cristã em cada um de seus elementos é necessária e valiosa, também é igualmente essencial que mantenhamos em mente a unidade sintética desses elementos. A maioria das objeções às doutrinas cristãs surgem do método abstrato de manipulação desse material. Um exemplo ou dois tornará isto claro. Argumenta-se que a obra propiciatória de Cristo, se for uma real satisfação por nossos pecados, logicamente nos desobrigaria do compromisso com a retidão. "Permaneceremos no pecado, para que abunde a graça?" Mas a experiência cristã iluminada nunca cairá em tal erro superficial. Sabe que a graça que operou através da obra propiciatória de Cristo também opera dentro da alma o mais profundo impulso para a retidão. É claro que apenas na tentativa de separar estas coisas inseparáveis é que se chega à conclusão falsa. Apenas um método abstrato, uma lógica falsa, que tenta separar as partes de uma experiência que é una e indivisível, pode resultar em tal erro. De igual modo, o arrependimento pode ser mal interpre­ tado como um mero reparo, a crença cega no lugar da fé, con­ siderada de maneira distinta na unidade da experiência cristã. O arrependimento é "em direção a Deus". É um elemento na transação pessoal que desperta a vontade e as emoções. Toda natureza humana se comove o mais profundamente neste retorno pessoal a Deus em obediência. Assim, a fé é a união vital com Deus através de Cristo, e não a mera aceitação de proposições acerca de Deus ou Cristo. Também se objeta que a justificação proporciona uma retidão aparente. Mas a experiência cristã vital sabe que o fim e resultado da justificação não é o estabelecimento, mas a abolição da retidão legal aparente e o fundamento para o mais vital amor é obediência filial. A justificação não estabelece uma relação legal entre Deus e o homem, mas antes abole a relação legal. Em cada um destes casos, e em muitos outros, o crítico toma algum elemento da experiência cristã dissociado do todo e chega a algum resultado não justificável. Podemos apenas entender as partes da experiência cristã à luz do todo. Uma das conclusões precedentes, que já se impõe por si só, é que na experiência cristã estamos lidando com uma ordem distinta de fatos, um sistema de forças morais e espirituais, cujas leis podem ser traçadas e sistematicamente serem demonstradas. Mas também somos alertados contra o perigo de um método puramente analítico e abstrato de lidar com fatos, cujo verdadeiro sentido pode apenas ser encontrado nos processos da vida nos quais operam. A doutrina tem de se manter em contato vital com a experiência religiosa. Mas a experiência religiosa, se é de caráter elevado, inevitavelmente se expressa em termos doutrinais. Na experiência cristã tratamos com causas que produzem efeitos na consciência humana e nas atividades morais e espirituais do homem. Interpretar esse sistema de causas e efeitos espirituais é estabelecer as doutrinas da religião cristã. Mas também aqui devemos nos lembrar que os fatos objetivos da revelação histórica de Deus em Cristo e o registro destes fatos no Novo Testamento sob direção do Espírito Santo constituem a base de tudo o que conhecemos de Deus na experiência. D . Aspectos psicológicos da experiência cristã Não é necessário que entremos minuciosamente em pormenores da psicologia da experiência cristã. Aparecerão de muitas maneiras no curso das discussões doutrinárias mais adiante. Aqui é apenas necessário indicar alguns dos fatos mais gerais e fundamentais da psicologia que estão relacionados diretamente com a experiência cristã. Um conceito fundamental de psicologia é o do "eu" e seu desenvolvimento. O recém-nascido não distingue a si mesmo do contexto ao redor. A sensação gradualmente sugere essa verdade. Quando um bebê queima o dedo na chama de uma vela, isto pode se constituir num evento notável no desenvolvimento de sua autoconsciência. O processo gradual resulta na distinção entre o eu mesmo e o mundo, o "eu" e o "não-eu". O eu influenciado pelo mundo diferencia-se também do "eu material", do "eu social" e do "eu espiritual". O "eu material" é centrado no corpo. Seus principais interesses são as coisas que afetam o corpo. O "eu social" é o eu na relação com outras pessoas. O "eu espiritual" é o eu nos interesses mais elevados e sublimes. O desenvolvimento do eu está acompanhado de variados conflitos e lutas. Os vários "eus" lutam um contra o outro. O "eu material" deve sacrificar-se para promover o "eu social". Muitas vezes uma opinião real de nossos amigos tem de ser colocada de lado por um bem maior. É aqui que o estudo da consciência natural conduz à descoberta de profundas implicações religiosas que estão envolvidas na sua atividade. Notamos um caminho pelo qual a consciência natural des­ perta expectativas religiosas. Nos esforços do "eu social" e do "eu espiritual" buscamos a aprovação daqueles ao nosso redor. Idealizamos nosso "eu social" e também o do amigo cuja aprovação desejamos. Em última análise, o juiz ideal da nossa conduta toma, em nosso pensamento, a forma de Deus. O desejo de Deus é despertado em nossa natureza social nas esferas mais elevadas de nossos desejos. Tememos a condenação e desejamos a aprovação do juiz supremo. O professor James diz: "Esse juiz é Deus, a mente absoluta, o 'grande amigo'. Nestes dias de iluminismo científico ouvimos muita discussão acerca da eficácia da oração, e muitas razões nos são dadas para não precisarmos orar, enquanto outros nos dão razões para orarmos. Mas muito pouco é dito sobre a razão do por que oramos: simplesmente porque que não podemos deixar de orar. Parece provável que apesar de tudo o que a 'ciência' possa fazer ao contrário, os homens irão continuar orando até o fim dos tempos, a não ser que sua natureza mental mude completamente. O impulso para orar é uma conseqüência necessária do fato de que, enquanto o mais íntimo dos eus empíricos de um homem é um eu da ordem social, pode encontrar seu único'socius' adequado em um mundo ideal".1 Pode parecer, então, que no desdobramento da consciência natural há quatro estágios que podem ser claramente distinguidos: (1) a concepção do eu; (2) a concepção do mundo; (3) a concepção dos outros eus; (4) a concepção do eu maior, Deus. A análise anterior da experiência cristã mostra como esse esforço e luta para ascender à consciência religiosa natural se resolve e satisfaz no evangelho de Cristo. O sentido de pecado e dependência que surge nesta luta assume uma nova forma e encontra uma nova satisfação na experiência cristã. Assim também 1 [Nota do tradutor]: E sse tema particular se encontra am plam ente discutido no Compêndio de psicologia no capítulo "O eu "; por W. Jam es. Traduzido para o espanhol por Santos Rubiano. É tratado m ais am plam ente em Princípios de psicologia, cap. 10, "A consciência do eu ", do m esm o autor, tradução espanhola de Dom ingo Bam és. o juiz supremo e grande amigo se revela a si mesmo a nós, não meramente como uma idéia para compreensão da razão, mas como uma realidade que experimentamos no nosso ser mais íntimo. Isto leva à afirmativa de que a experiência cristã surge como resultado de uma resposta de toda nossa natureza ao chamado do evangelho. A experiência cristã é, antes de tudo, um ajuste das relações pessoais entre Deus e o homem. A relação desajustada está principalmente na esfera moral. O fator desajustador é o pecado. A restauração do homem é fundamentalmente uma restauração moral e espiritual. Mas isto envolve necessariamente a vontade, os sentimentos e a razão. Inclui a vontade, porque a submissão da vontade humana à divina é essencial para reajustar as relações. Isto inclui as emoções, porque é uma relação com profundo alcance, inevitavelmente comove os homens em sua essência. Isto envolve a razão, porque há um desejo irreprimível de definir e entender um processo tão revolucionário em seu resultado. Foi levantada a questão se Deus opera ou não a mudança religiosa no homem através de mudanças no subconsciente. Há fortes considerações a favor desse ponto de vista. Entre elas está a repentina mudança de comportamento. O processo é tal que o próprio sujeito nem sempre consegue explicar. Na verdade devese admitir que há um elemento inexplicável na regeneração. "O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8). Com toda probabilidade, o Espírito atua sobre nós de formas desconhecidas a nós na região subconsciente de nosso espírito. Em contrapartida, entretanto, os fatos essenciais da rege­ neração e conversão se apresentam no centro da consciência. Há uma ação recíproca entre Deus e o homem. Essa reciprocidade mútua é necessária para completar a operação divina. A resposta da nossa vontade, a aceitação consciente de Cristo como salvador e Senhor, é a resposta humana à aproximação divina sem a qual a mudança moral não pode acontecer. Se as operações de Deus fossem limitadas à região subconsciente, estaria se assemelhando à ação de uma força física. Estaria sem as marcas essenciais de uma ação moral livre. O objeto da atividade regeneradora de Deus pode, momentaneamente, não compreender plenamente ou definir o significado dessa mudança moral. A atividade racional do intelecto depois entrará em função para considerar os fatos, mas não obstante isso, a mudança em si mesma será efetuada dentro da consciência. O estudo da psicologia da religião revela muitas variedades da experiência cristã. Assim vários tipos de conversão se distinguem, há casos especiais que se destacam. Há conversões emocionais, nas quais os sentimentos predominam; conversões intelectuais, nas quais o intelecto desempenha o papel primordial. Em outras, a vontade se torna proeminente. Há conversões infantis e de adultos com manifestações variadas. Há algumas que resultam de um processo educacional gradual e lento. Em outras, a crise surge repentinamente e a decisão segue rapidamente. Em outras, ainda, a transição é apenas conhecida nos seus efeitos posteriores. O sujeito não está consciente dela no momento. Recentemente muita ênfase se deu ao período da adolescência para a conversão de rapazes e meninas. Em referência a estes tipos de experiência, várias afirmativas podem ser feitas. A primeira é que simplesmente reconhecem as diferentes características da personalidade humana. Será ingênuo aquele que tentar reduzir todas as variedades de experiências religiosas humanas em uma só. As experiências são diferentes porque as pessoas são diferentes. O diagnóstico espiritual requer destreza na leitura de sintomas e amplitude de critérios para interpretá-los e prescrevê-los. O evangelho está disponível a todo tipo de homem e mulher. Ele não apela a uma índole específica, ou a uma única espécie de temperamento particular ou coletivo. O seu propósito é alcançar as mais fundamentais relações de todos os tipos e temperamentos, a relação entre a alma e Deus. Devemos acrescentar, entretanto, que com todos os tipos e variedades na experiência cristã, há certos elementos universais e indispensáveis. Um é o afastar-se do eu e do pecado. Outro é confiar em Deus pelo perdão. Outro ainda é a ação direta da graça de Deus na alma, criando-a de novo em Cristo. Tornar-se um cristão é mais do que evolução do homem natural. É ascender a um novo nível moral e espiritual através da graça de Deus. A adolescência é sem dúvida um período importante para ser reconhecido por pais e professores e líderes espirituais. Mas em si mesmo não tem significado religioso. Pode, sob influência maligna, marcar o declínio na vida da alma. É uma grande oportunidade para o bem ou para o mal. E . A consciência natural e a regenerada É importante diferenciar cuidadosamente a consciência natural e a regenerada. Homens convertidos têm uma compreensão inteligente da natureza da mudança que aconteceu neles, são inalteravelmente confidentes dos fatores divinos na conversão. Homens não-convertidos são muitas vezes igualmente imóveis na sua rejeição da explicação cristã. As escrituras explicam essa controvérsia de modo muito simples. É o conflito entre a consciência natural e a regenerada. "Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus" (ICo 2.14). "Mas o que é espiritual discerne bem tudo" (ICo 2.15). É querer demais que qualquer exposição das relações entre a consciência natural e a regenerada seja plenamente satisfatória aos inconversos. Mas alguma coisa poderá ser feita para tornar claras as razões da inevitável falha do homem natural em apreciar o caráter regenerativo da experiência cristã. O cristão passa da experiência do estado natural ao estado re­ generado. Considerando retrospectivamente a mudança espiritual efetuada nele, se dá conta de que satisfez plenamente as exigências da situação. A regeneração contém os seguintes elementos: 1. A luta e fracasso do eu natural. Qualquer psicolog apresenta estes fatos. Eles foram indicados na seção anterior desta obra. Um estudo do fenômeno religioso em qualquer departamento de religiões comparadas confirma as conclusões da psicologia. Em resumo, é o eu natural esforçando-se para alcançar a autorealização e sendo derrotado. O eu material, o eu social e o eu espiritual ligados em unidade de uma vida pessoal são incapazes de adaptar-se harmoniosamente. Os ideais morais, intelectuais e emocionais deixam de ser alcançados. 2.0 chamado do evangelho ao arrependimento e à fé. Cri é apresentado à alma. Um novo sentido de pecado é despertado através do poder do Espírito Santo dentro da pessoa. Finalmente a vontade se rende a Deus em Cristo. 3. A entrada de um novo poder externo no coração e na vi Sabe-se que esse novo poder é externo porque é precedido por um sentido de desamparo e dependência. A consciência da fraqueza moral e espiritual é um elemento essencial da própria experiência. Schleiermacher não deu uma idéia adequada da religião quando a definiu como sentimento de absoluta dependência. Mas tocou em um ponto verdadeiro. A redenção cristã é, em termos explícitos, uma redenção de um estado de necessidade moral e incapacidade. É a combinação dessa consciência de necessidade com a consci­ ência de socorro moral que confere uma convicção imutável ao homem regenerado. A consciência moral e espiritual regenera­ da transcende assim a consciência moral e espiritual natural, de maneira tal que torna impossível a dúvida quanto a realidade do poder transformador. A consciência regenerada confirma assim o veredicto do eu natural na sua luta e fracasso. A luta do eu natural pela auto-realização encontra a solução do problema e o fim da luta na descoberta do verdadeiro eu na vida regenerada. Assim parece não haver relação ininteligível e inexplicável entre a consciência natural e a regenerada, mas uma estreita e íntima associação. 4. Três novos elementos na consciência regenerada pod ser verificados. A personalidade humana contém pelo menos três elementos essenciais - vontade, intelecto e emoções. Podemos então contrastar: (1) a consciência volitiva natural com a regenerada; (2) a consciência intelectual natural com a regenerada; (3) a consciência emocional natural com a regenerada. (1) A consciência volitiva natural e regenerada. O livre-arbítrio, definido em termos gerais, é a autodeterminação. O poder de escolha contrária é uma forma de manifestação desse poder de autodeterminação. Mas não é a maior e mais verdadeira liberdade da vontade, caso um homem seja completamente ou predominantemente autodeterminado ao mal. Sendo assim determinado, ele erra o fim e o alvo do seu ser. A verdadeira liberdade é autodeterminação ao que é moralmente e espiritualmente bom. A consciência volitiva natural é uma consciência do fracasso na região da vontade. O alvo moral mais elevado sempre permanecerá remoto, inalcançado. A vontade regenerada, ao contrário, está armada com um poder inteiramente novo para a realização moral, ainda que a vitória final esteja distante, há uma segurança interior de uma renovação que garante o êxito. A vontade natural se encontrará primeiro na vida regenerada. (2) A consciência intelectual natural e regenerada. O co­ nhecimento mais elevado é o conhecimento de Deus. A consciência natural muitas vezes chega à idéia de Deus ou por deduções dos fenômenos naturais, ou chega a ter idéia de Deus por consideração de necessidade do pensamento humano. Mas na melhor das hipóteses, o resultado dos esforços da consciência natural é um mero teísmo. Seja fundado em deduções da natureza, seja na personalidade humana, permanece uma concepção objetiva teórica. Na consciência regenerada, por outro lado, a idéia ou conceito de Deus dá lugar ao fato e realidade de Deus numa experiência viva. Deus agora se dá a si mesmo a nós. Ele é uma condição estabelecida, um fato da vida, que não pode ser explicado, mas que deve ser levado em consideração. A pesquisa intelectual por Deus agora dá lugar à descoberta de Deus e a um conhecimento imediato dele. Assim a experiência cristã alcançou sua forma mais elevada de conhecimento, e o homem alcança seu ideal intelectual na sua forma mais elevada que havia procurado alcançar. (3) A consciência emocional natural e regenerada. No estado natural o homem procura alcançar um ideal emocional. Ele deseja paz interior, bem-aventurança e uma esperança bem fundamentada. Ele também procura um ideal para o amor em motivo e objeto. Mas aqui também falha, em seus esforços naturais deixa de alcançar seu pleno propósito. Concebe, talvez intelectualmente, certas razões nas quais baseia a expectativa de paz e bem-aventurança no futuro. Pode ser que chegue a um conceito de imortalidade racional. Assim ele pode alimentar um ideal intelectual de amor. Mas no meio de tudo ele fracassa em alcançar a comunhão com o grande companheiro, o amigo divino, o Juiz Supremo da vida e conduta. Mas na redenção cristã através de Cristo, a paz interior, a felicidade e o ideal do amor se tornam vivas realidades. O homem chega a um estado de descanso em sua vida emocional. As fontes da tranqüilidade se abrem em seu espírito. Ele descansa em Deus. Dessa comunhão com Deus resulta um novo impulso ao amor, que torna o homem regenerado um servo de seus semelhantes. F . A transição d o ostado natural ao regenerado A transição do estado natural ao regenerado deve ser con­ siderada a seguir. Temos contrastado a consciência natural e a regenerada. Como é feita a transição de uma para outra? Na análise da experiência cristã pareceu que a convicção de pecado, arrependimento e fé são termos que descrevem as condições humanas da transição. Em outras palavras, é a renúncia do eu natural a fim de realizar o verdadeiro eu. Mas é a renúncia do eu natural apenas como relações pecaminosas e anormais com Deus. Jesus Cristo se tornou simultaneamente aquele que leva os pecados e a meta moral do homem. Todo esse potencial é desencadeado no homem natural, e ele é colocado no caminho da completa autorealização pela fé em Cristo. Isto é o que Jesus quer dizer com a expressão: "Quem achar a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á" (Mt 10.39). Deve-se recordar que a transição do estado natural ao re­ generado não é por meio de forças residentes no homem natural, ou por evolução destas forças. A mudança é da natureza de uma nova criação espiritual pelo poder divino. Isto não quer dizer que seja sempre repentino, semelhante a um cataclismo. Muitas vezes, vem gradualmente e em silêncio. O ponto principal é a entrada na consciência de um novo poder espiritual divino. Aqui então surge a nova personalidade regenerada. A cons­ ciência regenerada é a de uma nova vida pessoal moral e espiritual com uma relação definida e clara com a vida natural precedente. Paulo expressa isto da seguinte forma: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim" (G12.20). O novo "eu" em Paulo mantinha uma relação consciente muito defi­ nida com o velho "eu". A transição de um para outro foi operada através de uma nova relação com Jesus Cristo. Paulo havia deixado de ser um indivíduo separado e isolado, e ascendeu a um estado de pessoa moral e espiritual. Sua personalidade era incompleta à parte da comunhão com Deus, e ele adentrou nesta comunhão através da fé em Cristo, o revelador de Deus. G .O bjeções consideradas A descrição anterior da consciência natural nas suas re­ lações com a regenerada nos ajudará no entendimento de certas objeções. 1. Primeiramente, há a objeção intelectual. A razão natu aborda os fatos da vida espiritual e conclui que as explicações da vida regenerada dos cristãos são totalmente irracionais. Nada é mais fácil do que mostrar a falácia e inconsistência lógica das explicações cristãs pelas pressuposições da consciência natural. A diferença, entretanto, não é a distinção entre a razão natural e a regenerada como razão. Os processos da razão permanecem inalterados pela conversão. É uma diferença dos dados nos quais é exercido o poder do raciocínio. O conteúdo da consciência é radicalmente diferente nos dois casos. O cristão não apresenta nenhuma afirmação quanto a uma razão superior. Mas ele sabe que está no domínio de novas realidades morais e espirituais. Sua natureza está sustentada por novas forças. Por isso, é conduzido inevitavelmente a conclusões que o homem natural deixa de apreciar. Segue do precedente que praticamente todas as objeções do homem natural ao relato cristão da experiência religiosa devem- se a um esforço para reduzir os fatores daquela experiência ao plano natural. Não há fontes na vida natural para produzir os resultados cristãos. A condição primeira para o entendimento da vida regenerada é conhecer as forças que operam nela. 2. Também há as objeções morais. O homem não-convert se opõe às exigências cristãs de renúncia, de humildade, de fé e de arrependimento. Ele nega que tenha alguma espécie de desamparo e pecado como foi descrito. Em contrapartida, ele sente um profundo antagonismo às condições morais e espirituais envolvidos na experiência cristã. Pois bem, para o homem cristão não há nada de estranho nisso. Ele também já passou por essa fase de experiência. Aliás, é o seu sentido anterior de auto-suficiência e seu antagonismo anterior às condições da experiência cristã que constitui um elemento essencial na sua certeza atual. Por haver passado por aquele estágio anterior da consciência natural, é que ele entrou na plenitude e liberdade da auto-realização na vida divina. À luz da presente plenitude e liberdade, e poder de sua vida espiritual pessoal, é que ele sabe quão fragmentado e inadequado era aquele estágio anterior. O homem regenerado converteu assim em um elemento de certeza os mesmo elementos que, em seu estado natural, o conduziram, a princípio, a recusar o chamado cristão. Assim, parece que os três elementos que inicialmente impediam o homem natural tomam-se elementos de conhecimento e certeza que acompanham a experiência cristã. O sentido de fraqueza e dependência, as dúvidas da explicação cristã e o antagonismo às condições morais cristãs tornam-se todos elementos de certeza que seguem a conversão. Todos eles foram superados na nova vida espiritual. Foram todos eliminados como fatores perturbadores da mente e do coração, e reunidos em uma nova vida vitoriosa como fundo de uma nova certeza em Cristo. A controvérsia assim se resolve em uma questão de como podemos conhecer a vida divina, quer pela submissão, docilidade, humildade e auto-renúncia, quer de outro modo. Para o cristão existe um sentido de satisfação de todos os ideais e anseios de seu ser na experiência que ele tem de Deus em Cristo. Ele passou da morte para a vida. Ele foi criado de novo em Cristo Jesus para boas obras. Ele encontrou-se a si mesmo de maneira tão completa e satisfatória que duvidar das forças que agora operam nele seria duvidar de si mesmo. A atitude do homem regenerado em relação ao homem natural não é a de uma vangloriosa superioridade em poder intelectual. É simplesmente a afirmação de que o homem natural pode alcançar morais elevadas, pode encontrar uma satisfação intelectual e espiritual, pode chegar a uma auto-realização, pela aquiescência às exigências cristãs, que ele não pode alcançar de outro modo. Isto é um aspecto maior da capacidade e possibilidade do homem natural do que ele mesmo admite. A condição primeira dessa auto-realização é a auto-renúncia em humildade de espírito, sendo análogo ao que o homem científico pratica nos seus esforços de descobrir os segredos da natureza. É claro que aqui não é a natureza, mas a revelação do Deus em Cristo ao qual a aproximação é feita, e de quem a resposta vem. Em última análise, portanto, a questão é sobre a pergunta de como podemos conhecer a Deus. A resposta cristã é que para conhecer a Deus devemos ser convertido e nos tornar pequenos como criança (Mt 18.3). Desse modo chegamos ao tópico seguinte, que é o conhecimento de Deus que surge através da experiência e a certeza cristã que a acompanha. H .G o m o o conhecim ento surge na experiência cristã Lembramos aqui as necessárias pressuposições de todo conhecimento. Vivemos em um universo coerente. Se há verdades, elas devem corresponder a fatos e realidades. As verdades são paralelas aos fatos. Um sistema coerente de verdades surge de um sistema coerente de fatos. Obviamente isto indica que estamos constituídos de tal forma que a nossa natureza mental corresponde ao mundo ao nosso redor e acima de nós. Nosso intelecto deve ser congruente com os objetos que conhecemos, de outra forma não poderia haver conhecimento. Tudo isso é verdade na esfera da religião, como o é nas outras esferas. O conhecimento que nos vem através da experiência cristã surge das realidades que nos são dadas na experiência. Nosso conhecimento não é meramente "informação sobre" estas rea­ lidades, mas "familiaridade com" elas. Elas nos foram dadas. No entanto, nossa mente não está em um estado meramente passivo. A própria mente é ativa. Aliás, toda a natureza espiritual do homem é estimulada na graça redentora de Deus em Cristo. O cristão é racionalista na sua concepção do conhecimento porque a razão entra em operação. Ele é emocional porque seus sentimentos também estão envolvidos. Ele é moralista e voluntarista porque sua consciência e querer estão envolvidos. Acima de tudo, ele é personalista na sua concepção do conhecimento, porque o que sabe é resultado da reação de toda sua natureza sobre Deus conforme revelado em Cristo. E o resultado da interação entre pessoas. A experiência cristã elementar se torna conhecimento defi­ nitivo pela mesma categoria de processo que opera quando outras formas de experiência são convertidas em conhecimento formal. A mente infantil organiza lentamente os dados das primeiras experiências em um mundo coerente. Por discernimento, diversos objetos são destacados do todo. As peças mobiliárias na casa, as partes da casa, objetos da região adjacente são distinguidos um do outro, e lentamente a mente constrói seu universo. Assim também o mundo interior da experiência cristã. Por meio da discriminação e associação, por meio da intuição e memória, inferência e todos os recursos da alma para lidar com as realidades espirituais da religião, o cristão constrói o conhecimento de seu universo espiritual. Há um processo analítico pelo qual os elementos da experiência são separados um do outro, e um processo sintético pelo qual eles são recombinados um com o outro e com novas formas de conhecimento à medida que surgem na experiência. Em todos estes processos o cristão é guiado pelas escrituras. A revelação de Deus em Cristo é o fundamento que o sustenta em todas as suas atividades mentais e espirituais. Mas os procedimentos mentais continuam exatamente os mesmos. O sistema doutrinário cristão surge assim dos fatos da experiência cristã. Não se dá a entender, entretanto, que os dados da experiência sejam suficientes sem o Novo Testamento. E na sua experiência e através dela que o cristão adquire uma relação vital com o Novo Testamento e que o capacita a entendê-lo. Esse ponto será discutido em uma seção subseqüente. Aqui estamos principalmente preocupados com o conhecimento contido na própria experiência. I. Elem entos d e conhecim ento n a experiência cristã A experiência cristã fornece um número de elementos de conhecimento que podem ser apresentados conforme segue: 1. Primeiramente, conhecemos nela um poder externo que começou a atuar, e continua atuando dentro de nós. E conhecido como um poder não existente previamente em nossa consciência. Procurou-nos e nos encontrou. É assim completamente distinto de nossos estados subjetivos anteriores. 2. Segundo, é conhecido por nós como um poder espiritual. Estamos familiarizados com a ação de forças físicas. Sabemos que esse poder agora atuante em nósé completamente diferente de qualquer outra forma de força física. Também o diferenciamos facilmente das forças sociais que operam ao nosso redor. Esse novo poder em nós possui qualidades inteiramente distintas das outras. Ele não desconsidera as influências sociais que usualmente mediam o poder redentor a nós. O evangelho nos é pregado; a vida cristã nos ilustra isso; o poder de Cristo encontra um meio na igreja e em outras agências cristãs. Tudo isto é reconhecido. Mas o poder que conhecemos na redenção é tão distinto daquele que reside nesses meios, como é distinto de nossa capacidade natural. 3. Em terceiro lugar, conhecemos esse novo poder operante dentro de nós como redentor. Através dele nos veio a bênção do perdão e da justificação, e juntamente com eles o senso de recon­ ciliação com Deus e filiação a ele. Mas especialmente conhecemos esse novo poder em nós como recriador de nossa natureza moral. O centro de gravidade moral do nosso ser foi completamente mu­ dado. Uma nova energia espiritual criou a alma nova em Cristo Jesus. Fomos redimidos da culpa e do poder do pecado. 4. Em quarto lugar, conhecemos esse novo poder em nós como pessoal. Isto se torna claro na consideração de várias fases da própria experiência. Nela, nossa personalidade é criada nova­ mente. Ali surge um novo "eu" em contraste com o velho "eu". Há evidentemente uma continuidade entre o velho e o novo através da memória e outros elementos da consciência. Mas em motivo e alvo, na direção de propósito da vida, na energia moral que a sustenta, na consciência de poder para realizações morais, ali aconteceu uma completa revolução. Os remanescentes do velho "eu" permanecem e antagonizam com o novo. Mas exatamente esse contraste e luta interior entre o velho e o novo, o confronto mortal entre o que outrora nós éramos e o que agora somos, é um elemento na garantia para nós de que a regeneração aconteceu em nós. Assim, descobrimos quem realmente somos na redenção cristã. Ganhamos a nossa própria e verdadeira personalidade, e descobrimos aquilo para o que fomos naturalmente constituídos, mas que éramos incapazes de alcançar no nosso estado natural. Agora um elemento mais claro e distinto na nossa consciência regenerada é o reconhecimento do outro, de uma presença que está tratando pessoalmente conosco. No mais elevado grau nos tornamos conscientes de nossa liberdade através da interação com a Pessoa divina e espiritual, que agora conhecemos na experiência. Nossa resposta livre à aproximação do amor divino, e a resposta desse amor a nós, pertencem à própria natureza interior da experiência em si. Nossa comunhão com o poder regenerador é uma comunhão em termos pessoais. O sentido de pecado e reconciliação, os atos de confiança e obediência, de oração e louvor, e todos os outros elementos na experiência envolvem personalidade no objeto religioso. Que isto é verdade, está claro no esforço de expressar o sig­ nificado dessa experiência em termos pessoais. Caso se suponha que o poder que conhecemos está abaixo do nível pessoal, a maior parte do significado da experiência cristã se perde. Se a realidade que conhecemos, o objeto religioso, ficar destituído de inteligência, autoconsciência e vontade, então podemos apenas concebê-la como uma forma atenuada de força física. Carece dos atributos de espírito, e toda comunhão em termos pessoais é ilusão. Pecado e retidão, fé e esperança e amor carecem de significado. A reabsorção panteísta no todo é então a única saída possível para nossa vida pessoal. Caso se afirme que a realidade religiosa, ou objeto religioso, está acima do plano pessoal, e que retém as qualidades que reconhecemos como pertencentes a uma personalidade, então não há objeção séria. Isto é outro caminho para dizer que Deus, o infinito, é maior que o homem, o finito. Os interesses da experiência cristã se mantêm quando reconhecemos o fato de que os atributos de personalidade pertencem necessariamente ao objeto cultuado pelo cristão. No que acabou de ser dito, fique claramente entendido que não estamos meramente engajados em um processo de raciocínio, pelo qual deduzimos a idéia da personalidade de Deus com base em algum princípio geral. É sim, um processo de observação e explicação. É um fato fora de toda contradição, que a vida regenerada do cristão é sustentada em termos pessoais com o objeto religioso. Nós apenas consideramos o que é necessário para toda verdade, isto é, que o universo é um sistema coerente, e que as partes do ser correspondem entre si. O esforço para explicar a realidade conhecida na experiência pelo cristão, portanto, em termos impessoais ou não pessoais, é mera arbitrariedade não assegurada pelos fatos. E uma imposição de critérios completamente distintos dos próprios fatos em si. O único interesse que o cristão tem no assunto é que se permita aos fatos falarem por si. 5. Em quinto lugar, conhecemos o objeto religioso em no experiência cristã como triuno. Chegamos assim aos objetos da fé, obviamente transcendentes. Entretanto, nosso conhecimento deles se deve ao fato de serem objetos imanentes do conhecimento, bem como transcendentes. Nós os conhecemos existindo simultanea­ mente dentro e fora da consciência. Na experiência cristã lidamos com o Deus infinito, pessoal. Foram nossas relações morais com ele que deram surgimento e interesse à nossa primeira experiência religiosa. O evangelho veio a nós, e nós encontramos Deus revela­ do em Cristo. Assim Deus se tornou objeto de nossa contemplação. Objetivamente encontramos o que Deus é em suas relações com o homem através da revelação em Cristo. Mas nós também precisá­ vamos conhecer o que Deus é como sujeito. Necessitávamos de um olhar o mais aproximado possível da essência de Deus, uma união com ele em comunhão pessoal. Essa bênção foi obtida através da operação do Espírito Santo dentro de nós. Assim conhecemos Deus como Pai, Filho e Espírito Santo. Foi através da obra propiciatória do Cristo encarnado que encontramos e experimentamos o amor perdoador de Deus, e foi através da operação do Espírito Santo que nos unimos com Deus em santo amor. É claro que há objeções que são apresentadas contra essa interpretação trinitária da experiência cristã. Elas serão consi­ deradas quando tratarmos das doutrinas da pessoa de Cristo e do Espírito Santo. No momento estamos simplesmente analisando a experiência em si. Não há possibilidade de contradizer os fatos. Todos os grandes credos da cristandade expressam o consenso dos cristãos em afirmativas na forma trinitária. As vezes, talvez, elas ultrapassam o ponto tentando dizer mais do que as escrituras ou a experiência autorizam. É claro que não somos obrigados a aceitar essa ou aquela formulação particular da doutrina da Trindade. Mas nossa experiência cristã e o claro ensinamento do Novo Testamento exigem essa doutrina. De outro modo, a fé permaneceria inarticulada e vaga, e nunca adquiriria a força necessária para defender-se, ou a clareza necessária para a ma­ nifestação científica. Acrescentamos um ponto em antecipação da discussão posterior das questões ligadas à Trindade. É este: a maioria das objeções à doutrina cristã da Trindade inicia com uma premissa falsa. Começam com alguma pressuposição quanto a constituição da última realidade, e terminam com a negação de que possa ser constituída conforme a doutrina cristã exige. Eles se perdem na metafísica mais radical para determinar por antecipação o que Deus deve ser em si mesmo. A consistência da resposta cristã é que ela constrói sua doutrina trinitária sobre uma base de fatos. As questões metafísicas estão envolvidas, é claro, mas o cristão faz a metafísica basear-se nos fatos, e não os fatos numa metafísica abstrata. J. 0 conhecim ento cristão e a certeza cristã Convém agora indicar a natureza da certeza que o conhe­ cimento cristão fornece. Em certo sentido, conhecimento é certeza, e certeza é conhecimento. Mas há uma variedade de conhecimento e graus de certeza. Daí a importância de definir-se com mais precisão o tipo de certeza que a experiência cristã traz. 1. Negativamente falando, várias coisas são claras. Em pri­ meiro lugar, a certeza do cristão não é a da prova matemática. Os termos exatos da matemática não se aplicam na esfera da livre ação pessoal. Nem é a certeza cristã mera inferência lógica ou filosófica de fatos objetivos. A mente pode adquirir alto grau de confiança em uma dada proposição porque em geral parece concordar com os requisitos racionais de sua natureza. Indubitavelmente, a certeza cristã inclui esse elemento. Mas é importante observar que é muito mais que isso. Nem é, além disso, a simples certeza de um ideal moral. Os ideais morais surgem da constituição moral do homem, e ele muitas vezes os sustenta fundados na natureza da realidade última, com profunda convicção. A certeza cristã inclui também esse elemento, mas muito mais. A certeza cristã também não é meramente a certeza de pertencer a valores religiosos. Os valores religiosos mais elevados estão envolvidos, mas na experiência cristã eles são verificados em relação com outros valores. A necessidade e valor da religião e sua função na vida humana não podem ser reconhecidos sem a vitalidade da experiência cristã. "A vontade de crer" é um direito universal humano. A própria vida vindica o ato de crença religiosa onde e quando for sinceramente exercitada. Mas mesmo a crença, quando exercitada exclusivamente como ato da vontade, não é a mesma que a fé cristã. Portanto, esse valor separado do objeto religioso não responde às necessidades da religião. 2. Em seguida, notamos positivamente que a certeza cristã é uma certeza de fatos da consciência. O que conhecemos indu­ bitavelmente são fatos da experiência cristã. Descartes iniciou seu raciocínio filosófico com a afirmativa fundamental, univer­ salmente válida, Cogito, ergo sum ("Penso, logo existo"). O fato do pensamento é verdade primeira. Na esfera da experiência cristã, o mesmo princípio é aplicável. Evidentemente, há a revelação cristã vital e fundamental, como brevemente mostraremos. Entrementes, é importante reconhecer que a certeza cristã tem fatos consistentes na própria vida. Falamos da insuficiência de meros ideais como medida da certeza cristã. Agora ressaltamos que é a presença de um poder no cristão que o capacita a compreender gradualmente e progressivamente o significado desses ideais. "... tudo é possível ao que crê" (Mc 9.23). É então uma nova agência causai operando no cristão que concede a certeza. Está consciente de um novo significado nos velhos ideais. Eles foram criados de novo em Cristo. Mas ele também está consciente do poder de realizá-los como nunca poderia ter feito antes. A forma de poder causai operando no cristão é claramente distinguida por ele das causas físicas. A causa que conhece na experiência é pessoal e espiritual. Compreende um grande e universal princípio da vida como a conhecemos no plano humano, o princípio da causalidade livre. 3. A questão dos graus de certeza pode ser apresentada ag Conhecemos os objetos imanentes de nossa vida religiosa. Mas conhecemos os objetos transcendentes? Estamos conscientes da paz interior, de perdão e renovação moral. Mas temos certeza em um mesmo grau que Jesus Cristo, como revelador de Deus, e o Espírito Santo, como regenerador, sejam causas objetivas operantes em nós? Deferimos a resposta completa a essa questão a uma sessão posterior da discussão. Podemos dizer agora o seguinte: o cristão sabe, sem dúvida alguma, que a mudança ocorrida nele foi realizada por Cristo e pelo Espírito Santo. Ele clamou a Cristo e Cristo respondeu, e o Espírito Santo o renovou à imagem de Cristo. Sua natureza espiritual em todos seus aspectos responde agora à semelhança moral de Cristo, claro que não perfeitamente, mas em princípio. Se entãò o cristão sabe que o novo poder externo entrou em sua vida espiritual, criando-o de novo e renovando suas relações com Deus; se essa renovação foi conscientemente uma renovação através de Jesus Cristo e a operação do Espírito de Deus; se o resultado é a restauração da imagem de Deus naquele que crê e o cumprimento da mais íntima e profunda procura de sua natureza, não pode haver para ele qualquer dúvida de qüe Cristo e o Espírito Santo sejam os agentes causadores da mudança. Tendo alcançado a autocompreensão nos mais profundos impulsos e ide­ ais de sua natureza através de um ato deliberado e de livre escolha e confiança, ele não pode duvidar mais das causas eficientes que recriaram nele sua natureza moral e espiritual, assim como não pode duvidar da própria personalidade. Em resumo, sua certeza é parte e parcela da unidade de um sistema de causas e efeitos espirituais que estão ligados indissoluvelmente. Os efeitos e causas estão ligados de tal maneira que um pode ser entendido sem o outro. De acordo com os princípios fundamentais de todo conhe­ cimento, o cristão simplesmente reconhece o elo entre as causas e os efeitos. Não queremos afirmar com isto que a conexão seja igualmente clara a todos os homens regenerados. A experiência só pode se tornar clara e articulada por meio de pensamento e defini­ ção conscientes. Mas quando o pensamento ocupa-se ativamente com a experiência cristã evangélica, ela conduz inevitavelmente ao resultado que indicamos. L .O bjeções à certeza cristã A seguir relacionamos algumas objeções à certeza e ao co­ nhecimento cristão: 1. Primeiro, objeta-se que não seja uma forma de certeza obrigue a aceitação. Em resposta, dizemos que compulsão está fora de cogitação na esfera religiosa e moral. A idéia de uma certeza compelidora à aceitação implica uma atitude mental totalmente diferente ou hostil da parte do homem cuja concordância é procu­ rada. Tal atitude mental nunca pode resultar em certeza religiosa uma vez que a vida religiosa é uma atividade conjunta de Deus com o homem. A livre atividade moral da parte do homem, quer dizer, uma livre escolha moral, é a própria essência da religião no sentido cristão. Pois bem, uma demonstração compelidora à aceitação é usualmente do tipo matemático. A certeza cristã perderia todas as suas qualidades distintas e elevadas caso pudesse produzir uma certeza da ordem matemática. E uma lei geral que quanto mais elevado subimos na escala do ser, do mecânico ao biológico, do biológico ao pessoal e moral, menos capazes somos de declarar nosso conhecimento em fórmulas matemáticas exatas. Tais declarações destruiriam as qualidades morais e espirituais do ser e as nivelariam com o matemático. Suponhamos, por exemplo, que fosse possível expressar o que chamamos de liberdade do mesmo modo que demonstramos a lei da rotação do planeta sobre seu eixo como tantos quilômetros por segundo; ou suponhamos que pudéssemos expressar o que pensamos da ação de Deus sobre nós como uma fórmula exata como a da gravidade. Imediatamente, a idéia de liberdade e a idéia de Deus perderiam todo elemento que as fazem valiosas e atrativas a nós. Aliás, as idéias de Deus e liberdade seriam assim destruídas. Nós não queremos uma certeza matemática na religião. Isto a destruiria como religião. Não é uma deficiência da verdade e realidade nas relações religiosas do homem com Deus o que proíbe sua expressão em termos matemáticos. E muito mais a abundante plenitude da verdade e realidade existente nelas que proíbe tal expressão. 2. Uma segunda objeção é que o padrão de conhecim to e certeza contido na experiência cristã é escasso. Essa objeção está baseada em uma compreensão equivocada da natureza da experiência cristã. Na realidade, essa experiência envolve a mais alta concepção moral e espiritual de Deus que o mundo jamais conheceu. Essa concepção inclui todos os conceitos válidos acerca de Deus. A experiência também envolve todas as fases da comu­ nhão religiosa entre o homem e Deus. É de fato diferenciada pela abrangência de sua exclusividade. E um erro confinar a experiência cristã a esse ou aquele tipo de experiência emocional. Os psicólo­ gos da religião, como vimos, analisam a experiência de conversão e a vida que segue em vários aspectos. Em algumas, os elementos emocionais prevalecem; em outras, os éticos ou práticos; e ainda em outras, o intelectual. Em alguns casos, há um enorme sentido de pecado e culpa. Em outras, há um silencioso ato de obediência que inaugura a nova vida em Cristo. Em alguns casos, há uma alegre captação da paternidade de Deus que domina a experi­ ência. A mudança religiosa é, às vezes, cataclísmica e repentina. Outras vezes, é silenciosa, resultado de um processo gradativo de educação nas verdades do evangelho. Nenhuma variação da experiência é excluída, seja o temperamento individual, a prévia educação, a influências ambientais e sociais. Todos os variados tipos de experiência encontram assim o seu lugar na abrangência da experiência cristã. Os fatos essenciais são: (1) A revelação de Deus em Cristo. (2) O estado anormal e pecaminoso do homem natural em suas relações com Deus. (3) A ação do Espírito Santo na regeneração do coração, estabelecendo relações normais entre o homem e Deus. Não há possibilidade de alguma forma de experiência religiosa genuína não estar incluída na verdadeira experiência cristã. Isto ficará mais claro quando tratarmos de relação da experiência cristã com a psicologia da religião. 3. Outra objeção é que o critério ou padrão de verdade ressaltamos é subjetivo. A resposta também aqui é que o opositor não compreendeu inteiramente a completa verdade do assunto. A norma ou padrão de verdade envolvido na experiência cristã não é de forma alguma meramente subjetivo. Antes de tudo, é fundado na revelação de Deus em Cristo. A Bíblia nos traz o conhecimento dessa revelação. A verdade cristã é então primeiramente objetiva e histórica. Depois ela é subjetiva e experimental. Reconhecemos e afirmamos veementemente que a fé meramente subjetiva é instável, incerta e insatisfatória. A história do pensamento humano acerca da religião prova isto. A consistência da posição cristã é que ela supre tanto o elemento subjetivo quanto o objetivo da religião. Alguns homens modernos se opõem vigorosamente a autoridades externas de todo gênero. Eles são excessivamente mesquinhos e provinciais em sua perspectiva ao assumirem essa posição. Mas, por outro lado, sua opinião está correta. Insistem em que a verdade deve ser assimilada por nós, se é para ser eficaz em nós. A crítica à posição cristã foi, por algum tempo, do seguinte modo: "Sua revelação bíblica histórica não merece ser considerada porque você procura impô-la como autoridade externa". Em outro momento, a crítica foi: "Sua experiência evangélica não é para ser levada a sério porque é meramente subjetiva". A isto respondemos, primeiramente, que estas objeções se contradizem. Um crítico insiste em que os padrões e autoridades objetivas não são suficientes. A verdade deve ser assimilada interiormente. A alma deve dizer "amém" a isto. Com isto o cristão concorda. O outro crítico insiste na realidade objetiva, alguma coisa externa à experiência a qual se refere. Com isto o cristão também concorda. Mas o cristão possui aqui uma grande vantagem. Os opositores não concordam um com o outro. Suas teorias da verdade estão em conflito. O cristão combina os dois princípios. Ele reconhece a verdade relativa em cada uma delas. Mas insiste também que qualquer uma delas isolada não passa de meiaverdade. É na combinação de cada uma delas que encontraremos a verdade. Por experiência sabemos que a verdade é íntima e vital. Nós a assimilamos. Mas em Cristo e no Novo Testamento nós a conhecemos como subjetiva. A verdade é um grande mundo externo à alma. A alma entra nela e encontra o sentido daquele mundo. Neste sentido, a religião cristã é semelhante à ciência física. Sabemos porque descobrimos e relatamos nossas descobertas. Estas descobertas estão abertas a todos os que querem desfrutar dessa verdade. Logo mostraremos a revelação objetiva em Cristo. Ela é a agência causai operante no mundo que produziu a revolução social e religiosa que descrevemos como cristã. Entretanto, o propósito é o de mostrar que a experiência cristã, como subjetiva, concede uma realidade e poder à religião cristã nas convicções dos homens que nada pode destruir. A experiência de salvação através de Cristo é de fato exatamente essa assimilação da verdade, que é tanto rejeitada pelos opositores de sua autoridade. É a verdade tornandose real e vital para o indivíduo, não meramente verdade imposta sobre ou prescrita; antes de tudo, é a primeira verdade objetiva na revelação divina em Cristo e narrada no Novo Testamento. A crítica de que a experiência cristã é subjetiva assume outra forma que precisa ser observada resumidamente. Algumas conversões aparentes resultam em não conversões. Por isso, se formou uma teoria de que todas estas assim chamadas conversões resultam de agitações emocionais e experiências psíquicas superficiais. A resposta é que o Novo Testamento há muito fez distinção entre estas falsas conversões e as genuínas. Na parábola do Semeador e em várias outras passagens dos Evangelhos e das epístolas temos o claro reconhecimento desse tipo de conversões em contraste com as genuínas (veja Mt 13.3;9-23; Jo 6.66; 2 Pe 2.22). As marcas da vida regenerada não estão nelas. A transformação moral, a estabilidade e o progresso, exigidas pela e encontrada na conversão genuína, não estão presentes na vida daqueles que apenas conheceram simplesmente uma mudança emocional. 4. Uma quarta objeção é que o conhecimento de Deus q decorre da experiência cristã se apóia em uma base antropomórfica. É a mesma objeção, aplicada de forma diferente, que por muito tempo foi apresentada contra os argumentos da existência de Deus. O ponto principal é que o homem concebe Deus como uma imagem ampliada dele mesmo. O homem possui vontade, inteligência, propósito, personalidade. Ele projeta isto no universo ao redor e imagina ter encontrado Deus. A resposta pode começar supondo, por enquanto, que a realidade final seja meramente um poder que conhecemos como um poder regenerador na existência. Mas tão logo analisamos o conteúdo dessa experiência, descobrimos que cada elemento nela exige personalidade no objeto. A experiência em si não conhece nenhum objeto impessoal. Se essa realidade nos fala, ela deve falar em termos e relações pessoais. O cristão interpreta então a realidade final como pessoal, porque a conhece apenas como pessoal. Portanto, ele não projeta meramente sua personalidade no universo ao redor. Antes disso, explora o universo e encontra uma personalidade. O resultado assim concorda com a suposição de todo conhecimento, isto é, o mundo exterior é congruente com o mundo interior, o universo é congruente com a razão humana. A religião e a ciência física procedem aqui exatamente sobre o mesmo princípio. O cientista encontra em si um anseio pela verdade, e busca a verdade na natureza. As leis da natureza são descobertas e formuladas. Estas lhe são a garantia que a natureza é racional como ele é racional. No trabalho de uma orquestra, os ouvintes têm de estar em sintonia com os executores, de outra forma os instrumentos produzem apenas ruídos em vez de grandes harmonias. Inteligência fala à inteligência. Assim a ciência encontra razão em cada parte da natureza em resposta à busca pela verdade. A religião leva a cabo de modo mais pleno esse princípio. O homem encontra em si mesmo um anelo de vontade, visto que necessita de um poder maior que ele mesmo; ele encontra nele mesmo um anelo por amor e justiça que estão além dos que possui. Ele também procura conhecer a verdade última. Então, reunindo sua vontade, seu intelecto, suas emoções, sua natureza moral, ele encontra todos esses em resposta ao seu anelo. O Deus pessoal vem até ele e fala a ele, e segue uma vida de comunhão com Deus. É claro, pelo que precede, que o conhecimento religioso de Deus não é de maneira alguma mais antropomórfico que o conhecimento científico da natureza. Em cada caso há uma congruência entre a natureza do homem e as realidades ao seu redor no universo físico e espiritual. A ciência, no anelo pela verdade, evoca uma resposta da natureza. A arte, no anelo pela beleza, evoca uma resposta semelhante. A faculdade moral em nós, no anelo pelo bem, evoca uma resposta em termos de bem. A religião, em anelo por Deus e redenção, evoca sua resposta apropriada. Deus responde. Na experiência religiosa do cristão todos os poderes da alma entram em ação, e o homem encontra o universo respondendo a ele em todos os seus alentos. Isto se resume na suprema revelação de Deus em Cristo. 5. Uma quinta objeção é a de não ser justo que os crist imponham sobre os não-cristãos uma forma de prova que é pessoal e subjetiva, em vez de uma que seja universal e demonstrativa. A resposta cristã é que a prova está aberta a qualquer ou todos que se submetem às condições; que a humildade, a fé e a obediência são órgãos do conhecimento tão verdadeiros como a razão discursiva; que a evidência é tal que ela facilmente pode se tornar universal, está ao alcance do intelecto mais humilde bem como do mais elevado; que é totalmente convincente a todos os que estejam dispostos a ampliar os fundamentos espirituais do conhecimento e, assim, escapar do provincialismo da aderência, ficando apenas com o princípio racional. O cristão ainda responde que a certeza religiosa está na natureza do caso religiosamente condicionado. É um princípio semelhante em muitos aspectos da vida que certas formas de confiança, certos elementos de conhecimento podem ser adquiridos apenas de modo particular. Por sinal, isso é certo em toda esfera onde o conhecimento é altamente desenvolvido. A confiança que o navegador tem em seu olho e em sua mão são adquiridos por sua vida ao mar; o índio consegue rastrear o adversário pelos sinais invisíveis aos outros; o crítico de arte tem de ser treinado na perspicácia artística se quiser conquistar reconhecimento e autoridade. Somente o cientista hábil pode realizar demonstrações científicas bem-sucedidas. A certeza matemática é limitada ao que tem perícia matemática. Assim, a certeza religiosa surge apenas de maneira religiosa. Tanto quanto a certeza científica, matemática e artística é condicionada por exigências peculiares do meio ao qual pertencem, assim também ocorre com a certeza religiosa. Portanto, a acusação de injustiça fracassa. Capítulo 4 Conhecimento cristão e outras formas de conhecimento Temos demonstrado que nosso conhecimento de Deus na experiência cristã exige condições religiosas. Isto é uma certeza necessária porque o conhecimento religioso no sentido estrito não se concretiza sem vida religiosa. No entanto, há certas questões - resultantes das conclusões a que chegamos - que necessitam atenção neste ponto. Eis algumas: Como o conhecimento derivado da experiência cristã se relaciona com outras formas de conheci­ mento? Há conflito ou harmonia entre elas? Podem as verdades que resultam da experiência cristã unificarem-se ou correlacio­ narem-se com outras formas de conhecimento humano? Agora devemos dar atenção a essas perguntas. Parecerá que o conheci­ mento derivado da experiência cristã, além de não se opor a outras formas de conhecimento, também é capaz de ser interpretado em correlação vital com elas. Em primeiro lugar, é preciso fazer várias declarações gerais. Trata-se, sobretudo, de um resumo do que foi dito em vários aspectos nas páginas anteriores. São elas: Os mesmos princípios gerais de conhecimento sè aplicam na esfera da experiência cristã como em outras esferas de conhecimento. Entre elas estão as seguintes: Há harmonia entre nossa forma de conhecimento com o mundo ao nosso redor. A verdade acerca do mundo ao nosso redor se percebe como o resultado de nossas reações sobre ele, muito mais que um resultado do pensamento abstrato. As noções gerais do mundo ou teorias da realidade devem constituirse dos dados da experiência. Não há diferença essencial à aplicação da lógica na esfera religiosa e sua aplicação em outras esferas. Logo, quaisquer que sejam as diferenças ao tratar dos dados da experiência, elas não resultam de uma diferença nos princípios do conhecimento, mas da diferença nos dados da religião. A vida cristã é uma esfera distinta da experiência humana. A religião é uma forma da atividade humana que exige ser tratada de acordo com sua natureza. Pode-se objetar que a afirmação de ter uma revelação divina proíbe a aplicação dos princípios gerais de todo conhecimento mencionado acima à religião cristã. A objeção, no entanto, não está bem fundamentada. É verdade que Deus nos fala na revelação cristã, assim como a natureza nos fala nas ciências físicas. A origem de nosso conhecimento está evidenciada em cada uma dessas esferas. Mas em ambas, nossa atividade é, igualmente, uma parte do procedimento de conhecer. Percebemos e lentamente compreendemos o que se revela. As revelações se tornam nossos descobrimentos. Os princípios gerais de conhecimento se aplicam, portanto, em ambas as esferas. Há várias divisões do conhecimento que devem ser consi­ deradas mais especificamente. A . A ciência física A palavra ciência não tem um significado bem definido no pensamento moderno. Por conseqüência, surgem muitos equívo­ cos. A ciência física trata dos fatos da natureza física; as ciências sociais e morais, dos dados da sociedade humana em suas formas variadas; a ciência religiosa, dos fatos da vida religiosa. Em todas as ciências o propósito é o de descobrir e formular, de maneira tão exata quanto permita o campo da investigação, as leis que expressam o significado das forças que operam nela. 1. Há certos pontos entre os métodos da ciência física teológica que estão em acordo. Em ambas, apenas os fatos, e tão- somente os fatos, são levados em conta. Em ambas, as realidades observadas se conhecem apenas parcialmente. Em ambas procurase uma explicação sistemática. 2. Há também pontos de contraste. As realidades que se conhecem não são as mesmas. A ciência física trata com o mundo da matéria; a religião, com o mundo do espírito. Os modos de conhecer não são os mesmos. Na ciência física a sensação supre os dados; na religião, as experiências íntimas de comunhão com Deus. A relação de causa e efeito não é a mesma nas duas esferas. Na ciência física a continuidade, ou a transformação de energia, é a forma em que a relação causai se manifesta. Na experiência cristã a relação causai se expressa em termos de ação mútua entre pessoas. A liberdade é a declaração que se deve empregar na religião, e não a causalidade física. Os resultados não são iguais. Nas ciências físicas as leis matemáticas expressam seus significados. Nas ciências sócias, e nas ciências relacionadas com a religião, os princípios, ou preceitos gerais, ou doutrinas que expressam relações pessoais, são os únicos adequados. 3. A excelência suprema da ciência exata que, com fórmulas matemáticas, manifesta as leis da matéria, da energia e do movi­ mento, torna-se seu principal defeito ao tratar de assuntos mais sublimes. No âmbito da vida, as declarações das leis matemáticas não são conciliáveis com a natureza mecânica. No âmbito da per­ sonalidade, da liberdade e do espírito, os métodos convencionais das ciências físicas não podem ser empregados. Desse modo, o método da ciência física e os dados com que lidam devem deixar os fatos do mundo espiritual para a ciência moral e religiosa. As questões relacionadas a Deus, a alma e a imortalidade não estão, de maneira alguma, relacionadas com problemas das ciências fí­ sicas. Seus métodos não se aplicam. Assim não podem provar nem contradizer. Outras normas de juízo e critério de verdade devem ser empregadas. É de importância fundamental reconhecer essa distinção de métodos. Só assim podemos evitar uma grande variedade de falsas questões enganosas e supostas "contradições" entre a ciência e a religião. 4. Alegado desinteresse da ciência física Às vezes a ciência se contrasta com a religião por afirmar que está interessada na verdade como verdade, enquanto a religião está concentrada em um interesse e uma necessidade particular. Então se conclui que a ciência ministra resultados mais fidedignos do que os da religião. Supõe-se que se o interesse e a necessidade estão ausentes, a verdade se descobre com mais facilidade. O prof. Teodoro Hearing, em seu tratado A fé cristã, falando da ciência e religião em sua procura da verdade, disse que ambas têm "em comum um interesse intenso da verdade no sentido singelo da palavra". "Mas", continua dizendo, "quanto se diferenciam em seu desejo da verdade! Quanto mais genuína seja a ciência, estará mais próxima de seu ideal, distingue melhor o que procura saber do valor que isto tem para o sujeito que o conhece. Se submerge tanto no objeto que se esquece do sujeito. Isto não significa que a mente humana seja capaz de fazer algo que não seja de valor para si mesma; mas o valor do conhecimento depende de sua compreensão do objeto que há de conhecer tão completa e exatamente e tão pouco influenciado por qualquer fator estranho tanto quanto seja possível. O homem religioso, em contrapartida, esforça-se para conhecer a verdade de Deus, porque sua vida depende dele; tem o maior interesse possível na verdade do mundo de sua fé. Tanto quanto o pesquisador científico, ele não tem a menor intenção de enganar-se (neste aspecto, a verdade tem precisamente o mesmo significado para ambos); mas, por causa da importância do objeto para o sujeito, ele está ansioso para não se enganar ao considerar o objeto. O homem da ciência, por sua vez, está ansioso por causa do objeto, está interessado ao que se refere a sua natureza, distinta de sua importância para o sujeito". Com essa declaração geral, podemos definir a diferença entre ciência e religião. Mas o prof. Hearing declara aqui, e demonstra de muitas maneiras, que o homem religioso está tão interessado em encontrar a verdade quanto o homem científico. O contraste é exagerado em certos pontos, e parece supor que o científico tem um motivo que o conduzirá à verdade com maior probabilidade. É necessário modificar alguma coisa de sua declaração. Podem-se acrescentar as seguintes afirmações. (1) Não é correto supor que a ausência de "interesse" seja a melhor condição para encontrar a verdade. Discussões recentes de teorias de conhecimento mostram que o in­ teresse é uma condição necessária para a descoberta. A luta pela vida em todas as suas formas e o enfrentamento do mundo na busca das necessidades vitais são as nos­ sas principais fontes de conhecimento. O científico não está separado do "interesse" em uma esfera de "puro pensamento". Não existe o tal puro pensamento no sen­ tido de esse pensamento estar separado de sentimento e desejo. O verdadeiro cientista está dedicado de forma apaixonada e entusiasmada ao ideal da verdade porque, para ele, semelhante devoção é o valor principal da vida investigativa. Quando reduzir sua paixão e entusiasmo, é provável que haja queda no rendimento de seus proce­ dimentos científicos. Tem um grande interesse pessoal no ofício de sua vida. (2) Também, o interesse aparente do cientista na verdade objetiva por amor a ela se deve à natureza de material e suas investigações. A natureza física é objetiva ao homem. Suas reações sobre ela se efetuam pelos sentidos. Na religião, o homem conhece uma realidade subjetiva, uma presença espiritual; essa pode parecer menos real, e as conclusões acerca dela podem parecer menos fidedignas que as conclusões feitas acerca da matéria, da energia e do movimento. É certo também que a necessidade e o interesse religioso são os mais profundos de todos os interesses humanos. Ocupam a alma humana como nenhuma outra coisa o faz. (3) Não podemos dizer que o homem religioso e o científico se diferenciam porque o primeiro ama a verdade por si mesma sobre todas as coisas, enquanto o segundo pensa principalmente em si e não quer inconveniente que o possa enganar. O estudante da natureza e o estudante da religião, se tomarmos as duas coisas em suas formas mais elevadas, são fundamentalmente semelhantes em sua devoção apaixonada para com a realidade e a verdade. Ambos odeiam a mentira a as falsas pretensões. Ambos desejam saber toda a verdade que se pode descobrir. Para ambos, a primeira condição de descoberta é a completa devoção aos objetos de estudo. B . A psicologia d a roligião 1.0 estudo da consciência cristã na regeneração e na conv são se relaciona de maneira importante com a psicologia geral e a psicologia da religião. Podemos considerá-las agora. O paralelismo entre os estados da consciência e os estados do cérebro é uma verdade comum em toda a psicologia recente. Mas não produzir nenhuma evidência indicando que a atividade mental seja um exemplo da conservação física de energia. Os estados do cérebro não podem se converter em estados da consciência, nem os estados da consciência em estados do cérebro. Qualquer teoria geral do universo deve levar em considerações esse fato. Se o materialismo pudesse demonstrar que a consciência é produto da matéria, toda nossa opinião será radicalmente modificada. Mas não encontrou semelhante demonstração. A opinião cristã sustenta a natureza espiritual de Deus e do homem. Nem a física nem a psicologia descobriram algo que modifique essa opinião em qualquer ponto essencial. 2. A psicologia da religião destaca as variedades da experiên religiosa. A experiência religiosa normal é aquela em que todos os elementos espirituais de nossa natureza se combinam na devida proporção. A inteligência, as emoções, a natureza moral e a vontade fazem parte de toda experiência cristã genuína. Em alguns casos predomina a inteligência, em outros as emoções e em outros a vontade. Assim, há inumeráveis variedades de conversão. Isto deve nos preparar para aceitar experiências variadas, e ao mesmo tempo nos resguardar de chegar a conclusões gerais precipitadas com base em fatos limitados. Há muitos tipos anormais de experiência religiosa que não podem ser considerados detalhadamente. Classificam-se sob o título de "patologia da religião". Em alguns casos, são exemplos genuínos de experiência religiosa, marcados por alguns excessos de tendências extremas. Em outros, se devem a outras causas que não são religiosas. Formas extremas de misticismo, de êxtase e de visões em que a vontade e a razão estão praticamente extintas são exemplos dos primeiros casos. Isto se condiciona ao predomínio das emoções sobre os outros elementos da natureza religiosa. Em outro extremo, há um tipo intelectual exagerado de religião. Nele a religião está reduzida à idéia de um "valor" que o homem procura. Em sua forma extrema, nega a realidade objetiva de um Deus pessoal que corresponda ao "valor". No curso da história humana, a cada passo dado pelo homem, esse "valor" será "transvalorado" em qualquer valor que não seja religioso, e a religião desaparecerá. Isto implica o esmagamento ou uma extinção gradual da natureza religiosa humana. Por isso, colocamos esse conceito na mesma condição dos tipos patológicos da religião. É totalmente anormal e contrário a tudo o que a ciência da religião comparada ou a psicologia da religião ensina em relação à vida religiosa normal. 3. A psicologia da religião mostra a prevalência da no na vida religiosa subjetiva do homem. Podemos apresentar aqui apenas algumas ilustrações a esse respeito. A religião se relacionou de maneira vital com o que se conhece na psicologia como subconsciente. Declara-se que as manifestações divinas chegam a nós através do que está subconsciente em nossa natureza. Isto é sem dúvida verdadeiro até certo ponto, porque a religião afeta toda nossa natureza. Mas temos pouco conhecimento dos modos da ação divina sobre nós. O que realmente sabemos inclui ao menos dois aspectos. Primeiro, que um poder externo e separado de nós produz os resultados em nós; e segundo, que quando o poder divino chega a ser efetivo para nossa transformação moral, opera em nossa consciência. Nossas escolhas ou atos de vontade são fatores essenciais na vida regenerada. Outro exemplo da influência da norma na experiência religiosa é a relação entre o interesse religioso e a adolescência. Uma mudança física relacionada com uma mudança comportamental se verifica durante o período de 11 a 15 anos nas mulheres, e de 12 a 17 nos homens. E um período de transformação com grandes possibilidades para o bem ou para o mal. Um grande número de conversões ocorre durante esse período. Já tivemos ocasião de falar da adolescência e de sua significação para a vida religiosa. Uma verdade expressa pode ser repetida para enfatizá-la. É um erro sustentar que a mudança seja em si mesma religiosa. Um horizonte da vida que se amplia, a liberação de energia antes contida, a ascensão a um novo nível de experiência são acompanhadas de uma nova capacidade para verdades morais e religiosas. O sábio mestre e pastor não perdem essa oportunidade quando surge. Mas não confundirão mudança física ou mental com renovação divina. Há também diferenças claramente definidas entre as conversões juvenis e as adultas. Estas conversões compreendem diferenças no ponto de contato e na forma de convidar, que serão ajustadas aos diferentes períodos. 4. A psicologia da religião sugere que um elemento div opera na conversão. Às vezes o fato da presença da lei e da ordem na experiência religiosa tem feito que os homens infiram causas puramente naturais a todos os efeitos produzidos. Mas, pelo contrário, a presença de modos de atividade ordenadas e uniformes é claramente sugestiva de um agente divino. Deus é um Deus de ordem, não de confusão. Há três atitudes possíveis que o estudante de psicologia da religião pode tomar com referência à presença de um fator divino na experiência religiosa. (1) Primeiro, pode limitar sua idéia sensivelmente à "corrente de consciência", sem indagar as causas. Caso seu interesse seja puramente psicológico, esse será seu modo de começar a investigação. Nem afirmará nem negará a ação divina na conversão. (2) Em segundo lugar, pode se constranger, ainda como psicólogo, a reconhecer um poder sobre-humano na vida religiosa do homem sem procurar defini-la. Um número crescente de dedicados estudantes do assunto chegou a essa conclusão. O prof. William James, na conclusão de sua notável obra, As variedades da experiência religiosa, admite que há um elemento milagroso na conversão. Nega, no entanto, que possamos definir com mais exatidão a natureza do poder divino. Designa toda conclusão sobre essa questão como "crença exagerada". (3) Em terceiro lugar, o estudante da psicologia da religião pode com franqueza e audácia investigar a causa ou a energia que produz a vida regenerada. O psicólogo cristão conhece o sistema de influências e forças cristãs. Conhece a natureza do cristianismo como uma religião histórica. Conhece as demandas de Jesus Cristo. Sabe como foi produzido nele mesmo a transformação moral e espiritual. Para ele, o Espírito Santo é uma realidade definida. Pois é impossível, ainda que deseje, separar esses fatores que há em seu conhecimento. Deve considerar as causas em conexão com os efeitos. Para o psicólogo cristão a presença do Agente divino na regeneração é indubitável, porque sua própria transformação não se efetuaria de outra maneira. E uma nova criatura. Antes era um indivíduo que pensava apenas em si mesmo; agora é uma pessoa que pensa em Deus. Não apenas recebeu poder para realizar o que procurava fazer; agora busca objetos totalmente novos e mais elevados. Não somente encontrou a grande realidade da vida da alma, mas também foi encontrado por ela. Conhece os antecedentes da própria consciência, os elementos de sua natureza, e sabe que carecem de poder regenerador. Além disso, conhece a explicação bíblica de sua nova vida. É Deus em Cristo quem opera em seu espírito por meio do espírito imanente de Deus. Tudo o que se disse acima concorda com os princípios gerais do conhecimento. Conhecemos os objetos porque nossa constituição mental pertence a um sistema de coisas coerentes. Observa-se que a natureza é racional em resposta aos anseios da mente racional. A ciência está calcada nesta correspondência ou unidade entre o homem e a natureza. Igualmente, o psicólogo cristão encontra um objeto religioso em contestação aos anseios de uma natureza religiosa. Segue-se que a negação de um objeto religioso seria fatal em dois aspectos. Em primeiro lugar, minaria todo conhecimento. Isto é certo porque os princípios sobre os quais afirmamos as possibilidades de qualquer conhecimento sobre qualquer assunto são praticamente idênticos com os do conhecimento religioso. Em segundo lugar, minaria toda religião. E vão falar da religião meramente como um jogo subjetivo da imaginação, ou como uma função meramente útil na luta da vida. A religião repousa sobre sólidos fundamentos de fatos, pois de outro modo os homens não desejariam nada dela. O amor, a verdade e a realidade estão profundamente arraigados em nossa natureza para permitir que nos contentemos com qualquer explicação de religião que a considere como uma atividade meramente "psicológica" ou "funcional" sem um Deus a quem possamos realmente orar e com quem possamos realmente ter comunhão. C . A relação d a experiência cristã com a ética A experiência cristã em seu principio, continuidade e fim é solidamente ética. A ética define as relações dos homens e as obrigações de uns com os outros na sociedade. O cristianismo proclama a sua meta como a mais elevada de todas as ordens sociais, o Reino de Deus. Uma sociedade divina em que Deus e os homens estão associados em uma comunhão de amor; onde a vontade de Deus é praticada pelo homem; onde o amor é a expressão de suas relações mútuas e de conduta recíproca; e onde Deus, por sua graça, se manifesta na plenitude de sua bondade para com os homens. Este é o ensino do Novo Testamento acerca do reino de Deus. O ideal ético alcança sua mais sublime expressão. Pois bem, a experiência de um cristão na regeneração, na conversão e na vida espiritual que segue sustenta uma relação vital com a ética nos seguintes aspectos: 1. Incorpora o ideal ético ao simples princípio da experiênc religiosa. O ato inicial do pecador ao tornar-se cristão é o arre­ pendimento. Supõe-se arrependimento em relação a Deus. Mas também se refere a todo comportamento transgressor em relação aos homens. Toda forma de pecado contra nossos semelhantes é repreendida no chamado do evangelho ao arrependimento. Não há nada que impressione mais no Novo Testamento que a exposição e a condenação sem misericórdia de uma conduta não ética. Contudo une-se isto ao generoso convite de Deus e o perdão que ele oferece. O cristianismo é uma religião em que o ajuste das relações com Deus envolve necessariamente um acerto das relações com o homem. A redenção cristã é uma redenção ética. 2. A experiência cristã resolve o problema com o qual a ética teórica por muito tempo lutou. Qual é o alicerce da ética? Alguma forma de utilitarismo foi uma resposta comum, independente do ensino cristão. Procurando explicar o ideal moral, a razão natural afirmou, com freqüência, que se originou como o resultado da experiência nas relações sociais. Os homens perceberam que prosperavam mais quando agiam segundo regras morais. A teoria da evolução e sobrevivência da luta pela vida influenciou essa opinião. Assim a ética passou a ser vista como uma provisão útil para ajudar o homem na execução de seus objetivos. Não há necessidade de negar a relativa verdade ou a metade de verdade que essa opinião contém. Mas se vê claramente que alguma forma de crença em Deus é a base necessária de qualquer forma estável de teoria ética. É aqui que a experiência cristã faz um grande serviço para a teoria ética transformando-a em realidade. Observa-se na experiência cristã que o ideal moral não é somente uma parte essencial da experiência; também é possível sua realização pela ação direta de Deus sobre o coração. Assim o ideal moral está indissoluvelmente ligado com a religião. 3. A experiência cristã conduz a um novo e mais sublime ide­ al. A profundidade e elevação dos princípios morais nos ensinos de Cristo são seus traços mais notáveis. Nenhuma coisa tão radical ou drástica se expressou alguma vez em outra parte. O Sermão do Monte é o exemplo mais notável desse ensino. Com freqüência foi acusado de utópico e completamente fora do alcance humano em seu estado presente. Mas para o cristão a ética de Jesus tornar-se praticável. Os ensinamentos éticos não estão isolados. São partes de um sistema que inclui também a graça regeneradora. O novo "Eu" do homem regenerado se conhece como uma nova criação moral. Sabe que não alcançou o ideal moral cristão. Mais ele mes­ mo se conhece como sujeito influenciado por uma nova energia moral que está adquirindo gradualmente. O sublime ensino ético de Jesus não leva o cristão ao desespero, porque que as deman­ das são acompanhadas de um poder que o coloca a caminho de realizá-las. 4. A experiência cristã revela um novo método efetivo na religião e na ética. A idéia central do cristianismo é a cruz e seu significado. Eis algumas das expressões dessa idéia: a realização de si mesmo a uma auto-renúncia de si; morrer a fim de viver; ser crucificado para que nos levantemos a uma nova vida em Cristo e perder a vida para encontrá-la. O moderno estudo psicológico da religião descobriu que essa é a lei suprema da vida religiosa. Assim se expressa um dos mais talentos e sagazes estudantes modernos da psicologia da religião, que no sentido técnico da palavra não foi um cristão: "O fenômeno é o das novas extensões da vida que sucedem a nossos momentos de mais profundo desespero. Há recursos em nós que o naturalismo com suas virtudes literárias e legais nunca leva em conta, possibilidades que nos privam de alento, de outro gênero de felicidade e poder, baseado no fato de entregar nossa vontade e deixar que outra coisa mais elevada opere por nós, e parecem mostrar um mundo mais amplo que nem a física nem a ética positivista podem imaginar. Aqui está um mundo em que tudo está bem, apesar de certas formas de morte, na verdade a causa de certas formas de morte - morte de esperança, morte de luta, morte de responsabilidade, de temor de ansiedade, competência e mérito, morte de todas as coisas que confiam no paganismo, no naturalismo, no legalismo e em que esses confiam". Também o mesmo escritor disse: "Apesar do menosprezo do racionalismo ao particular, ao pessoal, ao nocivo, a tendência de toda a evidência que temos me parece levar-nos decisivamente em direção à crença em alguma forma de vida humana da qual, sem sabermos nós, possamos estar conscientes". Assim o psicólogo científico moderno expressa a lei da vida espiritual ensinada com tanta amplitude e clareza por Jesus e Paulo. Encontramos a nós mesmos; deixamos de ser indivíduos solitários, egoístas e auto-suficientes, e passamos a ser pessoas religiosas e sociais, unidas vitalmente com Deus e com os homens em uma nova vida espiritual. A consciência ética torna-se o outro lado da consciência religiosa, e a realização própria vem a ser simplesmente a tarefa de encontrar nosso lugar e trabalho no reino eterno de Deus. Assim observamos que a vida ética não regenerada com suas lutas e fracassos chega a sua realização e cumprimento na vida regenerada em Cristo. Sucede, então, que a antiga consciência moral não regenerada vem a ser fator importante em nossa convicção cristã. Isto acontece por causa do contraste entre a velha consciência moral e a nova. Também porque a nova consciência regenerada de poder para vencer o pecado e alcançar paulatinamente o ideal moral é o cumprimento da antiga luta com a velha natureza. D . A experiência cristã e a religião com parada Em tempos recentes dedicou-se muito estudo ao assunto da religião comparada. Acumulou-se grande quantidade de dados. Quando há um esforço para interpretar os dados parece que es­ tamos procurando encontrar o caminho em uma selva sem ata­ lhos. Contudo houve progresso. A ciência da religião comparada lança verdadeira luz sobre o valor do cristianismo. O estudo do assunto pode incluir algumas considerações gerais relacionadas adiante. Entre os resultados do estudo científico da religião, foram encontrados os seguintes: a. A religião é um fenômeno universal da vida humana. Paulo ficou impressionado por serem os atenienses muito religiosos. Os especialistas modernos estão impressionados com a tendência religiosa universal dos homens. Supostas exceções à regra regularmente acabaram não sendo exceções, b. As variadas formas de crença e práticas religiosas encontradas entre os povos da terra representam diferentes períodos de mudanças, c. Nenhuma das formas de religião, com exceção do cristianismo, se apresentam como a religião ideal ou perfeita, d. Por isso, não há de observálas como totalmente falsas, mas antes como não-completas ou não-adequadas. Apresentam a busca de Deus feita pelo homem enquanto está cego pela ignorância do pecado. Desempenharam um papel muito importante na vida religiosa do homem como preparação para a chegada da religião perfeita, assim como o fez o judaísmo preparando o caminho para Cristo. Deixaram, no entanto, de prover a redenção espiritual e moral, que é a principal bênção da religião cristã aos homens necessitados, e. Em quinto lugar, o cristianismo traz ao homem as realidades que satisfazem os anseios e valores descobertos no estudo da religião comparada. A religião cristã traz mais que isso. Cria novos anseios, sugere novos valores e, juntamente com estes, supre as realidades necessárias para salvação do homem. Não obstante, o ponto de destaque é que o cristianismo é o cumprimento e a realização de todos os valores permanentes de outras religiões. Não é necessário para esse argumento discutir aqui o ponto muito debatido quanto à origem da crença religiosa. O Antigo Testamento representa a primitiva religião monoteísta. Dorner opina que as formas posteriores das religiões incipientes são transformações dessa forma original, enquanto os que insistem na hipótese da evolução afirmam que a mais incipiente foi também a primeira. Encontram-se muitos sinais de formas mais elevadas de religião enquanto percorremos a história de algumas das principais nações. O objetivo que temos é ensinar o caráter imperfeito de todas as outras formas de religião e, juntamente com isso, mostrar que o cristianismo resguarda em uma unidade mais elevada todos os valiosos elementos religiosos contido nelas. Podemos concretizar melhor esse objetivo mostrando como as religiões adquirem suas características dos objetos de culto. As variações no conceito de Deus estão acompanhadas de variações no conceito da natureza do homem e da natureza do culto. Para apresentar a mesma verdade de outra maneira, podemos dizer que o aprimoramento da idéia de Deus está acompanhado do aperfeiçoamento da idéia de religião. Pois bem, olhando as religiões do mundo como um todo, podemos representar o progresso dos ideais religiosos sob o seguinte plano geral: 1. Os deuses das diferentes religiões tendem cada vez m a se tornarem pessoais. Alguns especialistas discutem se certas formas incipientes da religião animista (o deus, o fetiche, o objeto adorado) são admiradas pelo adorador como uma pessoa ou não. Pode ser que seja visto sensivelmente como vital ou vivo, tendo capacidade para adquirir personalidade. Está completamente fora de dúvida, no entanto, que em um período muito remoto a divindade começa a ser considerada como um ser pessoal. Alguns derivam isso do culto dos antepassados, outros dos fenômenos dos sonhos em que se imagina que a alma deixa o corpo, outros da tendência que existe entre os homens de atribuir suas próprias qualidades a objetos que possuem algum tipo de poder e que estão em seu redor. Nos povos ocidentais aparecem sistemas elaborados de deuses, como o dos gregos descritos por Homero e Hesíodo. Esses são em sua maioria homens exagerados, com as enfermidades e limitações de outros homens. O politeísmo está firmado em um conceito panteísta do mundo. Esse é um elemento de grande debilidade, porque os homens são impedidos de alcançar a idéia de um Deus que transcende o mundo. Os deuses politeístas são sempre dependentes. Nunca chegam à dignidade de Deus absoluto. Na índia houve a princípio uma reação contra o politeísmo. Os pensadores renunciaram a diversidade de deuses e conceberam o universo como um sistema vasto de aparências. Em lugar de muitos deuses, ou um só Deus, presumiram uma substância universal da qual o homem e a natureza são manifestações efêmeras. Estas são destinadas a serem absorvidas novamente na substância universal como as ondas se apaziguam e voltam a confundir-se com o mar. Tanto na índia como na Grécia, não obstante, sucederam reações contra essas perspectivas gerais. Na Grécia, o politeísmo cedeu lugar a uma filosofia abstrata e a um universo impessoal; na índia, da filosofia abstrata retornaram ao politeísmo. Como disse Dorner, o pensamento pagão se movia em círculo, incapaz de emancipar-se. A principal dificuldade nesses grandes sistemas foi a di­ ficuldade de conceber propriamente as relações de Deus com o mundo. Em determinado caso, imagina-se ele como um ser pessoal ou seres pessoais, mas sempre sob limitações que são indignas de seres divinos. No outro caso, deixa de ser pessoal e se torna em substância universal, o que realmente o reduz ao nível físico. No judaísmo se apresenta um novo pensamento acerca de Deus. Concebe Deus tanto pessoal quanto absoluto. Não está confundido com o mundo, tampouco subordinado a ele. Ele é o criador, o que sustenta todas as coisas. Assim Israel se salvou do perigo do panteísmo em todas suas formas. Salvou-se do politeísmo fazendo com que Jeová fosse seu único Deus; e se salvou do panteísmo abstrato do pensamento indiano fazendo com que o mundo dependesse de um Deus pessoal. O Antigo Testamento aponta crescimento e desenvolvimento no conceito de Israel. A revelação nos primeiros períodos da história ressalta os atributos de poder; nos posteriores, os atributos de caráter. Nos primeiros períodos destacam-se as relações de Jeová com Israel; nos profetas posteriores manifesta-se claramente seu domínio sobre o universo. 2. Os deuses das distintas religiões tendem a se tornar cada vez mais éticos. Nas religiões mais primitivas é difícil encontrar com freqüência alguma relação entre a religião e a ética. Mas com outras religiões, a relação com a ética é muito clara. No judaísmo, é muito anunciada. A religião de Israel é um monoteísmo ético. A suprema sanção moral é o temor ou o amor a Jeová. Esse ideal ético para o povo resulta da qualidade ética que há em Jeová: "E sereis santos para mim; porque eu, o Senhor, sou santo" (Lv 20.26). Dessa maneira, o próprio homem adquire para si, do judaísmo, uma nova dignidade. Enquanto Deus foi concebido meramente como um poder, sua onipotência foi reduzida aos homens até fazer deles anões. Mas quando se pensa em Deus como um ser de caráter moral, observa-se que o homem pode imitá-lo. Assim, vemos que o homem e Deus pertencem à mesma classe de seres. O homem é feito à imagem de Deus. Como veremos, o Novo Testamento coloca a coroa sobre a revelação dos atributos morais. Mas no Antigo Testamento, Deus é revelado como amor justo. 3. Uma terceira tendência apresentada pela religião comparada é o aprimoramento gradual na idéia de religião. Alguma forma de revelação aparece em quase todas as religiões. Os deuses falam aos homens em sonhos, ou por meio de oráculos de diferentes gêneros. Há períodos remotos e recentes de revelação no Antigo Testamento. Aqui, no entanto, o profeta é o meio principal da revelação de Deus aos homens. Os profetas falavam por meio do Espírito de Deus que estava neles. Às vezes declaravam que eram compelidos pelo espírito, que habitava neles, a falar, ainda que contra a vontade (Jr 20.4). A mensagem profética variava de época em época. Contudo, há elementos permanentes que nunca se ausentam. Entre eles estão os seguintes: Deus é um; é zeloso da lealdade e do amor de seu povo; é santo; tem um plano para a humanidade; no futuro, agirá poderosamente para a redenção dos homens. Sua revelação é um procedimento histórico. Percebe-se isso na vida do povo assim como nas palavras dos profetas. E uma revelação gradual de seu plano e propósito para a humanidade, demonstrada primeiramente na vida de Israel. 4. Um quarto ponto é o reconhecimento crescente de Deus tem propósito e controla o mundo por sua providência. Nos cultos das religiões primitivas há deuses familiares, deuses tribais e deuses nacionais. No judaísmo, Deus se revela não ape­ nas como o único de todas as nações, como também o Deus do tempo. Há especialmente três elementos no ensino do Antigo Testamento que deixa isso claro: a. Há o elemento de tipologia. Certas pessoas ou instituições são tipos de acontecimentos futuros ou de pessoas no plano de Deus. A história é vista como um organismo vital. Todos os ramos da árvore futura estão na semente da semeadura, assim o futuro reino de Deus está incluído em todo o período do reino que segue seu curso. O tipo torna-se a expressão imperfeita da significação do antítipo. O que está por vir é encontrado na revelação do Novo Testamento, b. Há também o elemento messiânico, muito notável no Antigo Testamento em certos períodos da história. O rei e o reino, o profeta e outras formas de representações são empregados para expressar a idéia de um Messias ou libertador que virá. c. Há também a idéia de um juízo futuro. A escatologia está desenvolvida imperfeitamente no Antigo Testamento, mas não deixa de estar presente. Chega a seu apogeu no Novo Testamento. Os homens às vezes opinam que a religião deveria excluir a idéia de escatologia. Alguns consideram motivos desprezíveis a esperança do prêmio e o temor de ser castigado. Mas a escatologia é um elemento necessário para completar a idéia de Deus. Como absoluto, que controla o futuro, Deus era necessário para aperfeiçoar a idéia de ser divino. A psicologia religiosa também confirma a idéia do valor da escatologia na religião. Somos constituídos de modo que não podemos escapar a influência de temor e de esperança. A crença na imortalidade e a dignidade moral como pessoas nos impelem irresistivelmente à consideração das conseqüências da conduta presente. 5. Também há um progresso gradual na idéia da redenção. Ser livre de nossos inimigos, da enfermidade, de pragas, de fenômenos da natureza são algumas das formas de redenção encontradas nas religiões mais primitivas do mundo. Em todas as partes a idéia é que o deus ou deuses operam a favor dos homens. Acredita-se que socorrem verdadeiramente os homens em suas dificuldades. Há uma gradual transição para a idéia de redenção do pecado. No Antigo Testamento o ideal ético está acompanhado, por todo o curso de seu desenvolvimento, pela idéia de aprofundar e intensificar o sentido de pecado e de culpa. Outras formas de libertação gradual chegam a estar subordinadas à redenção no sentido mais elevado: a liberação moral e espiritual. A revelação do Antigo Testamento em seus períodos posteriores reconhece distintamente o lugar supremo da redenção moral e espiritual no plano de Deus. Isso se vê na nova interpretação do plano de Deus feita por Israel depois de destruição da vida como nação (Is 42.1-9; 60.1-14). E observado também nas profecias posteriores do novo pacto, que deveria ser íntimo e moral em suas provisões (Jr 31.31; Hb 8.8). Observa-se claramente no anseio e na expectativa posterior do dom do Espírito Santo, um novo poder criador para regenerar os homens e estabelecer uma nova ordem (J1 2.28; At 2.17). O mesmo ideal de redenção moral e espiritual aparece claramente nas últimas profecias messiânicas, nas quais a obra do Messias está descrita em termos da mais alta purificação moral e espiritual (Is 61.1; 42.1-9; Mt 12.18). 6. As idéias de propiciação e reconciliação gradualmente tomaram formas mais elevadas e chegaram a seu apogeu no en­ sinamento cristão. Há muita coisa obscura quanto ao significado de muitas ofertas sacrificiais encontradas nas religiões da humani­ dade. No Antigo Testamento, o significado ainda não está sempre inteiramente claro. Há, no entanto, nos sacrifícios posteriores o claro reconhecimento do princípio de substituição. No aspecto da justiça divina, todas as reconciliações entre Deus e os homens devem ser observadas. Isto também encontra sua explicação e expressão adequadas no cristianismo. 7. A imanência e transcendência de Deus alcançam perfeita expressão na religião cristã. As religiões pagãs tendem a caminhar em direção ao panteísmo. Todas as coisas pareciam ser igualmente divinas. O judaísmo escapou desse perigo por seu monoteísmo ético, sustentando que Deus é a pessoa moral e espiritual absoluta, de quem todas as coisas dependem e de quem todas as coisas procedem. A doutrina da criação era a reflexão dessa idéia de Deus. Deus não se assemelha com o mundo. Deus o fez, e o mundo depende dele. A doutrina da criação foi um elemento necessário para completar a idéia de Deus. Podemos conceber a idéia de Deus como a perfeita pessoa moral espiritual, apenas pensando nele como o criador do universo. De outro modo, chega a estar incluído nele, e há grande dificuldade para evitar idéias inadequadas do caráter divino. Não obstante, há um perigo em outra direção. Pode-se conceber Deus como o que está sobre o mundo e fora do alcance dos homens. O Antigo Testamento, de maneira formidável, superou esse perigo por seu ensino concernente ao Espírito de Deus. O Espírito de Deus é Deus imanente na natureza e no homem. Isto preparou o caminho para aperfeiçoar a idéia de Deus, e também aperfeiçoar a idéia de religião. Agora convém indicar brevemente como o cristianismo aperfeiçoou na religião todos os elementos precedentes. Assim, parecerá que a religião comparada se apresenta com valores ou necessidades religiosas com as quais o cristianismo mantém realidades correspondentes. (1) Jesus Cristo é o revelador de Deus como pessoa. "Quem me viu a mim, viu o Pai" (Jo 14. 9), eram seus dizeres. "Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer" (Jo 1.18). Jesus aperfeiçoou a idéia de Deus como ético. Revelou-o como amor justo. Em sua relação suprema para conosco, Deus é Pai, eterno em seu desejo de bendizer. É infinito em todas as suas perfeições, mas desceu a nossa condição miserável a fim de elevar-nos à sua condição. (2) Jesus Cristo completa a idéia da revelação. A natureza inorgânica, a natureza orgânica, a natureza sensível e animal são períodos graduais na revelação de Deus aos homens. Mas em nenhum deles houve uma revelação adequada de Deus. Em acréscimo à revelação na natureza, houve a tênue revelação de Deus nas diferentes religiões do mundo. Mas aqui também a revelação deixou de alcançar sua meta. Nessas religiões, vemos o homem buscando Deus. Quando Cristo veio, Deus veio buscar o homem. Naquelas revelações criou-se uma expectativa da revelação suprema em Cristo. A relação religiosa não podia ser aperfeiçoada até que Deus falasse aos homens. O Antigo Testamento é um novo estágio na vida religiosa do mundo. Agora, Deus funda seu reino. Gradualmente são produzidas todas as condições para a vinda do Filho Messiânico de Deus e o redentor dos homens. Deus fala em Cristo, em quem a suprema idéia de autoridade e a idéia de revelação está completa. Chegou a seu mais elevado desenvolvimento possível. (3) A revelação de um propósito divino e de um governo providencial do mundo chega em seu apogeu no grande pensamento do reino moral universal de Deus. Essa é a chave da história e sua meta. Os elementos escatológicos típicos chegam em sua plena expressão no ideal do reino universal de Deus. (4) Também, a idéia redentora culmina em Cristo. O sangue dos animais e bezerros não podia quitar o pecado. A justiça redentora de Deus chega a sua expressão na morte propiciatória de Cristo. Isto se apresenta no Novo Testamento (não como às vezes se afirma), como se fosse meramente uma invenção ou um expediente da ingenuidade divina, com o propósito de tornar livres os culpados. É a provisão da sabedoria e do amor infinito. E enquanto cumpre os fins da justiça divina, ao mesmo tempo é uma energia que opera para produzir um caráter santo nos homens. Não é meramente uma transação legal ou judicial. É uma reconciliação moral e espiritual. (5) Também na doutrina do Espírito Santo, expressa no Novo Testamento, temos o cumprimento da idéia de Deus. Pelo Espírito, Deus é revelado imanente no mundo. Assim se evita o perigo de considerar Deus isolado do mundo. Também pela operação do Espírito a religião se torna interior, moral e pessoal. Pelo Espírito Santo, o espírito do homem é criado novamente em Cristo Jesus. Pelo Espírito, a religião torna-se a comunhão entre Deus e o homem. Pelo Espírito, a religião vem a ser uma operação pessoal de Deus com a alma. Pelo Espírito, é dada ao homem a consciência de ser filho de Deus Pai. Pelo Espírito, as verdades da revelação de Deus em Cristo vêm a ser para o crente um sistema claro de verdade que expressam o significado dos fatos em sua vida. Pelo Espírito Santo, a religião torna-se poder para realizar o ideal moral e espiritual na vida das pessoas e na sociedade. O Espírito cria a comunidade espiritual, a igreja, e a igreja é como a levedura na sociedade, fazendo que o reino de Deus venha paulatinamente à terra. (6) Aqui chama a atenção o importante fato de que a idéia trinitária em relação a Deus se desenvolve lado a lado com a perfeição da idéia da religião e o cumprimento da relação entre Deus e o homem. Deus se revela a nós por meio de Cristo; revela-se em nós pelo Espírito Santo. Começamos essa seção procurando mostrar a relação da experiência cristã com os fenômenos da religião em geral. Con­ cluímos que a religião encontra sua consumação e cumprimento apenas quando se torna experimental. A graça de Deus em Cristo - aplicada ao coração dos crentes pelo Espírito Santo, em uma vida eticamente transformada "sob o olhar e pelo poder" do Pai eterno - torna-se a coroa e a meta da vida religiosa humana. 8. Conclusões do estudo das religiões comparadas Algumas conclusões se apresentam como conseqüência do exame anterior da vida religiosa do homem. Primeiramente, os elementos mais sublimes em todas as outras religiões estão na religião cristã em forma superior..Em segundo lugar, todas as outras carecem de algo que a religião cristã supre. Em terceiro, o argumento a favor da verdade do cristianismo ganha força pelo fato de que é a meta e a coroa das outras religiões. É fantasia argumentar contra o cristianismo por conter todos os elementos de outras religiões, como se fosse derivado delas. Sua grandeza se manifesta no fato de que representa em unidade sintética todos os elementos da religião verdadeira. Em quarto lugar, sem cristianismo não se pode conceber como se dará a futura vida religiosa da humanidade. O homem pode retroceder religiosamente em relação ao cristianismo; pode desprezar todos os elementos distintivos da religião e procurar colocar alguma outra coisa em seu lugar; ou pode dar origem a outra religião diferente do cristianismo. O primeiro não é nada provável. Não é de supor que a humanidade aceite o budismo ou o islamismo no lugar do cristianismo; e caso não os aceite, certamente não aceitará nenhuma das outras diversas religiões. O segundo também é pouco provável. Alguns modernistas, que consideram a religião dessa perspectiva puramente racionalista, deixam de compreendê-la e idealizam teorias de "valores" que podem ser alcançadas descuidando-se dos valores distintamente religiosos. Mas os homens são "irremediavelmente" religiosos em seus instintos. A religião comparada demonstra isto. Nenhum dos valores meramente científicos ou intelectuais podem alguma vez suprir o lugar da religião na vida do homem. E quanto ao terceiro lugar, sempre será possível que alguém prediga o surgimento de uma religião superior ao cristianismo. Mas ninguém poderá sugerir agora em que consistirá semelhante superioridade. Além disso, o cristianismo não deixa nenhum anseio religioso sem satisfazer aquele que o conhece de maneira experimental. Para ele é suficiente e final, e, no sentido legítimo da palavra, absoluto. Não há ocasião, pois, de vacilar ao afirmar que o cristianismo é a religião suprema. E . A experiência cristã com relação à filosofia A história da palavra filosofia mostra que houve muitas mudanças de significado. Como é usada pela maior parte dos escritores modernos, e como aqui é empregada, significa a ex­ plicação da experiência, da verdade e da realidade consideradas como um todo. O propósito da filosofia é o de descobrir o princípio fundamental ou os princípios fundamentais do universo. Tem por outro propósito expressar significado do universo de maneira abrangente, que combina todas as partes do ser em uma unidade coerente. Há vários pontos enfáticos nessa definição de filosofia. O primeiro é que a filosofia resulta da experiência humana. Essa é a grande e significativa ambição da filosofia moderna em comparação às filosofias antigas. Primeiramente os homens adotaram um princípio a priori ou abstrato, e dele deduziram o significado do universo. Atualmente perguntam, em primeiro lugar, quais são os atos da vida e da experiência? Então indagam a significação fundamental dos fatos. Assim, toda a filosofia moderna digna de atenção tem um fundamento empírico ou experimental. Às vezes, sentiu-se que esse fato faz com que a filosofia seja hostil à religião. Pelo contrário, é no mais alto grau favorável à religião, se a própria religião for vista como fundamentada sobre fatos. A experiência humana, em geral, sobre a qual a filosofia está alicerçada, está intrinsecamente relacionada com a experiência religiosa e as realidades descobertas nela. O segundo ponto de ênfase é a verdade. Uma das questões mais decisivas e fundamentais na filosofia é concernente à verdade: o que é e como se origina. Aqui também está a intrínseca relação com a experiência. Conhecemos a verdade na experiência humana e por meio dela. Todas as ciências têm suas maneiras de aproximarse da verdade e seus métodos de descobri-la. A ciência física se relaciona especialmente com o sistema mecânico de causalidade como se vê na natureza física. A biologia trata das diversas formas de vida e das leis de seus desenvolvimentos. A psicologia aborda as leis da ação mental. É assim com todas as ciências. O estudo dos fatos nas diferentes divisões científicas, a concreta reação humana sobre as realidades com que tratamos originam as verdades descobertas em todas as ciências. A filosofia procura combinar todas as partes da verdade em um sistema universal e coerente de verdade. O terceiro ponto de destaque é a realidade. A filosofia pro­ cura ir além do real, da maneira como que é apresentado nos fenômenos. Ela pergunta: "Qual é a realidade essencial ou funda­ mental?" Os diferentes sistemas de filosofia resultam do esforço para responder essa pergunta. Mas é de suma importância concor­ darmos que apenas poderemos saber qual é a realidade essencial ou fundamental observando a realidade como a conhecemos na experiência. Assim, não podemos conhecer a suprema realidade de maneira perfeita. Mas nosso conhecimento da essência ou fun­ damento real deve - de acordo com a filosofia - estar alicerçada nas verdadeiras realidades da própria vida. O quarto ponto destacado é a unidade e a compreensão. A filosofia busca uma explicação completa de todas as coisas, até onde isto seja humanamente possível. Quisera descobrir, por assim dizer, um cordão bastante largo e forte para amarrar todos os fatos da existência em um só fardo. A paixão e o romance da filosofia moderna resultou da ansiosa investigação de semelhante princípio abrangente do ser. O ideal e a demanda da unidade são irrepreen­ síveis na mente dos pensadores. Desejamos uma chave que abra todos os mistérios. Estamos descontentes até a encontrarmos. Os quatro pontos que acabamos de apresentar proporcionam um esboço para indicar onde e como muitos sistemas de filosofia moderna estão longe de ser perfeitos e serviram para advertir-nos a não procurar relacionar a filosofia com a experiência cristã. Baseados na experiência, dizemos que qualquer filosofia fracassará caso não reconheça a experiência humana como um todo. Todos os homens, também os filósofos e teólogos, não são senão fragmentos da humanidade. Não é fácil fazer, de maneira nenhuma, plena justiça a toda experiência humana. Quando se está em uma época de especialização, muitos homens perdem a capacidade de simpatizar com outras formas de vida e experiência que não seja a sua. Uma grande alma com grande horizonte e sabedoria correspondente é rara. Como conseqüência disso, os filósofos tendem a tornar-se o resultado das reações individuais e pessoais sobre o mundo. Um grande escritor moderno disse que os sistemas filosóficos são, na maior parte, melhores produções estéticas, assuntos de gosto e preferência do que opiniões universais e convincentes. Há bastante verdade em tal declaração para prevenir a todos. As preocupações e as preferências do homem, devido a sua primeira educação ou a que adquiriu posteriormente, inevitavelmente o influenciam ao elaborar seu conceito de mundo. Mas é óbvio que a filosofia tem de derivar-se não meramente da experiência individual, mas da experiência humana como um todo, ou de alguma forma daquela experiência que compreende todas as outras formas. A filosofia também fracassou muitas vezes porque não fez justiça à idéia da verdade. A filosofia se descreve com freqüência como um esforço para dar uma interpretação racional do universo. Desse modo, ressaltou a faculdade lógica. A razão se tornou suprema. Os sentimentos, a verdade e a natureza moral do homem são praticamente desprezados, ou são vistos como insensatez na investigação da "razão pura" para descobrir a verdade fundamental. A objeção fatal a isto é que a existência de uma "razão pura" é uma presunção sem base. O homem não sabe nada da razão separada do sentimento e da vontade. A faculdade lógica pode operar com uma precisão infalível ao tratar de mitos e fantasias, também tratando de fatos. É preciso que obtenhamos primeiro o material para o pensamento das experiências da vida, antes que a lógica possa adiantar-se um só passo perante a verdade. Toda a psicologia recente confirma essa declaração. O dia das filosofias abstratas, construídas das verdades derivadas da chamada "razão pura", já passou. O sistema da verdade está construído com as operações da vida. A filosofia tem de levar em conta isso. O erro também aparece na filosofia quando o filósofo adota uma idéia mesquinha da realidade. Genericamente falando, há duas esferas de realidade conhecidas por nós: a física e a espiritual. Tanto a matéria como a consciência se apresentam na experiência como realidades. São os dados ou o material sobre os quais o pensamento tem que operar. Não são tanto problemas do pensamento quanto materiais do pensamento. São objetos que devem ser explicados, e não suprimidos mediante explicações. Sucedeu-se muitas vezes na história da filosofia que os pensadores aceitaram a realidade de algum elemento do ser e a falta de realidade de outros. Sistemas inteiros foram construídos dessa maneira. É interessante buscar um princípio unificador, mas deve realmente unificar, não passar por cima nem anular nenhum dos fatores da vida ou da existência. As filosofias, ou as opiniões universais, também são com freqüência defeituosas quando não encontram um princípio compreensivo de explicação. A filosofia busca alguma etapa ou aspecto do ser, algum fenômeno que seja uma chave para descobrir a significado do todo. Vemos claramente que há farto material sobre este assunto. Pode ser que um pensador fique mais impressionado com a uniformidade da lei natural e deduza que a chave da significado de todas as coisas há de ser encontrada na matéria, na energia e no movimento. Pode ser que outro fique impressionado especialmente com os procedimentos do pensamento humano e deduza que todas as formas do ser se apresentarão em formas de pensamento. Outros se impressionam mais com a vontade e, por meio do princípio da vontade, constroem sua filosofia. Outro se comoverá mais pelo fato e pela idéia da personalidade, e sobre ela calcará sua filosofia. Assim se originam as diferentes filosofias. São muitas, e até certo ponto crescem com o passar dos anos. As três ou quatro que acabamos de nos referir estão entre as mais típicas filosofias, isto é, o materialismo, o idealismo e o personalismo. O ponto de ênfase é que para ser superior uma filosofia deve certamente abraçar os distintos elementos das realidades que conhecemos na experiência. De outra maneira, não deixará de ser um modo transitório do pensamento. Também, uma filosofia pode fracassar em seus esforços para unificar os elementos do ser. O princípio monístico teve grande influência nos sistemas modernos. Mas muitas das explicações monistas deixam de ser satisfatórias em alguns pontos importantes. Por conseqüência, originou sistemas contraditórios. Adotou-se uma teoria dualista, ou pluralista, assumindo que não é possível encontrar um vínculo realmente monístico entre as formas variadas da realidade. É claro que a investigação da unidade é um instinto ir­ repreensível da mente humana. Parece ser orgânico em nossa constituição mental. Por isso, é inevitável no movimento filosófico. Mas uma das maiores necessidades da atualidade é a sabedoria no uso do princípio. Princípios monísticos que não explicam, vínculos unificadores que não unificam são perigosos instrumentos do pensamento. E enquanto se apresentarem como princípios que devem ser utilizados, hipóteses que devem ser verificadas, a sabedoria deve reconhecê-los pelo que são, até que se demonstre algum outro princípio verdadeiro e final. F .O piniões m odernas sobre o m u n d o Agora podemos examinar brevemente alguns dos sistemas filosóficos que reclamam atenção especial da teologia. 1. Começamos com o agnosticismo, que nega a possibilid de conhecimento da realidade essencial. Em sua forma moderna, o agnosticismo se alicerça na distinção de Kant entre fenômenos e números ou a aparência e a coisa em si. A idéia é que podemos observar e conhecer as aparências, mas não as realidades que existem por trás delas. Estas estão totalmente escondidas do nosso olhar. Não se nega que haja semelhantes realidades, mas que estão além de nossas faculdades e poderes. A atitude agnóstica é adotada algumas vezes no próprio interesse da religião, às vezes no interesse da ciência natural, que a tem como a única esfera de genuíno conhecimento. Mas em ambos aspectos é uma atitude insustentável e perigosa. As objeções ao agnosticismo, brevemente manifestadas, são as seguintes. Em primeiro lugar, não há razão para assumir que a realidade fundamental ou essencial não tenha relação com nossos poderes finitos de conhecimento. Em todos os nossos raciocínios damos por certo que há uma correspondência ou um consentimento entre nosso conhecimento ou os objetos conhecidos. A verdadeira prova está no que realmente sabemos, não em alguma teoria do que podemos ou não podemos conhecer. Em segundo lugar, o agnosticismo em suas declarações afirma muito em relação a nossa incapacidade de conhecer e aos objetos de nosso conhecimento. Afirmar que há um incognoscível que não se pode conhecer é contraditório em si mesmo. Sabem que existe, é conhecimento importante, e saber que não podemos conhecê-lo implica um conhecimento quase infinito acerca de nossa mente, assim como dos objetos de que se ocupa. Em terceiro lugar, o agnosticismo se contradiz em sua opinião de nossa capacidade de saber e das limitações de nosso conhecimento. Sua conclusão em relação à realidade essencial ou final é em si mesma um objeto de conhecimento. Assim, pois, a pedra fundamental de todo conhecimento se destrói juntamente com o edifício alicerçado sobre ela, de acordo com a opinião agnóstica do mundo. Em quarto lugar, o agnosticismo se fundamenta sobre uma mesquinha opinião do conhecimento humano. Huxley ditou a palavra corrente em tempos recentes, e limitou o conhecimento e a prova a fórmulas matemáticas e as leis da natureza. Essa limitação é agora uma opinião muito desacreditada do conhecimento. O mundo moral e espiritual também contêm objetos de conhecimento. Isso deve ser levado em consideração. Nossa teoria do conhecimento deve conformar-se com os fatos. O agnosticismo desconsidera alguns dos fatos. Em quinto lugar, o agnosticismo destrói nossos valores morais e espirituais. Afirmar a incapacidade do homem para conhecer a Deus é eliminar o maior incentivo moral e espiritual. Por último, o agnosticismo está construído sobre uma teo­ ria parcial e abstrata do mundo da experiência. Não conhecemos a natureza e suas leis, como se estivéssemos separados e inde­ pendentes de nossa consciência. Todos os fatos da vida moral e espiritual dos homens devem ser incluídos em qualquer teoria de conhecimento que possa sustentar-se na filosofia. Assim, é mera abstração levar em consideração somente o mundo físico em detrimento do mundo espiritual. Em outras palavras, conhecemos muitas formas da atividade mental que não pertencem de maneira alguma ao mundo dos fenômenos. No entanto, são completamente reais, na verdade são as mais reais de todas as formas de realidade que conhecemos. Já que os fatos exigem, que incluamos em nossa teoria de conhecimento não apenas as aparências, as coisas que vemos, ouvimos e sentimos, mas também todas as coisas invisíveis da mente e do espírito. 2. O materialismo afirma que a matéria é a chave universo. Dados da matéria, da energia, do movimento, como são encontradas na natureza, podem explicar todas as coisas, segundo o materialismo. Diz que os estados da consciência são o produto dos estados cerebrais. O materialismo se vale da lei de conservação de energia para provar sua declaração. Todos os fenômenos mentais ou físicos, todas as atividades morais e espirituais dos homens são claramente aspectos da transformação da energia. As objeções ao materialismo são evidentes: (1) O fundamento em que repousa o materialismo é muito débil diante da consideração dos fatos da natureza e do mundo da experiência humana. A lei da transformação de energia é limitada em sua aplicação. Não explica a vida. O que é vivo não resulta do que não é. Pelo menos, a ciência não demonstrou que seja assim. Os estados mentais não tem nada em comum com os estados do cérebro. Eles nunca se misturam. Há, na verdade, um estreito paralelismo entre eles, mas um grande abismo os separam. (2) A consciência e a vontade têm qualidades que superam o físico. O homem pode fazer de si mesmo um objeto do pensamento. Não há nada na matéria que corresponda a esse poder. A vontade humana é uma causa verdadeira. Pode originar movimento. A matéria é sempre um efeito. Não origina nada. O poder de escolha que o homem tem, sua liberdade, sua capacidade de concentração são as características que o colocam muito acima do mundo da matéria. A personalidade humana transcende sobre a natureza humana. A vida moral e religiosa do homem está muito acima da esfera meramente física. O homem emprega a matéria para efetuar seus fins. A natureza tornar-se seu instrumento. Assim observamos a superio­ ridade do homem sobre a natureza. (3) A evidência de que há um propósito ou plano na natureza é sólida e clara. Podemos entender isso se fizermos re­ ferência a um espírito pessoal que governa, mas não podemos de maneira nenhuma compreendê-lo caso o mundo não seja nada senão matéria, energia e movimento. O materialismo ignora toda moralidade e religiosidade. É ineficaz sempre que procura explicá-los. Contudo, esses fatores são os mais significativos de toda a experiência humana. Nossa conclusão é a de que o materialismo não explica a consciência, a vontade nem o espírito. Apenas se desfaz deles. Cancela uma categoria de fatos a fim de exaltar outra. Não considera a experiência como nos é apresentada. Pelo contrário, altera a experiência para conformá-la à sua própria imagem e semelhança. É um sistema abstrato. Procura unificar os fatos do ser. Deve-se, pois, descartar o materialismo sem vacilar. 3. O idealismo toma o próprio pensamento como prin pio de sua explicação. Assim, em seu significado essencial, é o contrário do materialismo. Há muitas variações do idealismo. Tratamos aqui apenas seus elementos essenciais. O idealismo começa com a declaração de que o único mundo que conhecemos é o do pensamento. Isto não quer dizer que nossos pensamentos individuais e pessoais sejam as únicas realidades. Não é necessário que nos detenhamos nessa forma de materialismo. O idealismo afirma, ao contrário, que o verdadeiro mundo objetivo de coisas é conhecido por nós apenas pelos pensamentos que temos dele. Quando tais coisas nos são apresentadas, pensamos em suas cores, suas formas, seus sons, em todas as suas qualidades e atributos. Estes objetos, à parte de nossos pensamentos acerca deles mesmos, não têm existência para nós. Porque as coisas são essencialmente pensamentos. Mas é indubitável que fora de nossa consciência há coisas que nunca se passaram em nossos pensamentos, contudo deve haver outra consciência para a qual elas existem. A menos que as coisas existam em alguma parte para alguma consciência, não podemos concebê-las como existentes de maneira nenhuma. Se as coisas em algum lugar, em algum tempo não se relacionam com o pensamento, deixam de ter algum sentido. Tornam-se totalmente incapazes de serem conhecidas, o que eqüivale dizer que não existem. O idealismo generaliza essa opinião fazendo dela uma filosofia da natureza do ser como um todo. Essa filosofia afirma a pedra fundamental de toda a nossa experiência humana é o pensamento, não a matéria. Esse fato fundamental é a chave da significação do mundo. O mundo é uma consciência universal. Deus é o grande pensador. Está se auto-realizando em nós e na natureza, pensando-nos. Somos parte dele. Nossos pensamentos imperfeitos, nosso desejo de mais conhecimento não existem sem que a mente infinita se expresse em nossas mentes finitas. Assim o mundo é unificado pelo conceito de que os pensamentos e as coisas são uma, e que todos os pensamentos finitos são aspectos ou fases do pensamento do pensador infinito. O idealismo é assim um sistema monístico. O viver é reduzido, fundamentalmente, a um só elemento. (1) Notamos brevemente até onde é sustentável e até onde é insustentável. O idealismo tem razão em afirmar que todas as coisas são organizadas no pensamento e para o pensamento. Não podemos evitar está convicção se refletirmos um pouco no assunto. O idealismo também tem razão quando nega a realidade independente da matéria. A única matéria que conhecemos, ou podemos conhecer, é a matéria relacionada com o pensamento, dependente do pensamento. Assim, o idealismo também está correto quando passa de coisas exteriores à consciência para encontrar a verdadeiro significado da realidade última ou fundamental. O idealismo segue um método correto ao alicerçar sua opinião do mundo nos fatos de nossa experiência. (2) Por outro lado, deve ser dito que o idealismo não explica plenamente a diferença entre pensamentos e coisas. As coisas têm extensão, os pensamentos, não. Também é até certo ponto abstrato porque separa o pensamento de outros elementos da consciência. A vontade e a emoção, impulsos morais e espirituais estão ali, assim como o pensamento. Também o idealismo faz com que, de maneiras difíceis de entender, seres finitos sejam partes do infinito. Se nós, como seres pensantes, não somos senão partes do pensador infinito, não é fácil entender como ele, o infinito, pode ser onisciente em si mesmo cometendo os diversos erros e pecados que predominam nas partes finitas de si mesmo. Há também grande tendência no idealismo de cancelar a liberdade e personalidade humana. Uma opinião monista do universo, que declara supremas as operações do pensamento, encontra uma dificuldade imensa para cuidar dos interesses da vontade moral e espiritual que há no homem. O idealismo é preferível ao materialismo, e, em algumas de suas mais recentes perspectivas, dá mais atenção aos interesses mencionados. Mas em suas formas abstratas pode conduzir a resultados pouco ou nada melhores que o do materialismo ou do fatalismo. 4. O personalismo é outro tipo do pensamento filosófic decididamente superior ao idealismo abstrato. Observa-se clara­ mente que a vida é mais que pensamentos, mais que as represen­ tações e as idéias. O personalismo ressalta a unidade sintética da consciência. Reconhece todos os fatores da consciência, incluindo a vontade e os sentimentos, bem como a inteligência. Enfatiza o crescimento do homem em conhecimento e experiência. Considera o homem em todas as suas relações: com a natureza, com outras pessoas na sociedade e com Deus. Reconhece as experiências co­ muns dos homens e a lei da razão pela qual se compreendem uns com os outros, conscientes de suas próprias experiências. Sobre estes fatos fundamentais, reconhecidos e admitidos por todos os pensadores de todas as escolas, o personalismo edifica sua idéia geral do mundo. Suas conclusões são que a última, fundamental ou essencial realidade é uma Pessoa; que nós somos, pela criação de suas mãos, verdadeiras pessoas; que estamos dota­ dos de livre-arbítrio; que a Pessoa divina está levando a cabo um propósito na sociedade; e que o objeto da história é uma sociedade perfeita de homens e mulheres em comunhão com Deus. Mas o que diz respeito à natureza física, o personalismo concorda com o idealismo na opinião de que a natureza, em todas as suas partes, está constituída no pensamento e para o pensamento; que o tempo e o espaço são formas de pensamento pelos quais compreendemos o mundo melhor de que realidades independentes. Sustenta também que a Pessoa infinita, Deus, contém em si mesma toda a existência finita. O infinito está re­ lacionado com o finito e está em comunicação verdadeira com ele, em vez de estar separado dele por um abismo intransponível. O personalismo sustenta que a chave para a significado da natureza física é o propósito divino que o permeia; que a coroa e a meta da natureza é seu resultado mais sublime, o próprio homem; que devemos entender o princípio à luz do resultado, e não procurar cancelar os elementos mais elevados no resultado. Isto se faz quando assumimos algum elemento primário do ser, como a matéria, a energia, ou movimento, ou ainda o pensamento abstrato, e em seguida reduzir todos os elementos mais sublimes a esse. As considerações apresentadas para sustentar essa opinião são muitas e convincentes. Em primeiro lugar, o personalismo é uma filosofia edificada sobre um amplo fundamento de fato e experiência. Um método da filosofia é separar a matéria do pensamento para chegar à conclusão materialista. Outro, é separar o próprio pensamento de seu contexto em nossa vida humana pessoal e chegar à conclusão do idealismo abstrato. O personalismo evita ambas abstrações. Considera a realidade como a encontra. O homem é um sujeito. Pensa. O mundo é objeto para os pensamentos do homem. A realidade, como a conhecemos, inclui a relação de sujeito-objeto. Mas o objeto não é meramente um ser pensante. É uma pessoa que age e tem vontade, plano, propósito e um ideal a alcançar. Assim, o personalismo reconhece tudo o que implica o conceito de personalidade e a emprega com o "fenômeno-típico" para explicar o mundo. Em segundo lugar, o personalismo é vigoroso em sua explicação das causas primeiras e finais. A idéia da causalidade é muito difícil. Não podemos falar dela aqui, senão para ensinar um ou dois fatos importantes. A ciência física não conhece nenhuma causa primeira. Todas as causas naturais são, antes de tudo, efeitos de causas prévias. Assim não há senão um regresso infinito de causas, todas as quais estão situadas no nível físico: a causa b; b causa c; e c causa d; e assim indefinidamente. Nenhuma causa primeira, isto é, nenhuma causa verdadeira, será encontrada alguma vez por esse método. O personalismo afirma que a vontade humana é, pelo menos em sentido relativo, uma causa primária. Dela derivamos nosso conceito primeiro e fundamental da causalidade. É uma causa sobre o nível mais alto. Assim o personalismo chega à idéia da vontade divina sobre uma base experimental. A vontade de Deus é a causa eficiente que move todas as coisas, às quais operam para conduzir até um fim divino. Em terceiro lugar, o personalismo é vigoroso porque leva em consideração o conhecimento humano. Reconhecendo que os homens se comunicam entre si, não oferece nenhuma dificuldade em aceitar que os pensamentos de alguém podem ser conhecidos por outros, e por isso mesmo aceitar que Deus possa dar a conhecer o conteúdo de seu pensamento. Reconhecendo também que todas coisas objetivas construídas são constituídas em e para o pensamento, não é difícil fazer a transição para a idéia de que o mundo que nos rodeia é Deus falando a nós. Assim como a linguagem exige, para que se entenda, que haja inteligência naquele que fala e naquele que ouve, assim o mundo criado como uma linguagem inteligível para nós implica inteligência no poder que o produz e que o mantém. E por essa razão que nossa inteligência é a resposta à inteligência divina, e dá a entender que o universo é um todo coerente e harmonioso. Não vivemos em um caos, mas no mundo em que a parte corresponde ao todo, e o todo pode comunicar-se com a parte. Em quarto lugar, o personalismo também considera o livrearbítrio, colocando-o acima dos conceitos que se tem do mundo. Assim como o mundo é o resultado da ação de Deus, ao se impartir (o ser divino), a sua criação, assim o homem é, em sentido mais elevado, Deus se impartindo a sua criatura. Há pequena distância entre isto e a doutrina do livre-arbítrio humano. Deus é o mais livre de todos os seres e, ao fazer o homem a sua própria imagem, o fez livre. Pertence à mesma essência da imagem divina no homem que este [o ser] seja livre. Assim o personalismo evita o resultado panteísta que resulta da negação da personalidade de Deus. Se Deus é meramente uma substância impessoal idêntica à totalidade da existência, então o homem não pode ser uma pes­ soa livre. Então, não é senão uma fase passageira, transitória da substância eterna. Em quinto lugar, o personalismo é vigoroso na interpretação do significado da natureza física. Temos que notar os seguintes pontos: (1) Sendo a natureza constituída no e para o pensamento, é uma parte da revelação de Deus aos homens; (2) visto que a única natureza que conhecemos é a natureza que encontramos em nossa experiência humana (a natu­ reza relacionada com a personalidade), somos compeli­ dos a considerar a natureza em sua relação com a Pessoa infinita como seu significado mais profundo; (3) visto que o homem é o coroamento da natureza, devemos assumir que seja seu alvo e motivo; (4) visto que o homem emprega a natureza de mil maneiras diferentes para seus fins, temos de deduzir que a perso­ nalidade é superior ao físico e que cumpre completamente os fins divinos; (5) ao interpretar a natureza como um sistema de leis, e sob a operação de causalidade no sentido físico, não estamos autorizados a tomá-la como se existisse independente de todas as relações pessoais. Nossa idéia de natureza deve incluir os mais imediatos e insistentes de todos os fatos que conhecemos dela, isto é, sua relação com os seres pessoais. Isto evitará a tendência perigosa que se observa com tanta freqüência: a de permitir que a natureza física imponha suas leis no mundo pessoal mais elevado. Não devemos, segundo as palavras de Tennyson (usadas em outro contexto), "Colocar os pés em cima do cérebro e jurar que o cérebro está nos pés". Em sexto lugar, o personalismo estabelece algumas recomen­ dações em seu ensino referente à relação de Deus com o universo. (1) Insiste na unidade da natureza, do homem e de Deus. Interpreta o universo como espírito. O tempo e o espaço são formas de nossa apreensão do mundo objetivo. Isto, no entanto, não é mesma coisa que a unidade panteísta, a qual identifica Deus com a natureza e faz com que a matéria seja coeterna com Deus. O mundo é criação de Deus. É a esfera em que cumpre seus propósitos. O princípio monístico do personalismo que dizer simplesmente que não existe nenhum dualismo irreconciliável entre Deus e a natureza. Recusa-se a declarar que a natureza seja Deus, mas insiste em que foi criada por Deus, e está sujeita à mão criadora dele. (2) O personalismo insiste na imanência de Deus no mundo. Mas também não se trata da mesma imanência panteísta, que afirma ser a realidade uma substância impessoal de dois lados: o pensamento e a extensão. O personalismo se opõe fortemente ao panteísmo neste ponto. Mas o per­ sonalismo afirma a presença de Deus na ordem natural, sua ação dentro dela e seu movimento através dela como o rumo de sua meta. (3) O personalismo ressalta a transcendência de Deus as­ sim como sua imanência. Mas aqui também não é uma transcendência no sentido deísta. O mundo não é uma máquina que Deus criou e, em seguida, abandonou à própria sorte. Deve está realmente sobre o mundo, mas separado dele. Sua transcendência significa superioridade em relação ao universo criado. Significa que o mundo não pode conter Deus. Deus é mais que todas as coisas criadas. (4) O personalismo insiste também na presença de Deus na história humana. Assim como a personalidade é o fator mais significativo, o mais sublime do ser que conhecemos, o personalismo sustenta a opinião, muito coerente em suas premissas, que o desenvolvimento e o aprimoramento de uma sociedade é o alvo principal da história, a meta divina no progresso do mundo. Em relação com a presença de Deus na história, encontramos alguns dos alicerces mais claros e vigorosos do personalismo. Cada parte do esforço humano chega a ser irradiado de luz divina quando o consideramos dessa perspectiva. Todos convergem sobre a verdade central da personalidade como a chave do significado do mundo. Consideremos brevemente os principais setores da atividade humana. (1) Em primeiro lugar, consideremos a ciência física. As proezas do homem neste setor e seu desejo de adquirir sempre mais conhecimento são os sinais da presença divina no homem, que essa se esforçando para alcançar a meta do reino universal da verdade. Além disso, a resposta da criação aos esforços humanos, os segredos que ela revela como prêmio para as investigações, são sinais de que a criação foi constituída para a procura da verdade, que por trás dela está um ser superior que é a verdade infinita. O desejo insaciável do homem de alcançar mais e mais conhecimentos da natureza, e a reposta da natureza e suas investigações são ambas testemunhos poderosos da existência de Deus, e, além disso, de sua presença em todas as partes da criação. Assim, a consciência científica tem implicitamente em si mesma a consciência de Deus. A consciência do estudante finito é a que busca a satisfação no infinito. (2) Consideremos em segundo lugar a moralidade. Desde a época de Immanuel Kant, a presença de um imperativo moral no homem é dada por certa no pensamento filosófico. O que significa a presença daquele imperativo? Significa que o supremo ideal moral está entrelaçado na mesma estrutura do ser do homem. A existência de uma suprema norma moral não é alguma coisa que deduzimos de outra. E, antes disso, algo que encontramos existente na essência da própria realidade, na natureza moral do homem. Em última análise, a base e a origem daquela norma moral só pode ser encontrada no próprio Deus, a Pessoa infinita. Se for baseada no panteísmo, não terá significado moral. A distinção entre o bem e o mal não tem significado quando separada de uma suprema pessoa moral. O fracasso do homem para alcançar o supremo ideal moral, suas lutas e seu lento progresso em relação a sua vida particular e social não se opõem; mas, ao contrário, estão em harmonia com a idéia de um ser supremamente bom, que é a fonte de todo o bem. A procura que o homem faz do ideal moral, sua aproximação paulatina à liberdade, à justiça e ao amor na ordem social, especialmente seu descontentamento, apesar de todos os progressos e aquisições atuais, podem apenas se explicar por suas relações com o infinito, com o bem eterno. O personalismo proporciona a chave para a explicação dos fenômenos morais, chave que apenas pode ser encontrada em algum sistema que negue o sistema cardinal da personalidade no universo. A moral não é senão outro nome para o pessoal. (3) Consideremos brevemente as atividades estéticas artísticas. O amor ao belo está enraizado em nós quando chegamos ao mundo. Mas aqui também o lema do homem é: "Não considero que eu tenha, contudo, lançado mão disso". O gênio pinta um quadro, faz uma grande estátua, escreve um grande poema, produz uma grande composição musical, edifica uma grande obra arquitetônica. Sente um contentamento momentâneo com a obra de suas mãos. Pode até sentir que essa é o alvo e a meta de sua arte. Parece-lhe que não há nada mais esplêndido. Mas é uma emoção passageira. Origina-se nele um sentido de possibilidades mais elevadas, e novamente toma seu pincel e produz obras-primas. Assim, as obras-primas do homem se tornam degraus da escala interminável que conduz ao ideal infinito do belo. Isto também é um testemunho do fato de que a natureza humana reflete a imagem de Deus. (4) Chegamos à mesma conclusão quando tratamos a história da filosofia. O desejo de obter uma interpretação racional do universo é insaciável no homem. Dessa perspectiva, a história da filosofia é um estudo desanimador. Um sis­ tema sucede outro em um processo interminável. Antigos sistemas ressurgem em formas modificadas. Novos sistemas se originam. Todo sistema contém algum novo sistema de explicação adequado à própria perspectiva. O conflito é realmente o de premissas, antes que de argumentos e conclusões. Mas o que é mais interessante em todo movimento filosófico é a sede insaciável que o homem sente de novos esforços para resolver o enigma do mundo. Se não fosse por isso, e pelo que significa, o equilíbrio instável da filosofia pareceria uma perspectiva desesperada. Mas o homem foi feito para a verdade, e devemos também sustentar que a verdade não está sem esperança. Pois bem, não podemos compreender a sede que o homem experimenta pelo conhecimento do todo; tormenta intelectual essa que não o deixará descansar, pois se trata da idéia de que é o reflexo que está nele da natureza que Deus lhe deu. É o eterno que procura se expressar no homem e por meio dele, e o dirige à sua verdadeira possessão no domínio da verdade universal. A influência do personalismo nesse ponto é óbvia. Se há um domínio de verdade universal, se a realidade está constituída em um modo particular e aberto à investigação e ao descobrimento de seres pessoais, só pode ser porque um supremo ser pessoal deu ao mundo verdadeiro sua constituição. A distinção entre a verdade e o erro não tem significado quando separado da personalidade. Uma verdade é verdade unicamente para a pessoa. Não pode ser verdade meramente suspensa no ar. O erro só pode ser erro por ser uma separação de fatos, à medida que estes foram constituídos em verdade. O panteísmo aqui também cancela o conceito de verdade. Apenas o personalismo pode mantê-lo. (5) A psicologia e a psicologia da religião testemunham a mesma consciência do infinito na consciência finita do homem. Apenas necessitamos concordar aqui com o que foi dito em outra parte. A consciência social do homem, seu desejo de se realizar em uma sociedade de pessoas, desperta nele o desejo da sociedade perfeita, a Pessoa ide­ al e suprema. Isto expressa o instinto humano da oração. A questão inicial acerca da oração não é se Deus responde a oração ou pode respondê-la. O assunto é por que os homens realmente oram. Sem dúvida, a propensão para a oração é afetada pelo pecado, ofuscada com freqüência pela ignorância e pela superstição; às vezes está comple­ tamente ausente de alguns homens. No entanto, consi­ derando de modo geral a psicologia da religião, vemos que a propensão a orar é praticamente universal entre os homens. Aqui também encontramos a convicção de que não pode ser arrancada do homem, da realidade da Pes­ soa infinita de quem viemos e de quem dependemos. (6) A religião comparada testemunha a mesma verdade. A consideração pessoal do universo dá a chave a todos os fenômenos da vida religiosa geral da humanidade. Se Deus é uma pessoa infinita, e o homem finito foi criado à sua imagem e semelhança, santo e amável, podemos compreender racionalmente o desejo humano irresistível por Deus. As relações conturbadas entre Deus e o homem podem explicar-se pelo princípio do pecado no homem. O cristianismo entra em cena na luta humana para encontrar Deus, e anuncia a revelação que Deus faz de si mesmo em Cristo e a resposta à necessidade humana. a. Um universo impessoal Apenas é necessário considerar brevemente a idéia oposta a fim de receber uma compreensão nova e vigorosa da verdade geral da interpretação pessoal do mundo. Suponhamos que o universo seja impessoal. Então todo o edifício cultural humano e da civilização cairá, convertido em ruínas. Notamos três resultados ruins. Em primeiro lugar, toda a construção do pensamento humano desaba. Assim sucede porque a distinção entre a verdade e o erro deixa de ter significado. Podemos compreender o erro quando consideramos o equívoco de uma pessoa livre e inteligente desviando-se do caminho em sua investigação da verdade. Mas, a menos que haja uma Pessoa infinita que estabeleça regras e critérios de verdade, não tratará tal coisa como erro. Todo pensamento de todo pensador é então apenas a manifestação de uma substância ou realidade impessoal por meio da consciência humana. Não é o erro de um ser livre e consciente de si mesmo, mas um pensamento determinado da mesma maneira como são determinados os resultados físicos por causas físicas. Segue-se, em segundo lugar, que todas as aqui­ sições morais deixam de ter significado ou valor. O correto significa a conformidade com a constituição moral do universo. O incorreto significa a separação dela. Se o mundo fundamental é impessoal, nada pode ser correto ou incorreto no sentido moral. Os homens não são, então, mais que plantas ou flores ou animais que seguem seus instintos naturais. Re­ sistir a tais instintos não é apenas futilidade, mas também tolice. São da mesma estrutura da nossa natureza, assim como da natureza do universo. É completamente vão buscar uma base ética para a vida sobre qualquer outra consideração do mundo que não seja pessoal. Em terceiro lugar, a vida religiosa do homem estará vazia de toda significação caso se adote qualquer outra consideração impessoal. Assim a religião se torna um artifício funcional. Os homens imaginam deuses porque os deuses são úteis na luta pela existência, não porque existam e respondam às necessidades humanas. A inteligência comum tem pouca dificuldade para perceber que semelhante idéia destrói a religião. Os homens inteligentes des­ prezam as falsidades e as farsas de todas as classes. A religião não duraria muito tempo se prevaleces­ se essa opinião. Mas não pode prevalecer porque contradiz decisivamente toda a história religiosa da humanidade. E uma teoria abstrata construída de elementos de religião totalmente separados de seu contexto na vida religiosa do homem. A realidade do objeto religioso é essencial à idéia religiosa. b. Conclusões gerais em relação à experiência cristã e outras formas de conhecimento. Já repassamos extensamente a relação que a experiência cristã tem com outras formas de co­ nhecimento. Propusemo-nos mostrar a unidade do conhecimento e a harmonia da idéia cristã do mun­ do com as diversas formas da cultura moderna. Agora devemos resumir os resultados dessa dis­ cussão em uma declaração breve e geral. Falando em termos gerais, podemos dizer que a experiência cristã da redenção por meio de Cristo é a verdadeira meta de toda a experiência humana e a chave de seu significado. Somos redimidos do pecado para estarmos em comunhão com o Deus eterno por meio de Cristo. Assim, conhecemos Deus por meio de um contato vivo com ele. A ex­ periência cristã, desse modo, retira a questão da existência de Deus do domínio da especulação e a coloca na esfera das realidades mais essenciais da vida. Torna-se, em razão disso, o coroamento na estrutura que o esforço humano faz para obter as realidades mais sublimes do espírito. É a resposta distinta ao desejo científico da verdade universal; é o fim da investigação da alma que busca a comu­ nhão suprema, como o exibe a psicologia. Supre definitivamente tudo em relação ao que a vida religiosa do homem procura, e traz a realização da própria religião. É a resposta às indagações filosóficas do homem acerca do significado do mundo. Mas não é uma resposta em termos de dedução lógica ou raciocínio abstrato. É, antes disso, uma resposta em termos de vida e poder. A experiência cristã é o transformador exigido para a realização dos ideais morais humanos. Então tornase condição fundamental para a plena realização de sua natureza pessoal. Assim também é o supremo princípio construtivo para a realização da sociedade ideal, o reino de Deus. Inferimos, pois, que toda a experiência humana implica o que significamos por experiência religio­ sa. A psicologia revela o desejo que o homem tem do "Companheiro Supremo". A ciência, como um método e um ideal, exibe o sentido que o homem possui da unidade das partes do ser e a sede huma­ na de ter conhecimento completo. A ética implica o sentido que o homem tem de algo moralmen­ te perfeito, do supremamente bom. A filosofia é a investigação incessante da explicação final. Toda forma de religião mostra a procura que o homem faz da vitória e da bênção juntamente com algum objeto de culto. O cristianismo é a resposta de Deus a esses desejos humanos na suprema revelação que, por Jesus Cristo, fez de si mesmo. R . Personalism o e teísm o cristão Até agora tem sido costume discutir extensamente nos livros de teologia argumentos formais a favor da existência de Deus. Adotamos outro método com o qual a ciência moderna nos familiarizou. Esse método é o de buscar a opinião geral que parece ser exigida pelos fatos. Procuramos indicar como o personalismo explica os fatos da natureza e os que se relacionam com o homem. Propositadamente omitimos referências a dificuldades e objeções, com o fim de exibir a opinião em toda sua força. Queremos agora destacar dois ou três pontos à título de adição e modificação. A primeira coisa que temos a observar é a relação que o personalismo tem com os ensinos bíblicos tocantes a Deus. As representações bíblicas de Deus não são especulativas. Não tratam de questões de ontologia, de essência e de ser. As escrituras não são filosóficas em sua maneira de tratar os fatos da religião. No entanto, o teísmo cristão é em essência, como é ensinado no Novo Testamento, o mesmo que o personalismo, como o explicamos. A idéia do teísmo cristão é que Deus é o espírito infinito, pessoal, amável, santo, ativo, imanente no mundo e transcendental. O personalismo está inteiramente de acordo com o Novo Testamento nesses aspectos. O ponto em que o personalismo vai mais além do teísmo cristão é na sua tendência monista. O personalismo procura explicar a matéria a partir da perspectiva de uma base espiritual universal. Está mais próximo de êxito neste aspecto que qualquer outra forma de pensamento filosófico moderno. Mas não elimina todas as dificuldades; e, enquanto não resolve isso, não precisamos considerar que tenha chegado a sua forma final. Mas o personalismo não se assemelha à maioria dos sistemas monísticos em certas particularidades fundamentais, como veremos a seguir: 1. Insiste na realidade da personalidade humana. Combate a tendência panteísta de fazer do homem uma fase passageira da substância impessoal e eterna. 2. Insiste na personalidade de Deus. Partindo disso, explica a personalidade do homem. 3. Insiste na liberdade humana. 4. Insiste em um propósito controlador da natureza e da história. 5. Insiste na liberdade e na imortalidade. 6. Insiste na capacidade do homem para reconhecer Deus e na possibilidade de comunhão entre a Pessoa infinita e a finita. Assim, parece que o personalismo conserva os valores cristãos ainda que vá além em alguns pontos dos ensinamentos do cristianismo. O interesse cristão não tem nada a perder quando dá boas-vindas a todo esforço da inteligência humana para explicar a última ou essencial significação do mundo. Enquanto os homens acrescentam seus conhecimentos e sabedoria, e ampliam sua experiência, paulatinamente se aproximam da idéia cristã do mundo. O personalismo é uma das mais formosas flores do pensamento filosófico da atualidade. E interessante observar sua afinidade com o nosso conceito cristão de Deus. Pode ser interessante, na conclusão desta seção, assinalar brevemente como o teísmo cristão se relaciona com as opiniões gerais acerca do mundo. O primeiro sustenta, pelos mais sólidos motivos, que Deus é um, pessoal, espiritual, justo, amável, ativo e redentor. Essa é a convicção religiosa em relação a Deus. A filosofia procura explicar a natureza do ser como um todo, as relações entre a consciência e a matéria, as relações de Deus com o universo físico, trata na verdade de todos os problemas primários do pensamento. A religião se relaciona apenas indiretamente com muitos deles. Não existe, pois, nenhum conflito necessário entre os interesses do pensamento nestas últimas e o interesse da religião. A religião não deve limitar a inteligência nem deve procurar que o homem religioso aceite forçadamente noções do mundo que são desconcertantes para a própria religião. Em última instância, os dois interesses são idênticos. A atividade humana em cada esfera é o complemento necessário a sua atividade em outra. Mas enquanto não alcançou o último propósito do pensamento e a completa unidade de todos os elementos da vida, devemos defender o princípio da liberdade tanto da vida religiosa como da vida intelectual do homem. Nesse aspecto, para se tornar mais claro, relembramos que nossa experiência de Deus em Cristo pode ser interpretada para os fins da vida religiosa; neste caso, tornase um sistema de teologia; ou pode ser interpretada para os fins da idéia geral do mundo; e neste caso torna-se um sistema de metafísica. A teologia retrocede, inevitável e invariavelmente, à metafísica. Mas há problemas na metafísica cuja resolução não é essencial para a religião ou para a teologia. H .A s provas da existência de D eo s Não desenvolvemos nas páginas anteriores os argumentos a favor da existência de Deus conhecidas na teologia por provas cosmológicas, teleológicas, antropológicas, ontológicas e morais. Aliás, cada uma delas foi tratada, direta ou indiretamente, no que se escreveu em relação à idéia pessoal do universo. Em suas formas comuns, esses argumentos não apelam tão fortemente como antes, devido ao predomínio dos métodos exatos da ciência física. Como se declarou anteriormente, são menos convincentes para o crente cristão que o conhecimento de Deus derivado da revelação em Cristo. Mas quando são combinadas com o testemunho da experiência cristã, as provas mais antigas apresentam muita resistência. Vamos considerá-las brevemente: 1. Começamos com o argumento cosmológico. Ele dedu existência de Deus pela necessidade de uma causa adequada para explicar o universo. Todo efeito deve ter uma causa adequada. O universo é um efeito. Deus é a única causa adequada. Uma objeção comum é: isto somente prova uma causa finita, pois o universo não é infinito. Mas a objeção científica é que não é uma causa descoberta ou provada, senão meramente deduzida. A ciência explica por meio do princípio de continuidade, ou seja, da transformação da energia. Não se encontra nenhuma explicação real, até que se encontre a relação entre a conseqüência e seu antecedente. Além disso, ao inferir Deus da matéria, salta-se sobre o abismo que separa a matéria do espírito. A idéia de Deus, afirma o homem científico, não explica nada absolutamente ou explica tudo igualmente. Esse é um método de explicação que não tem absolutamente nenhum valor científico. Essa ilustração servirá para outras formas da verdade. Os modos mais antigos de manifestálas, para muitos, perderam parte de sua coerência argumentativa, não por causa da coerência argumentativa, mas porque não são adequadas ou não se adaptam aos métodos e critérios modernos para avaliar a verdade. A verdade no argumento cosmológico será mais bem compreendida considerando-se a idéia de causalidade. A forma mais antiga do argumento deixou de entender propriamente essa idéia, e a objeção a ela está baseada no mesmo defeito. Devemos fazer distinção entre a causalidade física e a causalidade livre. Pela primeira, pensamos na transformação de energia. Pela última, nos atos livres da vontade. A questão é sobre a qual delas devese conceder a posição fundamental. O teísta cristão afirma que todos os nossos conceitos de energia, ainda em suas manifestações físicas, derivam, por último, da experiência do poder de nossos atos livres da vontade. O homem é parte do universo; na verdade, é a mais elevada de suas partes finitas que conhecemos. Ao buscar a primeira causa, somos legitimados apenas quando tomamos a mais elevada forma de causa que conhecemos, como uma espécie de causa que explica o universo como um todo. Até aqui o teísmo cristão é justificável. O idealismo e personalismo vão um pouco além, e resolvem todas as formas livres de causalidade em formas de causalidade livre. Está é uma explicação interessante, mas não é necessária ao teísmo cristão. De certa maneira, confirma a conclusão disso, ainda que não substitua seu alicerce principal. O argumento cosmológico, no entanto, está muito reforçado pelo testemunho da consciência religiosa do homem, seu sentido de dependência. Esse sentido de dependência pessoal de um Poder Superior faz sentir no coração a convicção, deduzida pela razão, de um universo contingente e dependente. Se estendermos o argumento cosmológico incluindo o que acabamos de mencionar, podemos traçar o procedimento da razão para chegar à idéia de Deus, pelos seguintes passos: (1) A ciência descobre uma série de causas que nunca passaram além do aspecto físico. As causas e os efeitos na natureza apresentam um regresso interminável. A é produzido por b, b por c, e assim sucessivamente até o fim, se houver algum fim. A série é como uma fileira de tijolos que caem um sobre o outro. Mas a mente não pode descansar com uma explicação dessa natureza. A razão inevitavelmente procura uma causa que origina, que não seja parcialmente efeitos e parcialmente causa. Que coisa fez com que a fileira de tijolos começasse a cair? (2) Ao buscar essa causa original, a vontade humana proporciona a melhor pista para nos guiar. Não é o produto da continuidade física, é livre, e em um sentido verdadeiro é uma coisa originadora finita. Pois da vontade como uma indicação, um fato dado, nos elevamos ao pensamento de uma vontade infinita que origina e sustenta o universo. Assim encontramos um vínculo que une o mundo exterior com o mundo interior. (3) Nesse aspecto, outra forma de experiência humana vem reforçar a razão. É o sentido de dependência encontrado na consciência religiosa universal. Schleiermacher declarou que esse sentido de dependência era a essência da religião. Não é, pois, um universo exterior dependente, mas uma vida interior e dependente. Sendo assim, reforçadas as idéias de contingência e dependência, a inferência a uma Primeira Causa infinita é bastante intensificada. (4) Outro passo se dá na experiência cristã da redenção por Cristo. Nela a dedução lógica encontra novo material para seus procedimentos. O sentido de dependência que o homem tem se satisfaz pelo Deus de amor pessoal e redentor. A Primeira Causa agora é um poder amável, pessoal e pleno de propósito na alma. O desejo da razão se satisfaz de uma nova maneira. Mas todos os outros desejos mais sublimes do homem também se satisfazem. O homem se descobre em sua natureza ética, em sua vontade de ter poder sobre o pecado, em seu sentido da necessidade de reconciliação com Deus, em seu triunfo sobre as discórdias e as contradições da vida. Em suma, encontra o final do regresso, ilimitado das causas. Encontra Deus, o descanso mental, a felicidade e a paz espirituais. 2. O argumento teleológico, baseado na presença evidência de desígnio no mundo, pode ser tratado de maneira semelhante. O argumento em sua forma antiga escolheu exemplos individuais da adaptação dos meios ao fim, ou da função ao uso, e inferia uma intenção divina. Ainda em sua forma mais antiga, o argumento é bastante impressionante. No plano mecânico inferior há muitas indicações da adaptação dos meios ao fim. A idoneidade do planeta para ser uma morada aos homens depende das combinações maravilhosas de forças materiais. Elas envolvem as relações da terra com o sol, originando as estações, as temperaturas convenientes e as condições meteorológicas, e a diversas outras adaptações que não necessitamos mencionar. Há também evidências impressionantes no mundo orgânico. O olho e a mão humana, a asa de uma ave, a barbatana do peixe e outras mil formas da adaptação dos órgãos para a conservação da vida mostram a força da prova da existência de Deus pelas indicações de adaptação, feitas intencional ou propositadamente, de meios para alcançar fins do universo. No entanto, a evolução moderna parecia inicialmente destruir esse argumento. Todas essas adaptações, segundo insistia a evolução, são os resultados do lento desenvolvimento na luta pela vida, e não de um desígnio da parte do Criador. Mas essa hipótese não foi um verdadeiro argumento contra o argumento do desígnio. Porque o único resultado foi o de estender o alcance da prova e dar cobertura a toda história do universo e abraçar todos os pormenores, e não apenas as partes ocasionais e chamativas do ser. Se o universo está organizado de tal maneira que a ordem, a formalidade, a formosura e a adaptação de meios para o fim emergem passo a passo em todo o caminho, então o argumento está bastante reforçado. A natureza começa com o orgânico, e se desenvolve até o vital, na seqüência ao sensível, depois ao racional, ao moral e ao pessoal, chegando a seu apogeu com o homem. Assim, toda a vasta extensão da história cósmica é o desenvolvimento do argumento do desígnio. Uma fase desse argumento se aplica ao desenvolvimento da idéias de Deus. Todo o progresso se deve à adaptação das relações internas às externas. O organismo corresponde ao meio ambiente. Pois bem, o fracasso do organismo ou do meio ambiente produz a morte. A idéia de Deus, ou de deuses, é universal entre os homens. Houve mudanças e desenvolvimentos. As escrituras mostram a crença em um Deus supremo, que se revelou aos homens. Mas quem manteve viva a idéia de Deus foi a realidade do próprio Deus. Os homens estão constituídos para depender de Deus, e sem ele não tem paz. Assim podemos conceber o espírito do homem como um organismo espiritual, e Deus como seu meio ambiente necessário. A adaptação desse organismo a esse meio ambiente, e do meio ambiente ao organismo, é um dos mais impressionantes argumentos extraídos do desígnio. Há duas objeções bem conhecidas ao argumento do desígnio. Uma é que não comprova um Criador do mundo, no máximo um arquiteto, um edificador que usou materiais que existiam previamente. Em resposta, nos referimos primeiramente à prova cosmológica, que trata especialmente com a original relação causai de Deus com o mundo. Mas devemos contestar também que a objeção desconsidera a necessidade do material preexistente, o qual foi, mesmo assim, adaptado ao fim proposto. O átomo, ou a molécula, ou qualquer que fosse a forma original da matéria, deve ter qualidades especiais que foram empregadas pelo suposto construtor do edifício. Os tijolos possuíam durabilidade e outras qualidades exigidas para uma estrutura que pudesse permanecer. Assim segue que a objeção não abre mão da necessidade de um Criador original, uma vez que o suposto material preexistente apenas podia originar-se como parte de um plano maior. Deve ter sido todo o resultado de um desígnio. Em outras palavras, não se pode imaginar nenhum princípio que não tenha contido potencialmente tudo quanto se desenvolveu dele. Assim encontramos novamente a ilimitada fileira de tijolos e o ilimitado regresso de causas quando buscamos o princípio do desígnio. E de novo deduzimos que um ser pessoal, e que tenha um propósito, criou o mundo. Outra objeção ao argumento do desígnio é que não comprova uma inteligência infinita, no máximo uma inteligência muito grande, visto que o universo não é infinito. Essa, no entanto, não é uma objeção muito séria. A mente tem pouca dificuldade para atribuir poder e sabedoria infinitos a um ser que poderia produzir um sistema tão vasto quanto nosso universo. Além disso, a objeção está baseada na suposição absurda de que um ser infinito teria de criar outro ser infinito a fim de provar sua infinitude. Assim, para chegar a ser uma causa infinita, Deus teria de produzir um segundo Deus que seria igual a ele. Agora podemos retornar ao argumento do desígnio em termos diferentes, ainda que incluamos os elementos válidos anteriormente citados. Fundamentalmente nosso assunto é se o universo como um todo, incluindo o homem e a natureza, dá evidências de inteligência e propósito. Será que se originou por causalidade? A resposta a estas perguntas inclui mais que exemplos particulares. Há algumas fortes considerações que mostram a presença de um desígnio no universo. (1) Os processos gradativos da natureza não se opõem ao desígnio, mas o favorece. Com freqüência é argumentado pelos oponentes do desígnio que, basta tempo suficien­ te, tudo poderá ser explicado por causas naturais sem necessidade do desígnio. Por exemplo, a natureza sem ajuda pode produzir um olho por meio de mudanças infinitesimais envolvendo grandes períodos. A natureza não poderia fazer isso com um único salto ao processo final. Não é necessário Deus em um mundo que se trans­ forma em direção ao devir no seu desenvolvimento por lentidão gradual. Esse raciocínio confundia a causa com o método. E necessário credulidade sem limites para supor que originariamente não se pensou em um olho, como seria o caso, se é que um olho resulta da evolução da na­ tureza. A necessidade de um desígnio e um propósito é assim aprofundada e intensificada, e não eliminada. As variedades formas da teoria da evolução estão discutindo a questão quanto as relações genéticas entre as formas de vida orgânicas. A teoria da mutação do desenvolvimento por saltos repentinos agora desperta mais a atenção do público. Mas a evidência do desígnio não é em nenhum sentido débil; ao contrário, ela cresce pelas hipóteses de grandes períodos de desenvolvimento. (2) A presença de um desígnio se faz necessária pela resposta da inteligência na natureza e a inteligência humana. Toda ciência que trata de leis naturais reconhece a inteligibi­ lidade do mundo ao nosso redor. É o fato de a natureza responder a nossa inteligência que nos convence de que a inteligência esteve aqui antes de nós. Os sinais de um Deus universal estão diante de nós em todas as partes da natureza. Como uma bola de barro úmido que pega­ mos na mão traz a marca das linhas da palma da mão, assim o universo está marcado com a inteligência de seu Criador. A filosofia idealista insiste em que a razão é a própria trama e intriga de todo ser. De todo modo, não há lugar nem aspecto na natureza que não leve a marca da natureza. (3) O argumento de um desígnio está reforçado pela série evolutiva de formas de vida orgânicas que culminam no homem, que é a coroa e o fim da natureza. A progresso ordenado, envolvendo grandes períodos, e movendo-se com passos em direção à meta, é sumamente impressio­ nante. A verdadeira continuidade do mundo parece ser assim a continuidade de um vasto propósito incluindo todas as partes. Uma inteligência vigilante que sabia o fim desde o princípio é a única explicação. A continuidade da natureza física, que pode ser mais bem compreendida como um progresso ordenado até uma meta ajustada com o anterior, compreende-se melhor como subordinada ao fim superior e pessoal que culmina no homem. Toda a natureza se torna assim um vasto sistema de desígnio e propósito. (4) Mais uma vez, voltamos ao ensino de Cristo e a experiên­ cia cristã. Em seu tratamento providencial com seu Filho, Deus dá continuamente provas de que sua inteligência e poder coordena o todo. Assim, na própria vida pessoal do homem encontra-se uma prova suplementar a favor do argumento do desígnio. Especialmente à meta de um caráter moral aprimorado em um reino moral primoroso, que vemos em seus princípios da vida terrena, exalta o valor da prova do desígnio. 3. A prova antropológica da existência de Deus, que de da constituição espiritual do homem uma causa adequada para a produção do efeito, é modificada, mas não perde força alguma. A manifestação mais recente da prova antropológica simplesmente aborda o homem como a espécie mais elevada de ser, e de sua personalidade e espiritualidade constrói um plano de mundo que dispõe um espírito pessoal e infinito. O método é o mesmo que todas as teorias opostas modernas, mas muito mais forte em seu apelo. Toda filosofia moderna, como já vimos, encontra alguns "fenômenos" representativos e "típicos" no mundo como conhecemos, e constrói a sua filosofia sobre esse fundamento. Pois bem, considerar o homem como "fenômeno típico" é a melhor escolha. É superior ao materialismo, porque o materialismo toma a forma mais inferior de existência para explicar a superior. E superior ao idealismo abstrato porque esse considera o pensamento separado da personalidade. É superior a todas as outras opiniões a respeito do mundo, porque emprega a mais elevada realidade, que nos é conhecida, para explicar todas as demais. 4. Consideremos brevemente o argumento ontológico existência de Deus. Ele procede assim. O homem tem na mente um conceito do ser perfeito. Um ser perfeito não pode ser dependente, mas deve existir em si mesmo. Sendo Deus ser perfeito e sendo a existência um atributo da perfeição, Deus deve existir. Esse é essencialmente o argumento, ainda que não expresso com tanta simplicidade por Anselmo, Descartes e outros. E curioso notar quantas pessoas entenderam mal essa forma de argumento a favor da existência de Deus. É claramente uma combinação da idéia da perfeição e da idéia da existência necessária, e em seguida uma dedução coerente em que um ser que corresponde a esse conceito deve existir. É realmente uma definição de Deus, e não uma palavra que existia. Quando considerado de outra maneira menos formal, no entanto, a experiência humana tem algo a dizer em confirmação ao que se quer dar a entender no argumento ontológico. (1) A nova manifestação do argumento ontológico toma a forma de uma inferência derivada da unidade da razão humana com o universo de realidade que existe em nosso redor. A natureza pode ser comparada com um livro que lemos. Nossa capacidade para lê-la indica que há acordo entre nossa constituição mental e a constituição da natureza. Esse acordo implica também que a própria natureza emana de uma fonte que é ela mesma, constituída essencialmente da mesma maneira. O autor do livro, o próprio livro e o leitor do livro estão unidos por um vínculo comum de inteligência. Chega-se à conclusão de que a razão que encontramos em nós mesmos é parte de um universo baseado na razão. Uma vez que a razão está unida com a vontade e a personalidade em nós, deduzimos que há vontade e personalidade em Deus. A mesma idéia pode expressar-se como segue: pensa­ mos em todos os objetos materiais em termos de tempo e espaço, de causa e efeito, de número e quantidade, de substância e qualidade. Nossa mente está constituída de tal modo que não podemos pensar de maneira diferente. Estas e outras relações expressam as leis fundamentais do pensamento. Nossa vida mental chegaria a seu fim, nossa mente deixaria de ser mente, caso nos faltasse essa capacidade. Pois bem, na natureza encontramos objetos que existem nestas relações. Estão no tempo e no espaço, seguem uns aos outros como causa e efeito, apresentamse a nós nestas variadas relações do mundo que há em nosso redor. Assim, por uma necessidade de pensamento, somos levados a deduzir uma unidade em que se apóiam. Uma inteligência suprema é a única chave para o vínculo da unidade entre o homem e a natureza. (2) Observa-se a natureza do argumento. Eu não deduzo que existe Deus simplesmente porque tenho na mente um conceito de ser perfeito a quem pertence a qualidade de existência própria; quer dizer, por si próprio. Deduzo que existe porque encontro todos os seres que são conhecidos a mim, constituídos na inteligência e para a inteligência. O homem e a natureza correspondem a um e outro em sua constituição racional. Não existe nada que não tenha relação com a razão. O pensamento expresso nas páginas do livro, a capacidade do leitor para entender o raciocínio e o autor do livro estão todos unidos por vínculo comum. Em cada um deles os outros dois estão envolvidos. (3) A força do argumento se fará mais clara se a expres­ sarmos na forma de nossas intuições de verdade. Uma intuição é uma verdade que se evidencia em si mesma. Origina-se ao se apresentar em nossa mente os dados com que se relaciona. Há alguns exemplos que ilustram o que isto quer dizer. Vem como o resultado de nossa vida religiosa. A intuição de causa e efeito é uma forma invariável da experiência humana. Somente um proce­ dimento altamente especulativo de raciocínio pode fazer vacilar nossa crença nela, e ainda assim durará pouco. Temos também a intuição moral do bem e do mal. As regras morais variam, mas a intuição permanece. Tam­ bém, temos a intuição de dependência e independência. As duas estão indissoluvelmente unidas. Uma não pode ser concebida sem a outra. Assim também é a intuição do finito e do infinito. A concepção de um implica a con­ cepção do outro. (4) Pois bem, se nos detivermos neste ponto teremos forte prova cumulativa da existência de Deus. Quando unifi­ camos estas intuições em nosso pensamento, não podemos evitar a conclusão de que existe um ser que une em si mesmo todas as qualidades supremas implicadas nestas intuições. Ele é a causa suprema, a última regra moral, o ser perfeitamente independente e de nada derivado, o Deus infinito e perfeito. Não podemos parar por aqui. Buscamos ajuda e comunhão com poderes sublimes. Isto é diferente das intuições da razão que acabamos de mencionar. Origina-se nas profundidades de nosso ser, de um sentido profundo de necessidade. Todas as outras intuições até certo ponto fazem parte dela, mas é mais que todas as outras. Aqui também na revelação de Deus em Cristo e na redenção que ele traz, encontramos nossa verdadeira meta. Os procedimentos intuitivos e espontâneos da alma são encontrados pela própria grande realidade. Assim o homem encontra a satisfação de si mesmo em todas as partes, de sua natureza racional, moral, emocional e espiritual. Agora percebe que o próprio feitio e modelo de sua alma levavam a idéia e a evidência da existência de Deus. 5. Consideramos finalmente o argumento moral a favo existência de Deus. Aqui todo pensamento moderno volta-se a Kant. Em união com suas idéias, podemos manifestar melhor as nossas. As idéias de Kant estão fundamentadas na sua teoria do conhecimento. Mas a consciência é uma realidade nos homens. O sentido do bem e do mal, de liberdade, de obrigação de evitar o mal e fazer o bem é uma parte de nosso ser. Um Deus de eterno bem, que procura produzir um caráter moral em nós e um reino moral eterno, é assim um postulado da "razão prática". Não provamos a existência de Deus, mas necessitamos de Deus e deduzimos que existe. (1) Com esse raciocínio, vamos além da conclusão de qualquer argumento da natureza física. Pode-se deduzir daí um Deus de inteligência, de destreza e de poder sem limites. Mas no argumento moral das necessidades práticas do homem deduzimos um Deus que é moral e pessoal. Com esse raciocínio retornamos à natureza, e vemos que tem um fim moral. Retiramos o homem como moral e pessoal no universo material e o incorporamos como uma divisão de um reino moral universal. (2) Há muita coerência neste argumento. Mas o cristianis­ mo não o apresentou com mais coerência que Kant e Ritschlians, que o edificaram sobre a teoria do conheci­ mento. Nossa experiência da redenção em Cristo nos traz conhecimento da realidade que está por trás dos fenômenos. Traz conhecimento direto de Deus. Deduzimos a Deus em nossa constituição moral. Mas encontramos Deus em nossa vida redimida. Além disso, a nova vida que temos em Cristo nos capacita para alcançar, como nunca antes, o ideal moral. Esse conhecimento de Deus e esse poder de aquisição não são apenas inferências de dados objetos; são também realidades de nossa própria vida espiritual. (3) Caso se alegue que a pretensão de ter conhecimento direto de Deus contrapõe a teoria do conhecimento, sus­ tentada por Kant, o cristão contesta que as teorias do conhecimento não podem alterar os fatos. Devem con­ formar-se aos fatos como os encontram. E possível fazer com que os fatos se conformem com teorias do conheci­ mento, somente quando elas estão adequadas ao fim que se propuseram. Mas é preciso que existam primeiro os fatos, e não as teorias, acerca deles. O contradizente deve primeiro contradizer os fatos, em lugar de procurar impor uma teoria de conhecimento que deixa de explicá-los. I. C onclusão geral 1. Ao concluir esta seção podemos acrescentar que to as mais antigas provas da existência de Deus, baseadas sobre a inferência do mundo que existe ao nosso redor, são reforçadas pelos argumentos da experiência cristã. As mesmas idéias são produzidas por um grupo diferente de fatos. A vida religiosa do homem, da comunhão com Deus em Cristo, é um sistema ordenado de fatos, de forças e de experiências. A observação destes fatos e forças fornece uma explicação, ou algumas explicações, que são mais convincentes para a razão que nenhuma conclusão derivada do universo físico. Conhecemos uma causa que produz uma série de resultados na vida de nossa alma. Tal causa é conhecida como surgindo fora de nós, e, não obstante, produzindo seus efeitos em nós. Isto corresponde ao argumento cosmológico. Também, essa causa que opera em nós promove sempre um fim moral: nossa transformação à imagem de Cristo. O procedimento de uma transformação gradual é assunto da consciência diária em nossa experiência. Isto corresponde ao argumento teleológico. Também, a necessidade que o homem tem de um Deus que é infinito para satisfazer as necessidades de sua vida pessoal, com sua descoberta de semelhante Deus em Cristo, reúne o elemento essencial do argumento antropológico. Neste caso, no entanto, não é uma dedução humana, porque vai a uma causa capaz de transformar homens. Antes é o homem encontrando a si mesmo, em sua própria natureza e necessidade, um reflexo da imagem de Deus. Quando tem um conhecimento de Deus em Cristo, é o conhecimento de Deus que entra em sua personalidade humana com poder redentor. Assim também a prova antológica tem sua analogia no desejo religioso que o homem sente por Deus, sua intuição do ser infinito e santo de quem depende e para quem foi feito. Observa-se, desse modo, que Deus não é apenas uma necessidade para a razão, mas também para que o homem tenha por certas a redenção e a felicidade. 2. Não pode haver provas mais elevadas da existência de Deus que estas apresentadas, porque esgotam todas as esferas da realidade que nós conhecemos, o mundo exterior e interior do homem, e do próprio Deus. Deduzimos Deus da natureza. Deduzimos Deus da natureza humana moral, espiritual e pessoal. Mas sobre tudo conhecemos Deus dentro de nós, como uma realidade viva e redentora. No primeiro e segundo casos, tratamos com inferências lógicas. No terceiro, tratamos de um fato vital. 3. É sempre possível a quem contesta apresentar a objeção do subjetivismo contra qualquer prova da existência de Deus. O homem encontra o que busca porque quer encontrar, não porque está ali. Expressou-se assim: Se muitos grãos de trigo são jogados descuidadamente sobre uma mesa, pode-se, tomando alguns grãos e deixando outros, produzir qualquer figura ou palavra que se deseje. Pode-se fazer que os grãos formem a palavra Deus ou ateísmo. Assim é possível manipular os fatos da natureza e da experiência. Mas essa objeção é mais formidável na aparência que na realidade. Desconsidera a outra verdade. Com a mesma facilidade é possível manipular os grãos de trigo para jogar fora e perder o que está ali. O homem que recusava ver é igualmente subjetivo ao que afirma ver. O cristão tem ambas formas de experiências. Antes estava cego, agora vê. Essa é a forma de convicção desconhecida do contestador. A acusação de subjetivismo pode ser apresentada por qualquer que conteste contra qualquer conclusão de qualquer espécie. Todas as informações que usamos em nossos raciocínios devem passar pela inteligência. Nossa inteligência grava sua forma de ser sobre fatos, assim como uma concha dá forma à água que sai de um tonel. Mas toda a verdade chega a ser verdade apenas pela suposição de que nossa razão nos fornece informações fidedignas. Os fatos de que a razão se satisfaz, e o de que é plena de uma necessidade religiosa, não podem ser apresentados para colocá-la em descrédito. Antes, é uma das provas mais convincentes de que é a verdade. Quando uma forma de experiência, como a de um cristão, pertencente a uma imensidão de experiências com cerca de dois mil anos, envolvendo milhões de outros cristãos, e que pode ser analisada e explicada cientificamente - quando se considera semelhante experiência, a acusação de subjetivismo perde toda sua força. Caso a experiência fosse meramente individual e excepcional haveria alguma solidez na objeção. Mas não de outro modo. Capítulo 5 A revelação Declarações introdutórias Nenhum tópico tratado na teologia exige mais atenção aos fatos, no contraste com as teorias, que a revelação. O assunto com freqüência se toma pouco inteligível pela introdução de problemas desnecessários. Considerações abstratas a priori freqüentemente governaram o raciocínio dos pensadores. A atenção aos fatos da vida comum religiosa, e especialmente aos fatos apresentados na revelação cristã, conduzirá às conclusões exigidas por um sistema de doutrinas cristãs. Há vários fatos fundamentais para a clareza da consideração que podem ser encontrados neste ponto. O primeiro é que o próprio conceito de religião contém em seu âmago a idéia da revelação. Nenhuma definição de religião, que omita a idéia, poderá ser sustentada à luz dos fatos. Se o adorador fala a Deus, e Deus sempre está silencioso para o adorador, temos apenas um só aspecto da religião. A religião então vem a ser uma ficção sem algum significado. O segundo fato é que a vida religiosa geral da humanidade, quase sem nenhuma exceção, exibe a crença em uma revelação essencial à religião. As exceções aparentes são exemplos como o hinduísmo e o budismo, que são sistemas especulativos de pensamentos mais que religiões. São filosofias que constituem a insuficiência das religiões pagãs. Nunca tiveram êxito como filosofias. Sempre se reafirma o impulso religioso, e os deuses voltam em enxames à consciência. O terceiro fato é a revelação única e sem paralelo que Deus nos fez por Jesus Cristo. Juntamente com a revelação em Cristo deve-se tomar a revelação de Deus a Israel. O notável testemunho dessa revelação nos é apresentado nos escritos do Antigo e do Novo Testamento. As considerações feitas acima mostram como a doutrina da revelação resulta dos fatos da experiência e da história. O problema principal é o de interpretar os fatos. Nas escrituras achamos uma interpretação dos fatos. Isto que dizer que Deus se revelou a Israel na vida e na história do povo, e que os homens de profecia nos deixaram um testemunho da revelação, e que Deus falou, acima de tudo, em e por Jesus Cristo e os apóstolos. Não pode haver dúvida de que os escritores bíblicos con­ sideravam sobrenaturais as revelações que lhes sobrevieram. É igualmente claro que a revelação lhes foi proporcionada, no geral, durante sua experiência e necessidades. Deus esteve presente com seu povo. Morava entre ele. O guiou e dele cuidou, e lentamente se deu a conhecer a eles. A . Pontos d e vista opostos Antes de desenvolver mais a idéia de uma revelação sobre­ natural, podemos notar aqui umas poucas opiniões contrárias, baseadas sobre certas suposições filosóficas e opiniões ou consi­ derações acerca do mundo. 1. O agnóstico não afirma nem nega a realidade de De mas sim nega que Deus pode se comunicar conosco. O absoluto e o infinito estão tão distantes dos homens que não podem ser conhecidos por eles. Imediatamente confessamos que não podemos conhecer Deus perfeitamente. Mas negamos energicamente a teoria radical de conhecimento que afirma a incapacidade total do homem de conhecer Deus e a incapacidade total de Deus para se revelar aos homens. Como já vimos, o homem está constituído para Deus em todas as partes de seu ser. Em sua vida psíquica, moral, científica, filosófica e religiosa busca e progressivamente alcança a verdade. O agnosticismo nega todo significado a estes fatos. Para ele, o mundo não é coerente, não é um sistema unitário. Está torcido. As partes do ser não se relacionam umas com as outras. Não há alimento para satisfazer a fome do homem. Tudo isso mostra que a negação do agnóstico da possibilidade da revelação baseia-se em uma teoria não científica de conhecimento. Ele subverte, em princípio, todo o pensamento em todas as esferas. 2. A negação panteísta da possibilidade de uma revela sobrenatural é destrutiva, diferentemente da verdadeira vida reli­ giosa. Cancela a distinta realidade de Deus como um ser pessoal. Faz com que o homem seja simplesmente uma parte da substância infinita. O homem é, por sua vez, tão divino como qualquer outra parte do ser. Essa opinião com freqüência se expressa na forma de uma doutrina exagerada da imanência divina. Deus está em todas as coisas e entre todas as coisas, e, segundo essa opinião, não necessitamos pensar nele uma vez que também estamos aci­ ma de todas as coisas. A resposta é que se Deus não fala senão pelo desenvolvimento dos acontecimentos naturais e humanos, então está absorvido e exaurido como se estivesse fora de seu próprio universo. A doutrina da imanência divina, que ensina que Deus está igualmente presente em todas as partes, não deixa lugar para nada que seja distintivo na revelação. Segundo essa opinião, tudo é revelação divina. E isto vem a ser praticamente o mesmo que a declaração de que nada é revelação divina. Para nossa consciência, Deus nunca pode distinguir-se de sua finita criação, se procuramos explicar sua ação mediante uma doutrina exclusiva da imanência divina. A imanência de Deus é uma verdade grande e importante. As escrituras a reconhecem em todas as partes. Mas a transcendência de Deus é igualmente importante. A transcendência de Deus envolve sua personalidade. A personalidade no homem é o elemento principal de sua constituição, como aquele que leva a imagem de Deus. A personalidade do homem se desenvolve no nível natural por sua relação com a matéria e a sociedade humana. No nível espiritual, desenvolve-se pela comunhão com Deus. O desenvolvimento da vida pessoal e religiosa do homem indica sua distinção de Deus em todos os aspectos. Essa distinção é uma condição fundamental de toda a vida religiosa do homem. A religião coloca o homem em comunhão com Deus em termos pessoais. Isto implica tanto a imanência como a transcendência de Deus. 3. Outra opinião que se opõe a uma revelação sobrenatu toma a forma do que se conhece comumente como religião natural. Ela ensina que o mundo que nos rodeia, juntamente com a razão e a consciência humanas, nos revelam suficientemente a Deus. Por isso, não é preciso uma revelação sobrenatural. Inferimos a existência de Deus pelas obras da natureza. Conhecemos o livre-arbítrio sendo conscientes da obrigação moral. Inferimos a imortalidade de nossa espiritualidade e da necessidade de uma vida futura para compor os prejuízos e desigualdades da vida presente. Assim raciocina a religião natural. Há várias objeções a esse ponto de vista. A primeira é um credo baseado sobre inferências filosóficas, ao contrário de uma religião. Um homem poderia sustentar todas essas idéias mencio­ nadas acima e não ser de maneira alguma um homem religioso. A religião é experiência de comunhão com Deus, em vez de ser deduções lógicas de uma série de fatos objetivos. A opinião é defeituosa porque não contém suficiente conhecimento de Deus para satisfazer as necessidades humanas. Ela deixa de mostrar especialmente o amor redentor e o propósito de Deus. Também é completamente deficiente em suas sugestões quanto ao poder moral e espiritual, necessário para promover a vida religiosa que conduz à vitória. Não tem sugestão para a renovação da natureza do homem, nem para a implantação de um amor para a santidade. A idéia da religião natural é radicalmente imperfeita porque deixa sempre o próprio Deus silencioso. Suas obras por certo revelam algo de Deus, como as verdades elementares da religião. Nisto a religião natural é útil. Mas segundo ela, Deus nunca mostra ativi­ dade a favor da salvação. A razão descobre o que pode. Mas Deus não fala nenhuma palavra direta ao que busca mais ardentemente a verdade. A noção é essencialmente deísta. Deus fez o universo e o deixou funcionando; de maneira geral, o sustenta. Pode fazer-lhe "girar ao redor de seu dedo", mas nunca o toca. Estes três tipos de objeção à idéia de uma revelação so­ brenatural são suficientes para indicar as noções prevalecentes. Nenhum deles pode se justificar. Todo o assunto deve ser tirado da esfera do raciocínio especulativo a priori, e ser colocado dentro da experiência viva. A doutrina cristã da revelação se estabelece em fatos. Não é uma teoria abstrata, mas uma explicação de certos acontecimentos na história espiritual da humanidade. O registro desses acontecimentos está nas escrituras cristãs. B . 0 conteúdo d a revelação A revelação cristã pode ser definida pelos seguintes ele­ mentos: 1. Em primeiro lugar, é uma revelação mais acerca do p prio Deus do que de verdades acerca de Deus. Esse é um fato importante. A revelação é, em primeiro lugar, Deus dando-se a conhecer. Pressupõe uma verdade. As doutrinas inevitavelmente se constituem à medida que a revelação prossegue. Mas o fato primário é que Deus entra na experiência humana, e o homem se torna consciente de sua presença e poder. 2. No aspecto humano, a revelação é primeiramente uma evidência espiritual mais do que uma ilustração comum da inte­ ligência. A revelação é um acontecimento na alma, um ato de toda a natureza do homem em resposta à declaração que faz Deus de si mesmo. Assim, a revelação é, em primeiro lugar, salvação. Deus se dá a conhecer ao indivíduo ou à sociedade redimida por atos salvadores. É fácil ver quão longe isto está da mera comunicação de verdade à mente. Na realidade, exemplos disto foram narrados no Antigo Testamento. Mas a lei uniforme foi a revelação pela atividade redentora de Deus. Há um grande princípio de psicologia religiosa em torno desse ponto. Uma única verdade acerca de Deus não pode ser uma revelação de Deus no sentido cristão. Revelação é "o conhecer" Deus e não meramente ter "conhecimento acerca" de Deus. A revelação em Jesus Cristo e por meio dele nunca teria sido completa sem o grupo de homens redimidos a quem foi dada. Para que Cristo fosse o revelador de Deus, ele só poderia ser conhecido por seu poder redentor nos discípulos. E o mundo, em geral, nunca poderia ter conhecido aquela revelação se o primeiro grupo de discípulos não tivesse deixado uma história de suas próprias experiências. A revelação incluía, pois, necessariamente, a própria revelação objetiva de Deus no Jesus Cristo histórico; na experiência subjetiva do poder redentor de Jesus na sociedade regenerada; e na relação permanente daquele poder e daquela redenção que nos são dados no Novo Testamento. Assim, o evangelho se tomou usufruto para o mundo e também um poder verdadeiro e transformador harmonioso na humanidade. 3. A revelação também estava enraizada na vida e nas neces­ sidades do povo. Não devemos pensar nela como coisa estranha enxertada em Israel. Não estava sem relação com sua vida e as necessidades do povo, mas surgiu diretamente delas. A mensagem dada por meio dos profetas e dos apóstolos satisfazia uma situa­ ção atual. Não resultou da vida natural do povo como sua causa produtora. Era antes a vinda de Deus à vida do próprio povo para satisfazer uma necessidade urgente. 4. A revelação da parte de Deus trouxe uma resposta ativa da parte do homem. Isto é algo de importância vital. Com freqüência, esse assunto é esquecido nas discussões. Aqui, como em outras partes da vida religiosa, o homem deve conformar-se com a lei universal expressada pelo apóstolo Paulo: Expressamos em obras o que Deus efetua em nós. Não há nada na Bíblia que autorize a noção católica romana da fé implícita; isto é, o crer ininteligentemente tão-somente pela autoridade do dogma de um superior eclesiástico. Não há nada na escritura que autorize a idéia de verdade mecanicamente ditada a uma inteligência meramente passiva. Os homens, às vezes, pensam na revelação como se a mente do profeta tivesse sido semelhante a uma folha de papel branco e limpo em que o Espírito Santo escreveu a mensagem de Deus. Muito pelo contrário, as faculdades humanas eram, regular e intensamente, vivas e ativas. A verdade descoberta era amoldada nas formas exigidas pela personalidade, educação e circunstância do órgão humano da revelação. Aqui também temos um princípio de muita significação. A revelação de Deus tem por desígnio despertar e desenvolver a personalidade humana. Nunca teve por propósito oprimi-la ou debilitá-la. Observe-se o cuidado com que Cristo se revelou aos primeiros discípulos: "Quem dizem os homens ser o Filho do homem?" Essa foi sua pergunta em um período de seu ministério público. Quando Pedro respondeu corretamente, Jesus o declarou bem-aventurado. Jesus queria que os homens lhe descobrissem. A revelação não foi completada até que eles respondessem ativamente. Suas parábolas foram idealizadas expressamente para despertar pensamentos acerca dele. Em certo sentido, as revelações de Deus podem chegar a ser revelações quando se tornam nossos descobrimentos. G . Oregistro da revelação Temos nas escrituras do Antigo e do Novo Testamento o testemunho ou a história da revelação de Deus a seu povo. Há duas maneiras de abordar a questão da autoridade das escrituras. Uma ressalta os procedimentos da inspiração; a outra, os resultados. Aquela procura entrar na esfera da psicologia religiosa e mostrar como o Espírito de Deus distribuiu a luz necessária para a inspiração dos escritores bíblicos. A outra, mais prática, põe mais ênfase no resultado do procedimento como o temos na Bíblia. 1. O método psicológico procura fazer distinção entre a revelação, a iluminação e a inspiração. A revelação é a comunicação sobrenatural da verdade ao mensageiro humano. A iluminação é o discernimento espiritual transmitido pelo Espírito de Deus, que capacita a mente humana para aprender a significado da verdade. A inspiração é a direção e o controle divinos do mensageiro ao anunciar ou escrever a mensagem. Estas distinções, devidamente compreendidas, são justificadas. A revelação em Cristo e por ele foi dada antes da iluminação necessária, para que fosse entendida na mente dos primeiros discípulos. Também, a iluminação é concedida pelo Espírito Santo a todos os filhos obedientes de Deus. O discernimento espiritual, sem a revelação e a inspiração no sentido estrito, é domínio comum dos crentes. Seria um equívoco, contudo, sustentar estas distinções de maneira demasiadamente radical. São úteis para o pensamento. Mas os elementos separados no pensamento nem sempre estão separados no fato. A revelação está regularmente acompanhada da iluminação. A inspiração também está mais freqüentemente acompanhada da revelação e da iluminação. 2. O método psicológico deu origem a algumas teorias da inspiração. Resumidamente falando, são assim: a teoria naturalista da inspiração sustenta que todos os homens são inspirados, visto que Deus habita em todos eles. O grau de inspiração depende de sua capacidade natural, mental e espiritual. É óbvio que essa não é a doutrina bíblica da inspiração. Outra teoria afirma que a inspiração é iluminação, e não um guia infalível para alcançar a verdade. Assim deixa lugar para muitos e variados graus de verdade e de erro no resultado. Outra é chamada de teoria verbal plenária de inspiração. Sustenta que toda palavra da escritura foi escolhida pelo Espírito Santo e ditada ao escritor. Uma forma da teoria da inspiração plenária é chamada teoria da inspiração dinâmica. Essa sustenta que o pensamento foi mais inspirado que a linguagem, e que os homens foram capacitados para declarar a verdade sem mistura de erro, e que lhes foi permitido transmitir suas idéias nas formas de sua própria escolha. (1) Com respeito a estas teorias pode ser observado que nenhuma delas é uma expressão completa ou adequada do ensinamento da escritura. A maior parte delas, sem dúvida, contém elementos de verdade, mas procuram fazer o impossível. Não está dentro de nosso poder analisar plenamente o procedimento pelo qual o Espírito de Deus opera sobre a mente humana a fim de prover para nós um testemunho ou história de seu tratamento redentor com os homens. Havia uma grande variedade nas circunstâncias dos escritores bíblicos e uma grande diversidade de dons e de capacidades nas formas adotadas para manifestar as verdades reveladas. Em alguns casos, a inspiração não fez senão dirigir a escolha do material histórico, como nos livros históricos do Antigo Testamento. Em outros, os fatos foram dados e a inspiração conduzia a sua interpretação. No caso de Lucas, como ele nos informa, foram necessárias pesquisas cuidadosas. A inspiração não lhe eximiu da tarefa habitual do historiador diligente. (2) A maior parte das teorias psicológicas de inspiração começam com uma premissa falsa. Começam perguntando como Deus pôde ter dado um guia infalível para nossa vida religiosa, e procedem respondendo a pergunta apresentando uma teoria que parece satisfazer esse ob­ jetivo. Precedem desta forma: Se a Bíblia é a Palavra de Deus para nós, então devia ter sido dada dessa ou daquela maneira. O verdadeiro método, em contrapartida, é estudar a Bíblia indutivamente a fim de saber quais são suas pretensões e que êxito teve ao cumprir tais pretensões na experiência dos cristãos do passado e do presente. Esse é o método experimental e prático de considerar a doutrina da inspiração. Relaciona-se muito mais com o resultado que com o procedimento da inspiração. Que é a Bíblia, e que lugar tem em nossa vida religiosa na atualidade? Como satisfazer as necessidades religiosas dos homens? Essa é a questão prática. A própria Bíblia contém a melhor resposta. D . Marcas distintivas d a revelação bíblica Em concordância com o que se acaba de dizer, procedemos em seguida a mencionar algumas das características das escrituras. Estas se dão como um reconhecimento geral da própria Bíblia. 1. A revelação bíblica é histórica e experimental. Isto signi que os indivíduos em Israel e o povo de Israel viveram em relações conscientes com Jeová. Significa também que Jeová deu-se a ser conhecido por eles em sua história individual e nacional. Nada se manifesta mais claramente quanto aos escritores do Antigo Testamento do que sua consciência de Deus. Isto aparece em muitas passagens. Muitos dos salmos são pouco mais que narrações fervorosas do tratamento de Deus com Israel (cf. Dt 26.16; 28.1; SI 44; 105; 107). Os profetas viveram na presença divina. A noção de que Deus estava com eles era parte de sua consciência. Eles declararam uniformemente que Jeová falava neles e por meio deles (cf. Jr 1.4; Ez 2.1; Os 1.1; Mq 1.1; Ag 1.1). O mesmo fato aparece no Novo Testamento, mas sob condições diferentes. Jesus declara a verdade acerca de Deus, e os que recebem a revelação a narram nos livros do Novo Testamento. A promessa dada a eles é que serão guiados à verdade pelo Espírito Santo (Jo 16.13). 2. A revelação bíblica é regeneradora e moralmente trans­ formadora. Nos primeiros períodos da revelação, as qualidades éticas do povo não brilham como nos posteriores. Mas é claro que um dos objetivos principais da revelação é a transformação moral. Pensar na mera comunicação da verdade sobrenatural como o objeto ou resultado mais importante da revelação é concebêla incorretamente. Há um crescimento de formas imperfeitas de moralidade no Antigo Testamento para uma moralidade aperfeiçoada no Novo Testamento, que apresenta um contraste notável entre o exterior e o interior, o temporário e o permanente, o particular e o universal, o provisório e o final. O próprio Sermão do Monte dá provas suficientes sobre essa declaração (Mt 5 a 7). 3. A revelação bíblica é genesíaca. Isto quer dizer que as partes se relacionam vitalmente umas com as outras. A revelação procede como o desenvolvimento de um princípio da vida interior: Não achamos que os profetas guerrearam entre si em sentimento e propósito. Cada um renova o elo de ensinamentos no ponto onde seu predecessor o deixou. Edificam um sobre o outro. Essa é a lei fundamental de todo progresso. O tradicionalista adora as formas antigas e não quer mudanças. O radical é tão intolerante ao antigo que quis destruí-lo. Os profetas e os apóstolos evitaram ambos os erros. A continuidade do ensino da Bíblia é uma das características mais notáveis. 4. Outra característica notável da Bíblia: ser gradual e progressiva. O reconhecimento desse fato é um dos resultados mais importantes do moderno estudo crítico da Bíblia. É uma tarefa fácil demonstrar que toda idéia principal da revelação bíblica experimenta mudanças em um sentido de crescimento e expansão no curso da história. O conceito do próprio Jeová se apresenta primeiro com ênfase no atributo do poder. Pensase nele principalmente com respeito a suas relações com Israel. Lentamente se transforma a idéia no esplêndido conceito de Isaías, no qual se retrata Jeová como infinito em todos os seus atributos, não obstante, cheio de condescendência, graça e amor. No Novo Testamento temos a revelação mais excelsa de Deus como o Pai infinito, que envia seu Filho para redimir ao mundo. O princípio da revelação gradual e progressiva lança luz sobre vários problemas que podem ser mencionados aqui. (1) Proporciona a chave para a interpretação de certos salmos, e outras passagens do Antigo Testamento, em que Deus parece ser representado como um ser vingativo, que se alegra em seu poder para infligir padecimento, ainda que sobre os inocentes juntamente com os culpados (cf. SI 137.9; 109.5-20). A lei do divórcio do Antigo Testamento não é a mesma que a do Novo Testamento. Certas culpas que a civilização atual não castiga com penas tão severas foram castigadas em Israel com a morte. Pois bem, todos estes fatos podem ser entendidos se pensamos na Bíblia como a história da revelação feita por Deus de si mesmo a um povo incapaz de se desenvolver com mais rapidez. É impossível reconciliá-los com qualquer teoria de inspiração que olha todas as partes da Bíblia como igualmente absolutas e finais. Jesus expressamente descartou essa idéia. Uma grande parte dos escritos de Paulo se opõe a ela. O livro de Hebreus é um elemento elaborado e formal para mostrar que a revelação do Antigo Testamento era antes preparatória que final. Tudo isto não é senão ilustrativo da divina pedagogia na educação da humanidade. Não houve método moral e espiritual para forçar o procedimento do crescimento. Necessitava ação livre de parte do homem. O homem devia aprender a obediência. Com freqüência, necessitava disciplina severa para ensiná-la. Mas até que pudessem compreender a verdade, em vão se proclamaria. E assim Jeová conduziu suavemente o povo, suportou suas debilidades e sua cegueira moral até que pôde conduzi-lo a uma vida moral e espiritual mais ampla. (2) O aspecto gradual da revelação lança luz sobre a questão da demora quanto à grandiosa revelação em Cristo. No Novo Testamento, Paulo emprega freqüentemente a expressão "plenitude dos tempos" com relação à vinda de Cristo ao mundo. Houve uma maturidade do propósito divino. Mas também houve uma maturidade da capacidade humana para receber Cristo. Se Cristo tivesse vindo no princípio da revelação, a preparação moral e espiritual de parte do povo não teria existido. Não há dúvida de que ele veio tão logo quanto a encarnação pôde ser efetivada para o fim proposto. A idéia de épocas e economias no tratamento de Deus com os homens está baseada em uma profunda lei do desenvolvimento espiritual do homem. Isto tem de ser lembrado por todos quantos queiram entender a revelação em Cristo. (3) O aspecto gradual da revelação lança luz sobre o princípio do desenvolvimento, até onde aquele princípio é aplicável às escrituras. Muitos modernos procuraram interpretar a história do Antigo Testamento como uma teoria do desenvolvimento natural que prescinde completamente da necessidade de qualquer presença ou poder sobrenatural de Deus. Como já temos visto, há um princípio, fora de toda dúvida, de crescimento e desenvolvimento na revelação. Em verdade, não há corpo de literatura religiosa na terra que possa ser comparado com as escrituras em progresso constante, desde as perspectivas iniciais até finais. Mas isto não é evidência contra a direção divina, mas é a ela favorável. É um impressionante sinal da sabedoria divina. Houve escritores de dons variados, separados por longos intervalos de tempo, cercados freqüentemente por incredulidade e hostilidade mortal, anunciando suas mensagens freqüentemente a um terrível custo, com penas e padecimentos. Falavam, às vezes, sob protesto, como no caso de Jeremias, e movidos por uma voz interior que não podiam resistir. O resultado é um corpo de literatura que abrange um período de mil anos, que possui uma unidade maravilhosa, juntamente com um progresso maravilhoso. Podemos indicar o princípio fundamental de progresso por meio das seguintes declarações: em cada período houve uma comunicação de vida e verdade que era necessária para esse período; a revelação possuía em si mesma o princípio do desenvolvimento para o período seguinte que seria mais elevado; o período futuro, por sua vez, conservava o princípio do período anterior e possuía o germe que deveria ser desenvolvido no subseqüente, todas as linhas de desenvolvimento convergiam para o cumprimento em Jesus Cristo; a revelação excelsa. Não é necessário trazer aqui os distintos aspectos do desen­ volvimento na revelação progressiva. Basta indicar que é ético; contendo uma apreciação cada vez mais profunda dos mais altos ideais morais; que juntamente com isso há um desenvolvimento notável da consciência de pecado e culpabilidade; que essa cons­ ciência cada vez mais profunda de pecado está acompanhada de um sentido da necessidade de propiciação; que a necessidade de propiciação está unida de maneira maravilhosa com um conceito enriquecido da graça de Deus; que o conceito do próprio Deus se estende lentamente até que chega ao de um ser cujos propósitos abrangem toda a humanidade; que o curso da história converge lentamente naquele que, em sua pessoa e obra, há de transformar o reino temporal em um espiritual e universal para a redenção do gênero humano. Esses fatos se fazem "notáveis" nas páginas das escrituras. Necessitamos acrescentar um ponto quanto ao aspecto gradual da revelação. Não queremos dizer com isto que a revelação foi contínua e sem interrupção por todo o período do Antigo Testamento. Houve grandes libertações e realizações de Jeová em períodos especiais, e grandes crises na história de Israel. A libertação da escravidão no Egito e os grandes acontecimentos que seguiram foram algumas destas. A esse período o povo sempre voltava seus olhos com gratidão. No período do exílio houve um grande avivamento de inspiração e poder profético. Os milagres de Jesus, e especialmente sua ressurreição, foram os mais notáveis de todos os grandes fatos da libertação da parte de Deus. O fato especial e a mensagem especial de redenção foram traços notáveis de uma revelação que, observada em todo seu curso e extensão, foi também progressiva e gradual. Devemos recordar ambos os aspectos da verdade. 5. Intrinsecamente relacionado com a idéia dessa revela gradual e progressiva está o fato de que também é unitária e com propósito. Tanto o que acabamos de dizer quanto o aspecto gradual indicam também a unidade da revelação de Deus e o fato de que esse tem propósito. Só é necessário acrescentar alguns pontos para dar mais clareza a esse assunto. Há ao menos cinco coisas que servem a esse fim. Primeiro, o propósito de Deus é visto em sua eleição de uma nação dentre muitas. Por meio dessa nação, ele alcança todas as nações com sua verdade salvadora. Em segundo lugar, seu propósito se vê na posição geográfica de Israel, que era o centro do mundo habitado naquele período. Assim como levedura em uma massa, a vida de Israel podia transformar lentamente o resto do mundo. Terceiro, seu propósito aparece na direção divina que conduziu a escrever em uma história permanente o tratamento de Deus com seu povo escolhido. Nenhum dos profetas sabia o lugar que teriam suas palavras na literatura da humanidade. Quarto, se vê o propósito de Deus no papel supremo que teve sua revelação escrita na história real do mundo. Notamos no quinto lugar que se vê o mesmo propósito de Deus nos passos providenciais que conduziram à formação do cânon da Bíblia. Isto se originou não como uma expressão de autoridade eclesiástica; mas foi o resultado de um procedimento vital e de seleção específica. A divindade do conteúdo dos livros da escritura, e não os decretos eclesiásticos, conduziu à sua incorporação um corpo literário. 6. A revelação bíblica, no geral, é congruente com a vida in­ telectual e religiosa do homem. A Bíblia, quando entendida cor­ retamente, não interrompe de maneira alguma a procura da verdade que o homem faz no domínio da ciência, da filosofia e de outras áreas de esforço intelectual. A Bíblia não é um livro de ciência nem de filosofia. É um livro de religião. Só exige que a ciência e a filosofia reconheçam os fatos da vida religiosa do homem que ela sustenta. A revelação bíblica não nos exige que sustentemos que nenhuma das verdades acerca de Deus fosse conhecida por outras nações fora de Israel. Pois o foram. Muitas das idéias fundamentais da Bíblia se encontram em uma forma imperfeita ou torcida na vida religiosa geral da humanidade. Isto não desacredita, mas confirma a verdade da revelação bíblica. Estas idéias religiosas eram os meios de Deus a fim de preparar ao homem para a revelação em Cristo. Os homens foram debilitados e cegados pelo pecado. Contudo, o impulso religioso nunca pereceu neles. Buscaram a Deus. Os diferentes sistemas de religião são o resultado dessa procura. A revelação especial em Cristo é a clara resposta que Deus lhes deu. 7. A revelação bíblica é sobrenatural. Os profetas do Antigo Testamento afirmavam continuamente que suas palavras tinham autoridade divina. Esse fato de atribuir suas mensagens a Deus ou ao Espírito de Deus é tão uniforme, tão invariável, que tem todo o aspecto de um fenômeno e uma lei (Nm 11.23; 20.24; Is 55.11; 66.2; Jr 1.12; 4.27; 23.28-30; Mt 24.35; Jo 5.24; 2 Tm 3.16). Como isso deve ser compreendido por nós? Estes homens haviam se enganado? Estavam loucos? É impossível crer nisto considerando seus ensinos .sublimes, morais e que ocupam uma posição de destaque no mundo atual. Se os homens objetam que semelhantes revelações são psico­ logicamente impossíveis, podemos contestar chamando a atenção para a influência de nossa consciência e vontade humanas sobre outras consciências e vontades. Misteriosas? Sim. Mas nada é mais misterioso que a ação da nossa vontade. Os profetas souberam, como nós sabemos, o que lhes veio de fora. Toda sua vida pessoal e religiosa foi desenvolvida em reação a Deus e sua vontade, revelada neles e a eles. A consciência deles próprios era a prova de estarem conscientes de Deus. A vontade deles e a vontade de Deus operavam uma sobre a outra sem que se confundissem, sem que sua vontade fosse absorvida na de Deus, ou sem que perdessem a individua­ lidade na substância infinita. Certamente, estas são as conclusões que se nos impõe enquanto lemos o que estes homens nos dizem em suas palavras escritas. Não podemos analisar ou definir com exatidão todos os procedimentos. Os pormenores nos escapam. Mas o grande fato extraordinário está fora de disputa se temos de crer no que nos dizem estes homens acerca de suas experiências. Jesus Cristo reconheceu claramente o valor único e perma­ nente da revelação de Deus por meio dos escritos do Antigo Tes­ tamento (Mt 21.42; 22.29; Mc 14.49; Lc 24.27; Jo 5.39). Falaram dele. Para Jesus, era comum o fato de que o Antigo Testamento era a revelação que Deus fez de si mesmo. Os apóstolos também afirmaram que suas mensagens eram de origem divina. Eles foram testemunhas dos fatos da vida de Jesus. Foram os intérpretes de Cristo para nós. Jesus prometeu dar-lhes o Espírito Santo, que seria o guia deles no futuro. O apóstolo Paulo fala com especial clareza acerca da influ­ ência do Espírito de Deus em sua obra (1 Co 2.4,5,10-16). Em uma passagem notável, manifesta de modo geral a doutrina da inspi­ ração: "Toda escritura divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente prepa­ rado para toda boa obra" (2 Tm 3.16,17). Como quer que traduzamos estas palavras, resta o fato im­ portantíssimo de que o apóstolo considerou as escrituras prove­ nientes de homens que foram guiados pelo Espírito de Deus. Uma oposição geral a todo o sobrenatural por parte de muitos, proíbe, naturalmente, tudo quanto seja sobrenatural ou especial na revelação bíblica. Por ora, só precisamos responder que os fatos como os conhecemos não autorizam um conceito impessoal do ser como um todo, que a personalidade é o fato supremo; e que a personalidade não pode ser limitada com a cadeia das leis físicas; e que seu universo é essencialmente pessoal, e se Deus é um Deus de graça e amor, não pode haver objeção possível, sobre bases teóricas, à idéia de uma revelação sobrenatural. 8. A revelação bíblica é suficiente, certa e autorizada p todos os fins religiosos. Isto quer dizer que a Bíblia satisfaz todos os requisitos da vida religiosa do homem por ser o documento literário inspirado da revelação feita por Deus de si mesmo. Aqui percebemos dois erros que devem ser evitados. Em primeiro lugar, não devemos imaginar que a revelação bíblica acabe com a necessidade da ação direta do Espírito de Deus sobre os homens. O acesso do homem a Deus é direto. O espírito pode se encontrar com o Espírito. É a presença do Espírito de Deus no homem o que lhe capacita entender, apreciar e usar bem as escrituras. A Bíblia não está estabelecida pela lei. Não é da natureza de um código legal. É um livro de princípios de vida. Para o homem regenerado, a mais convincente de todas as evidências da origem divina da Bíblia é a semelhança de sua própria vida espiritual com a revelada na Bíblia. O cristão encontra nela um evangelho salvador. A Bíblia é a coleção de escritos que lhe explicam a vida que achou em Cristo. Assim, mantém com a Bíblia uma relação que é independente de todas as teorias em relação a sua estru­ tura literária. Outro erro que se deve evitar é a aplicação de regras falsas às escrituras. Esse equívoco foi cometido com freqüência. Existi­ ram homens que aplicaram à Bíblia a prova científica ou filosófica e a desprezaram porque não se enquadrava em todos os pontos com suas próprias conclusões. Esse é o erro principal de alguns pesquisadores modernos ao examinar a Bíblia. Os métodos cien­ tíficos modernos são de origem recente. Se as verdades da ciência moderna fossem ensinadas divinamente aos escritores bíblicos e as tivessem anunciado prematuramente, o resultado teria sido o de desacreditar, em vez de recomendar, sua mensagem. Suponhamos, por exemplo, que no Salmo 19, que tem muito a dizer acerca dos corpos celestes, o escritor tivesse anunciado de forma científica a moderna a lei da gravidade: "Os corpos se atraem diretamente quanto à massa e inversamente quanto ao quadrado da distância". Qual teria sido o resultado? A mera suposição demonstra quão estranho teria sido, para os escritores bíblicos, esse ponto de vista científico moderno. O que é a infalibilidade da Bíblia? Como deve ser provada? O doutor Marcus Dodds diz: "Todo assunto depende disto. O que é a infalibilidade que alegamos com relação à Bíblia? E infalibilidade na gramática, em estilo [...], em ciência ou em quê? Sua infalibilidade tem de ser determinada por seu propósito. Se você diz que seu relógio é infalível, está querendo dizer que ele o é na condição de indicador do tempo, não que seja uma caixa perfeita, não que indique o dia do mês, ou que prediga a tempera­ tura do dia seguinte. O marinheiro sabe que seu mapa é infalível como guia que lhe indica o farol, recifes, etc., mas não serve para lhe dar a hora do dia nem para lhe informar os produtos, nem os povos das terras que deve visitar. Um guia pode lhe dirigir infalivelmente por um caminho difícil de encontrar, ainda que ignore toda linguagem que não seja a sua e saiba muito pouco do que acontece além de suas próprias montanhas". É verdadeiramente estranha a freqüência com que os amigos e inimigos da Bíblia apresentaram questões falsas a respeito dela. Devem deixar que a Bíblia ensine suas próprias lições e não lhe aplicar regras e provas falsas. Mostra-nos a presença de Deus entre seu povo usando homens de diferentes capacidades, e que foram guiados a escolher uma grande variedade de meios para transmitir a verdade; adaptando os meios ao fim que se propunham e à necessidade que tinham de satisfazer; empregando sempre a linguagem da vida comum; às vezes usando formas de representação pictórica e idônea para um povo que estava em sua infância; em outras ocasiões utilizando a sublime eloqüência de Isaías e os majestosos conceitos de um Deus infinito em majestade, poder, graça e verdade; culminando o todo na incomparável revelação de Deus em Cristo. A Bíblia, pois, é um livro de religião, não de ciência. Como tal se mostrou até agora e continuará se mostrando no futuro: o guia suficiente e autorizado do homem. Em suma, pois, a Bíblia continua em seu lugar de autorida­ de para os cristãos. É uma autoridade essencial e viva, e não um guia mecânico e eclesiástico. E nossa fonte oficial de informações quanto à revelação histórica de Deus em Cristo. É a regra da ex­ periência e da doutrina cristã. É o instrumento do Espírito Santo em suas influências regeneradoras e santificadoras. Como regra e autoridade, ela nos salva do subjetivismo, de um lado, e de um racionalismo mesquinho, do outro. Faz com que nos atenhamos aos grandes fatos salvadores de Deus em Jesus Cristo, o redentor e Senhor. E definitiva para nós em todas as matérias de nossa fé e prática cristã. Capítulo 6 A revelação suprema: Jesus Cristo A . Cristo: A chave das escrituras Jesus Cristo é a chave para a interpretação da escritura. Ele é a flecha do arco ou a lança neste vasto arco de verdade bíblica. Um dos caracteres mais notórios na literatura do Antigo Testamento é seu elemento messiânico. Em muitas e variadas formas, o conteúdo precioso da esperança messiânica é expresso. Os intérpretes podem procurar fazer muito no procedimento de trazer os pormenores da profecia e o seu cumprimento. Os profetas esperaram um Libertador, um grande General, um reino santo, um reinado de um Rei justo, a presença de Deus entre os homens, um mundo transformado sob o poder do Escolhido de Deus. Segue-se, pois, que os evangelhos são para nós de suma importância em nosso estudo da Bíblia. O Antigo Testamento em todas as suas linhas de desenvolvimento culmina em Jesus Cristo. Ele é o grande fato histórico e a pedra angular do cristianismo. As epístolas do Novo Testamento se dedicam à tarefa de lhe interpretar. Chegamos a estar em relações muito íntimas quando consideramos a questão de quem e o que era Jesus de Nazaré. O homem regenerado moderno reconhece que opera em si mesmo um poder que demanda explicação. Os cristãos do Novo Testamento confrontaram-se com a mesma pergunta. Esses homens, que viram e ouviram a Jesus, se dedicam a nos dizer de maneira consciente e deliberada suas próprias impressões de seu poder e de sua pessoa. Sem nenhum conhecimento dos métodos científicos modernos, esses homens adotam um espírito estritamente científico quando começam a tratar do assunto. Não há teoria, não há especulação, não há raciocínio abstrato. Começam com as palavras e as realizações de Jesus. Seguem-lhe durante o curso de sua vida e dos acontecimentos subseqüentes. O consideram em relação aos fatos de sua própria vida redimida e moralmente transformada, e em relação ao movimento cristão. Desse modo originou-se a doutrina da pessoa de Jesus. Há, pelo menos, três etapas que podem ser apresentadas nas apresentações que faz o Novo Testamento. A primeira, a que está contida nos evangelhos sinópticos; a segunda, a que se encontra no livro dos Atos; a terceira, a que está apresentada por Paulo e João. Os ensinos de Hebreus, de Tiago e do livro do Apocalipse poderiam se caracterizar como elementos distintivos. Mas o espaço proíbe um tratamento extenso, e esses livros não contêm material que afeta o resultado geral. Por isso, não são tratados separadamente aqui. Será necessário limitar-nos às passagens mais salientes. 1. Nos evangelhos sinópticos há ao menos cinco fatos se sobressaem claramente nas histórias de Jesus: primeiro, sua completa humanidade; segundo, seu sentido de vocação messiânica; terceiro, sua impecabilidade; quarto, sua relação única com Deus; e quinto, em conseqüência ao que precede, sua relação única com o homem, com a natureza e com a história. (1) A humanidade de Jesus manifesta-se em todas as nar­ rações sinópticas. Lucas afirma que Jesus cresceu em sabedoria, em estatura e em favor para com Deus e para com os homens (Lc 2.52). Sentiu fome (Mt 4.2-4), cansaço e dor (Mt 26.38), e, por último, sofreu a morte. Não só foi tentado no princípio (Mt 4.1-11), mas o tempo todo de seu ministério (Lc 22.28). Orava (Mt 14.23). Declarou que ignorava o "dia" e a "hora" acerca dos quais os discípulos perguntavam (Mc 13.32). Tinha um corpo humano e uma alma humana. (2) Seu sentido de vocação messiânica é outro fato sobressalente nas narrações sinópticas de Jesus. A crítica se esforçou muito para provar que não havia esse sentido de vocação em Jesus, mas é impossível apagar isto da história sem violentá-la. O nome "Cristo" designa a Jesus como o Messias ou o Ungido de Deus. No seu batismo, a voz de Deus, o Pai, que o aprovou deve ter intensificado essa convicção (Mt 3.17). A tentação no deserto não pode ser explicada senão passando-a por uma profunda convicção de vocação messiânica da parte de Jesus (Mt 4.1-11). O episódio da confissão de Pedro, em Cesaréia de Filipe, o torna bastante proeminente (Mc 8.27-30). Muitos acontecimentos na vida de Cristo ensinam a mesma coisa, da mesma maneira que sua mensagem para João Batista quando estava na prisão (Mt 11.2-6). Sua confissão diante do sumo sacerdote (Mt 26.64), e outros episódios. Não há espaço para discutir a designação que Jesus deu a si mesmo, se chamando Filho do homem. Provavelmente estava baseado na passagem de Daniel 7.13, e foi usado por Jesus como um título Messiânico designando suas relações universais para com os homens. Incluiu a concepção de sofrimentos e glória futuros, que viriam a Jesus em sua vocação messiânica. A cautela de Jesus quanto a anunciar-se como Messias no primeiro período de seu ministério está ligada, provavelmente, ao perigo de anunciar prematuramente a idéia de seu reino espiritual a um povo que esperava um reino de poder temporal, e a um desejo de que os discípulos crescessem espiritualmente até ter apreciação dele e de seu trabalho. Desejava que sua revelação fosse uma descoberta deles. (3) A impecabilidade de Jesus. A afirmação de impecabilidade não constituía um elemento principal no ensino de Jesus. Mas implica claramente em todas as suas palavras e atos. As debilidades e os pecados, afirmados por alguns, tais como a ira pela hipocrisia dos fariseus, são virtudes, e não faltas. Uma passagem parece indicar uma negação de impecabilidade. Em Marcos 10.18 Jesus declara que "ninguém é bom, senão um, que é Deus". Mas aqui Jesus está pensando na bondade em sua forma absoluta e eterna como ela existe em Deus. A bondade de Jesus foi uma bondade humana alcançada por meio de tentação e luta. Aprendeu a obediência (Hb 4.15; 5.8). Tornou-se perfeito por meio de padecimentos. Mas sua imperfeição não foi a do pecado, apenas uma vida em crescimento. Se isto não é certo, como podemos explicar a ausência da confissão de pecado? Por que buscamos em vão algum vestígio de arrependimento na história de suas palavras e fatos? Como podemos explicar sua comunhão não obscura nem interrupta com Deus? No evangelho de João achamos um dito que nega que Jesus era pecador: "Quem dentre vós me convence de pecado?" (Jo 8.46). Em muitas passagens das epístolas encontramos expressa a mesma idéia (1 Pe 2.21; F12.7-8; 1 Jo 3.5; Hb 7.26). Seu batismo não foi uma confissão de pecado, mas uma dedicação de si mesmo à justiça e à sua vocação messiânica. (4) Jesus mantinha uma relação única com Deus. Sua relação com o Pai ocupava o centro de sua consciência. Nunca se dirigia a Deus como "nosso Pai". Freqüentemente dizia, "meu Pai" (Mt 7.21; 10.32; 12.50). Nunca se refere a si mesmo como "um filho de Deus", mas como "o Filho". A passagem mais notável é a de Mateus 11.27: "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece plenamente o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar".1Essa passagem é uma das mais extraordinárias que se encontram nos evangelhos. Declara que Jesus mantém com o Pai uma relação extraordinária; possui conhecimentos sem paralelo do Pai; e desempenha uma função única ao revelar o Pai. Correlaciona seu próprio conhecimento de Deus com o conhecimento que o Pai tem dele. Afirma que possui "todas as coisas" que lhe foram dadas pelo Pai. Sua própria consciência habita completamente na consciência divina. O centro de sua própria vontade coincide com o centro da vontade de Deus. O dr. Denney observa sobre esta passagem: "A declaração como um todo nos diz claramente que Jesus é tanto para Deus como para o homem o que nenhum outro pode ser". O dr. H. R. Mackintosh acrescenta o seguinte quanto ao estado especial de Filho que aqui é definido: "Olhando tanto a mente de Jesus como a experiência cristã, não há razão para que não usemos a palavra metafísica para denotar esse estado especial de Filho, não no sentido de contraste entre o metafísico e o ético, mas para assinalar a circunstância de que esse estado de Filho é parte das realidades essenciais do ser". (5) Jesus Cristo mantém uma relação única com o homem, com a natureza e com a história. Nos Evangelhos Sinóticos há uma unidade notável no retrato de Jesus, no qual esse retrato se relaciona com o homem, com a natureza e com a 'A s objeções críticas a essa passagem não são m antidas por nenhuma forte evidência. São objeções basead as sobre a suposição de que a passagem se parece dem asiado ao evangelho de João. M as isso não concorda com a crítica científica e é um a adoção de considerações a priori. história. Não damos aqui senão um resumo. Já falamos de sua impecabilidade. Acrescentamos aqui que ele perdoa o pecado dos outros, exercendo assim uma prerrogativa divina (Mc 2.6, 7, 10-12). Seu sangue foi vertido para a remissão dos pecados (Mt 26.28); e declarou depois de sua ressurreição que o arrependimento e a remissão de pecados seriam pregados em seu nome (Lc 24.47). Em suas relações com Moisés e a lei, Jesus declarou que veio para cumprir (isto é, completar) a lei (Mt 5.17). É maior que o templo (Mt 12.6); é Senhor do sábado (Mt 12.8); ele é o Rei que funda e reina no reino dos céus (Mt 5—7; Lc 22.29-30; 19.12). Jesus governa as forças da natureza, como o testificam o fato de que acalmou a tempestade e outros milagres. Os acontecimentos futuros estiveram sob seu controle. Nos caps. 24 e 25 de Mateus temos uma longa profecia acerca de suas relações futuras com a humanidade. Ele será o juiz que se assenta sobre o trono, e diante de quem se reunirão todas as nações. O que precede não esgota de maneira alguma o as­ sunto. E, antes disso, uma simples sugestão dos feitos notáveis mais proeminentes. São suficientes para de­ monstrar quão elevado era esse homem em relação aos homens comuns. Toma um lugar central na vida religiosa do homem. Não é só nosso modelo, mas nosso objeto religioso. No Filho encontramos o Pai. Sua ressurreição e ascensão completam o quadro. Seu dom do Espírito Santo é a verdadeira explicação de sua presença e poder contínuo entre os homens. 2. No livro dos Atos, os ensinamentos acerca da pessoa Cristo mostram uma antecipação sobre os dos evangelhos sinóp­ ticos em alguns aspectos. Deve-se a mudança de situação. Jesus levantou dentre os mortos e ascendeu à destra do Pai. Isto foi seguido pelo derramamento do Espírito Santo. Amanheceu um novo tempo na experiência dos discípulos. Novos poderes operam neles e por meio deles. Uma passagem contém um resumo do ensino nos Atos. São estas palavras de Pedro: "... a esse mesmo Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo" (At 2.36). Dois pontos devem ser fixados. Primeiro: Jesus, o crucificado, é o Cristo, o ungido de Deus, o Messias. Ele foi predito no Antigo Testamento. Ele é quem deve ser recebido pela fé como o redentor enviado de Deus. Segundo, esse Jesus crucificado, que é o Cristo de Deus, é também Senhor. De qualquer ponto de vista possível a obra de Jesus como o Senhor ungido se manifesta nos primeiros capítulos do livro dos Atos. Seus milagres são mencionados (At 10.38). Sua ressurreição dentre os mortos é a suprema revelação de sua dignidade e senhorio messiânico (At 2.32; 10.41). Seu dom do Espírito Santo é especialmente destacado (At 1.4-5). Só em seu nome é possível se encontrar salvação (At 4.12). Ele deve voltar e restaurar todas as coisas (At 3.21). Deve julgar o mundo (At 17.31). 3. Os ensinos de Paulo ocupam um lugar importante história do Novo Testamento com respeito à pessoa de Cristo. A cristologia de Paulo apresenta dois aspectos importantes. Primeiro, o que é a expressão imediata da experiência da salvação por meio de Cristo; e segundo, as declarações teológicas que interpretam essa experiência. A conversão de Paulo no caminho para Damasco é a chave para sua teologia. Jesus lhè apareceu ali em glória. Ali seu credo farisaico desabou e caiu em ruínas. Ali começou em Paulo a nova vida de fé. Nenhuma explicação da maravilhosa revolução efetuada na vida desse homem, além da que está contida em sua narração singela, pode dar conta adequada dela. Os elementos místicos ou íntimos e das experiências na vida de Paulo correm por todas as suas epístolas. Um homem vem a ser uma nova criatura em Cristo (2 Co 5.17). Nele o cristão é novamente criado para as boas obras (Ef 2.10). "Em Cristo" é a frase abrangente de Paulo empregada em toda conexão possível para manifestar a relação do crente com seu Senhor. O Espírito Santo habita no crente e na igreja. Ele é o vínculo de unidade em Cristo. Jesus Cristo é a cabeça do corpo que está em união vital com ele por meio do Espírito Santo (Cl 1.18; Ef 4.15). O que está em Cristo está no Espírito. Só quem tem o espírito de Cristo pertence a Cristo (Rm 8.9). Paulo não identifica a Cristo com o Espírito, mas define claramente a esfera da atividade do Espírito por meio da frase "em Cristo". Nos ensinos de Paulo não há muito sobre a vida terrena de Cristo. Contudo, não falta esse elemento. Ênfase especial é dada à ressurreição (Rm 1.4). Aqui a declaração não é que Cristo veio a ser, mas que foi declarado ser o Filho de Deus pela ressurreição. A ressurreição de Cristo juntamente com a crucificação, é o fato central no evangelho de Paulo. A ressurreição de Cristo garante a ressurreição dos crentes. O Cristo exaltado é Senhor da igreja assim como o é em Atos dos Apóstolos (1 Co 15.4,12,13, 20-28). Jesus é o nova cabeça espiritual da humanidade, como Adão era cabeça natural (Rm 5.12; 1 Co 15.22). As declarações de Paulo quanto à divindade de Cristo são em geral ocasionais com relação a outros ensinos. Mas, mesmo assim, são mais impressionantes. Seus ouvintes não tinham nenhuma dúvida sobre esse ponto. Foi opinião aceita. O que ele diz, portanto, é inteiramente claro e convincente sobre como ele considerou a Cristo. Em Romanos 9.5 a palavra "bendito" segue a palavra "Deus," o qual não seria o caso se isto fosse simplesmente uma doxologia. A tradução como fez o dr. Sanday é: "... quem é o Cristo com relação a carne; ele é, acima de tudo, Deus bendito para sempre". Em Hebreus 1.8 temos uma citação do Antigo Testamento na qual se dirige a Cristo como Deus. Assim, por meio de Paulo em Tito 2.13 está descrito como "nosso grande Deus e salvador Cristo Jesus". Em Filipenses 2.6 inicia a passagem que descreve Cristo como preexistente na forma de Deus, que, esvaziando-se a si mesmo e tomando a forma de servo, é exaltado e recebe um nome que é acima de todo nome. A passagem em Colossenses 1.15-17 expressa a relação de Cristo com o universo numa linguagem bastante explícita. Afirmase o seguinte: (1) Cristo foi o meio da criação: "porque nele foram criadas todas as coisas". (2) Foi antes de todas as coisas, mas não como criatura, pois ele é "o primogênito de toda criação". (3) É o vínculo de unidade de todas as coisas: "e nele subsis­ tem todas as coisas". (4) É o fim e a meta da criação; todas as coisas são "para ele". Nas bênçãos apostólicas das epístolas de Paulo combinase uniformemente o nome de Cristo com o nome do Pai e do Espírito, mostrando claramente a dignidade com que revestia seu pensamento. Passamos por muitas passagens notáveis nos escritos de Paulo para considerar algumas nos de João. No prólogo do evangelho, Jesus é descrito como o Verbo eterno, que estava no princípio, isto é, possuía uma existência eterna; esteve "cora Deus," isto é, distinto de Deus; foi o criador de todas as coisas: "Todas as coisas foram feitas por intermédio dele"; "era Deus"; era a fonte de toda vida e toda luz para todos os seres criados; se fez carne e habitou entre nós; e deu aos que o receberam poder (autoridade) para se tornarem filhos de Deus. Filo, filósofo judeu de Alexandria, havia desenvolvido uma doutrina especulativa do logos ou razão divina. Alguns pensaram que João tomara seu conceito de logos de Filo. Sobre esse ponto, duas coisas podem ser ditas. Primeiro, se João foi influenciado pela idéia do logos da filosofia, isto concordava com o movimento cristão em geral. Não combater ou destruir, mas transformar e purificar as idéias parciais e inadequadas dos homens foi o método cristão de tratar estas idéias. Em segundo lugar, uma comparação do logos de João com o de Filo apresenta um contraste notável. Em Filo a idéia é abstrata, especulativa, variável na significação e ligada ao esforço intelectual para explicar o ser divino. Em João, a idéia é bem definida, ética, inspirada pelos fatos históricos relacionados a Jesus e unida ao propósito redentor do evangelho. Todo evangelho de João é um relato da manifestação do divino Filho de Deus e dos resultados dessa manifestação entre os homens. João é algumas vezes historiador; e outras, intérprete. Numa grande variedade de passagens surge seu ensino acerca de Cristo. Em 5.23, o Filho recebe honra igualmente ao Pai. Em 5.27-29, a autoridade para julgar os homens é dada ao Filho. Em 6.62, o Filho do homem é descrito como ascendendo para onde esteve antes. Em 16.28, afirma-se que ele "saiu" do Pai. Em 17.5, na oração intercessora, Jesus roga ao Pai para que seja glorificado com a glória que tinha com o Pai antes que o mundo fosse criado. Em 20.28, Tomé dirige-se a Jesus como "Senhor meu, e Deus meu". O que acabamos de dizer não esgota de maneira alguma a doutrina do Novo Testamento referente a pessoa de Cristo. Na verdade, existe uma riqueza no material. Pareceu-nos melhor escolher um número limitado de passagens típicas e representativas do que procurar representar uma grande lista de citações. Que a divindade e a preexistência sejam ensinadas no Novo Testamento é um dos resultados mais seguros da exegese científica moderna. Há pouca gente que coloca em dúvida a conclusão a que temos chegado. Podemos agora fazer um resumo dos ensinamentos do Novo Testamento. (1) Ficamos impressionados nos evangelhos sinópticos com a perfeita humanidade de Jesus. Essa humanidade observase em sua vida corporal com suas limitações, sua fome e sede, sua necessidade e dependência. Vê-se que cresce mentalmente em sabedoria, assim como fisicamente em estatura. Vê-se na realidade das tentações que sofreu. Venceu-as sem cair em pecado, mas não eram por isto menos reais. Sua humanidade também é vista em sua dependência do Espírito Santo. Vê-se finalmente no cum­ primento gradual do propósito de sua vida e missão sob as condições terrenas do tempo e do espaço. (2) Temos também nos evangelhos sinópticos uma descri­ ção do Jesus humano que lhe apresenta com funções e atributos que são de todo extraordinários. Suas relações para com Deus e para com os homens estão muito acima do nível das dos homens extraordinários. Com relação a Deus, é a revelação suprema e autorizada. Com relação aos homens, é o objeto religioso e o meio de salvação. (3) No livro dos Atos está o segundo período no desenvol­ vimento da doutrina da Pessoa de Cristo. Os novos fatos da ressurreição e a ascensão juntamente com o derra­ mamento do Espírito Santo reclamavam uma nova ex­ pressão da significação de Cristo para o crente individual e para a igreja. Achamos aquela expressão nas declarações relativas à sua vida crucificada e ressuscitada, seu esta­ do de Messias e Senhor, sua exaltação à destra de Deus, seu reinado sobre seu reino, e seu esperado regresso em glória. A interpretação de sua pessoa andava igualmente com sua atividade redentora. (4) Nos escritos de Paulo e João achamos a resposta às perguntas que inevitavelmente surgiram do poder re­ dentor de Cristo na experiência dos primeiros cristãos. A mente não podia descansar na asserção de que Jesus era Senhor e salvador. Era indubitável que os homens perguntassem quais eram as relações deste Senhor e salvador com o próprio Deus. Nas palavras de Paulo e João achamos o seguinte: a. Houve uma relação eterna entre o Pai e o Filho. Houve um conhecimento e um amor mútuos, uma participação mútua na vida divina. b. A vinda de Cristo ao mundo não pode ser explicada em termos de evolução ou causalidade natural. Não se originou do tempo, mas entrou em relações temporais com uma finalidade divina. c. A vinda de Cristo ao mundo foi mais que a entrada de Deus na vida de um homem comum. Foi a vinda de Deus ao mundo e não a elevação de um homem extraordinário para que tivesse relações únicas com Deus. Em Jesus Cristo, Deus aproximou-se dos homens para sua redenção. Vive e reina por meio de Jesus Cristo e nele cumpre seu propósito eterno de amor. d. Essa relação de Cristo com o cumprimento do propósito eterno de Deus entre os homens tem sua origem em uma relação eterna entre o Pai e o Filho, e está em harmonia com a atividade do Filho como o princípio manifesto da natureza divina. Em virtude dessa relação, o Filho é o meio eterno de criação para todo o universo. e. Como conseqüência da atividade redentora do Filho encarnado, temos uma nova interpretação da história. Nesta interpretação todas as linhas de desenvolvimento convergem unindo-se em Jesus Cristo. Sem ele, o curso do mundo não pode ser entendido. f. Em sua vida encarnada, às vezes, é apresentado subordinado ao Pai. Isto se deve às condições humanas e à vida de obediência; além disso, isso tampouco diminui a realidade de sua divindade. B . Jesus Cristo na experiência religiosa m oderna A consideração anterior de Jesus em seus pontos principais foi o centro do desenvolvimento da vida e da doutrina cristãs. Os grandes credos do cristianismo são conclusivos sobre esse ponto. A recente erudição bíblica é praticamente unânime em suas conclusões ao mesmo efeito. Mas a experiência que os homens regenerados modernos têm de Deus em Cristo é, para eles, a evidência mais convincente. Agora retomaremos à origem da doutrina da pessoa de Cristo no Novo Testamento, e sua relação conosco. Uma consideração é que não associamos nosso ensino a um raciocínio a priori ou a deduções meramente lógicas de fatos objetivos. Ainda que o Novo Testamento seja o meio pelo qual temos o conhecimento de Cristo, e ainda que o Novo Testamento seja absolutamente indispensável para que tenhamos esse conhecimento, também nossa fé em Cristo não deve ser confundida com a mera crença em acontecimentos passados, por mais convincentes que sejam em si mesmos. É melhor uma perspectiva que resulta da atividade redentora de Cristo em nossa experiência. Assim, a revelação de Deus em Cristo e por meio dele é completa e efetiva para nós, pela redenção feita para nós e em nós. Uma vez que Cristo opera agora como operava antes, nossa experiência vem a ser a aprovação incondicional da experiência do Novo Testamento. Por um lado, não é a mera crença de uma história de acontecimentos que ocorreram há dois mil anos; nem, por outro lado, a mera confiança em nossa experiência subjetiva separada das narrações históricas. A união das duas formas de conhecimento completa nossa compreensão de Cristo. Nossa construção da doutrina cristã apóia-se inteiramente sobre uma base de fatos: em primeiro lugar, sobre os fatos das narrativas do Novo Testamento; e, em segundo, sobre nossa experiência direta e imediata de Cristo como Senhor redentor. G . Afirm ações a respeito de Cristo n a experiência As seguintes declarações são necessárias para expressar o que Cristo é para o homem redimido. Primeiro, Cristo é o revelador de Deus. Nele, por certo, não temos uma revelação tocante à "substância" da natureza divina. Realidades essenciais desse tipo são o material da especulação filosófica. Mas em Jesus podemos conhecer a última realidade de Deus como um ser espiritual e moral. Nele, Deus se mostra como amor justo. Nele, Deus se aproxima de nós para nossa salvação. Nele, a graça e o poder de Deus são manifestados para nossa redenção. Nele, Deus toma a iniciativa de buscar-nos. Somos achados e despertados pelo evangelho. Mas nosso pecado nos amarra. Reconhecemos em nosso coração e em nossa vida que temos nos afastado de Deus. Não podemos redimir a nós mesmos. Pertencemos a um reino de maldade e somos considerados cativos. Necessitamos de perdão e reconciliação. Por sua obra propiciatória, Cristo aproxima Deus de nós, em graça que perdoa. Necessitamos mais que uma transformação espiritual. Cristo proporciona os motivos que nos conduzem ao arrependimento e a uma nova vida. Também proporciona, por meio do Espírito Santo, que habita em nós, o ideal para nossa vida interior. "Em Cristo" é a frase que expressa a significado total da nova vida. Ele é sua origem, sua lei edificadora e sua meta. Em outras palavras, somos regenerados e constituídos novamente em Jesus Cristo. Em segundo lugar, por Cristo agora estamos identificados com a comunidade dos crentes, a igreja. Nela, nossas relações sociais é constituída novamente em Cristo. A meta e o fim de sua atividade, e da nossa, é o reino de Deus, como está expressa na grandiosa oração ensinada a seus discípulos. Nossa vontade chega a estar identificada com a dele. Em terceiro lugar, assim chegamos a conhecer Jesus Cristo como o Senhor do reino, que dirige e governa nele, e assume uma relação com toda a história secular e com as potências da natureza. É impossível que tenha permanecido meramente como uma influência segregada e espiritual sobre os homens, se seu reino é uma realidade no mundo. O reino do mal está em todas as partes. Os cristãos do Novo Testamento, como se vê claramente no livro do Apocalipse, pensavam em Jesus como o Senhor de toda a história, conquistando paulatinamente as potências hostis. Em quarto lugar, Cristo é a chave da doutrina. Se conhecemos os objetos pelo que fazem, por suas atividades, temos que buscar alguma expressão satisfatória da significação de Jesus em todas as suas variadas relações. O operar em nós, em nossa salvação, o que reconhecemos como uma obra divina. Por isso, procuramos conhecer suas relações com Deus por meio de definições de sua pessoa. Ele nos liberta do pecado. Por isso, uma consciência de pecado com relação a ele resulta da experiência. Assim, somos conduzidos a formular uma doutrina do homem e seu pecado. Vemos em Cristo o movimento eterno do propósito de Deus para a humanidade. Dessa maneira, somos conduzidos à doutrina do propósito eterno ou dos decretos de Deus. As relações de Cristo com as circunstâncias do mundo nos levam a considerar a doutrina da Providência. Sua obra propiciatória, que, junto com sua encarnação, constitui a base de sua atividade redentora, conduz à doutrina geral da salvação em sua significação pessoal, sua presente expressão ética e social, e em seu resultado na vida futura. Todos estes temas serão desenvolvidos nas páginas seguintes. No capítulo seguinte discutiremos a divindade de Jesus Cristo. Nas provas apresentadas nele, reconhecemos toda a evidência neotestamentária de sua divindade, que manifestamos no presente capítulo. Capítulo 7 A divindade de Cristo A .U martigo d e fé fundam ental Para o cristão a divindade de Cristo é um artigo de fé fundamental pelas seguintes razões: 1. Primeira: Jesus opera em nós um resultado divino. Na experiência cristã há uma necessidade urgente que não pode ser ignorada. Temos que repudiar formalmente a Cristo como redentor, ou seguir adiante e aceitá-lo como o redentor. Se ele não é divino, tornou-se um enorme fardo para o cristianismo. Ou temos que reconhecê-lo como um grande mestre ou um grande santo, ou de outro modo temos que reconhecê-lo como Deus manifestado na carne. Para o crente, não pode haver dúvida. Em sua obra redentora no cristão, Jesus realizou as seguintes coisas: fez da religião uma atividade livre e autônoma do espírito do homem em relações diretas com Deus. Criou um mundo de realidades espirituais para o homem redimido, e tem comunhão constante com esse mundo. Revelou a Deus como o Pai eterno, cujo caráter fundamental é o amor justo que sempre busca aos perdidos. Jesus também revelou o ser íntimo de Deus como uma esfera em que aquele amor é ativo nas relações entre o Pai eterno e o Filho eterno. 2. Essa convicção de que Jesus é Deus, resultando da atividade redentora de Cristo, contém implicitamente uma série de muitas intuições que estão no coração da vida espiritual do homem. Contém a intuição psicológica do eu e do não-eu, visto que conhece a outro na vida íntima da alma. Contém a intuição ética do bem e do mal, porque a eleição de Cristo por parte do cristão é a eleição suprema de dever como tal. Contém a intuição racional de forma dupla como a percepção da distinção entre a verdade e o erro, e de causa e efeito. Cristo, como a verdade, é para o crente distinto de todas as formas de erro na vida religiosa. É reconhecido distinta e explicitamente como a causa que produz o efeito na vida moralmente transformada. As várias formas de intuição religiosa também estão compreendidas na experiência da redenção por Cristo, tais como nosso sentido de que o finito depende do infinito; e também nosso sentido de inquietação e conflito interior, que encontra graça e alívio íntimos pela descoberta do verdadeiro objeto da alma. 3. O cristão sustenta a divindade de Cristo também p razão de que sua experiência de Deus em Cristo une e completa muitas linhas de evidência. A lógica e a filosofia tiram deduções de fatos objetivos e chegam a uma crença racional em Deus. Em nossa redenção em Cristo encontramos Deus como um fato. A psicologia da religião nos apresenta as manifestações da consciência religiosa do homem. Mas deixa sem resolver o problema das causas. Cristo nos dá a solução. A ciência física trata da causa no sentido da continuidade ou da conservação da energia, e nunca se liberta da prisão das forças materiais. Nossa experiência de redenção em Cristo é uma experiência de livre causalidade: por meio de uma ação recíproca pessoal, Cristo nos atrai a ele mesmo e se torna um poder pessoal dentro de nós. O estudo da religião comparada nos apresenta uma grande quantidade de dados interessantes, mas deixa sem resolver o problema da unidade, coerência e finalidade da religião. Nossa experiência em Cristo traz em foco todos os valores religiosos, unifica a vida religiosa e cumpre seus mais altos ideais. A filosofia da religião procura aplicar o procedimento racional ao fenômeno da religião, mas fica abstrata e instável até que o próprio pensador conheça por experiência o objeto religioso. Nossa experiência em Cristo põe em nosso domínio as realidades da vida espiritual, disponibilizando o material com o qual a filosofia da religião pode construir sua visão a respeito do mundo. 4. Nossa crença na divindade de Cristo resulta também do fato de que nossa redenção nele não é meramente uma experiência individual. É também social e histórica. Uma nova ordem espiritual se originou com o movimento cristão e continuou através da história cristã. Os credos do cristianismo atestam os grandes fatos fundamentais. Ninguém pode entender a história cristã sem reconhecer a centralidade de Cristo na experiência do indivíduo e da igreja. Muitos erros e abusos foram cometidos. Ocorreram inúmeras falhas da sublime lei de Cristo. Mas fica a grande verdade central: Jesus Cristo está no cerne de todo o movimento. 5. Pelas conecções históricas de fé, nos voltamos ao próprio Novo Testamento. Ali é bastante claro que o Jesus ressurrecto é considerado por todos os lados como o Senhor da igreja e o redentor dos homens. Sua ressurreição dentre os mortos foi uma mudança importante e o ponto de partida em sua obra messiânica. Marcou um novo período no desenvolvimento do propósito divino de redenção nele e por meio dele. Foi o evangelho do Jesus ressurrecto o que transformou os primeiros discípulos. Ao lado da ressurreição devemos colocar outros fatores importantes que chegaram até nós pelas narrações sinópticas de sua vida e obra. Um desses é a impecabilidade de Jesus. Outro, é sua consciência messiânica. Outro, é a revelação de si mesmo como o objeto de religião, e de que é o juiz final e o único mediador entre Deus e os homens. E, por último, suas relações únicas como Filho com o Pai eterno. Em qualquer consideração crítica quanto à origem dos evangelhos sinópticos que pode ser sustentada, os fatos que acabamos de mencionar aparecem com muita clareza. Algumas especulações da filosofia religiosa moderna, de maneira abstrata e não histórica nem crítica, procuram eliminar alguns dos elementos mencionados acima. Mas caso se permita que os evangelhos falem de alguma maneira, anunciem a mensagem como nós a temos esboçado, a mensagem é clara e inequívoca. B . Considerações gerais Ao que dissemos até agora podemos acrescentar algumas considerações gerais que nos ajudarão a entender o lugar de Cristo em nossa experiência cristã. É inevitável que aquele que significa tanto para a vida religiosa do homem sustente também algumas grandes relações com Deus e com o mundo. Mencionamos algumas destas. 1. A revelação de Deus em Cristo nos permite conhecer forma sumamente impressionante a personalidade de Cristo. O descobrimento de Deus no universo é progressivo. Ao se interpretar o mundo em termos de matéria, obtém-se leis. Ao se interpretar o mundo em termos de inteligência, obtémse pensamento. Ao se interpretar em termos de poder, conseguese, por fim, vontade. Ao se interpretar o mundo em termos de consciência, consegue-se justiça. Ao se interpretar em termos do coração, chega-se ao amor. Ao se interpretar o mundo em termos de personalidade, chega-se a Deus. Tudo isto significa que em nosso estudo dos aspectos do ser somos conduzidos lentamente aos vários atributos e qualidades de Deus. Mas necessitamos de uma manifestação particular de Deus a fim de entender a unidade de todas as qualidades nele. Se o homem, alguma vez, pudesse conhecer Deus como pessoa, seria necessário que ele se revelasse como pessoa. Nenhum aspecto do ser, nem todos os outros combinados, poderia alcançar esse conhecimento senão por inferência. A natureza apresenta uma série progressiva do inorgânico até o orgânico; do orgânico até o sensível; do sensível até a consciência do eu; e da consciência do eu até o moral e o pessoal. O homem é o apogeu e a meta. Toda arte e toda ciência, toda filosofia e toda civilização retratam a obediência humana ao instinto que está enraizada nela e que se estende até o perfeito, o ideal, a verdade final, o belo e o bom. E esse último não tem significado final senão quando se incorpora em uma pessoa infinita. Assim, em Jesus Cristo temos a resposta de Deus a esse movimento ascendente do espírito humano. O descida de Deus à vida humana pela encarnação em Cristo não é um fenômeno abrupto e violento da ordem da natureza. Em um sentido real, é o resultado lógico da ordem da natureza. O homem, que é o ápice da natureza, sente profundamente a necessidade de uma ajuda que venha de cima; deseja o conhecimento, o poder moral, a felicidade e a paz. Jesus Cristo é a resposta para estas necessidades: a sabedoria, a justiça, a santificação e a redenção. Os aspectos parciais da personalidade que estão abaixo do homem e sua forma imperfeita no homem são levados assim à unidade e à completa realização em Cristo. Paulo diz que "nele habita corporalmente", não um fragmento nem uma parte, mas "toda a plenitude da divindade" (Cl 2.9). 2. A revelação de Deus em Cristo, também, é a chave par mais alta continuidade que é necessária para explicar o mundo. Continuidade no sentido físico significa a transmissão da energia. Os conseqüentes na natureza explicam-se somente em termos dos antecedentes. O materialismo procurou submeter o universo em um nível onde tudo, menos a continuidade física, é excluído. Mas esse princípio fracassa em muitos pontos importantes. Todavia não explicou como a vida pode resultar do que não vive; ou como a consciência e o pensamento podem resultar das formas nãomateriais de existência; muito menos como a moral e o pessoal podem ter se originado assim. O pensamento teísta e idealista moderno começam no fim da série progressiva em vez de começar no princípio. Acham a verdadeira continuidade nos fatores nãomateriais e não-espaciais. A vida, o pensamento, a vontade, o propósito, o amor — estes são a verdadeira chave do procedimento. Neles achará a verdadeira continuidade. Jesus Cristo, o revelador de Deus, declara ser ele mesmo o caminho, a verdade e a vida; e nele, a vida, o pensamento, a vontade, o propósito e o Amor infinitos estão em e por todas as coisas que nos cercam. De modo que a teologia cristã não nega a continuidade, mas a busca em sua forma mais elevada, a única adequada, e a encontra em Jesus Cristo, o revelador de Deus. O que é explícito nele estava implícito em tudo o que antecedeu. O fim revela o princípio, não o princípio o fim. 3. Jesus Cristo, também, revela a Deus demonstrando o que é Deus em si mesmo por meio de um ato manifesto. Deus é amor santo. Sem isto não seria Deus. Uma mera declaração feita a nós de que ele é amor santo não seria nem poderia ser uma revelação de Deus como amor santo. O amor é incompleto se não é expresso em atos. O amor se demonstra somente em e pelo fato que corresponde à emoção. A encarnação de Deus em Cristo foi o ato divino necessário para Deus proporcionar uma revelação de si mesmo contendo os elementos essenciais de seu ser. 4. A revelação de Deus em Cristo era necessária para com­ pletar o fator histórico e objetivo na vida religiosa do homem. O homem é corpo, e também espírito. É uma criatura de sentimento, e também de pensamento. Sua vida em todos os aspectos tem um exterior que corresponde com o interior. A revelação inicial que Deus fez de si mesmo ao espírito humano era real, mas ina­ dequada. Nos profetas de Israel, a temos como o poder único. No pensamento filosófico, os gregos foram os primeiros entre as nações da antiguidade. Mas tanto a inspiração profética quanto o pensamento grego deixaram de alcançar a finalidade. Sempre permaneceu uma lacuna na solução e uma expectativa e necessi­ dade de mais conhecimento. Isto resultou das condições de vida do homem como corpo e espírito, interior e exterior. Pois vive no temporal e no eterno ao mesmo tempo. Sua identidade com a vida temporal e sua transcendência sobre ela geram no homem a neces­ sidade de uma religião interior do espírito e uma personificação exterior dela. Jesus como o revelador de Deus introduz o eterno no temporal. Fez com que o conceito de Deus fosse prático para o homem. Fez com que o Deus de fé fosse um ser amável e cheio de graça, mas, no entanto, santo e majestoso. O livre-arbítrio do homem estava incluído nesta revelação exterior de Cristo. Sem dúvida, por seu poder absoluto, Deus poderia ter forçado a mente humana para que sustentasse conceitos dele mesmo que eram verdadeiros. Poderia ter compelido a um cumprimento da mensagem profética no pensamento humano. Mas isto teria exigido um milagre contínuo. Tenderia a destruir a liberdade do homem. Um evangelho objetivo, um Cristo histórico, apresenta uma revelação objetiva de Deus para que o homem a interprete e a entenda, um objeto para que o homem o escolha ou o descarte. Isto se apóia diretamente ao tipo de pensamento que afirma que o elemento histórico não é necessário no cristianismo. O pleno desenvolvimento do homem depende do histórico. Isto se baseia tanto no que o homem é em si mesmo quanto em sua constituição física e espiritual. É um cidadão do tempo e da eternidade. Vive no mundo dos acontecimentos exteriores e também no mundo espiritual. 5. A revelação de Deus em Cristo foi o cumprimento idéias do mundo, dos homens, de Deus e da religião. (1) Foi o cumprimento da idéia do mundo. Aqui não neces­ sitamos senão dos dados proporcionados pela ciência como uma base para a declaração. O mundo eleva-se gradualmente do mecânico e meramente físico, por todas as gradações de vida e sentimentos, até seu ápice no homem. Assumamos agora que a partir do todo, Deus divide progressivamente a sua criação. No homem temos a imagem de Deus, uma semelhança finita da natureza moral e espiritual de Deus. O homem finito, contudo, não podia conter a "plenitude da divindade". E essa limitação foi muito intensificada pelo pecado humano. Se o princípio da comunicação de si mesmo guiava toda a história anterior, o mundo não exige, observado como um todo, a encarnação como seu fim mais elevado? Deus morava em Cristo. A comunicação de si mesmo é agora completa. A série progressiva chega a seu apogeu. (2) Essa revelação completa também a idéia do homem. A humanidade não podia tornar-se perfeita como um grupo de indivíduos separados. O homem não podia refletir a imagem divina em uma forma de existência que não fosse social. Tampouco podia realizar o fim divino como um homem meramente natural. O homem deve se tornar espiritual. A humanidade deve se tornar uma unidade moral e espiritual a fim de realizar o propósito de Deus. Jesus Cristo torna-se o cabeça supremo da humanidade e a põe em comunhão com Deus. Chamou-se o "Filho do homem" não o Filho de Abraão. Era Filho do homem porque era Filho de Deus. Era consciente de uma relação com a humanidade como um todo. Os apóstolos apóiam a demolição da parede intermediária entre judeus e gentios. Ele é a cabeça, e sua sociedade redimida são os membros. Em Cristo, a humanidade se tornou um organismo que vive em comunhão com Deus e em amor e serviço mútuos. A revelação de Cristo, pois, é uma revelação da humanidade. (3) A revelação de Cristo completa a idéia de Deus. Já mos­ tramos que revela a Deus como uma pessoa e como amor santo. Resta dizer que em Cristo achamos a união dos princípios imanentes e transcendentais. Deus é imanente em toda a natureza que está abaixo de Cristo. Mas sua imanência é progressiva assim como as formas do ser são progressivas. Em nenhuma parte achamos um período capaz de receber o Deus transcendente até que chegamos a Cristo. Ainda aqui não temos de conceber Deus como uma quantidade, como se fosse uma substância estendida ou uma magnitude física. Todo o procedimento é ético e pessoal. E uma realidade espiritual, e não física, o que temos de conceber. A comunicação que faz Deus de si mesmo como espiritual não o limita nem o empobrece. Não diminui nada de sua divindade. Pelo contrário, a exalta, e ilustra como a graça e o amor divinos são cheios em recursos. Ao tratar isto, não devemos pensar na encarnação como se fosse essencial à mesma natureza divina por uma compulsão interior ou por uma necessidade de qualquer espécie. Foi um ato livre de Deus, expressão de seu amor justo. Foi o cumprimento do grande e maravilhoso ato de seu amor que teve ao estabelecer os fundamentos do universo. Foi um ato conseqüente com sua atividade bondosa em toda a história anterior do universo. (4) A relação de Deus em Jesus completa para nós a idéia da religião. A relação de Jesus com Deus foi a realização, em tempo, da comunhão ideal entre Deus e os homens. Não se pode conceber nenhum elemento que de alguma maneira acrescentasse algo à perfeita vida íntima de Jesus, em sua comunhão com o Pai. A consciência de Jesus é o centro a partir do qual todos as nossas avaliações devem ser feitas. Acrescentamos uma dupla advertência. Em primeiro lugar, não devemos cometer o equívoco de superficializar a consciência de pecado no homem ao ressaltar a perfeita comunhão de Jesus com Deus. O que devemos fazer é considerar a consciência de pecado no homem a partir da atitude de Jesus com o pecado humano e sua necessidade. Em segundo lugar, não devemos cometer o equívoco de conceber a consciência religiosa de Jesus como a explica­ ção que abrange toda sua pessoa. Como veremos, Jesus não é somente nosso exemplo religioso, nosso arquétipo; é também o objeto de nossa religião. O próprio Deus se aproxima de nós em Jesus. Isto faz com que nos defron­ temos com a doutrina da pessoa de Jesus Cristo e seu significado para a vida religiosa do homem. Como um resumo das declarações anteriores no que tange à pessoa de Cristo, podemos fazer uma recapitulação da seguinte maneira: há relações na divindade. Deus não é uma mera unidade isolada sem relações em sua vida eterna. Sua personalidade, como a nossa, não é completa por si só, mas em relações de amor. A qualidade de Pai e de Filho são relações imanentes na divindade. As fases materiais, e espiritual-humanas da criação são expressões das qualidades imanentes na natureza divina. O universo da matéria, da energia e do movimento é a base, a plataforma ou a arena para a produção e a manifestação dos filhos de Deus. O homem é o ápice da natureza e leva a imagem divina. A liberdade moral do homem, que é o coração e o centro daquela imagem, foi violada e o pecado entrou. Cristo, o Filho eterno, veio e trabalhou para trazer muitos filhos à glória. O resultado da luta cósmica será a manifestação filial, a redenção dos homens por Cristo para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Essa é a meta da natureza, assim como a da história e a da graça. Assim se vê o que Deus é em si mesmo, e isto se aprende não por especulações filosóficas, mas por seu próprio ato de amor redentor. A verdade central acerca da natureza e do homem não é senão uma extensão da verdade central acerca de Deus. Aquela verdade é amor santo manifestado na relação de Pai e Filho. Se não aprendemos o que é Deus por seus atos no tempo e no espaço, então Deus fica desconhecido para nós. Se o amor santo não fosse essencial em Deus antes do tempo, não poderia se tornar essencial no tempo. Neste caso, a justiça e o amor são termos relativos. Tudo o que vemos e conhecemos no mundo finito de tempo e espaço carece de significado para a interpretação de Deus. Neste caso, Deus se retira nas profundidades impenetráveis de seu ser, e não fica senão o vazio do agnosticismo. Se, por outro lado, o amor santo é o fato central da divindade, como é expresso na relação entre Pai e Filho, podemos, até certo ponto, entender as atividades finitas de Deus. O amor dele é tão vasto que exige as riquezas incomensuráveis de espaço e tempo para seu desenvolvimento adequado. É tão rico, tão profundo e tão alto, que qualquer coisa que seja inferior à qualidade de Filho não pode expressá-lo. É tão precioso e dá tanta alegria a Deus em sua contemplação, que persevera na tarefa de educar a seus filhos com paciência infinita através das épocas. Por estar enraizado todo o procedimento em sua própria natureza essencial, inaugurar seu reino eterno de espíritos livres e redimidos vem a ser a tarefa suprema desejada por Deus. Em vista dessas coisas, torna-se claro por que os homens regenerados que conhecem a Cristo como seu redentor se apegam a ele como a revelação final e suficiente de Deus. É para eles o fim da religião. Acham nele todos os valores e ideais e satisfações. Justamente como o ouvido conhece a música, como o olho conhece a luz, e como a mente conhece a verdade, assim o homem em toda a sua natureza espiritual conhece a Deus como lhe é revelado em Cristo. Para os crentes em Cristo, pois, o ataque sobre sua divindade eqüivale a um ataque sobre os fundamentos da natureza espiritual do homem. Seria tão fácil destruir os fundamentos de todo conhecimento e de toda religião como destruir sua crença em sua função e obras divinas. As perguntas que ficam por trás de toda a experiência cristã são estas: Qual é a natureza essencial da experiência humana? Em que forma acha seu cumprimento? É emoção, volição ou pensamento? É comunhão entre o homem e Deus? É religião? A experiência cristã diz que é a última mencionada. A experiência humana é realizada na experiência cristã no sentido mais amplo de uma vida de comunhão com Deus. Cristo é essencial para aquela experiência porque é o mediador daquela comunhão. C .O s elem entos divino e hum ano emCristo Como já vimos, Cristo foi real e verdadeiramente homem, e era realmente Deus. O esforço para expressar o significado de sua pessoa em termos do humano e do divino foi uma tarefa embargante dos teólogos através dos séculos cristãos. E duvidoso que possamos formular uma definição que seja de todo satisfatória. O Novo Testamento não procura formalmente fazê-lo, simplesmente a partir dos fatos como forãm vistos na vida e na obra de Cristo. Algumas vezes se dá ênfase ao aspecto humano de sua pessoa; outras vezes, ao aspecto divino. Mas não há evidência de que nunca se manifeste uma desunião ou contradição. E necessário, contudo, que se faça um esforço para harmonizar os fatos da história para a conveniência de nossos pensamentos. Primeiro, vejamos brevemente os primeiros esforços para expressar a doutrina da pessoa de Cristo. Os ebionitas (107 d.C.) sustentaram que Cristo era meramente um homem. Que não possuía uma natureza divina. Como homem teria relações peculiares e especiais com Deus, e a partir de seu batismo desfrutou da plenitude sem medida da presença e poder do Espírito Santo. O ebionismo participava do monoteísmo intenso dos judeus, e por isso se recusava a atribuir qualidades divinas a Cristo. Os docetas (70-170 d.C.) negavam a realidade do corpo humano de Cristo. Adotaram a opinião filosófica corrente entre gnósticos e maniqueus dos primeiros séculos cristãos, de que a matéria é má em si mesma. A opinião que tiveram acerca de Cristo foi o resultado de um esforço para reconciliar a pureza e a glória da pessoa de Cristo com sua filosofia. Ainda que completamente falsa, a opinião dos docetas é um dos limites na história primitiva da doutrina, pois mostra o lugar exaltado que Cristo teria na opinião dos homens. Os arianos (325 d.C.) sustentavam que Cristo era mais que homem, mas menos que Deus. Era o primeiro e maior dos seres criados. Os arianos eram da opinião, com relação a Cristo, que seu estado de filho implicava subordinação e origem no tempo. O Logos unia a humanidade a si mesmo na pessoa de Cristo. Mas o Logos não era um ser igual a Deus, mas sim derivado e dependente. Os arianos foram condenados no Concilio de Nicéia em 325 d.C., e o seu ponto de vista não teve muita aceitação nos séculos subseqüentes. Os apolinarianos (381 d.C.) negaram que Cristo tivesse uma mente ou um espírito humanos. Ele possuía uma alma ou princípio vital, animador do corpo. O Logos divino tomou o lugar da mente ou espírito humano. Isto envolve uma idéia tricotômica da natureza humana, que não pode ser defendida, e nega um elemento essencial da própria natureza humana. Os nestorianos (431 d.C.) negaram a união das naturezas humana e divina na pessoa de Cristo. Existia apenas uma relação estreita e íntima entre o humano Jesus e Deus. Era Deus e era homem, relacionados assim moralmente um com o outro, mas não unidos em uma vida encarnada. Foi uma aliança entre Deus e o homem, em vez de Deus fazer-se homem. Os eutiquianos (451 d.C.) sustentavam que as naturezas humana e divina de Cristo estavam unidas em uma só. O resultado inevitável disto foi que a humana chegou a ser dominada pela divina e absorvida nela. Os eutiquianos foram conhecidos também com o nome de monofisitas, porque implicitamente negavam a natureza humana de Cristo e reduziram as duas naturezas a uma. A definição da pessoa de Cristo geralmente aceita foi a do Concilio de Calcedônia (451 d.C.). Esse Concilio sustenta que há duas naturezas na pessoa de Cristo: uma completa natureza humana e uma completa natureza divina estão unidas em uma só pessoa. Sempre se insistiu em que não devemos "dividir a pessoa nem confundir as naturezas". A última é a definição que mais completamente reúne as declarações do Novo Testamento. No entanto, na fórmula estão presentes certos elementos especulativos aos que se fizeram objeções. Por exemplo, o conceito de duas naturezas, uma divina e uma humana, em uma só pessoa é algo difícil. Se a natureza divina é completa, como se efetuou o ato do despojamento próprio com as limitações conseqüentes do Filho encarnado? Se a natureza humana é completa, como pode a consciência divina se tornar ativa na vida encarnada? Se houve uma vontade humana e uma divina, como devemos evitar a conclusão de que houve duas pessoas em lugar de uma? Se a personalidade humana achou-se na divina de modo que a natureza humana não desenvolveu uma personalidade independente, como podemos evitar a conclusão de que era uma natureza humana imperfeita ou parcial mais que uma natureza completa? Escritores posteriores, tão leais aos ensinamentos do Novo Testamento como os primeiros, procuraram essa definição de forma distinta, com êxito variável. Uma coisa parece clara: o conceito das duas naturezas tem dominado completamente muitos esforços para se definir a pessoa de Cristo. Foi quase impossível sustentar o conceito de uma pessoa em combinação com o das duas naturezas em que esse último apreendeu-se como um fato fundamental. No final, não pôde ser excluído. Mas é o elemento que está, por assim dizer, por trás da cena. A natureza divina e a natureza humana como essências últimas, são conceitos difíceis. Se começamos com a única pessoa que une em si mesma os elementos divino e humano, que é tanto Deus como homem, estamos mais próximos ao ensino do Novo Testamento em geral, muito mais próximos aos fatos como estão narrados nos evangelhos, e mais próximos de nossa experiência religiosa e a dos cristãos do Novo Testamento. Devemos ter sempre em mente o fim proposto em todo esforço para expressar em palavras a doutrina da pessoa de Cristo. O de unificar nossas concepções de Jesus como é apresentado no Novo Testamento e na experiência cristã em geral. Isto envolve sua preexistência, divindade, impecabilidade, humanidade (com as humilhações e limitações em conhecimento), subordinação, juntamente com sua igualdade com o Pai. Há várias atitudes possíveis que os homens assumiram nesta grande tarefa. Primeira, negaram absolutamente a possibilidade de unificar os distintos elementos, visto que estes parecem ser desesperadamente discordantes e incompatíveis. Mas isto é julgar antecipadamente o que Deus é em si mesmo, o que é o homem e suas relações possíveis. Em segundo lugar, os homens aceitaram as declarações de fé e renunciaram ao esforço de manifestar mais precisamente a significado da pessoa de Cristo. Essa atitude pode servir muito bem ao cristão comum. Mas o cristianismo equivoca-se muito se renuncia à tarefa de resolver seus grandes problemas. Para o pensador cristão, essa atitude não é somente covarde, é também vã. O problema lhe é confiado pela incredulidade. Terá que deparar com ele cedo ou tarde. Em terceiro lugar, os homens adotaram um critério de juízo ou regra de verdade mesquinhamente exigente, e acompanharam os fatos cristãos com esse. Semelhante regra é a da causalidade, no sentido físico como é empregado pela ciência, ou a da racionalidade, como é empregada pelas filosofias mais antigas. Estas duas, ainda que próprias para seus fins particulares, vêm a ser estritamente sectárias e local, quando aplicadas forçosamente aos fenômenos religiosos como único critério de explicação. Aqui, pontos de vista se confundem. A religião trata de relações pessoais. No aspecto religioso, governa a casualidade livre, no lugar da física. Reconhece-se agora, geralmente, que o chamado "pensamento puro", ou "racionalidade", das primeiras filosofias, é uma abstração. A experiência como um todo é a base da verdade e do conhecimento. A experiência religiosa é o ponto de partida do conhecimento religioso. Naturalmente, os fatos acerca dos quais obtemos conhecimento existem independentemente em nós. Mas adquirimos verdades acerca destes fatos por meio da experiência. A quarta atitude é a de reconhecer os fatos da experiência cristã e a relação de Jesus Cristo com a experiência, e sobre essa base procurar construtivamente definir sua pessoa à luz do ensino do Novo Testamento. Essa é a atitude correta. Naturalmente serão apresentados certos aspectos da verdade que ficarão obscuros. Em certos pontos teremos de confessar nossa ignorância. Mas, nas grandes coisas essenciais, não decepcionará a fé. Os fatos nos fornecerão as manifestações necessárias da verdade. D . A preexistência d o Filho D ivino Começamos com a preexistência. 1. Não pode haver dúvida acerca do ensino do Novo Tes­ tamento sobre esse ponto. Surge repetidas vezes nos escritos de João, como no evangelho (l.lss e 17.5). É perfeitamente claro nas epístolas de Paulo, assim como em Filipenses 2.5-11. Ainda, nos evangelhos sinópticos, de vez em quando, se dá a entender, como em Mateus 11.27.0 ensino dos sinópticos de que Jesus há de julgar ao mundo, juntamente com o exercício de outras funções divinas, torna necessária sua preexistência. Só assim se pôde fazer com que sua pessoa concordasse com sua obra. 2. Isto não é meramente uma preexistência idealizada ou imaginária, como afirmaram alguns. Não há evidência conclusiva de que os judeus ensinaram semelhante preexistência do Messias. O Novo Testamento e a literatura judaica ensinam uma preexistência idealizada com referência a outros objetos: o templo, Jerusalém, etc. Coisas dessa classe são facilmente reconhecidas (compare com Hb 9.11-24). Mas quando se trata da pessoa de Cristo, o Novo Testamento descreve a preexistência em termos que não podem ser equívocos. Existiu na "forma de Deus". Não estimou a divindade como coisa a que deveria agarrar-se. Ele "se fez pobre". Estas e outras muitas passagens nos proíbem interpretar a preexistência como meramente idealizada ou imaginária. 3. A preexistência era necessária para explicar a experiência do poder redentor de Cristo de parte dos crentes do tempo do Novo Testamento. Operou neles de maneira criadora. Começaram com o Cristo ressuscitado que concedeu o Espírito Santo. Interpretaram o significado de sua pessoa retrocedendo do fim ao princípio. A plena significação só foi revelada quando o desenvolvimento se completou. Só assim se pode entender qualquer vida que se desenvolve. Foi "designado" como o Filho de Deus pela ressurreição. Operou neles uma obra criadora, divina e redentora. A convicção que tinham de sua preexistência não foi em sentido algum uma especulação metafísica ou meramente uma dedução lógica. Foi, em primeiro lugar, uma necessidade religiosa. Buscavam um fundamento bem forte para suportar o peso do edifício que haveria de ser construído nele. O Cristo divino não pôde tornar-se divino. Havia de ter sido divino no princípio. De outro modo, o culto oferecido a ele teria sido idolatria. 4. Sua forma preexistente foi a do Filho divino. Aqui os discípulos começaram com o Cristo histórico e retrocederam ao Cristo eterno. Conheceram o Filho em sua vida terrena. Em seguida, o conheceram como o redentor e Senhor. Era contrária a educação deles e as preocupações judaicas atribuir divindade ao Filho. Mas tão grande foi o poder de Cristo neles, que não vacilaram. Ousaram chegar à conclusão de que havia relações na divindade. A relação de Pai eterno e Filho eterno encontra seu centro em Deus. A isto eles aderem com tanta tenacidade, como uma vez aderiram ao monoteísmo. Deus é um, mas não é um ponto isolado, não é uma mera mônada, uma negação infinita. Dessa maneira, a experiência religiosa dos santos do Novo Testamento os capacitou para sobrepujar as especulações filosóficas correntes. O conceito do Logos foi assim transformado. Já não era uma abstração da razão especulativa. Era, ao contrário, uma realidade eterna, rica em conteúdo ético e poder espiritual. O amor santo é o coração das coisas porque tem seu cèntro em Deus. Jesus, o Filho divino, é o único intérprete do Pai eterno (Jo 1.18). 5. Assim, a obra de Cristo é unificada. Sua obra criadora e redentora é apresentada em perfeita perspectiva. A criação e a re­ denção são partes do grande e único propósito de Deus. Na criação do homem chega-se a um nível em que é possível a encarnação. Deus em Cristo entra em seu mundo. Agora é imanente na criação em um sentido novo e mais elevado. O Filho eterno promoveu o primeiro ato criador. Essa relação de Filho agora se revela como a base do propósito eterno de Deus para com o homem. E . 0 despojam ento divino 1. Já vimos que a encarnação implicou, de certo modo, despojamento divino, pelo que Jesus "esvaziou-se" da "forma de Deus". O Novo Testamento afirma repetidamente esse fato. A pas­ sagem clássica é a de Filipenses 2.5-11, onde se declara que Cristo Jesus "esvaziou-se", despojou-se. Passou de um estado de glória a um estado de humilhação. Esse fato tem uma relação vital com todo o esforço para expressar a significação da pessoa de Cristo. Precisamos observar, em primeiro lugar, que se despojou a si mesmo. Não havia compulsão para que Cristo descesse às condições humanas. Isto foi um ato voluntário dele. Foi uma limitação de si mesmo para um propósito. É verdade que o Pai enviou o Filho, mas o Filho veio livremente. "Mas é possível que a divindade se limite?" alguém pode perguntar. Em resposta, pode-se dizer que a própria criação é um exemplo de limitação de si mesmo por parte de Deus. A criação não esgota a Deus. Expôs-se apenas parcialmente nela. As etapas do ser mostram isto. O cristal, a planta, o animal sensível, os seres humanos com dotes morais e espirituais são etapas sucessivas na autolimitação e na autocomunicação de Deus. Na química, na biologia, na astronomia só se revela dele mesmo quanto estas esferas científicas o permitem. Todas as esferas criadas do ser não esgotam a Deus. A capacidade para limitar-se é um sinal da perfeição infinita de Deus. Ele é revelado como a um ser moral, espiritual e pessoal, que pode conceber fins e idealizar meios para levá-los a cabo. 2. A encarnação foi um desprendimento divino para os f da redenção, sob a forma da personalidade humana. A divindade, no sentido distintivo, pôde encarnar-se na forma humana porque a personalidade humana contém os elementos essenciais de toda personalidade, isto é, a consciência de si mesma, a inteligência, os sentimentos, a natureza moral, a vontade. A personalidade é o ponto em que a criação, em sua ascensão, volta a Deus. O homem carrega a imagem divina. A personalidade chega assim a ser o meio pelo qual uma revelação do ser divino é possível na forma de uma encarnação. 3. O ato de Deus de desprender-se a si mesmo por meio de Cristo também revela a mobilidade infinita do amor divino. A palavra graça é a que no Novo Testamento descreve esse ato divino. A imutabilidade de Deus não se compromete de maneira alguma. Por outro lado, faz-se comum na encarnação. A imutabilidade de Deus é sua consciência moral. É a eterna lealdade a si mesmo. A encarnação é seu ato de sacrifício, necessário para expressar o desejo eterno de bendizer e salvar. Se os fins do amor exigiam uma encarnação, e Deus não tivesse tido capacidade para encarnar-se, então o amor teria sido impotente. O braço de Deus teria sido cortado e não teria podido salvar. A encarnação, pois, é um sinal da perfeição infinita de Deus; expressa a imutabilidade, a consciência moral de Deus, porque foi essencial para uma manifestação do amor, que é essencial em Deus. 4. Esse desprendimento ou despojamento que Cristo, o Filho eterno, fez de si mesmo, tem grandes conseqüências para nossa salvação e destino espiritual. Habilita-nos para ver que a relação de Pai e Filho são essenciais na divindade, e que nossa relação como filhos alicerça-se na eternidade de Deus. Também nos faz ver que Deus em Cristo entrou dentro dos limites do tempo e do espaço por nossa redenção. Toda a base do cristianismo muda radicalmente se negamos a divindade de Cristo. Se o amor divino não condescendeu, humilhando-se, e não veio para nossa salvação, então te­ mos outro gênero de religião de todo distinta do cristianismo. Mas não é assim. Também, se negamos que Cristo é Deus, não temos a revelação central e essencial de Deus. Nesse caso, Jesus chega a ser simplesmente um dentre os muitos líderes humanos, não seu sal­ vador e Senhor. Seu conceito de Deus não seria a palavra de Deus para nós, mas somente a expressão que deu de sua reação finita e humana sobre a última realidade. Deus estaria oculto para nós. Os escritores do Novo Testamento perceberam isto claramente e não hesitaram em afirmar que a encarnação era o resultado de um ato divino e pré-temporal, o desprendimento ou despojamento de si mesmo, um ato de sacrifício da parte do Filho eterno. 5. Esse ato da parte de Cristo, de despojar-se a si mesmo, não foi o despojamento absoluto dos atributos divinos. Algumas teorias "kenóticas" procuram fazer distinção entre os atributos relativos e os essenciais, acrescentando a idéia de que os relativos foram deixados, enquanto os essenciais foram retidos. A onipo­ tência, a onisciência e a onipresença são os relativos; e o amor e a santidade são os essenciais. Outros sustentaram que o ser divi­ no realmente tornou-se humano e deixou de ser divino. Ambas as opiniões são errôneas. A divindade ficou em todas as partes. Contudo, subsistiu na encarnação na forma humana. Foi esse fato o que constituiu a encarnação. Devemos ter em mente o fato de que a vida de Jesus Cristo continuou sendo a vida de Deus. Foi o resultado de um ato pré-temporal. Seu objetivo foi a redenção dos homens. Num sentido real, a encarnação foi um exemplo do exer­ cício da onipotência e da onisciência divina, assim como do amor divino. Ostenta a mobilidade infinita da imutabilidade divina. Revela-nos a infinita riqueza e graça moral presentes na própria divindade. Em outras palavra, a encarnação, por mais paradoxal que pareça, é a personificação, em um supremo ato salvador, da onipotência, da onisciência e da imutabilidade do Deus infinito, em obediência à realidade suprema e central de seu próprio ser, seu amor justo e santo. O ato de Cristo de esvaziar-se a si mesmo na encarnação, significava, pois, a retenção de qualidades e poderes divinos, sob o refreamento e a limitação de uma vida humana. Na encarnação houve uma suspensão voluntária do pleno exercício dos atributos divinos. Potencialmente, porém, todos os recursos divinos estiveram presentes. Para o tempo e propósito da vida encarnada, houve parcialmente uma redução por si mesmo. Ele "esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo". 6. Não podemos entender plenamente o procedimento pelo qual se efetuou esse ato de autodesprendimento ou autodespojamento. A psicologia da encarnação está fora de nosso alcance. Há certas analogias, porém, que podem nos ajudar. Tomemos um caso de um gênio matemático, e pensemos nele, no princípio e no fim de sua educação, como um menino que não tem senão elementos de conhecimentos matemáticos. Contudo, está presente nele uma capacidade para adquirir todos os conhecimentos matemáticos. Anos depois possui toda a erudição matemática. O que nele estava implícito tornou-se explícito. Agora, pense nele como se estivesse ensinando a um principiante. Ao fazer isso, desprende ou despoja sua mente da riqueza de conhecimentos adquiridos e volta a ser um principiante. Contudo, os conhecimentos adquiridos, ainda que fosse de sua consciência neste momento, estão à sua disposição. Consideremos também o caso de um gênio musical. Um grande pianista, um mestre de sua arte. Um dia, porém, por motivos suficientes toca com luvas nas mãos. É possível descobrir certas qualidades que identificam aquele que está tocando, mas sua execução é um meio inadequado de sua capacidade por causa do meio pelo qual toca. Os poderes estão ali, mas não estão plenamente expressos. Tomemos também o caso de um pai cujo filhinho foi ferido em um acidente e está a ponto de morrer. Por esse motivo, e nesse tempo, o pai se esquece que é dono de uma grande rede de lojas. Então, dedica-se dia e noite à tarefa de ver se seu filho se salvará da morte. O dinheiro, o tempo, a comodidade, tudo é abandonado por amor ao filho. Estas são analogias imperfeitas, mas sugestivas. Na primeira temos o esquecimento do mestre por amor ao discípulo. No último, temos o esquecimento do trabalho por afeição ao filho. No segundo, temos um caso de potência suspensa por falta de um meio adequado para seu exercício. Pois bem, as ilustrações que acabamos de dar são caracte­ rísticas da natureza humana limitada em seu alcance intelectual, e funcionando no pensamento por meio do cérebro. Se a divindade chega a estar encarnada, isto só pode ser sob semelhantes li­ mitações. Uma vida encarnada é uma vida na carne. Não é uma vida divina unida a uma vida humana. Essa é teoria dos antigos nestorianos. Não são duas consciências e duas vontades, nem muito menos duas personalidades. Não que Jesus fizesse certas coisas em sua natureza humana e outras em sua natureza divina, como se fosse às vezes homem e às vezes Deus. Logo, não houve duas consciências, nem duas vontades, nem duas personalidades, mas uma consciência, uma vontade e uma personalidade. Essa única personalidade era divino-humana. Foi constituída pela união indissolúvel de um fator divino e um humano. Estes fatores não foram colocados lado a lado meramente, ou em relações de companheirismo. Mas estiveram em relações de interpretação mútua e união vital. Todo sentido de consciência dual e vida dual está ausente, e não devemos pensar que o divino dividia suas qualidades com o humano e vice-versa, como se houvesse um intervalo a ser preenchido. Antes, porém, temos de pensar em uma personalidade constituída pela união vital dos dois fatores, qualificada e condicionada pela ação de ambos. 7. Por último, o ato pelo qual Cristo se despojou ou se d prendeu da "forma de Deus" foi a resposta à busca que o homem faz de Deus. Estes dois fatos são correlativos: a luta do homem para ascender e a bondosa descida de Deus. Toda religião revela a busca incessante de Deus da parte do homem. A obscura luz que brilha através da natureza, da consciência e das crenças pagãs descobre o impulso de Deus de revelar-se e de bendizer. Passo a passo a criação ascende para Deus. No homem, não é divina, mas possui capacidade para Deus. Foi feito "pouco abaixo de Deus". E o molde, o receptáculo em que Deus pode verter sua plenitude. Na humanidade, a imanência divina eleva-se a um novo nível. Falta apenas um só passo para que se complete. A encarnação é esse passo. A partir de agora, por sua obra redentora, que é uma nova criação, Cristo elevará os homens ao nível do divino, em que chegarão a ser participantes da natureza divina. Pelo que vimos, vê-se que a encarnação não é uma incursão violenta em um universo ordenado. É, porém, a consumação ou cumprimento do movimento na criação e em Deus. A humanidade, ainda que sob o domínio do pecado, sentia seu destino e sempre anelava a vida eterna. O movimento que sai do santo amor de Deus, do qual resultou a criação, agora toma nova forma de encarnação para satisfazer a necessidade humana. Em Jesus Cristo, Deus e a humanidade chegam a ser um. A humanidade se acha idealmente e para sempre nele. Ele expressa idealmente e para sempre a parte mais íntima do coração e vida de Deus. A combinação das duas formas de vida em uma união vital, em uma vida pessoal, singela, indissolúvel e perdurável é, assim, a realização tanto de Deus como do homem. F . Estágios na ascensão d e Cristo Devemos reconhecer claramente as condições humanas da vida terrena de Cristo, se quisermos ser fiéis às exposições do Novo Testamento. O fenômeno da encarnação significa sua entrada naquelas condições. Não foi um mero contato em um só ponto. Ele se "apoderou" de nossa natureza em todos os seus aspectos. Mais ainda, entrou e habitou nela, e vimos sua glória como a do Filho unigênito de Deus. Esse fato traz consigo certas verdades importantes. Primeiramente, sua vida humana sujeitou-se às leis do crescimento. Não há prova nas escrituras de que a consciência infinita e divina estivesse presente na vida de Jesus durante seus primeiros anos. "E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2.52). Com a idade de doze anos, sua experiência no templo foi um ponto de partida em sua consciência espiritual; "Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai?" (Lc 2.49). Seu batismo constituiu-se uma época no crescimento de sua consciência, a voz do céu o confirmou e o assegurou novamente quanto ao seu chamado e missão. "Tu és o meu Filho amado" (Lc 3.22). A tentação foi uma grande conflito moral. As arremetidas do tentador esclareceram o sentido de sua missão e o tornaram mais forte em seu poder de resistência. Em um período mais tarde, sua alma parece estar profundamente comovida pela necessidade de sua morte e ressurreição (Lc 12.50). Na cruz, pronunciou as memoráveis palavras: "Está consumado". Em certo sentido, um processo havia chegado ao fim. Paulo declara que a ressurreição "assinalou" com poder a Jesus como o Filho de Deus. A vida posterior à ressurreição foi vivida sob condições totalmente distintas. Foi durante esse período que delegou a Grande Comissão, na qual declarou: "Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra!" (Mt 28.18). Sua ascensão à destra de Deus consumou sua carreira terrena e indicou a retomada das atividades plenamente divinas. Em segundo lugar, a conformidade de Cristo à lei do crescimento humano não foi um elemento de imperfeição, mas de perfeição humana. Não há período em que uma vida humana ideal possa estar estática. Quando cessa o crescimento, começa o declínio. O amplo intervalo entre os primeiros e os posteriores períodos da vida de Jesus nos grandes elementos de crescimento e desenvolvimento é a evidência proeminente de sua perfeição como homem. Uma vida perfeita passada sob as condições de tempo e espaço deve ter sucessão, novidade de experiência, sabedoria acumulada, reserva moral, amplo horizonte e profundidade de consciência espiritual. Tudo isso esteve presente no desenvolvimento da consciência única de Jesus. E evidente, portanto, que se vemos em Jesus uma verdadeira encarnação, devemos aceitar as condições humanas sob as quais se efetuou. Em terceiro lugar, é preciso notar que havia pelo menos três fatores no desenvolvimento da vida de Cristo. Houve um fator intelectual. Seu crescimento em sabedoria é declarado expressamente. Também se afirma que, ao menos em um aspecto, ignorava o futuro: o dia e a hora de sua volta (Mt 24.36). Devemos aceitar essa declaração em seu claro sentido. Devemos evitar aceitar uma dupla consciência que destrua a unidade da pessoa de Cristo. Houve também um fator moral em seu crescimento. Foi tentado durante toda sua vida, mas não pecou (Lc 22.28; Hebreus 4.15). Aprendeu a obediência por meio das coisas que sofreu. Naturalmente não temos de conceber seu crescimento como um progresso desde a imperfeição do pecado a um estado de impecabilidade. Seu crescimento moral significa que sua vida esteve moralmente condicionada. O caráter é uma coisa adquirida sob a graça de Deus. Era impecável porque tinha o poder moral para vencer, não porque era compelido irresistivelmente a operar bem. O ato de autodespojamento significava a entrada do Verbo eterno nas condições de uma luta moral, isto é, em condições humanas. Tudo isto não é senão dizer que a vida humana foi verdadeira, e que a encarnação foi também verdadeira. As duas grandes qualidades são abrangidas, e uma igualmente com a outra. Uma vida sem crescimento ou luta moral significa uma vida exclusivamente divina, não uma encarnação. Outro fator no desenvolvimento da consciência de Jesus foi o messiânico. Começou sua carreira pública com a convicção de sua vocação messiânica. Mas aquela vocação tinha de ser realizada progressivamente pelas experiências de sua vida. Por isso, o pleno conteúdo de sua missão veio gradualmente a ele. Nunca, nem por um momento vacilou, nem se apressou prematuramente para cumprir seu objetivo. Mas não há evidência de que todos os pormenores do futuro estivessem diante dele como um livro aberto desde o primeiro dia de seu ministério público. Adiantouse passo por passo para a meta. Os grandes resultados eram conhecidos antecipadamente. Os pormenores lhe vieram em sua própria ordem. Às vezes expressou surpresa. Admira-se com a incredulidade dos homens (Mt 8.10; Mc 6.6). Sua vocação como Messias descansava naturalmente em sua relação eterna com Deus como Filho. Desde as primeiras partes das narrações dos evangelhos descobre que teria conhecimento de que era Filho. Mas aqui também havia um desenvolvimento para coisas maiores. O menino não podia ter a consciência do homem maduro. Não podemos sondar o mistério de sua consciência neste ponto. Só podemos entendê-lo à luz dos fatos como estão narrados. Certamente há momentos em que Cristo é consciente de uma relação eterna com Deus (Mt 11.27; Jo 17.4). Dorner sustentou que a encarnação foi gradual, e que es­ teve completa só ao fim da carreira terrena de Cristo. Isto, no entanto, não concorda com os fatos narrados. A encarnação esteve completa em todos os períodos da vida terrena. Mas foi toda a forma humana de ser. Se distinguirmos os dois elementos de sua pessoa, podemos afirmar com igual verdade que o fator humano foi também incompleto nos primeiros períodos. Não foi uma encarnação gradual, mas antes um desenvolvimento progressivo da consciência do encarnado. Foi a personalidade única e suprema de todo tempo realizando-se pelas experiências sucessivas de uma vida condicionada para a terra. A suprema consciência moral e religiosa do homem identificou-se indissoluvelmente com a consciência redentora eterna do Filho de Deus. Em quarto lugar, o princípio espiritual da encarnação se expressa claramente na cruz. A vida por meio da morte é a chave de seu significado. O grão de trigo tem que morrer para voltar a viver em plenitude e poder. Cristo foi exaltado porque teria tomado a forma de servo. Deus se faz real, ou manifesta amplamente o máximo de sua própria natureza, no significado essencial de sua divindade quando ele mesmo se dá por suas criaturas. Assim, o mais íntimo vínculo de união entre Deus e o homem é a capacidade para o amor abnegado, que é comum a ambos. A encarnação é a expressão concreta daquela capacidade de Deus. A vida cristã é a resposta do homem ao ato de Deus, e expressa o mesmo ideal ético, a mesma lei que demonstra que é ele mesmo; ele é a vida que pode ser obtida por meio da morte. A doutrina da encarnação, portanto, não é uma abstração especulativa. Não é meramente uma conclusão racionalista da metafísica. É sim a verdade mais intensamente religiosa e experimental do cristianismo. Em seu coração contém a verdade mais profunda relativa à natureza moral e espiritual de Deus e do homem. Em outras palavras, nossa capacidade para nos humilhar, para servir, para simpatizar, para pôr-nos em condições que governam as vidas de outros, para submeter-nos e obedecer a fim de bendizer — essa capacidade, dizemos, não é um sinal de que somos diferentes de Deus, mas de nosso parentesco com ele. E a capacidade de Deus para condescender às condições humanas, para buscar e redimir aos homens não é mais baixa, mas o impulso mais divino de sua natureza. e. O bjeções Algumas objeções foram antecipadas e contestadas de uma ou de outra forma na exposição anterior. Algumas outras podem ser tratadas agora. 1. Em primeiro lugar, objeta-se que a doutrina da encarn contradiz a unidade de Deus. A antiga acusação de diteísmo (dualismo) ou triteísmo é sempre uma evidência contrária à doutrina cristã. Parece que muitos pensam que não há mais o que dizer quando se faz essa acusação. Mais se dirá em resposta quando se considerar o assunto da trindade.. Por hora, podemos destacar um ou dois pontos. O cristianismo é inteiramente monoteísta. Que não se esqueça isso. Mas o cristianismo estabelece sua doutrina de Deus dos fatos da história e da experiência. Adere-se não a um monoteísmo especulativo, mas a um monoteísmo experimental. A palavra de Deus para nós e em nós, o grande fato da revelação de Deus e de sua redenção para nós proporcionam a base. A teologia não traz nenhuma teoria abstrata de conhecimento dos fatos em um esforço para obrigar aos fatos a estar em conformidade com a teoria. Aceita os fatos e procura interpretá-los. A doutrina não trinitária também é mais difícil de ser sustentada sobre bases racionais que a trinitária, como veremos. A revelação de Deus em Cristo resolve para nós todos os grandes mistérios espirituais até onde podem ser resolvidos pelos homens nesta vida. A outra opinião se baseia sobre um conceito abstrato de unidade que deixa Deus como uma mônada sem relações. As relações internas não são incoerentes com a idéia da divindade se são concebidas para encarecer e enriquecer nossa idéia da riqueza infinita da graça de Deus, e para conservar a unidade de sua ação. Certamente a preexistência de Cristo revela amor eterno e igualmente real em Deus, proporcionando um alicerce no ser essencial de Deus para todas as grandes realidades éticas e espirituais da fé. 2. Uma segunda objeção afirma que o homem, como finito, n pode revelar a Deus como o infinito. Aqui, também, está envolvida uma idéia falsa das relações entre o finito e o infinito. Como foi observado, o princípio do deísmo consistiu em que o finito não tem capacidade para o infinito. O homem não pode compreender a Deus. Mas o princípio do teísmo cristão é que o infinito tem capacidade para o finito. Em outras palavras, finito e infinito não são termos mutuamente exclusivos. Se fosse assim, então o agnosticismo seria a verdade: Deus, a causa de sua infinitude, não poderia chegar até o homem; e o homem, a causa de que é finito, não poderia chegar até Deus. O argumento usual em todas as formas do teísmo, trinitário ou não, implica a possibilidade da encarnação. Deduzimos que Deus tem vontade, consciência, do fato de que o homem possui estas qualidades. Isto é, argüimos acerca da personalidade de Deus partindo da nossa. Não estamos autorizados a dar outro salto no desconhecido e inferir, além disso, que a personalidade divina seja incapaz de expressar-se em uma forma humana. Por outro lado, por ter personalidade — tanto Deus quanto o homem —, implica que semelhante expressão é possível. Observe-se também que nossa personalidade é o modo mais elevado de ser finito que conhecemos. Se Deus não pode expressarse por meio dela, não permitirá por meio de nenhuma espécie. Assim, somos empurrados ao incompreensível e à estagnação de toda religião. 3. Também se objeta que o mistério da encarnação é demasia­ damente extraordinário para que o aceitemos. Às vezes, declara-se que é incapaz de "se pensar" a respeito. Quanto à última expres­ são, pode-se contestar que a incapacidade de "pensar" se relaciona com o pensador. Alguém poderia quase afirmar que a Trindade cristã é a mesma simplesmente comparada com muitas opiniões modernas, por exemplo, as várias formas de hegelianismo e neohegelianismo, o pluralismo, a doutrina de Bérgson e outros. Em verdade, aceitamos muitas verdades que são inexplicáveis pela razão. Uma é a verdade do livre-arbítrio do homem e da soberania de Deus. Outra é a possibilidade de orar e o propósito eterno de Deus. Outra é a possibilidade da iniciativa humana pela ação da vontade. Outra é a verdade de que Deus é a causa de si mesmo, um fato absolutamente único. 4. Objeta-se também que a doutrina da encarnação é inco­ erente com o pensamento moderno. Contestamos porque a frase "pensamento moderno" é muito ampla, e mais ou menos vaga. Há uma tripla resposta, no entanto, à objeção geral. O pensa­ mento moderno em sua forma inferior não tem nenhum direito de se expressar sobre o assunto. O pensamento moderno em sua forma mais elevada se contradiz a si mesmo com tanta freqüên­ cia que não pode argumentar com autoridade. O pensamento moderno, quando se unifica propriamente, argumenta a favor da opinião cristã. Consideremos estes pontos em sua ordem. Dizendo "infe­ rior" damos a entender aquele que trata da matéria em lugar do espírito. (1) O pensamento moderno em sua forma inferior ou mais baixa não tem direito de argumentar sobre a encarna­ ção. As classes mais baixas do pensamento moderno se ocupam dos fenômenos físicos, e fazem suas explicações em termos de continuidade ou causalidade física. Em to­ das as questões acerca da alma, da imortalidade, de Deus e da religião, silenciam. Seu objeto de estudo é distinto. Confundem-se e causam conflito quando procuram tratar de coisas espirituais e impor ali suas regras, seus critérios de verdade e realidade. (2) O pensamento moderno em suas formas mais elevadas se contradiz com tanta freqüência que não pode argumentar com autoridade. Só damos uns poucos exemplos, dentre muitos escritores modernos hábeis e representativos. O professor Royce sustenta que a encarnação e a propiciação no princípio é a verdadeira chave para o significado do universo, mas nega que o princípio tenha expressão em Jesus, em um sentido único e excepcional. Evita a questão acerca de Jesus e considera somente os princípios filosóficos. O professor Eucken sustenta que a regeneração pela união do homem com Deus é necessária para a compreensão de si mesmo por parte humana. Só assim ele pode vencer as contradições da vida e se encontrar no sentido mais elevado. Mas o professor Eucken exclui decididamente a Jesus, considerado desnecessário para o desenvolvimento religioso do homem. Outro grupo de idealistas, ou personalistas, que são em tudo tão modernos e inteligentes como Eucken e Royce, sustentam que uma encarnação, tal como a que temos em Jesus Cristo no sentido evangélico, é a expressão necessária e a única racional do que Deus significa. O idealismo toma aqui a forma pessoal, e a encarnação e a propiciação, a vida adquirida por meio da morte, vem a ser um ato efetuado por Deus, já encarnado, por meio do Filho. A condição e estado eterno de Pai e a condição e estado eterno de Filho são essenciais a Deus, e todas as demais relações de Pai e Filho se derivam dessa. Também o professor William James sustenta que a conversão é o resultado de uma obra sobrenatural de Deus na alma. É um ato milagroso, não no sentido panteísta segundo o qual tudo na natureza e no homem é milagre; mais no sentido estrito e próprio de uma ação direta de Deus produzindo um resultado excepcional. Mas o prof. James é um agnóstico quanto à experiência cristã. Não podemos afirmar com segurança que seja Jesus Cristo. Contradizendo-o, Ritschl afirma que uma coisa que sabemos com certeza é que o conhecimento e o poder de Deus nos vêm por meio de Jesus Cristo. Seria fácil multiplicar exemplos, mas não é necessário. Pensadores de muitas escolas, todos intensamente modernos em espírito e em atitude, sustentam opiniões bem diversas quanto à relação de Cristo a Deus com respeito à salvação humana. Por isso, a acusação vaga de que o cristianismo se opõe ao pensamento moderno carece de apoio adequado. Tudo depende da espécie particular de pensamento moderno representado pelo contestante. (3) A terceira resposta é que quando se une propriamente o pensamento moderno pronuncia-se uma mensagem que realmente é a favor do ensino cristão. As seguintes consi­ derações aplicam-se aqui. Como etapas no entendimento progressivo que teve o homem do universo, os diversos tipos de opinião facilmente acham seu lugar. A ciência física descobre o campo ou plataforma, onde possa se efetuar um mais alto fim espiritual. O idealismo em sua forma mais abstrata é um resultado lógico do esforço intelectual do homem para compreender a significado do mundo. Acha uma razão imanente em todas as partes. Mas o idealismo pessoal não deixa de se apresentar, visto que só conhecemos a razão que está dentro de nós mes­ mos em sua forma pessoal. Nunca a temos em sua forma abstrata. A personalidade inclui a liberdade, e essa nos coloca acima da causalidade física em uma nova ordem de ser. Aqui, entra a religião com tudo o que implica quanto à comunhão entre Deus e o homem. Os fenômenos da vida religiosa encontram sua verdadeira chave em Jesus Cristo. Ele é o único que explica todos esses fenômenos. A filo­ sofia recente, em suas teorias de conhecimento, confirma fortemente o método de Jesus. Aprendemos fazendo as coisas. A verdade é provada por meio dos procedimentos da vida. A vontade, as emoções e a natureza moral têm sua parte em nossa apreensão da verdade espiritual. Essa é a direção do pensamento moderno em seu conceito de como conhecemos as coisas. Não há especulação, não há abstrações, não há deduções a priori, mas sim experiência viva; esse é o método moderno, assim como o cristão. Esse é o método de Jesus. Nele todas as classes de pensamento moderno podem ser unificadas. O pensamento moderno, do mesmo modo, em suas representações mais elevadas, edifica sobre os aspectos de verdade cristã. Royce emprega o conceito da encarnação e da propiciação. Eucke se vale da doutrina do novo nascimento. James, em suas Variedades de Experiência Religiosa, também utiliza a idéia da regeneração, mas acrescenta o conceito do sobrenatural. Todos estes pensadores operam com o conceito central da cruz, o de morrer para viver. Ritschl adianta-se mais e afirma a função divina de Jesus em tudo isto, mas não afirma tudo quanto envolve a função acerca da natureza de Cristo. Blewett e Bowne combinam todos os elementos mais baixos em um personalismo coerente em si mesmo, o teísmo cristão, que une os muitos elementos do pensamento moderno, aproximando-se assim bem perto de um resultado cristão evangélico. Muitos pensadores cristãos modernos levam completamente a cabo o procedimento. Assim, parece que o pensamento moderno em nenhum ponto vital contradiz o ensino cristão. H . Teorias opostas As teorias modernas que competem com a que se apresenta aqui são tão numerosas que não podemos considerá-las detalha­ damente. Escolhemos apenas algumas como suficientemente re­ presentativas dos diferentes tipos. 1. A primeira é a do Cristo humanitário. Jesus não era Deus em nenhum sentido. Foi divino somente como todos os homens são divinos. Foi o príncipe dos santos, o tipo perfeito da espécie humana em sua época. Tinha comunhão com Deus como homem religioso. Podemos imitar sua fé. Podemos procurar ser seme­ lhantes a ele. Mas não é redentor divino. Os que sustentam essa idéia não o consideram impecável, mas reconhecem a natureza exaltada de sua piedade. Negam seus milagres. Eliminam-se to­ dos os ditos que lhe fazem o objeto da religião do homem e o juiz do mundo. A resposta a isto se dará na contestação à teoria que mencionamos em seguida. O que pertence à resposta ali, será mais aplicável aqui. 2. A segunda é que Jesus foi apenas homem, mas como homem esteve cheio da presença divina. Ele foi um milagre no sentido de que sustentava uma comunhão perfeita e não hesitante com Deus. Sua consciência era uma consciência própria de Deus apenas neste sentido. Foi assim a revelação de Deus a nós. É o homem-arquétipo. É nosso salvador pelo fato que nos mostra o caminho para Deus. Essa é a teoria de Schleiermacher. Está muito difundida nos tempos modernos, ainda que com variações. Alguns que a sustentam, o exaltam até colocá-lo quase em uma posição igual à opinião trinitária, incluindo a ressurreição da morte e a vinda futura em glória para julgar ao mundo. Outros deixam estas questões como duvidosas, com uma tendência forte de negá-las ou relegá-las como sem valor para a fé. A resposta a estas teorias já foi indicada na exposição anterior. Aqui bastará um resumo. (1) A experiência cristã fala de outro modo acerca de Cristo. Não podemos, ainda que queiramos, eliminá-lo dela. Todos os fatores de nossa consciência cristã implicam um Cristo presente. Conhecemo-lo como redentor e Senhor. (2) A história cristã concorda com nossa experiência. Nela se narra o consenso dos crentes de toda era cristã. Os credos da cristandade, os hinos dos redimidos, a arte dos séculos, todos dão testemunho da divindade de Jesus na experiência que o homem teve da salvação cristã. Um lugar divino tem que ser atribuído a Cristo, a menos que tenhamos de repudiar toda evidência. (3) O testemunho dos escritores do Novo Testamento se opõe em todas as partes à essa idéia. Não há dúvida quanto a Paulo e João. Ambos ensinavam que Cristo existia antes da fundação do mundo, e que era Filho eterno, Deus manifesto na carne. Os escritores sinópticos apresentam o mesmo gênero de Messias, ainda que o desenvolvimento não seja levado por eles a seu apogeu. Mas nos sinópticos, ele é o operador de milagres; o objeto da religião; o Filho, é o único que conhece e revela ao Pai; o juiz futuro do mundo. As próprias palavras de Jesus, como estão narradas nos sinópticos, dão-nos aqueles conceitos de sua pessoa. A crítica deixou intactos todos os grandes ditos de Jesus. Alguns críticos, por motivos a priori, descartam todos como indignos, com exceção de mais ou menos meia dúzia. Alguns deles até negam a historicidade de Jesus. Mas a crítica científica e legítima, que só nega ou aceita por razões críticas, deixa o grande Cristo sobrenatural como a fé cristã sempre o sustentou. Com respeito à primeira teoria, é preciso dizer que só pode se manter recusando o que os escritores do Novo Testamento, ou Jesus, testificam quanto à sua pessoa. O esforço corrente para reduzir Cristo a um nível meramente humano está em grau maior contra o método científico e crítico em sua atitude com respeito ao testemunho do Novo Testamento. Supõe-se arbitrariamente que as tendências contemporâneas, os ideais, e as opiniões com respeito ao mundo sejam a fonte de todas as declarações arbitrárias acerca de Jesus. Contudo, Jesus é considerado homem religioso da ordem mais elevada e útil em certo sentido para nós. Não há base crítica razoável a favor dessa opinião, visto que a intentada reconstrução já havia minado todo o testemunho de Jesus e do Novo Testamento. O Jesus humanitário é o produto do naturalismo que opera na esfera religiosa, e o desprezo a priori feito com antecipação. Julgase de antemão toda a questão, porque o crítico assume como uma base fundamental de sua teoria uma opinião especial de como está feito o universo. Não permite que os fatos contestem, mas impõe suas opiniões aos fatos. Quanto à segunda teoria, a de um Cristo sobrenatural e não obstante humano, deve-se dizer que afirma pouco ou muito. As suposições que a acompanham são as que em muitos aspectos acompanham à primeira teoria. Contudo, afirma muito para aquela teoria. Por que há de ter um Cristo humano milagroso ou sobrenatural se não necessitamos de um salvador divino? A primeira teoria é lógica ao desprezar todo o sobrenatural baseandose em suas suposições. Os primeiros cristãos, os cristãos posteriores, e os cristãos modernos encontram um Cristo divino por sua experiência religiosa. Sua salvação é um fato divino. Interpretam seu autor como divino. A opinião é conseqüente consigo mesma. Não é surpreendente que a segunda opinião tende a retroceder ao nível da primeira, ou a adiantar-se até a verdadeira opinião. 3. A terceira teoria considera Cristo como preexistente, apen em um sentido ideal. Era o cumprimento, no tempo, de um ideal divino que esteve na mente de Deus na eternidade, mas não a encarnação de uma pessoa divina preexistente. Contestando, observamos em primeiro lugar que essa opinião não é autorizada pelo Novo Testamento. Antes, os homens procuravam interpretar Jesus, Paulo e João nesse sentido. Mas a exegese cientifica já não faz assim. Uma preexistência real e pessoal é o ensino do Novo Testamento, por mais que o racionalismo moderno procure desprezá-la. Na verdade, o Novo Testamento conhece uma preexistência ideal com referência a algumas coisas. Mas o fato de Cristo ser considerado pessoalmente preexistente é claramente contrastado com isso. Em Hebreus 9.23, o escritor, ao falar das vasilhas e dos serviços do tabernáculo, diz: "Era necessário, portanto, que as figuras das coisas que estão no céu fossem purificadas com tais sacrifícios". Era comum à mente judaica o pensamento da preexistência ideal na mente de Deus, e podia expressar claramente aquela idéia. Mas também era capaz de expressar o pensamento da preexistência atual, e o fez por meio de Paulo e de João, e outros em muitas partes do Novo Testamento. A teoria da preexistência ideal regularmente é abordada na objeção à idéia evangélica de Jesus como extremamente metafísico. Mas a preexistência ideal é no todo tão metafísica como a idéia oposta. Procura penetrar profundamente no ser de Deus. Chega quase a outra conclusão. O fato é: a teoria da preexistência ideal é bastante parecida à especulação metafísica de Filo, sendo mais antiga que a doutrina do Novo Testamento. O conceito de Filo define o Logos, ou a razão divina, como um princípio eterno na natureza de Deus. Teve participação em toda a obra criadora de Deus. Às vezes, Filo parece pensar no Logos como uma pessoa eterna da divindade, mas regularmente é o princípio da razão eterna. O conceito moderno da preexistência ideal é muito semelhante a uma especulação metafísica. Mas o ensino do Novo Testamento é bem distinto. O conceito é o de uma pessoa verdadeira. O motivo é moral, espiritual e prático, não metafísico. Aqui se trata de um redentor divino com poder para salvar; não é problema da razão especulativa. Essa teoria também debilita nossa idéia da plenitude ética da natureza divina, e conduz a um relativismo que compromete muitos e grandes interesses. A relação de Pai e Filho, se são reais em Deus, proporcionam a base eterna da relação terrena. Se o amor é real em Deus, então o amor humano e um reino eterno de amor estão fixados profundamente no ser íntimo de Deus. Se por outro lado Deus fosse uma mônada, existindo sem relações internas, sem nenhuma mutualidade ou reciprocidade, todas as relações éticas e sociais entre os homens se fundiram a um nível muito mais baixo que aquele que estamos acostumados a ter. Se Deus é amor, tem de ser assim eternamente. Se Deus é nosso Pai, então o estado e condição de Pai devem ser originais nele e não meramente derivados de sua forma temporal no homem. Dizer que a relação de Pai e Filho e o amor não passam de parábolas e de símbolos do que é Deus, e que não nos asseguram as realidades essenciais em Deus, a resposta é que isto é agnosticismo. É fundamental que o teísmo cristão sustente que Deus se expressa no finito. Deus não é ocultado mas revelado pelas coisas que fez. Todo caminho que corre através da maravilhosa criação de Deus conduz para cima, à glória de seu ser: a vereda do poder, da ordem, da beleza, da vida, do pensamento, da vontade, do sentimento, da personalidade, da liberdade, do amor, da relação de Pai, da de Filho, todas conduzem ao Eterno, que se derrama em sua criação, e a edifica dentro de um reino radiante com tudo quanto é mais elevado em si mesmo. 4. Uma quarta teoria é a do prof. William Sanday. Nã uma negação do ensino evangélico, mas sim um esforço para expressar como se efetuou a encarnação. O doutor Sanday faz uso do subconsciente de nossa natureza mental como a chave da encarnação. A psicologia deu ênfase ao fato de que nossa vida mental tem duas áreas. Um delas é a consciência; a outra é a subconsciência. A consciência é algo semelhante ao aposento da frente, e a subconsciência ao aposento posterior de nossa vida física. No subconsciente levamos os acúmulos da memória e da experiência. Estas são requeridas pela operação das leis da associação segundo exige nossa necessidade. Muitos estudantes da psicologia da religião deram ênfase ao ensino de que na regeneração Deus opera em nós pela subconsciência, produzindo ali a mudança necessária em nossa natureza. O prof. Sanday se adianta, afirmando que se efetua a encarnação quando o divino entrou na parte subconsciente do ser de Jesus, e que sua pessoa deve ser definida desse ponto de vista. Os elementos divinos e humanos foram fundidos dessa maneira até ter unidade. Que diremos acerca dessa idéia? Contém uma sugestão interessante e, sem dúvida, um elemento de verdade. Mas não é uma explicação adequada da encarnação. Podem ser feitas várias declarações que mostram isso. (1) Em primeiro lugar, podemos dizer que a área subcons­ ciente não é superior ao consciente de nossa vida men­ tal. Contém, para se dizer melhor, o resultado de estados conscientes prévios. Ou, na melhor das hipóteses, é em nós uma potencialidade. É como o estado da infância ou o do sonho. Os mais importantes de nossos estados são os da consciência, quando pensamos, queremos e sentimos. Quando raciocinamos, resolvemos ou amamos é quando nossa natureza se mostra em sua forma mais elevada. Disso conclui-se que em Cristo os elementos mais im­ portantes de sua vida espiritual foram os da consciência. Sua divindade encontrou expressões no que disse e fez. (2) A idéia também está sujeita à objeção porque envolve um dualismo irreconciliável na natureza de Cristo. Se a humanidade de Cristo encontrasse expressão em seus estados conscientes, e sua deidade nos subconscientes, não se poderia afirmar nenhuma verdadeira unidade de pessoa. A teoria divide a pessoa em elementos inferior e superior. O ensino bíblico e a unidade da personalidade humana normalmente exigem unidade em nosso conceito da pessoa de Jesus. Exemplos de personalidades múltiplas que se encontraram nas investigações da psicologia não são casos de vida pessoal normal. São tipos patológicos ou anormais, e não servem para explicar de maneira alguma as formas mais elevadas da vida pessoal de Jesus, o Filho de Deus. (3) A terceira objeção é que a teoria se apresenta em uma forma de agnosticismo. Se a concebemos como limitada ao subconsciente em Jesus, deixa desconhecida a divindade em Cristo. O verdadeiro coração da revelação de Deus em Cristo consiste em que o divino foi declarado em termos claros e explícitos para que o entendêssemos. Lemos as palavras e estudamos os fatos do Encarnado, e, ao fazêlo, aprendemos o que em si mesmo é o Deus infinito e eterno. Mas isto é impossível se pensamos em Deus como limitado em Jesus sob a consciência. (4) Acrescentamos, para concluir, que não há dúvida de que existe um elemento de verdade na sugestão do dr. Sanday. A natureza humana contém, como parte de si mesma, o lado subconsciente juntamente com o consciente. O Jesus verdadeiramente humano possui ambos. Como Encarna­ do, não há dúvida de que ambos foram influenciados por todos os elementos excepcionais em sua personalidade. Não há meio de separar as duas esferas, uma da outra, de alguma maneira radical. Continuamente influem uma sobre a outra. O que está agora na consciência imedia­ tamente passa à subconsciência. O conteúdo dela volta continuamente à consciência pelos procedimentos da memória nas experiências da vida. 5. A quinta teoria é a ritschliana. Ela toma esse nome Albert Ritschl, e afirma que Jesus tem, para nós cristãos, o valor de Deus. Por meio dele chegamos ao conhecimento de Deus. O poder divino nos acha nele e por meio dele. Nosso juízo de valor diz respeito a ele, pois ele é Deus. Mas um juízo de valor não é um juízo de realidade, já que não podemos conhecer a realidade última ou essencial. Só conhecemos os fenômenos. Afirmar a divindade de Cristo com base em sua ação divina é um esforço para irmos além da esfera de nosso conhecimento humano. Em resposta a isso, várias coisas que podem ser ditas. Algumas delas são favoráveis. Há uma verdade real na idéia do "juízo de valor". A excelência de Cristo é a base necessária de nosso apreço por ele. Também, o que Cristo faz é um ponto de partida para nosso conceito de sua pessoa. Além disso, é verdade que nunca podemos compreender toda a realidade em nosso conhecimento. Conhecemos parcialmente. Por outro lado, é completamente errôneo afirmar que a realidade, como é em si mesma, está mais oculta que revelada por suas manifestações. A afirmação de que a última realidade não pode ser conhecida é contraditória. É preciso ter um vasto conhecimento acerca dela para afirmar semelhante coisa. Não são muitos os que agora procuram fazer uma justificação teórica ou cientifica do agnosticismo baseados na justificação feita por Kant entre a realidade fenomenal e numenal. O ritschlianismo passa sobre essa distinção no esforço vão de evitar a metafísica na teologia. Os homens são sensivelmente impulsionados por sua estrutura mental a indagar a última ou o mais excelente significado do mundo. A filosofia moderna, porém, edifica-se sobre fatos, não sobre abstrações. À luz disso, é claro que Ritschl está equivocado quando afir­ ma que a função de Cristo como salvador não revela o que Cristo é em si mesmo. Sabemos o que são as coisas precisamente por sua função. Os efeitos são nossos meios de conhecer as coisas. A nega­ ção com respeito à pessoa de Cristo e as afirmações a respeito de sua obra podem facilmente apresentar uma combinação de idéias fatais à vida cristã. O pensamento humano não pode se deter em sua busca da verdade. Estamos obrigados a apresentar e a res­ ponder à pergunta acerca de Jesus o melhor que pudermos, e até onde os fatos o autorizem. Ritschl deu muita ênfase às fontes do cristianismo do Novo Testamento, mas é bem evidente, por toda a discussão anterior, que a opinião dele acerca da impossibilidade de conhecer a Deus em Cristo só pode ocorrer por um método violento de interpretação do Novo Testamento. A ênfase de Ritschl sobre a experiência, distinta de sua negação do elemento místico, concorda em muito com o evangelho. A experiência, os fatos da vida, o poder salvador de Deus que vem de Cristo proporcionam o fundamento para a verdadeira idéia da pessoa de Cristo. Mas Ritschl, por respeito aos métodos e critérios da ciência física, não obteve êxito a tudo quanto teria direito de reclamar como cristão e pensador. Capítulo 8 0 Espírito Santo e a Trindade A . 0 Espírito Santo A doutrina bíblica do Espírito de Deus apresenta muitos sinais de progresso na revelação desde os primeiros períodos até os últimos. A palavra hebraica que designava espírito significava originariamente "alento". Deste, passou a significar "vento", e paulatinamente passou a ter o significado de "espírito". Originariamente o Espírito de Deus significava sua energia ou poder em contraste com a debilidade da carne (Is 31.3). 1. No Antigo Testamento os pontos principais no ensino c relação ao Espírito de Deus são: (1) O Espírito de Deus era Deus em ação efetuando determinado propósito. O Espírito foi, às vezes, considerado distinto de Deus no Antigo Testamento, mas não no sentido trinitário posterior (Gn 1.2; 6.3; SI 51.11). (2) O Espírito foi o poder enérgico no caos primitivo, produzindo beleza e ordem (Gn 1.2; SI 104.28-30; Jó 26.3). (3) A vida é concedida ao homem pelo Espírito de Deus (Gn 2.7). (4) Muitos poderes foram conferidos aos homens, como Sansão e outros, por meio do Espírito (Jz 14.6; 11.29). (5) A sabedoria e a habilidade foram conferidas pelo Espírito, como no caso de Bezaleel (Êx 31.2-5; 35.31; 28.3). (6) O Espírito dotou os profetas de sabedoria e lhes revelou verdades divinas (Ez 2.2; 8.3; 11.1, 24). Nos primeiros períodos, o dom profético tomava a forma de entusiasmo ou êxtase (1 Sm 10). Mais tarde os profetas foram especialmente escolhidos como mensageiros para transmitir a verdade de Jeová. (7) O caráter moral e espiritual se deve também ao Espírito Santo. O caráter ético da obra do Espírito vem a ser manifesto (SI 51.11; Is 63.10). A expressão "Santo" veio a ser aplicada como a designação especial do Espírito. O Messias há de ser ungido pelo Espírito Santo para sua obra, e algumas predições de um derramamento futuro do Espírito aparecem nos ensinamentos posteriores do Antigo Testamento (Is 11.1-5; 42.1ss; 61.1; assim também em Is 44.3; 59.21; J12.28-32). 2. A obra do Espírito de Deus é plenamente revelada Novo Testamento. (1) Observe-se sua obra com relação a Jesus. Está presente no nascimento de Jesus. O unge em seu batismo (Mc 1.10; Lc 3.22). Pelo Espírito, Jesus suportou a tentação (Mt 4.1); Jesus expulsava os demônios, ensinava e curava pelo Espírito Santo (Lc 4.14-21; Mt 12.18,31; Mc 3.28,29). Jesus se oferece na cruz pelo "espírito eterno" (Hb 9.14). Foi erguido da morte segundo o "espírito de santidade" (Rm 1.4; NVI). É ele que batiza com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 20.22; At 1.5). (2) O pentecostes é o cumprimento das profecias acerca do derramamento do Espírito e indica o ponto de partida nas atividades da primeira geração de cristãos. Esse é o batismo a que se faz referência acima (At 2). (3) Como resultado do derramamento no Pentecostes houve muitos dons carismáticos ou atribuição de poder conferidos pelo Espírito Santo aos cristãos primitivos, tais como o falar em línguas, poder para operar milagres, entre outros. (4) O Espírito de Deus convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Isto havia de ser um marco especial de sua missão no mundo (Jo 19.9-11). (5) No entanto, a obra do Espírito em regenerar pecadores e distribuir poder para viver santamente é o que recebe ênfase crescente. Nos últimos escritos do Novo Testamento, os resultados éticos da ação do Espírito se tornam proeminentes. Todo o conceito de Paulo acerca da vida cristã inclui em todas as partes a presença e a comunhão do Espírito Santo. Os crentes "andam no Espírito". É-lhes ordenado que não "entristeçam ao Espírito", que sejam "cheios do Espírito". A própria pregação de Paulo foi "demonstração do Espírito". (6) No Novo Testamento os atributos de personalidade são aplicados ao Espírito Santo, e os ensinamentos em que se fundamenta a doutrina da Trindade estão expressos cla­ ramente. Jesus descreve o Espírito como "outro ajudador" a quem ele enviará do Pai. Alguns pronomes masculinos também são aplicados ao Espírito: "[Ele] vos ensinará", "[Ele] vos fará lembrar", "[Ele] dará testemunho de mim". O Espírito "vem", é "enviado", "ensina", pode ser "entris­ tecido" ou "resistido". Todas estas expressões mostram o sentido crescente da obra especial e distintiva do Espíri­ to e das qualidades pessoais manifestadas em sua ação. Outro grupo de passagens dá ênfase especial ao aspecto trinitário do ensino com relação ao Espírito de Deus. A Grande Comissão ordena o batismo no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28.19). Em 2 Coríntios 13.14 Paulo distingue claramente entre o Pai, o Filho e o Espí­ rito Santo. Da mesma forma, em 1 Coríntios 12.4-6 Paulo menciona as três fontes de bênçãos para os crentes. (Veja Ef 2.18; 3.2-5,14,17; 4.4-6; 5.18-20.) 3. Do esboço anterior do ensino bíblico, os seguintes pontos claros: (1) O ensino quanto ao Espírito Santo no Novo Testamento é o auge do ensino do Antigo Testamento sobre o assunto; (2) no Novo Testamento o Espírito Santo é revelado como pessoal em sua ação sobre os homens; (3) O Pai, o Filho e o Espírito Santo estão agrupados e considerados pertencentes à mesma classe; (4) sobre a base desses fatos ergue-se a doutrina cristã da Trindade. A palavra Trindade não ocorre em nenhuma parte da Bíblia, mas o pensamento expresso pela Palavra é claramente ensinado nela. B . A Trindade 1. Antes de continuar a tratar do assunto principal concerne à Trindade, é necessário fazer várias declarações preliminares. A primeira é que o conceito cristão de Trindade não põe em perigo o conceito da unidade de Deus. O Antigo Testamento deu-nos o monoteísmo. Os escritores do Novo Testamento, na maior parte judeus, apresentam-nos o ensino trinitário sem nenhuma idéia de conflito ou inconseqüência. A unidade de Deus é definitivamente ensinada no Novo Testamento. Às vezes a doutrina trinitária foi manifestada em algumas obras teológicas de maneira que nos dificulta distingui-la do triteísmo. Isso é um erro fundamental e deve cuidadosamente ser evitado. Em segundo lugar, deve-se notar que quando empregamos os termos "pessoa" e "pessoal" com relação à Trindade não expres­ samos precisamente o que temos em mente quando aplicamos os termos aos homens. Entre os homens, uma pessoa é um indivíduo separado e distinto, sem conexão essencial com outros indivíduos. Quando usamos o termo "personalidade" com referência à Trin­ dade, queremos expressar as distinções interiores na divindade. Essas distinções, contudo, são modificadas pelas relações mais íntimas da unidade. Expressam a significação de uma só vida divina, não de três vidas separadas e relacionadas externamente. Não há três Deuses, mas um. Uma pessoa divina não é inferior que uma pessoa humana, mas superior. A vida divina é mais rica e mais completa que a humana. Em terceiro lugar, a doutrina cristã da Trindade não é um esforço para resolver um problema abstrato metafísico. Tem sua origem na revelação feita em e por Jesus Cristo, e em nossa experiência da graça de Deus nele. Deus nos falou em Cristo, e nossa experiência de Deus em Cristo está acompanhada por uma necessidade que só a verdade trinitária satisfaz. Na esfera da experiência, pois, achamos a resolução de vários problemas especulativos. 2. A Trindade é imanente ou econômica? A questão mais damental acerca da Trindade é se as distinções hão de ser pensadas dentro da mesma divindade, ou manifestadas simplesmente nas atividades exteriores de Deus. Alguns indivíduos se contentam adotando uma atitude agnóstica e negando a possibilidade de resolver o problema. Essa é uma posição insustentável. O mestre cristão não deve se expor à acusação de evadir-se ao tratar do as­ sunto. A mente agnóstica humana recusa-se a ficar sem explicações sobre as questões últimas. A atitude agnóstica sobre esse ponto não é mais justificável que sobre outros. Ao mesmo tempo, podemos e devemos admitir que o conhecimento aqui é parcial. Todas as questões do ser último ficam e ficarão em parte na sombra até que nossas capacidades sejam ampliadas. Mas temos, sim, verdadeiro conhecimento. As revelações de Deus não estão ocultas. Todos os nossos descobrimentos implicam uma capacidade crescente para adquirir conhecimento e uma esfera de verdade que se dilata cada vez mais. O infinito está implícito no finito. Tanto a escritura quanto a experiência autorizam a opinião de que as distinções na Trindade não são meramente econômicas. São imanentes. São distinções na divindade. Os fundamentos que temos para fazer essa declaração são múltiplos. (1) Toda a evidência para provar a divindade e a preexis­ tência de Cristo confirma a doutrina Trinitária. Não se quer dizer com isso que a doutrina trinitária seja uma necessidade para o pensamento dos que aceitam a dou­ trina da preexistência. Apenas se quer dizer que ensi­ nando a preexistência atribuímos à divindade distinções imanentes. Se Deus é eternamente Pai e Filho, então está feita já a provisão para outra distinção entre Pai e Filho e Espírito. (2) A evidência para a ação pessoal do Espírito confirma a visão trinitária. Fora de toda dúvida, o Espírito de Deus é revelado como distinto de Deus em certo sentido, tan­ to no Antigo como no Novo Testamento. No Novo, ele é claramente revelado como pessoal. Na verdade, um novo "princípio" não poderia intervir na vida interior do homem religioso. A personalidade e as relações pessoais são essenciais à própria idéia da religião. O Espírito de Deus, visto como um mero princípio ou força impessoal na vida religiosa do homem, é um conceito contraditório em si mesmo. Só uma idéia panteísta do mundo, em que a personalidade perde seu significado, está de acordo com ele. (3) A doutrina cristã da Trindade ajuda o homem em seus esforços especulativos. Um problema permanente de pensamento é a dificuldade de relacionar o ser abstrato e infinito com o finito, tal como está configurado. Esse não é o lugar para entrar completamente na controvérsia. Mas uma breve declaração pode ser feita. Tão logo como procuramos abolir todas as distinções na divindade, encontramos dificuldades que não podem ser resolvidas. O Deus que não tem semelhantes distinções não tem relações nem dentro nem fora. E distinto e está à parte de tudo quanto conhecemos. Não podemos concebê-lo como ativo em relação com qualquer existência finita sem compromisso, em alguma forma, de sua qualidade de absoluto. O resultado é que, paulatinamente, os homens chegam a considerá-lo uma simples mônada, uma mera unidade indefinível e intangível elevada bem acima de todas as formas finitas. É como o ponto sobre o i , e não relacionado com ele. Ou de outro modo é concebido de maneira panteísta, que cancela o significado e a validade de todos os seres finitos, incluindo a personalidade humana. Assim, Deus está absorvido no mundo, como a água em uma esponja. O pensamento filosófico que segue qualquer dessas direções é fatal a todos os nossos mais sublimes interesses. Põe-nos no agnosticismo desesperado, ou, de outro modo, somos devorados pelo Todo, que engole cruelmente toda forma de vida finita. Pois bem, a Trindade cristã reconhece que o ser finito não é negação, mas em parte a expressão de Deus; que o universo é uma chave para o significado do ser divino, não um véu para lhe ocultar da vista; que a personalidade humana é um reflexo de sua imagem, não uma fase passageira do ser. Mostra que a própria vida de Deus pode encontrar expressão em uma vida finita humana pela encarnação de seu Filho; que a infinidade de seu ser como Pai não proíbe que ele nos dê seu Espírito, e que nos ensine a dizer "Aba, Pai". Podemos resumir o assunto dizendo que devemos encontrar no próprio Deus a razão de tudo o que descobrimos em suas obras. Deus sustenta relações com o homem e com a natureza. Portanto, não nos surpreende ver que Deus é revelado como tendo relações dentro da própria natureza divina. 3. Há várias formas de manifestação que os homens e contraram para mostrar a necessidade de distinções na divindade. É dito, por exemplo, que, como quem pensa em algo, assim Deus necessita e exige um objeto. Se o universo é criado e finito, Deus só pode achar um objeto eterno em si mesmo, isto é, em uma das pessoas da Trindade. Afirma-se também que, como vontade infinita, Deus necessita de um objeto correspondente para a ação de sua vontade. E o encontra no Filho e no Espírito. Mais atrativa que qualquer uma destas é uma terceira declaração, a saber: na condição de amor eterno, Deus deve ter um objeto que seja também eterno. O Filho e o Espírito são objetos semelhantes. Assim, vê-se que a relação eterna de Pai, da parte de Deus, e a relação eterna de Filho, da parte de Cristo, proporcionamnos uma razão infinita de amor como é manifestado no mundo. Diga-se o que se quiser dizer das duas primeiras suposições, a última não deixará de apelar poderosamente à mente pensante. Colocamos o amor santo no cume dos atributos divinos. E a coroa de todos eles. E, embora à parte das distinções imanentes na divindade, é uma qualidade finita. Em certo sentido, é uma qualidade derivada, inerente e essencial, visto que se origina só depois de Deus criar seres finitos. A quarta declaração é que Deus, como um ser moral, geralmente tem que depender de distinções imanentes na Trindade. Podemos pensar em Deus como decretando uma lei moral, objetiva a si mesmo, e estabelecendo um sistema moral para o benefício de suas criaturas; mas isso rebaixa demais os valores éticos se são concebidos como uma ordem meramente positiva de Deus, baseados sobre a conveniência e não consolidados em sua natureza eterna. Caso eliminemos o ideal ético da natureza divina, é difícil dizer como podemos alguma vez dar a semelhante sistema o motivo e a confirmação necessária. Reduziria Deus a um ser meramente intelectual, sem nenhuma riqueza de conteúdo moral. Por outro lado, conceber Deus como eternamente ético implica relações na divindade. Ao mesmo tempo, dá uma sanção infinita à idéia moral entre os homens, e exalta grandemente sua significação. A quinta declaração diz que o ideal da mesma personalidade inclui relações para com outros. Seremos meros indivíduos ape­ nas enquanto nossa vida estiver separada de outras vidas. Reali­ zamos nossa verdadeira personalidade só em nossa convivência com outras vidas. O amor é necessário para que alcancemos a meta de nosso ser. Nenhuma verdade se fez mais clara que essa nos tempos modernos. Não obstante, uma idéia de Deus que são seja trinitária deixa o elemento mais essencial para a realização de nós mesmos como seres pessoais sem uma base adequada na natureza divina. Por último, a idéia trinitária nos ajuda a entender o propósito de Deus na criação da natureza e do homem. Um reino moral de pessoas redimidas por Cristo é o fim que nos é proposto nas escrituras. A Trindade mostra como esse reino está enraizado no próprio Deus. Mostra como o universo é a expressão da natureza de Deus, que é o santo amor. O mero tipo ou ideal de tudo quanto é mais elevado em nosso desenvolvimento individual e social se acha assim na própria divindade. A natureza física é um meio para esse fim pessoal moral e social. A imagem de Deus no homem aparece assim em sua forma final e aperfeiçoada em uma sociedade santa de homens criados novamente em Jesus Cristo. C . 0 valor prático religioso da doutrina d a Trindade Expusemos anteriormente que o ensino cristão com respeito à Trindade não é o resultado de um esforço para resolver um proble­ ma especulativo. E uma verdade revelada, e resulta da experiência cristã. Alguns dos elementos de valor contidos em seu significado com respeito a Deus e ao homem devem ser observados. Por meio dela Deus vem a ser sempre para os homens um ser pessoal. Jesus, quem o revela na vida encarnada, escreve essa verdade através das páginas da história. Deus é uma pessoa. É também paternal. Deus é nosso Pai. Esse conceito exalta a religião até o mais alto nível possível. É comunhão entre o Pai e o Filho. Quanto a Cristo, o ensino trinitário relaciona seu ofício de salvador com a mesma natureza divina. Sua encarnação vem a ser para nós o sinal da capacidade de Deus para se sacrificar. O sacrifício de nossa parte vem a ser uma imitação de Deus. Como salvador, Jesus está munido de recursos infinitos para sua obra redentora. Ele é "poderoso para salvar". Essa foi a convicção ex­ perimental dos cristãos primitivos em suas definições da pessoa de Cristo. A divindade e o caráter de salvador estiveram indissoluvelmente unidos. Quanto ao Espírito Santo, a doutrina trinitária o define primeiro em relação com a divindade e depois com relação à obra de Cristo nos crentes e por eles. O material com que opera o Espírito é a verdade como está em Jesus. Sua esfera de ação é a consciência dos homens. Faz com que seja a manifestação histórica, a vida de Cristo, um fator contínuo na vida religiosa do homem e na história. A revelação exterior de Deus em Cristo vem assim a ser a revelação interior de Deus pelo Espírito. Quanto aos crentes, a doutrina Trinitária os salva de idéias infrutíferas pelas quais Deus é concebido como acima do mundo, por um lado, e idêntico com o mundo, por outro lado. O Espírito Santo cria a união espiritual entre o crente e Cristo por seu ato regenerador. Forma a consciência cristã em termos de comunhão com Deus, de relação filial, de crescente semelhança moral a Deus em Cristo. Sustenta a vida interior dos cristãos em todos os períodos de seu desenvolvimento, do princípio até o fim. Em outras palavras, o Espírito Santo faz com que a revelação histórica em Cristo e por meio dele seja efetiva na vida dos crentes. Sua vida é absolutamente essencial para o êxito do evangelho. Em vista disto, é fácil entender o que disse João Batista, quando deu a entender que a obra de Jesus haveria de distingui-lo de maneira peculiar e que batizaria os homens no Espírito Santo. Essa palavra se dá em cada um dos quatro evangelhos. É repetido pelo próprio Mestre. O dom do Espírito Santo no Pentecostes é o cumprimento dessa promessa de Cristo (veja Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33; At 1.5). À luz destas passagens, então, podemos afirmar: (a) que a relação de Cristo para com os homens depois de sua ascensão foi uma relação criada e sustentada pelo Espírito Santo: (b) que o derramamento em Pentecostes foi o batismo permanente do Espírito Santo; (c) que o Espírito ficou como o guia do povo de Cristo para toda a era evangélica; (d) que a obra distintiva do Espírito é a de levar adiante a obra que Cristo começou; (e) que a atividade de Cristo na terra prossegue desta forma: em e por meio do Espírito Santo (At 1.1). D .O bjeções Na discussão anterior, a maior parte das objeções à Trindade foram contestadas nas declarações positivas que se fizeram. Há outras quatro que devem ser mencionadas. A primeira é que algumas das religiões pagãs possuem formas de crença trinitária, de onde se infere que a Trindade cristã tem que ser falsa. Eis a resposta: é uma reversão do método próprio da lógica indutiva declarar que uma coisa é falsa porque o são muitos exemplos dela. O contrário é o método verdadeiro. Quanto maior o número de bons exemplos, maior é a força da evidência verificativa. Como em outros muitos pontos, o cristianismo é o ideal indicado pelas religiões pagãs. As trindades deles são muito inferiores à cristã em seu apelo ao anelo religioso do homem em sua qualidade ética e em conseqüência e harmonia com a unidade divina. A Trindade cristã é uma verdade revelada que está fartamente verificada em nossa vida religiosa experimental. A segunda objeção é que a doutrina da Trindade se contradiz a si mesma ao afirmar que Deus é três e um ao mesmo tempo. A resposta é que o múltiplo da vida não é uma idéia que se contradiz a si mesma. Seria muito mais difícil conseguir uma escassa unidade de ser. Além disso, a objeção não tem base, visto que a Trindade e a unidade de Deus se afirmam com referência a distintos aspectos de seu ser. Deus é três em um aspecto, e um em outro, assim como o homem é dois em um aspecto, e um em outro. É corpo e é espírito. Mas é uma só pessoa. Uma terceira objeção é que não se pode conceber uma doutrina cristã do Espírito. Essa objeção parece muito formidável. Mas é muito vaga. O que se pode pensar depende do pensador. O que se implica na objeção é a suposição de que a realidade tem de se conformar com nossos pensamentos acerca dela. Por outro lado, nossos pensamentos estão obrigados a conformar-se com a realidade se devemos ter pensamentos corretos. O que é Deus em si mesmo, unicamente Deus pode esclarecer. A revelação feita por Deus de si mesmo em Cristo, e em nossa experiência dele pelo Espírito, é sua resposta a nossas teorias do conhecimento. Devemos retornar àquelas teorias se elas contradizem os fatos dados. Em relação a ser impossível pensar na Trindade, só necessitamos refletir por um momento no pensamento filosófico moderno para recordar que os exemplos que melhor o representam tendem a confirmar o ensino Trinitário. Podemos mencionar, por exemplo, certas formas de idealismo nos quais a personalidade se torna a última realidade e em que se concebe que todas as pessoas têm uma base eterna na vida infinita de Deus. Outra objeção é que a Trindade é uma doutrina metafísica e deve ser desprezada por esse motivo. A resposta é que a doutrina de Deus é metafísica no mesmo sentido. Não há maneira de evitar que exista algo de metafísico na religião. As trindades modais e econômicas são todas doutrinas metafísicas. Na verdade, todas as opiniões que existem acerca do mundo são metafísicas. No entanto, há uma grande variedade delas que devem ser consideradas, ainda que, em alguns casos, apontem objeções à Trindade cristã por motivos físicos. Na verdade, o próprio agnosticismo é uma opinião ou conceito metafísico do mundo. Tem um conceito bem definido da criação do universo. Temos de ter alguma metafísica. Mas a metafísica deve estar bem calcada nos fatos. As objeções à Trindade cristã por motivos metafísicos se fundamentam em um critério de verdade pouco racional. Há várias formas de racionalidade: lógica, emocional, estética, moral e religiosa. Um universo emocionalmente racional implica um objeto supremo digno de nosso amor. Um universo esteticamente racional implica a suprema satisfação de nossa faculdade para o belo. Um universo moralmente racional implica um ser que dá suprema sanção e significado à lei moral. Um universo espiritual e religiosamente racional implica um objeto supremo de culto, o qual cuida de nós, revela-se a nós, e cria em nós a capacidade de viver de forma santa e de ter comunhão nele mesmo. A metafísica se equívoca quando supõe que a faculdade lógica do homem é a única que acha satisfação no universo. Chega a ser assim abstrata e enganosa. A doutrina da Trindade é, no cristianismo, a resposta de Deus a todas as necessidades religiosas e morais do homem. Também se origina nos fatos da própria vida religiosa. É assim a melhor resposta possível a nosso anseio a um universo completamente racional. A racionalidade em todas as suas formas — emocional, estética, ética, lógica e religiosa — se satisfaz nela até onde isto é possível sob as condições atuais. Capítulo 9 0 Deus de nosso Senhor Jesus Cristo Reservamos a discussão do caráter e dos atributos de Deus para esta seção pela seguinte razão: podemos entender melhor o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo à luz dos ensinos do evangelho e de nossa experiência da graça e do poder de Deus na redenção. Em outras palavras, podemos entender melhor a relação entre essa doutrina central da teologia e as realidades e os fatos da religião, depois de ter apresentado um resumo dos mesmos. Nas seções anteriores definimos o conhecimento que resulta da experiência de nossa salvação. Demonstramos nossa dependência para com a escritura como a fonte autorizada de conhecimento da revelação suprema em Cristo. Assinalamos as razões de aceitar a Cristo como a revelação suficiente de Deus para nós. Também vimos como essa revelação se torna real em nós pela operação do Espírito Santo. Passamos em seguida à consideração do Deus infinito e santo, que se dá a conhecer dessa maneira, bem como nosso mediador. Depois de fazer isso, estaremos preparados para considerar os grandes temas que tratam da obra de Deus e de seu propósito na criação, a providência e a redenção. Dessa maneira, estamos capacitados para passar de nossas mais íntimas relações pessoais com Deus conhecidas na experiência, para entender seu grande plano e seus grandes propósitos para o universo. Assim, Deus também será para nós uma realidade viva e não uma abstração da razão. A . Definição d eD eus Começamos com uma definição de Deus, da seguinte manei­ ra: Deus é o supremo espírito pessoal; perfeito em todos os atributos; a fonte, o sustentáculo e o fim do universo; quem o guia conforme o propósito sábio, reto e amoroso, revelado em Jesus Cristo; que habita em todas as coisas mediante o Espírito Santo, procurando sempre transformá-las conforme sua vontade e trazê-las a seu reino. Essa definição contém os seguintes elementos necessários para o conceito cristão de Deus: (1) o que é Deus em si mesmo; (2) em seus atributos; (3) em sua relação para com a criação; (4) em seu propósito em relação com Cristo (5) na natureza progressiva de seu reino; (6) nas relações do reino para com o Espírito Santo; (7) na consumação e o fim do reino. Acrescentamos, para efeito de comparação, duas definições muito mais breves. O dr. A. H. Strong define Deus em sua Teologia sistemática como "o espírito infinito e perfeito, em quem todas as coisas têm origem, sustentação e fim". O dr. William N. Clarke define Deus como "o espírito pessoal, perfeitamente bom, que em amor santo cria, sustenta e ordena tudo". Essas duas definições são admiráveis por sua concisão e cla­ reza. Se alguém busca outra coisa além da brevidade na definição, será difícil achar outra melhor. A objeção principal a elas é que carecem dos elementos distintamente cristãos na idéia de Deus. Naturalmente a idéia de Deus que esses escritores apresentam em suas discussões posteriores não carece dos elementos cristãos. Mas suas definições implicam o lugar que deve se manifestar, e alguém que não seja cristão poderia aceitar qualquer das defini­ ções como se fosse sua. Podemos observar, em geral, que há algumas objeções às brevíssimas definições de Deus dadas em muitos tratados de teo­ logia. Em primeiro lugar, são com demasiada freqüência abstratas e filosóficas, em vez de conceitos ardentes e vivos de Deus. Em segundo lugar, apelam mais à inteligência que aos sentimentos, à natureza moral e à vontade. Em terceiro lugar, não se relacionam vitalmente com as opiniões doutrinais apresentadas nas discus­ sões posteriores pelos autores. O conceito filosófico é transferido para a revelação de Deus, dada no Novo Testamento, quando o sis­ tema doutrinai se desenvolve. Em quarto lugar, a definição breve e abstrata é geralmente mais idônea para a apologética que para a teologia. Ao defender o teísmo contra as concepções não-teístas do mundo, não necessitaria de discussão para propor um mero teísmo. O conceito de Deus pode se tornar dessa forma um vago esboço com um ou dois traços distintivos. Contudo, para os propó­ sitos da teologia cristã é preciso muito mais. Em outras palavras, a extensão da definição cristã se deve à riqueza e à plenitude da idéia cristã de Deus. Uma quinta objeção às definições breves e abstratas de Deus restringe-se geralmente ao campo da teologia natural em vez da bíblica. Para o teólogo cristão a revelação de Deus em Cristo é essencial e fundamental. Chegamos à natureza por meio de Cristo, não a Cristo por meio da natureza. Enquanto a natureza apresenta evidências muito fortes da existência de Deus, diz-nos muito pouco do caráter dele. Damos devida importância a tudo quanto a natureza possa nos ensinar. Mas a pedra funda­ mental do ensino cristão é a revelação de Deus em Cristo. B . A definição cristã Prosseguimos em seguida a desenvolver mais completamente o conteúdo da definição cristã de Deus. Certamente, esse volume inteiro é um desenvolvimento da definição que temos dado. Mas antes de tratar das relações de Deus com a natureza e com a história, e antes de explicar o significado do seu propósito redentor e seu reino moral, é necessário apresentar o ensino cristão concernente ao caráter e aos atributos de Deus. 1. Sabemos, em primeiro lugar, que Deus é espírito. Não tem corpo. A matéria é limitada e variável. Compõe-se de partes. Deus não está composto de partes. Não tem nenhuma das limitações da matéria. Nas escrituras, Deus é descrito como tendo mãos, pés, braços, olhos, uma boca e a maior parte dos órgãos corporais. Mas essas são expressões antropomórficas que têm o propósito de manifestar suas ações em uma maneira viva e humana, para que as aprendamos. Também é descrito como tendo asas. Em outras muitas maneiras se emprega a linguagem figurada para descrever Deus. Essas representações não se opõem de maneira alguma à espiritualidade de Deus. Há quatro razões principais para atribuir a espiritualidade a Deus. Em primeiro lugar, nossa própria natureza mais elevada é espírito, e desse deduzimos a espiritualidade de Deus; em segundo lugar, nosso espírito tem comunhão com Deus como espírito, e assim o conhecemos imediatamente; em terceiro lugar, espírito é a forma mais elevada de existência que conhecemos, e naturalmente pensamos em Deus como um ser espiritual; e por último, a espiritualidade de Deus é ensinada claramente e repetida várias vezes na escritura. Jesus diz à mulher junto ao poço: "Deus é espírito, e é necessário que os que o adorem o adorem em espírito e em verdade". 2. Observamos em seguida que Deus é uma pessoa. Um ser pessoal é alguém que é inteligente, consciente de si mesmo, determinado por si e moral. Talvez as qualidades pelas que distinguimos a pessoa mais claramente sejam a consciência de si mesma e o poder de determinar por si. A consciência de si é a consciência de si mesmo. Um ser pessoal pode fazer de si um objeto de pensamento. Conhece-se a si mesmo como distinto de outras pessoas e outras formas de existência. A determinação de si é a atividade da vontade. Nossa liberdade é inerente à capacidade de determinar por si. Significa que determinamos melhor de dentro que de fora. Deus possui esses atributos de personalidade no grau mais alto possível de perfeição. (1) De várias maneiras mostramos a verdade da personalida­ de de Deus. Primeiramente, a inferimos da personalidade humana. Seguramente Deus não é inferior ao homem nas qualidades de seu ser. A personalidade é a mais elevada que conhecemos, e atribuímos a Deus uma plenitude cor­ respondente de ser. Segundo, inferimos a personalidade de Deus da vida religiosa do homem. A psicologia e a religião comparada assinalam o fato de que a religião, como se acha entre os homens em geral, é praticada em termos pessoais. Dirigimo-nos a Deus e temos comunhão com ele como pessoa. A reflexão por um momento mostra que é inevitável que isto seja verdade. Todo elemento de valor na religião se origina no conceito da personalidade em Deus. A transgressão, a confissão, a ação de graça, a adoração, a fé, a esperança, o amor e todos os ideais éticos de religião resultam da convicção de que Deus é uma pessoa e de que temos contato pessoal com ele. Em terceiro lugar, o ensino bíblico uniforme acerca de Deus o apresenta como uma pessoa. O Deus dos patriarcas, dos profetas, dos apóstolos e de Jesus Cristo é um Deus pessoal. Isto se vê, se é permitida a expressão, desde a superfície das escrituras e em todas as suas partes. O conceito panteísta de Deus como um princípio, ou força, ou substância, ou leis impessoais fracassa em todos os aspectos ao tratar de satisfazer as exigências da vida re­ ligiosa do homem. (2) Tem-se feito outra objeção à idéia da personalidade em Deus. Argumenta-se que a personalidade implica limi­ tação. Há uma distinção entre o eu e o não-eu; entre o conhecer e a coisa conhecida; entre a vontade e o objeto da vontade. Se Deus é considerado infinito, é lícito per- guntar como podemos atribuir-lhe esses modos e formas finitos de atividade? A resposta a essa objeção pode tomar várias formas. Por um lado, baseia-se em uma idéia inadequada de per­ sonalidade. A personalidade humana ainda é imperfei­ ta. Suas limitações não devem ser atribuídas a Deus. Os objetos do pensamento normalmente estão fora de nós no espaço. Mas Deus não está situado em um ponto es­ pecial do espaço. Não é um ser sujeito à extensão ou às limitações do espaço. A objeção também está assentada sobre uma idéia errônea do infinito, como logo veremos. Quando pen­ samos no infinito como a negação de tudo quanto nos é conhecido, afirmamos que Deus não pode ser conhecido por nós. Se Deus é totalmente diferente do homem, então não há meio eficaz pelo qual possamos conhecê-lo. A objeção também desconsidera o fato de que o ho­ mem pode fazer de si mesmo um objeto de pensamento. Assim, pois, as qualidades de personalidades podem se apresentar à parte dos objetos do espaço que existem em nosso redor. A doutrina da Trindade também nos ajuda a conceber um objeto de pensamento para Deus, dentro da própria divindade. Em quarto lugar, contestamos a objeção recordando o ensino bíblico de que o homem foi feito à imagem de Deus. A semelhança do homem com Deus não pode consistir na semelhança corporal. Só pode consistir nas qualidades espirituais. A imagem de Deus no homem só pode consistir na personalidade e nas qualidades que pertencem a essa. Argumenta-se às vezes que Deus é mais que pessoal. O objetivo disso é evitar, em nossos pensamentos acerca de Deus, as dificuldades implicadas nas imperfeições e limitações das pessoas. Se a asserção significa simplesmente que Deus está livre de tudo o que limita e restringe ao homem, é verdade. Deus é a personalidade transcendental, está muito acima das imperfeições da mais elevada pessoa humana. Mas se a afirmação se faz no sentido de que Deus carece de consciência de si mesmo e de vontade, se não tem inteligência nem propósito, então deve ser desprezada como sem significação alguma. Afirmar que Deus é "superior" à personalidade, ou está muito acima dela nesse sentido, é não afirmar nada de definido acerca de Deus. Ou melhor, é afirmar que Deus não pode ser conhecido, que é incognoscível. Isto seria contrário a toda experiência religiosa, contrário à razão e diretamente oposto à doutrina bíblica de Deus. 3. Como pessoal, Deus é também o Deus vivente. A vida é um termo que não pode ser definido completamente. A ciência a define como correspondência entre o órgão e o meio ambiente. Mas tem de significar muito mais quando aplicada a Deus, visto que Deus não tem meio ambiente. A vida de Deus é sua atividade de pensamento, sentimento e vontade. É o total movimento interior de seu ser, que lhe capacita para formar propósitos sábios e amorosos, e também para executá-los. 4. Deus é o espírito pessoal supremo. O termo "supremo" se emprega para definir Deus em lugar de alguns outros termos que resultam das especulações filosóficas. Quando dizemos "Deus é supremo" queremos dizer que não há ser superior a ele nem mais além dele e que, em sua natureza e poder, e nas qualidades de seu ser, não se pode conceber outro superior a ele. 5. A palavra "infinito", aplicada a Deus, é entendida pro­ priamente, da mesma idéia. Mas essa palavra foi utilizada com freqüência pelos filósofos expressando a idéia de que Deus está distante, em seu ser essencial, da esfera de todo nosso conhe­ cimento. Como infinito, ele está oposto a tudo o que é finito ou limitado. Tem-se afirmado que Deus está tão distante de nós, na infinitude de sua natureza, que não podemos ter nenhum conhe­ cimento dele. Semelhante idéia da infinitude de Deus é meramente uma negação. Se quando observamos a criação física, ou qualquer parte dela, e dizemos que Deus não é aquilo nem é de maneira alguma semelhante a aquilo; ou quando observamos o homem, ou qualquer qualidade nele, se dizemos que Deus não é aquilo nem semelhante a aquilo, é claro que não fazemos nenhuma afirmação positiva acerca de Deus. Simplesmente negamos que qualquer coisa conhecida por nós nos dê algum conhecimento de Deus. Mas esse não é o significado correto da palavra infinito. O Deus a quem Cristo nos revela, e que se nos dá a conhecer pela natureza, é infinito no sentido muito mais precioso e proveitoso da palavra. Nas qualidades de sabedoria, bondade, poder, e em outras muitas que conhecemos pelo homem e pela natureza, vemos qualidades que pertencem a Deus. Mas que lhe pertencem em um grau infinito. Em outras palavras, não há nele nenhum limite à plenitude dessas qualidades e poderes. A infinitude de Deus, pois, não deve ser entendida simplesmente como uma maneira negativa de pensar em Deus, mas como expressiva da grande amplitude possível de excelência na natureza de Deus. A palavra infinito às vezes se entende como a mera grandeza física. Neste sentido, a mente pensa em Deus como se ele estivesse estendido sem limites no espaço, ou estendido no tempo indefinidamente. Mas a palavra "infinito", como se aplica a Deus, não inclui principalmente a idéia de espaço e tempo. Depois falaremos de sua onipresença, eternidade e de outros atributos. Estes, por certo, resultam da infinitude de sua natureza. Mas damos a entender principalmente pela infinitude de Deus que ele não está limitado nem restringido em sua ação pelo tempo e pelo espaço. Nosso espírito, com relação ao corpo, sugere de maneira vaga a relação de Deus ao espaço. O espírito não faz caso do espaço nem da extensão, contudo, se relaciona com o espaço. Em nossa vida espiritual traspassamos o espaço. Assim, a infinitude de Deus significa que o supremo espírito pessoal que é vai mais além do espaço ainda que possa todavia se relacionar com ele. Assim, o Deus infinito transcende a natureza e habita nela. E imanente no mundo que fez, levando-o adiante em todos os tempos até seu fim determinado. O método que acabamos de descrever para chegar a conceber a idéia da infinitude de Deus é prático e muito importante. Não fa­ zemos com que a infinidade seja a mesma coisa que o inconcebível ou o incompreensível. É, porém, o concebível e o compreensível erguido a seu poder mais elevado. Nunca entendemos plenamente a Deus; mas realmente lhe conhecemos. Esse é um resultado impor­ tante do método. Deus está colocado entre objetos que podem ser conhecidos pela mente e pelo coração. Sugere-se assim, também, que Deus é capaz de limitar-se a fim de levar a cabo certos propó­ sitos ou fins. O universo e o homem são formas da manifestação da sabedoria, da santidade, do amor e do poder de Deus. Esse outro resultado deve ser notado: as coisas criadas têm capacidade para o divino. O homem feito à imagem de Deus pode manifestá-lo progressivamente. Não há, portanto, nenhum fim para o conhecimento humano nem para o crescimento da personalidade humana. Todo o caminho, desde o presente período finito do crescimento humano até o próprio nível divino, está aberto ao homem para a realização de grandes empreendimentos e para o progresso. Jesus Cristo nos revelou ao mesmo tempo a infinitude de Deus em todos os atributos bondosos da capacidade sem limites que tem o homem para Deus. As escrituras, e especialmente o Novo Testamento, dão ênfase a isto: "Pois todos nós recebemos da sua plenitude, e graça sobre graça" (Jo 1.16). Na carta aos Efésios, Paulo roga que a graça possa abundar no conhecimento (Ef 1.7-9). 6. Deus, supremo espírito pessoal, é um. Não há nem pode haver mais que um só espírito, pessoal, infinito e supremo. A unidade de Deus exige a negação do dualismo ou da existência de um princípio bom e outro mal, de igual poder, que contendem entre si para se tomarem supremos no universo. Nega o panteísmo, ou a existência de muitos deuses. A unidade de Deus não se opõe ao ensino cristão com relação à Trindade, visto que essa doutrina não significa que há três Deuses, mas apenas uma distinção tripla na natureza divina. 7. Podemos mencionar aqui outros dois termos que às vezes se aplicam a Deus. Estes são mais ou menos filosóficos em caráter, e não tem o valor prático que possui os que temos considerado. Um destes é a palavra absoluto. Significa o que não é relativo nem dependente. Quando o aplicamos a Deus damos a entender que é independente de todos os objetos criados. A palavra incondicional é semelhante àquela. Com ela declaramos que Deus não está sujeito a condições em seus atos e propósitos como estamos nós. Deus não está limitado nem impedido por objetos externos de levar a cabo seus planos e propósitos. Estas palavras têm certo valor na discussão teológica, mas são objetáveis em certos aspectos. O significado de ambas tem variado de tempos em tempos. A especulação filosófica às vezes as esvazia de todo seu conteúdo positivo, deixando-as como meras cascas de pensamento. Dessa forma, chegaram a ser abstrações de pouco ou de nenhum valor. Por exemplo, se afirmou que Deus é absoluto e incondicional no sentido de que está completamente à parte do mundo, não relacionado com ele, e, portanto, é impossível que o conheçamos. Definidas assim as palavras, carecem de valor prático e são mentirosas. Deus não está, assim, à parte do mundo, e até certo ponto pode ser conhecido por nós. A maior parte do significado explicado nesses termos se expressa na palavra infinito como já se definiu. Por isso, não dependemos muito deles ao pensar e falar de Deus. C .O s atributos d eD eus Os atributos de Deus foram classificados de várias maneiras. Foram divididos em comunicáveis e incomunicáveis (ou atributos que podem ser comunicados e os que não podem ser comunicados a suas criaturas); em absolutos e relativos (ou seja, os que pertencem a Deus independentes de todas as relações, e os que o relacionam com os objetos criados); em imanentes ou transmissíveis (ou os que pertencem ao ser íntimo de Deus, e os que passam a suas criaturas). Estas três distinções são praticamente uma. Realmente não sabemos onde devemos traçar a linha divisória entre os atributos que se classificam sob um título e os que devem se pôr sob o outro. Os escritores diferem entre si sobre esse ponto. Talvez, no sentido estrito, não devemos incluir senão a existência própria e a imutabilidade sob o título dos incomunicáveis, ou absolutos, ou imanentes atributos de Deus. Aliás, não há forma de classificação dos atributos de Deus contra a qual não pode se apresentar nenhuma objeção. Por essa razão, talvez quanto mais simples seja o método, melhor será o resultado. Por isso, adotamos a distinção dos atributos naturais e os atributos morais de Deus. Naturalmente, os atributos morais são também naturais a Deus, e os naturais são ativos quando exercem seus atributos morais. Não obstante, a distinção entre natural, como pertencente à natureza de Deus, e moral, como pertencente a seu caráter moral e relações, é clara e bastante valiosa. 1. Os atributos naturais de Deus São estes: existência própria, imutabilidade, onipresença, onisciência, onipotência, eternidade e imensidade. (1) Quando dizemos que Deus tem existência própria que­ remos dizer que não deriva seu ser de nenhuma origem exterior. Existe em si mesmo e de si mesmo. Não é que tenha chegado a existir por sua vontade, ou porque quis. Sua existência se baseia em sua natureza. Existe necessa­ riamente por razão do que é em si mesmo. (2) Pela imutabilidade Deus é definido como invariável em sua natureza e seus propósitos. Isto não significa imo­ bilidade ou inatividade. Deus é infinito em energia e incessante em atividade. Não quer dizer que Deus não pode escolher livremente. A habilidade de escolher os fins e os meios de realizá-los pertence a Deus no grau mais elevado. Deus é infinitamente livre para escolher tanto os fins como os meios. A imutabilidade de Deus não significa que ele não possa fazer progressos de tem­ pos em tempos no desenvolvimento ou descobrimento de seus planos e propósitos. Deus está continuamente levantando a criação de estados baixos a estados mais altos de desenvolvimento. A imutabilidade não significa que Deus não possa mudar de método para efetuar seus propósitos. Com freqüência, muda seu método como nas dispensações e períodos sucessivos da história do Antigo e do Novo Testamento. A imutabilidade tampouco quer dizer que Deus não pode sentir. Imutabilidade não significa impassibilidade. Deus tem capacidade para experimentar pesar e empatia com os que sofrem, e indignação e ira contra o mal, não por ser deficiente em sua natureza, mas por causa de sua plenitude de vida. Podemos pensar melhor na imutabilidade de Deus como aquela correspondência ou conformidade de si mesmo em todas as atividades que realiza. É imutável em sabedoria, santidade e poder. Por esse motivo é infinitamente flexível e adaptável na execução de seus propósitos. Sua habilidade para mudar o método ao encontrar alguma emergência em seu tratamento com as criaturas livres é um sinal de sua imutabilidade, não da carência dela. Seus propósitos infinitamente sábios podem ser realizados só da maneira que ele tem poder para fazer frente a cada nova situação cada vez que essa se apresenta. Quando o pecado ocorre, Deus não pode tratar com o pecador como se esse fosse um ser sem pecado. Quando contesta a oração é porque previu a oração e sua contes­ tação em seu plano para o mundo. A encarnação não foi uma mudança na natureza ou propósito de Deus. Foi simplesmente uma mudança no método de sua atividade redentora. Os milagres do Novo Testamento, como a en­ carnação, eram uma forma de sua atividade redentora. To­ das essas formas da atividade divina estão de acordo com a imutabilidade de Deus. Na verdade, são requeridos por sua consistência ao tratar com os homens. As mudanças aparentes em Deus são simplesmente a manifestação do desejo incansável de bendizer os homens. São a assidui­ dade incessante de seu amor. São a paixão inextinguível de sua justiça que procura transmitir a suas criaturas. Não são indicações de uma natureza volúvel ou limitada, que em vão procura realizar seus fins. Quer dizer, são expressões da infinita plenitude e fecundidade de recur­ sos de Deus, que não permitem que ele seja contrariado em seus propósitos. Deus segue os homens em todos os caminhos errantes porque ele é amor justo. Se pensarmos em Deus como um ser livre e pessoal, tratando com seres livres e pessoais, temos a chave de sua imutabilidade e a variedade de seus métodos. Não há nada de arbitrário na ação de Deus. Seu trato com o homem sempre está respaldado por motivos mais elevados. Podemos, pois, resumir o significado de sua imutabilidade dizendo que é sua consistência ou conformidade, ou estabilidade moral e pessoal em todos os seus procedimentos para com suas criaturas. A melodia de um canto singelo qualquer pode ser tocada com "variações" em um piano. Mas através de todas as "variações" a melodia continua como uma unidade coerente, ou seja, em conformidade com todas as "variações" até o fim. Há uma consistência entre a melodia e as "variações". A imutabilidade de Deus é se­ melhante à melodia. É sua consistência manifestando-se nas ilimitadas variações de métodos. (3) Quando afirmamos a onipresença de Deus, damos a entender que Deus não está confinado em nenhuma parte ou partes do universo, nem no tempo nem no espaço. Não está presente neste ou naquele ponto do espaço e ausente de outro; nem neste ou naquele momento de tempo e ausente de outro. Mas que com todo seu poder está presente em todo momento do tempo. Quando falamos de imanência divina, declaramos que Deus habita no espaço e no tempo. Quando falamos da transcendência de Deus, damos a entender que ele não está limitado pelo tempo nem pelo espaço. Não é necessário que Deus habite no mundo, mas é livre para fazê-lo. Ele não está no mundo como uma substância, ou como um princípio físico, ou como uma lei, mas como um espírito livre e pessoal. (4) Outras duas palavras são necessárias aqui — imensidão e eternidade. Elas definem Deus como superior ao espaço e ao tempo. Dizendo imensidão não queremos dizer que Deus não se relaciona com o espaço. Antes, porém, queremos dizer que Deus não é um ser estendido no espaço. Não está confinado ao espaço nem limitado por ele. Os objetos estendidos no espaço e a relação que estes objetos têm entre si no espaço são vistos e conhecidos como reais pela mente de Deus. Mas ele não está limitado ao espaço, nem pelo espaço, nem inclui espaço em si mesmo como se ele fosse um espaço maior que inclui outro menor, um círculo maior fora de outro menor. Sua imensidão significa, porém, que seu modo de existir não é especial nem está estendida, e que ele não está sujeito às leis do espaço. (5) De igual modo, a eternidade de Deus manifesta sua relação com o tempo. Deus não teve princípio nem terá fim. Conhece os acontecimentos como sucedendo no tempo, mas não está limitado pelo tempo de maneira alguma. Reconhece alguns acontecimentos como passados e outros como futuros em relação aos acontecimentos presentes. Mas o passado, o presente e o futuro são por ele igualmente conhecidos. Relatamos os acontecimentos, um a um, como ocorrem. Mas Deus vê todos os acontecimentos em um todo conectado como se fossem um. A diferença tem sido ilustrada pelas duas maneiras de ver uma procissão na rua. Se alguém se põe em pé em uma parte que dá para a rua, a vê pouco a pouco. De cima de uma torre, verá de uma vez todo o comprimento da procissão. Tem havido muita especulação sutil acerca do tempo e do espaço entre os filósofos desde o tempo de Kant. O debate versou principalmente sobre o ponto de se os objetos existem realmente no tempo e no espaço. Alguns afirmam e outros negam. Os que negam afirmam que o espaço e o tempo são simplesmente formas subjetivas da experiência humana. Sustentam que necessitamos pensar em termos de tempo e espaço porque a mente assim está constituída, e não por ser o tempo e o espaço realidades objetivas. Não é necessário discutir essa questão. Tudo quanto se tem dito é certo, sobre qualquer outra consideração. O tempo e o espaço são reais à experiência humana, seja qual for a verdade quanto a sua realidade objetiva. Também se mantém tudo o que se disse quanto às relações de Deus ao tempo e ao espaço. Porque ele os reconhece como verdadeiras formas de experiência humana, ainda que ele não esteja sujeito a suas limitações. (6) A onisciência de Deus descreve seu conhecimento. Que Deus sabe todas as coisas está implicado em sua onipre­ sença. O universo, como a expressão do pensamento e plano de Deus, sugere a onisciência. Exemplos de profe­ cia na escritura mostram seu conhecimento de aconteci­ mentos futuros. Sua onisciência é parte de sua perfeição espiritual. a. Quanto ao método de Deus para conhecer podemos afirmar várias coisas. É imediato, sem procedimen­ tos de pensamento, de raciocínio ou de inferência. É distinto, sem vacuidade ou confusão. E comple­ to, incluindo o todo, nunca somente uma parte do objeto de conhecimento. E inclusivo e simultâneo, porque todos os objetos do espaço e todos os acon­ tecimentos do tempo são para ele diretos e imedia­ tos de conhecimento. b. A extensão do conhecimento de Deus já foi indicada. É necessário acrescentar as seguintes declarações. Deus conhece não somente todas as coisas que atu­ almente existem, mas também todos os sucedâneos futuros. Conhece todos os sucedâneos necessários devidos à operação de causas físicas. Todo o curso da natureza é para ele um livro aberto. Conhece também todas as livres escolhas que podem ser feitas pelos seres morais e inteligentes antes que as façam. Alguns têm discutido a questão de se Deus co­ nhece ou não todos os acontecimentos possíveis. Ele conhece todas as escolhas possíveis de todos os seres livres atuais e possíveis? Ele conhece todas as possibilidades de todos os mundos possíveis? Em resposta pode-se dizer que perguntas desse tipo não têm valor especial nem são frutíferas em resul­ tados. Não é necessário que suponhamos que Deus leve em sua mente o conhecimento inútil de um número infinito de possíveis seres livres e criações físicas. Só é importante afirmar que o conhecimento de Deus é sem limite, e que se relaciona com todos os objetos de conhecimento. Tem pleno conhecimento de todas as coisas que existem atualmente ou existirão depois, e de todas as coisas ou acontecimentos possíveis que estão de alguma maneira distantes em seu pensamento ou plano para o mundo como ele o fez. Não é necessário ir mais longe que isso. c. Há duas perguntas importantes quanto à onisciência de Deus que devem ser mencionadas aqui. Pri­ meira, o conhecimento que Deus tem previamente de um acontecimento determina o acontecimento ou faz necessário que ocorra? A resposta tem de estar na forma negativa. A presciência de Deus das escolhas pecaminosas das criaturas livres e morais não determina aquelas escolhas. Se fossem prede­ terminadas por Deus, como são predeterminados os acontecimentos naturais, não seriam de maneira alguma escolhas livres. Só podemos dizer que o plano geral de Deus incluía essas escolhas livres. Não se interpõe para dificultá-las. São permitidas não no sentido de aprová-las, mas de permitir que aconteçam, como parte de seu plano geral. A segunda pergunta se relaciona com a possibili­ dade de que Deus tenha presciência de suas criatu­ ras. Se Deus não predetermina no sentido de causar essas escolhas, pode ele conhecê-las antes que acon­ teçam? Alguns afirmam que não pode conhecê-las assim. Dizem que uma escolha livre nunca é cau­ sada por uma cadeia de causas antecedentes, como é um acontecimento na natureza. Por isso, tal esco­ lha não pode ser conhecida de antemão nem ainda pelo próprio Deus. Ainda quando Deus conhece os motivos que influenciam um homem para efetuar sua livre escolha, isto não traz necessariamente o conhecimento da própria escolha, porque às vezes os homens recusam ser influenciados por motivos que previamente os controlam. Por outro lado, argüimos que Deus conhece de antemão as escolhas de suas criaturas. Negamos que Deus derive seu conhecimento por raciocínios ou inferências. Por isso, a pergunta acerca dos mo­ tivos ou condições antecedentes às escolhas livres não é pertinente. Deus conhece imediata e direta­ mente sem a necessidade de fazer uma inferência de motivos antecedentes. Não podemos pensar no espírito infinito e perfeito carecendo de conheci­ mento de sua criação em qualquer aspecto. Um Deus que carecesse do conhecimento de todas as escolhas de suas criaturas livres estaria sem poder para dirigir ou controlar o universo. Teria de ficar sentado e impotente esperando o resultado. Outras vontades, que não fossem dele, fixariam o curso dos acontecimentos e o destino de suas criaturas. As escrituras ensinam de muitas formas a onisciência de Deus com relação a todos os atos de todas as criaturas. A dificuldade relacionada com o conhe­ cimento de Deus acerca da livre escolha de todas as suas criaturas é uma parte do problema geral de liberdade em relação com a soberania divina. Em algumas de suas fases, aquele problema é impossí­ vel de ser solucionado por nós no presente estado de conhecimento. A existência de um propósito e o progresso ordenado da natureza e da sociedade humana, desde os graus mais baixos até os mais altos, exigem a afirmação que uma inteligência conhecedora do fim desde o princípio presida o curso dos acontecimentos. (7) Pela onipotência de Deus denotamos seu poder sem limites para fazer qualquer coisa e também todas as coisas conseqüentes com sua natureza e propósito. Descobrese claramente, por sua manifestação de muitas formas na natureza, que Deus possui semelhante poder . Isto também é ensinado diversas vezes nas escrituras. a. A onipotência de Deus se manifesta de muitas maneiras. Não há obstáculos que ele não possa vencer para levar a cabo seus propósitos. Também tem o controle de todos os meios possíveis para fazer o que deseja. Nem está limitado quanto ao uso dos meios. Pode operar diretamente sem meios, na continuação de seus fins. b. O universo, como o conhecemos, é a evidência suprema da onipotência de Deus. Ao criá-lo, sus­ tentá-lo e dirigi-lo, Deus demonstra seus recursos ilimitados de energia. O universo também mostra a habilidade de Deus para limitar-se ou restringirse. Pareceu-lhe bem fazê-lo como é, e não de outro modo. Pareceu-lhe bem fazer o homem livre e dei­ xá-lo assim. O universo não esgota a Deus. Sempre há nele reservas de sabedoria e poder. c. As únicas limitações do poder de Deus são tais como ele as impôs. Não pode executar atos que não concordem com sua natureza e seus propósitos. Nem pode violar a constituição do mundo que criou. Tudo isso significa dizer que não pode negar-se a si mesmo. Deus não pode mentir nem fazer mal de maneira alguma. Não pode fazer com que o mau seja bom. Não pode desfazer o que fez. Não pode fazer coisas contraditórias consigo mesmo. Não pode abolir as leis matemáticas de modo que dois e dois sejam cinco. Mas tudo isso que vimos como limitações no poder de Deus não são limitações, mas formas de perfeição. Simplesmente o proclamam como um ser coerente consigo mesmo. Todos os seus atos concordam com sua natureza e com seus propósitos. 2. Atributos morais (1) Santidade. O mais geral e inclusivo dos atributos de Deus é a santidade. Isto se define com freqüência como a pureza moral, ou a afirmação de Deus contra o mal em oposição a seu amor ou a comunicação de si mesmo a outros. Mas essa definição não é uma definição adequada do significado bíblico da palavra. A fim de entender o uso bíblico é importante ter-se em mente a verdade de que a revelação é progressiva. a. Há alguma incerteza na derivação da palavra "san­ to", de origem hebraica. A opinião mais provável é que se derive de uma raiz que significa "cortar", "separar", de onde vem "exaltar". Assim descreve a Deus como um ser exaltado sobre todos os homens e todas as coisas comuns. Em seu uso mais primi­ tivo, o Antigo Testamento descreve a divindade ou a deidade de Jeová. A santidade de Deus significa tão-somente sua divindade, como nas seguintes passagens: Êx 15.11,13-17; SI 89.18; Is 1.4; 12.6; 43.3, 15; Os 11.9; Hb 3.3. Não obstante, como todas as palavras bíblicas importantes, essa recebeu novo significado à medi­ da que avançava a revelação e os homens cresciam em conhecimento. Assim, a santidade chegou a sig­ nificar dedicado ou separado para Deus, aplicada a coisas ou a pessoas. "E sereis para mim santos; porque eu, o Senhor, sou santo", foi a palavra de Deus ao povo da aliança (Lv 20.26; cf. Lv 11.44; Dt 28.9,10). Como dissemos, a santidade designava a divin­ dade ou deidade de Jeová. Achamos, portanto, que está relacionada com qualquer ato de Jeová, ou com qualquer atributo em que aparece a divindade dele. Encontra-se, às vezes, em associação com seus atri­ butos gerais. Mas normalmente a santidade é a ma­ nifestação das qualidades morais de Deus. E assim um termo geral que descreve a perfeição moral de Deus. Essas perfeições morais apareceram no curso dos procedimentos de Deus com Israel, até que nos últimos profetas encontramos presentes todas as qualidade morais fundamentais nas atividades do "Santo," ou "o Santo de Israel"1 . No Novo Testamento, o atributo santo se usa com referência a Deus com muito menos freqüência que o Antigo. Mas o uso no Novo Testamento confirma o que se disse com relação ao significado abrangente da palavra. A santidade de Deus é, pois, sua suprema excelência moral em virtude da qual todos os demais atributos morais se encontram nele. A santidade pode ser definida como a soma de todas as demais qualidades morais, ou talvez, melhor ainda, como sua fonte e base. b. Três atributos morais que têm seu centro em Deus e se baseiam em sua santidade são: retidão, amor e verdade. A santidade se manifesta na justiça. As seguintes passagens apresentarão claramente a relação entre a retidão, ou a pureza moral, e a santidade. Em Amós 2.7, o santo nome de Deus é profanado por práticas imorais. Em Isaías 1.4, o profeta denuncia o povo como uma "nação pecadora, povo carregado de iniqüidade". Em Isaías 6.3-7, o mesmo ideal de pureza moral como o exige a santidade de Jeová é manifestado na convocação do profeta a seu ofício (veja também Hc 1.12,13). aD eus não está descrito como "o D eus santo" no Antigo Testamento. M as o adjetivo é u sado com freqüência como substantivo, e se traduz "o santo". Certamente, o substantivo santidade ocorre com bastante freqüência. A santidade se manifesta também na forma de amor. Em Ezequiel 39.25, Jeová declara que tornará o cativeiro de Jacó por ser ele, Jeová, "zeloso" pelo seu "santo nome". Também em Ezequiel 36.22-31 há uma longa descrição das misericórdias que Jeová dará ao povo por causa de seu "santo nome". Em Isaías 54.5 declara-se para o consolo do povo: "... o Santo de Israel é o teu redentor". No Novo Testamento, a santidade de Deus se apresenta como a base de seu amor. Em João 17.11, Jesus ora: "Pai santo, guarda-os no teu nome, o qual me deste". Assim, a santidade se apresenta peculiarmente como o atributo de Deus como Pai, e um ato de amor da parte de Deus se apresenta como uma expressão fixa de sua santidade. Da mesma forma, em Lucas 1.49, Maria exclama "e santo é seu nome," num contexto em que a copiosa misericórdia e graça de Deus são louvadas. Assim também o atributo de verdade está baseado na santidade de Deus. Isto é visto especialmente no Novo Testamento. Em João 17.17, Jesus ora ao Pai: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade". Aqui, a palavra santificar tem a mesma raiz da que significa santidade de Deus. Como o Santo torna santos os crentes mediante a verdade e na verdade. Isso mostra quão intimamente a verdade e a santidade estão ligadas na natureza e a atividade de Deus. Também em 1 João 2.20 se acham as palavras: "Ora, vós tendes a unção da parte do Santo, e todos tendes conhecimento". No versículo 27 também se declara que essa "unção" lhes deu amplo conhecimento de modo que "não tendes necessidade de que alguém vos ensine". É claro que "Santo", nessas passagens, é a fonte da verdade. Em outra passagem notável aparece a mesma relação entre a verdade e a santidade. Em João 14.26 Jesus declara que o Pai enviará o Ajudador aos discípulos. Mas também define o Ajudador como "o Espírito Santo a quem o Pai enviará"; em seguida, acrescenta: "[Ele] vos ensinará todas as coisas". Assim, vê-se que a santidade de Deus, ainda que originariamente se referisse à sua divindade, pau­ latinamente chegou a representar qualquer mani­ festação daquela divindade, e, pelos procedimentos com seu povo escolhido, veio por fim a expressar a perfeição moral de Deus. Já vimos que os três atributos morais da perfeição moral — a retidão, o amor e a verdade —baseiam-se todos na santidade de Deus, ou devem ser considerados expressões da­ quela santidade. Temos uma confirmação poderosa dessa idéia no nome dado por todos os escritores do Novo Testamento ao Espírito de Deus; é cha­ mado uniformemente o Espírito Santo. Segundo o ensino do Novo Testamento, o Espírito Santo é o poder interior transformador, o princípio ou a lei da vida espiritual dos cristãos. Suas operações no coração dos homens incluem todas as bases da experiência cristã. Não há a menor dificuldade para mostrar a verdade dessas declarações. Em muitas passagens se dá a entender que as qualidades mo­ rais que temos mencionado, justiça, amor e verdade, são dadas pelo Espírito Santo. Não temos neces­ sidade de discutir extensamente estas passagens. Estamos de acordo que quando Ananias e Safira ficaram com uma parte do valor do terreno, Pedro disse que tinham mentido ao Espírito Santo (At 5.3). Certamente, a justiça no homem é diretamente o produto do Espírito Santo. Recordamos também a expressão de Paulo "pelo amor do espírito" (Rm 15.30) e a formosa passagem de Romanos 5.5: "o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". Certamente, o Espírito Santo é o autor do amor. O que já vimos quanto à relação do Espírito Santo à verdade está confirmado pelo ensino das epístolas. Em todas as partes, ele é o mestre e o guia, o revelador da ver­ dade aos homens. Vimos que a justiça, o amor e a verdade são manifestações da santidade de Deus. E necessário expor mais plenamente a significado de cada um deles. (2) A justiça. a. A justiça de Deus pode ser mais bem entendida se soubermos primeiramente seu significado quando aplicada aos homens. Há várias fases na signifi­ cação da palavra, segundo sua aplicação. Mas o significado fundamental e essencial é duplo. Posi­ tivamente, significa corresponder perfeitamente aos requisitos de Deus; e negativamente, estar livre de todo defeito e mancha de caráter. Resumindo, sig­ nifica ser moralmente puro e livre de culpabilidade e sem mácula. Em um homem, a justiça determina uma relação com Deus e também relações para com outros homens. Agora já podemos definir o atributo da justiça em Deus. Por "justiça" queremos dizer a própria aprovação de Deus a favor do bom como oposto do mal, do puro como oposto do impuro. Como aprovação, exercita a vontade de Deus. Como aprovação, a justiça está baseada em sua natureza. Como para favorecer o puro e o bom, como oposto ao impuro e o mal, a justiça é uma parte da per­ feição moral de Deus (veja Jo 17.25; Rm 3.21-26; 2 Tg 2.13; 4.8; 1 Jo 1.9; 2.29; 3.7; Ap 16.5; em muitas passagens do Antigo Testamento também: SI 51.6; 145.17; Ne 9.8; Is 34.16). b. As manifestações da justiça de Deus são variadas. Em geral, são definidas como preceptivas punitivas e redentoras. A justiça preceptiva de Deus é expres­ sa nas leis morais que ele prescreve ou ordena para a conduta dos homens. Aquelas leis estão gravadas na constituição moral do homem feito à imagem de Deus; estão expressas nas leis mosaicas do Antigo Testamento, especialmente da maneira como são dadas nos Dez Mandamentos. São vistas também nos requerimentos da mais alta justiça do Novo Testamento (Rm 1.17; 2.14-16; 8.4; 10.5; G1 2.21; F1 3.6; 1 Jo 2.20; 3.7; ver também, SI 119.3, 7, 40, 142, 144,164). A justiça punitiva de Deus o faz administrar os assuntos do reino de acordo com a estrita justiça. Castiga os culpados por suas transgressões. Sua ira é despertada pela iniqüidade dos homens, e dará aos transgressores o devido castigo pelos pecados (Gn 18.25; Dt 32.4; Rm 2.6-16). Em adição à justiça preceptiva e punitiva de Deus também notamos o que é mais bem descrito como "justiça redentora". Com isso se quer dizer a exibição ou vindicação de sua justiça em sua atividade redentora a favor dos homens. Esse é um aspecto notável e sumamente extraordinário da justiça divina, e não se manifesta senão na Bíblia. No exercício de seu amor redentor para com os homens, conserva a consistência e a inviolabilidade de sua lei moral. Isso aparece em várias passagens do Antigo Testamento, como Salmos 85.10. Na segunda metade de Isaías, especialmente, declarase de forma contínua que a atividade redentora de Deus a favor de Israel se faz "em justiça" (veja Is 41.2; 42.6; 43.6; 45.10-11; 51.5). Nem sempre está claro o que a frase significa nessas passagens. Mas aparece a verdade geral de que em toda a obra salvadora por seu povo, Deus opera sobre princípios de justiça. Talvez nessas passagens do Antigo Testamento o pensamento prevalecente é o da fidelidade de Deus a sua promessa, sua consistência na execução de um propósito para com Israel. No Novo Testamento, no entanto, a justiça reden­ tora de Deus está em sua correspondência moral à obra redentora de Cristo. Em Romanos 3.26 declarase que ele é "justo e também justificador daquele que tem fé em Jesus". Em 2 Coríntios 5.21 Paulo diz: "Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos jus­ tiça de Deus". Do mesmo modo, em 1 João 1.9: "ele é fiel e justo para perdoar os pecados"; e também em 1 João 2.1: "...mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo". Todas essas passagens naturalmente se referem à obra propiciatória de Cristo. Nosso interesse nelas aqui é o de observar a maneira em que a justiça de Deus está ligada com o amor redentor dele para com os homens. Os interesses da justiça nunca são descuidados por Deus enquanto realiza seu pro­ pósito redentor. c. Agora podemos notar a relação que a justiça de Deus sustenta com sua natureza. O ponto principal que temos que discutir é se a lei moral deve ser atribuída meramente à vontade de Deus, ou se é a expressão de sua natureza. Uma ordem é justa porque Deus a dá, ou é justa porque Deus é justo? Sem dúvida, as escrituras favorecem a última opinião. Naturalmente, qualquer coisa que Deus dispõe é justa. Mas a pergunta anterior é por que sua vontade ordena um ato especial como justo e proíbe outro como mal. Mencionamos três considerações que justificam a declaração de que a justiça está baseada na natureza mais que na vontade de Deus. (a) A primeira é um fato da psicologia. A vontade do homem é uma função de sua natureza. Os homens são, certamente, livres no exercício de sua vontade. Podem fazer determinações ou tomar resoluções por si mesmos. São se­ res autônomos. Mas a vontade nunca opera independentemente da natureza por ser uma parte da natureza. Como no homem, assim também em Deus, a vontade é uma expressão da natureza. (b) A segunda consideração é ética. A única base permanente e satisfatória da ética se acha na natureza divina. A utilidade, a felicidade, an­ siar o prazer em suas formas inferiores ou superiores, pelo indivíduo ou pela sociedade, nunca podem constituir uma explicação ou base adequada da obrigação moral. Uma obri­ gação baseada na utilidade deixaria de ser no ato obrigação moral. Seu elemento distintivo de moral faltaria. Teria pouca potência para causar influência nos homens e fazê-los está­ veis em sua lealdade ao ideal moral. Nunca poderia explicar as formas mais elevadas de lealdade humana a aqueles ideais. (c) A terceira consideração é o ensino da escri­ tura. Aqui há vários pontos que devem ser observados. O primeiro é que Jesus declarou que Deus era o único ser absolutamente bom: "... ninguém é bom, senão um, que é Deus" (Mc 10.18). O segundo é que a relação do ho­ mem para com Deus é determinada pelo que Deus é: "Sereis santos, porque eu sou san­ to" (1 Pe 1.16). O terceiro é que a perfeição moral no homem se baseia na perfeição mo­ ral que há em Deus. Jesus disse: "Sede, vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial" (Mt 5.48). Declara-se, por fim, que nossa transformação moral se deve pelo fato de que temos "... escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo" (2 Pe 1.4). Assim, vê-se que nossa relação com Deus como povo redimido, nossas aquisições mo­ rais e nossa natureza moral renovada estão todas baseadas na natureza de Deus, que é o único absolutamente bom. Todas essas consi­ derações se unem para estabelecer a opinião de que a justiça se baseia na natureza, e não meramente na vontade de Deus. (3) Amor. Na revelação do Novo Testamento feita por Cristo obtemos a única definição suficiente do amor de Deus. O amor de Deus se manifesta de muitas maneiras em seus procedimentos com Israel no Antigo Testamento, no que o amor de Deus está descrito em termos de poder agradável e formosura (exemplos: Êx 34.6-7; SI 33.5; 119.64; 145.7-9; Isaías 45.8; 61.11). A revelação completa, porém, se faz apenas por Jesus Cristo. O amor pode ser definido como a qualidade de entrega própria, de si mesmo, isto é, pela qual um ser se entrega a outro; qualidade inerente à natureza divina que faz Deus buscar o mais alto bem e a aptidão mais completa de suas criaturas. O amor em sua forma mais elevada é uma relação entre seres inteligentes, morais e livres. O amor de Deus para como o homem procura despertar neste um amor correspondente. Em sua forma final, ou seja, em sua última expressão, o amor entre Deus e o homem significará uma doação mútua de cada um, completa e sem restrição alguma, e assim hão de ter comunhão absoluta e mutuamente. É impossível manifestar tudo o que está contido na revelação acerca do amor de Deus. As seguintes declarações dão um esboço geral. a. O amor está baseado na natureza de Deus. A afirmação suprema do Novo Testamento acerca do amor de Deus é a que se encontra em 1 João 4.8. "Deus é amor". Em Mateus 6.1-8 e 25-32 o amor de Deus é descrito como o amor de pai. Em Mateus 11.25ss manifesta-se a relação peculiar de Deus para com Jesus. Em João 17.24 Jesus declara que o Pai lhe amou antes da fundação do mundo. Esse é o amor imanente de Deus, o qual encontra seu objeto na mesma divindade. Deus é eterno em amor porque há um objeto eterno de amor. Seu amor não está condicionado pelo temporal e finito, ainda que nesses objetos seu amor encontre um campo de ação para seu exercício. b. O amor de Deus deseja o supremo bem de seu objeto. Essa declaração necessita apenas de provas. Sobressai em todas as referências ao amor de Deus contidas no Novo Testamento. Deseja buscar e salvar aos perdidos. Deseja que os que o abandonaram e andam errando retornem a ele. Procura criar as condições de comunhão com ele nos corações dos redimidos. Procura exaltar a capacidade deles para participar de seu amor e graça. Os limpa e os purifica por meio da disciplina, e os prova para se tornarem moralmente puros. Procura produzir nos homens as condições de uma sociedade perfeita fundada sobre o amor a Deus e um amor correspondente ao homem. Procura, como fim de seus procedimentos para com os homens, que sejam dignos de serem admitidos à comunhão eterna com ele e à bemaventurança por Cristo em seu reino eterno. Assim, parece que o amor de Deus não é mera­ mente a amabilidade e a boa vontade ou a indife­ rença moral. O amor por ser amor exige de nós o que há de mais elevado. Se o amor de Deus deixasse de exigir de nós tudo quanto esteja ao alcance de nossas possibilidades quanto a aquisições morais, isso daria lugar a que, no fim, repudiássemos esse amor. O amor de Deus não deixará lugar para que qualquer de seus objetos lhe reprove ao efetuar a consideração final das coisas passadas. Ele nos ama muito para contentar-se com algo que não seja o melhor que está em nós. Eis os meios pelos quais, nesta vida, ele procura nosso desenvolvimento mo­ ral e espiritual. c. O amor de Deus deseja ter a posse de seus objetos. No Antigo Testamento, o pacto entre Deus e Israel era a base de todos os procedimentos de Deus para com o povo. O significado do pacto era que Deus pertencia a Israel e Israel pertencia a Deus. As vezes a relação era descrita como a de pai e filho, e às vezes como a de marido e mulher. Daí a declaração tão freqüente, no Antigo Testamento, de que Deus é "zeloso" [ou "ciumento"] (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24; Is 54.5; 62.5; Os 2.19). Sem dúvida, a palavra "zeloso" [na acepção de "ciumento"], quando aplicada a Deus, não tem sentido negativo. É simplesmente uma declaração intensa da demanda e o direito moral de Deus à posse exclusiva de seu povo. No Novo Testamento, o desejo de Deus de possuir os objetos de seu amor se manifesta de muitas maneiras. Em uma passagem notável, o apóstolo Paulo diz aos crentes cristãos: "... tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus". Em outra ocasião manifesta assim a mesma relação: "... não sabeis [...] que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço; glorificai a Deus no vosso corpo" (1 Co 6.19,20). No capítulo 17 de João, a posse dos crentes pelo Pai e pelo Filho, e as maravilhosas relações de intimidade, manifestamse em termos de grande beleza e ternura. d. O amor de Deus opera a favor de seu objeto. Isto aparece em todas as partes do Antigo e do Novo Testamento. Só precisamos dar ênfase aqui à ex­ pressão suprema do amor de Deus na encarnação, na vida e na morte de Jesus Cristo. Cristo é o único intérprete do Pai para com os homens. Para isso veio ao mundo. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu a seu Filho unigênito..." (Jo 3.16). Deus não poupou nem o próprio Filho (Rm 8.32). Deus o "propôs como propiciação" pelos pecados dos homens (Rm 3.25). A perfeição do amor de Deus se encontra na atividade redentora de Cristo, de três maneiras: (a) Em sua capacidade para o sacrifício. Isto coloca a Deus bem próximo de nós quando compreendemos que há nele algo de humano. Nossa capacidade de sacrifício não é senão um elemento de nossa semelhança com ele (Ef 5.2). (b) No grau do amor do qual esse sacrifício foi a expressão. Deus deu o objeto supremo de seu amor, "seu Filho unigênito" (Jo 3.16). (c) Nos recursos de que se vale Deus em seus es­ forços para abençoar. A encarnação é um sinal da perfeição, em vez de defeito e limitações em Deus. Mostra que ele pôde corresponder às exigências da situação produzida pela transgressão do homem e sua conseqüência necessidade e impotência. Os homens às vezes têm desprezado a idéia de que Deus possa sofrer. Mas sua capacidade para sofrer é um elemento necessário em sua capacidade para sacrificar-se. Se Jesus Cristo, que sofreu, era Deus manifesto na carne, então Deus pode sofrer. Cristo não nos comunicou o conhecimento de um Deus ausente, sentado em alguma parte sem se comover pelos sofrimentos humanos. Ao contrário, revelou a um Deus que simpatiza, que veio à vida humana e tem capacidade para sofrer conosco e por nós. O amor que nos traz a redenção é um amor que expressa a mais elevada e profunda empatia, isto é, a capacidade de sofrer com o outro pela razão concreta de se identificar com ele. Deus possui a empatia no grau mais alto possível. O amor salvador de Deus não é um amor que não custou nada a Deus. Foi a forma mais elevada concebível de sacrifício voluntário. Primeiramente, podemos notar o sacrifício inconsciente. A vida vegetal se rende para sustentar a vida animal superior a ela. Segundo, há sacrifício instintivo. No México, há uma espécie de ave, o tordo, que, ao ver os filhotes ameaçados por uma víbora, voa para a boca desta. Há muitas e formosas formas de sacrifícios instintivos entre as animais inferiores. Terceiro, há sacrifício involuntário entre os homens. Envolvemo-nos com freqüência nos padecimentos dos outros contra nossa vontade. A unidade e a solidariedade da humanidade nos trazem isso sobre nós. Quarto, há sacrifício livre e voluntário para o bem de outros. Esse é sacrifício em sua forma mais elevada. O sacrifício próprio de Deus a favor da redenção humana é dessa classe. A encarnação e a propiciação são a revelação suprema do coração de Deus. Foi o sacrifício escolhido, livre e deliberadamente efetuado, para redimir os homens. A reprodução nos homens desse gênero de sacrifício, livre e voluntário, é o fim principal e o fruto mais precioso do evangelho. e. O amor de Deus se manifesta em distintas ma­ neiras, conforme o caráter e as condições de seus objetos. Alguns termos foram empregados para ex­ pressar essa variedade. Quando o amor de Deus se concentra em um objeto que merece a aprovação dele, é o amor da complacência. Quando toma a forma de boa vontade para com todas as criaturas, seja qual for seu caráter moral, é o amor da bene­ volência. Quando o objeto está em aflição, é o amor da compaixão. Quando há uma relação de intimi­ dade especial entre o amor de Deus e o objeto, é o amor do afeto. Quando se estende aos culpados, toma a forma de misericórdia. A misericórdia só, no entanto, não expressa a plenitude do amor de Deus para com os pecaminosos ou maus. No Novo Testamento esse amor se chama graça. A miseri­ córdia consiste em apartar o castigo, em perdoar o transgressor. A graça chega mais longe e confere todo o bem possível. A misericórdia e a graça são os aspectos negativos e positivos para o pecador. A misericórdia retira o cálice amargo do castigo, a punição da mão do culpado e o esvazia. Em con­ trapartida, a graça o enche de bênçãos até à borda. A misericórdia perdoa o objeto; a graça reclama-o para si mesma. A misericórdia resgata-o do perigo; a graça concede-lhe nova natureza e confere a ele novo estado. A misericórdia é o amor de Deus que idealiza um modo de escapar. A graça é o próprio amor idealizando modos de transformar o objeto à semelhança de Deus e habilitá-lo para participar da bem-aventurança divina. f. O amor de Deus inclui toda a humanidade. Há cer­ to particularismo tanto no Antigo como no Novo Testamento que operou para que alguns perdessem de vista a universalidade do amor de Deus. Israel era o povo escolhido e o tesouro especial de Jeová. Os escolhidos em Cristo são os objetos especiais do favor de Deus no Novo Testamento. Mas o particularismo em ambos os casos é uma etapa no cami­ nho para um universalismo mais amplo no plano de Deus. Isto pode ser mostrado rapidamente da seguinte maneira. (a) Quanto ao caso de Israel no Antigo Testamento, dois pontos tornarão claro o assunto. (1) Na convocação de Abraão no estabelecimen­ to da nação de Israel, a bênção universal da humanidade era o propósito e o plano expresso de Deus. Uma parte da promessa em Gênesis 12.1-3 era: "... em ti serão ben­ ditas todas as famílias da terra". (2) Nos profetas posteriores, quando a nação foi para o cativeiro, ensinou-se que Israel haveria de cumprir sua missão tornan­ do-se a nação dos profetas. Haveria de ensinar a todos os outros povos a verdade com relação a Jeová. Isto está em passa­ gens como Isaías 49.1-6. Jeová faz da boca de Israel uma "espada aguda," e Israel é como uma "flecha polida". Isto é seguido (veja o v. 6) pela promessa, "... também te porei para luz das nações, para seres a minha salvação até a extremidade da terra". Entre os profetas posteriores há muitas passagens semelhantes. (b) Da mesma maneira, o amor que se mostra na eleição de Deus, no Novo Testamento, é um passo para a realização do plano de Deus para todo o mundo. Aqui não necessitamos nos referir senão à Grande Comissão em Mateus 28.19, 20; à universalidade abrangente do amor de Deus em João 3.16; ao ensino de Paulo no capítulo onze de Romanos, que diz que a salvação dos gentios foi incluída no chamado de Israel; e a seu ensino em Efésios 3.6, e em outras partes, de que o "mistério" do evangelho, que havia estado oculto, mas que agora foi dado a conhecer, foi o grande acontecimento de que os gentios hão de participar das bênçãos do evangelho. Verdade. Por verdade de Deus designamos a qualidade nele por virtude da qual ele é a fonte, ou origem, e o princípio, ou causa, de todas as formas do conhecimento e de todos os objetos que podem ser conhecidos. O perfeito conhecimento que Deus tem de todas as coisas já o descrevemos como a onisciência. O conhecimento de que tem Deus de si mesmo é a expressão exata de sua natureza como verdade. Seu conhecimento tem origem em sua natureza. Do mesmo modo, todas as formas de conhecimento nos seres criados estão baseadas na verdade, enquanto essa é inerente à natureza de Deus. Todos os objetos do conhecimento são, também, constituídos como coisas que podem ser conhecidas de nós por ter origem nele. Duas conclusões seguem da definição anterior. A primeira é que não há regra de verdade fora de Deus. Ele mesmo é a realidade última da verdade em outras formas de ser. A segunda é que a verdade é verdade, não meramente porque Deus o quer assim. Deus quer a verdade porque ele é verdadeiro. As condições existentes estão à disposição. O que ele dispõe, o faz livremente; mas dispor livremente é também dispor verdadeiramente. Não pode querer a mentira, ou o erro, ou o pecado, ou coisas que se contradizem consigo mesmas. Porque ele é a verdade. Todas as esferas da verdade estão baseadas na natureza de Deus como verdade. A natureza em todo nível é uma esfera de verdade. A natureza mecânica é o nível mais baixo. A natureza biológica é o nível próximo superior. Seguindo essa, a natureza sensível e a natureza racional e moral do homem são as mais elevadas que conhecemos. Como todas essas esferas de criação estão constituídas na verdade, temos as ciências em uma escala ascendente. Temos como ciência as matemáticas, a biologia, a moral e as ciências das religiões comparadas, e outras mais. Essas ciências, ou formas de conhecimento, são possíveis por dois motivos. Um é que estamos constituídos para adquirir a verdade; o outro é que essas esferas de conhecimento estão constituídas na verdade. Nossa capacidade de conhecer e a capacidade delas de serem conhecidas estão ambas baseadas em Deus, que é a verdade. Da natureza de Deus como a verdade resultam a veracidade, a fidelidade e a sabedoria dele. A veracidade de Deus refere-se ao que ele diz; Deus não fala senão a verdade. Suas mensagens a nós sempre concordam com sua natureza e com a natureza das coisas criadas. As verdades que nos são reveladas na natureza são coerentes umas com as outras. Da mesma maneira as verdades reveladas nas escrituras formam um todo em que todas as partes são coerentes umas com as outras. Certamente, é importante que usemos nossa inteligência para interpretar a natureza e a Bíblia. Mas quando encontramos as mensagens de Deus nestas, todas concordam entre si e com sua verdade eterna. Pela fidelidade de Deus expressamos a segurança de que cumprirá as promessas e, invariavelmente, será leal a sua natureza. Ele não faz com que, na esfera da natureza ou da graça, nasçam esperanças que não cumprirá. Conclui o que começa. Não muda os propósitos nem contradiz as promessas. A sabedoria de Deus destina-se ao conhecimento e à escolha dos melhores fins e dos melhores meios para a realização desses propósitos. Em certos pontos, na natureza e em seu tratamento com os homens, parece estar fazendo experimentos, como se provasse distintos modos de fazer as coisas. Mas propriamente entendidos, são apenas períodos no desenvolvimento de seus propósitos mais amplos. São os passos necessários no progresso com vista a um fim. Sua sabedoria nunca deixa de escolher os melhores meios para alcançar o fim mais elevado. Muitas considerações práticas resultam do que se disse com relação ao atributo de verdade em Deus. a. Em virtude de sua verdade, a personalidade de Deus se manifesta. A verdade é um termo sem sig­ nificado quando aplicada a uma força ou energia ou influência impessoais. As coisas têm significado apenas para os seres pessoais. Se Deus tem signifi­ cado para nós, ou para si mesmo, é por ser ele uma pessoa e por sermos nós pessoas. b. O atributo de verdade em Deus dá significado ao conceito do erro. Uma declaração é certa, e a oposta, falsa, porque o mundo tem uma constituição definida. As várias partes do ser criado se adaptam de maneiras particulares. Estão sujeitas a leis uniformes, que devem sua origem a Deus, que é a verdade. O erro no pensamento ou na palavra é separação da realidade na constituição do homem, ou na natureza, ou em Deus. c. O atributo de verdade em Deus, do mesmo modo, dá origem a um elemento de conhecimento e fé. Alguns têm sustentado que a fé é a antítese da ver­ dade. Alguns afirmam: "Não podemos conhecer as coisas relativas a Deus; temos somente a fé". Essa posição não pode ser sustentada. Não é difícil perce­ ber a razão do porquê. A fé e a confiança nos unem a Deus. Por essa união Deus se manifesta a nós. Visto que Deus é verdáde, a manifestação que nos faz envolve a comunicação da verdade a nós. Acima de tudo, a revelação que Deus faz de si mesmo a nós em Cristo é uma comunicação de conhecimento, "... os tesouros da sabedoria e da ciência" (Cl 2.3). d. O atributo de verdade em Deus também torna inevitável o elemento de doutrina na vida reli­ giosa do homem. Há sempre o perigo de que as doutrinas como sistemas intelectuais substituam a fé vital. A teologia quando se mantém como um sistema meramente lógico ou filosófico pode ser prejudicial à vida religiosa. Não devemos confun­ dir a religião com a teologia. Mas é igualmente absurdo procurar manter uma forte vida religiosa sem doutrinas. A religião tem de tratar com fatos acerca de Deus e dos homens, e com as relações entre Deus e os homens. As doutrinas são sim­ plesmente a expressão do significado desses fatos e relações. Daí os dois elementos tão notáveis na Bíblia. Por vezes, é um livro de vida e um livro de doutrinas, ou ensinos, acerca da vida. Aqui também a explicação está no fato de que Deus é verdade. Todas as verdadeiras manifestações de doutrina se baseiam na natureza de Deus, e as doutrinas resultam inevitavelmente na religião, porque Deus é um ser de verdade. 3. Os atributos e a personalidade divina. Com freqüência, os homens têm pensado na natureza e nos atributos de Deus de maneira bastante abstrata e mecânica. Deus é uma pessoa. Seus atributos são as qualidades de seu ser como tal. Não lhe são atribuídos como se estivessem separados de sua na­ tureza. Não são independentes entre si como se um deles pudesse estar ativo sem os outros. Não estão em conflito uns com os outros como se pudesse haver uma divisão na natureza divina. Não há graus entre os atributos como se pudesse haver uma hierarquia de poder dentro de Deus. Não é possível pensar nos atributos como se houvesse muitos deuses em lugar de um só Deus. Guardemos na mente a verdade de que Deus é um ser unitário, harmonioso em todas as qualidades. Quando Deus sente, esse sentimento é modificado por sua justiça e sua onisciência. Quando pensa, pensa justa, sincera e amorosamente. Quando determina, o faz segundo a sabedoria, o amor e a verdade infinitos. Quando castiga culpados ou redime perdidos, respeita cada qualidade de seu ser. Nunca suspende a operação do amor nem da justiça. Mas cada um é exercido segundo o caráter e as circunstâncias do objeto. D . Erros q u e devem ser evitados Sem nos recordamos do que se disse acerca da unidade e da harmonia dos atributos de Deus, podemos evitar vários erros: • O de unir os atributos de Deus em um só atributo. • O de fazer com que um atributo seja superior aos demais. • O de pensar nos atributos como se estivessem em conflito uns com os outros. • O de atribuir a Deus uma ação arbitrária ou caprichosa da vontade. Discutamos brevemente estes quatro pontos: 1. Consideremos primeiramente o erro de unir todos os atributos para formar um só. Aqui não consideraremos a santidade de Deus. Porque, como já demonstramos, a santidade é mais um termo que descreve a perfeição moral de Deus do que um atributo separado. Alguns fazem com que o amor seja o atributo absoluto, re­ duzindo os demais a alguma forma de amor. Consideram tam­ bém que a justiça de Deus, ou a qualidade afirmativa de Deus, está incluída em todos os outros atributos. Nada se ganha com esforços desse tipo; em vez disso, perde-se muito. As escrituras não autorizam tais pensamentos. É altamente confuso definir o amor como o atributo com que Deus se entrega, e a justiça, como o atributo com que se afirma, e assim procede na identificação de um com o outro. O objeto de definir os atributos de Deus é de manifestar as riquezas múltiplas de sua natureza divina. O pensamento acerca de Deus se enfraquece e se obscurece quando passamos de descrições definidas e concretas de sua natureza a termos abstratos e vagos em que todos os elementos de um ser são reduzidos a um. 2. O segundo erro que se deve evitar é o de fazer com que um atributo seja superior a todos os demais. Nesse ponto de vista, os atributos permanecem, mas se faz um esforço para defini-los em uma ordem ascendente de importância. Bastará para nossos propósitos perceber a controvérsia com relação aos lugares relativos do amor e a justiça entre os atributos morais. Alguns fariam com que o amor fosse o atributo mais fundamental; outros, que fosse a justiça. Pois bem, é possível apresentar argumentos a favor de cada opinião, baseados sobre um uso parcial de fatos de textos das escrituras que parecem ser conclusivos. A favor da opinião de que o amor seja o atributo fundamental, somos lembrados de que Jesus faz com que o amor a Deus e ao homem seja a soma da obrigação humana; de que Paulo coloca o amor sobre todas as demais graças cristãs; de que João declara que "Deus é amor"; e, em geral, que a encarnação e a propiciação de Cristo são a revelação da natureza de Deus como essencialmente amor. A favor da opinião de que a justiça seja fundamental, somos levados a passagens como Salmos 97.2, em que "justiça e eqüidade são a base do [...] trono" de Deus; a operações de nossa consciência, que são supremas sobre outros impulsos de nossa natureza; ao fato de que a justiça de Deus limita e controla o exercício de seu amor; à necessidade moral na natureza divina, que foi satisfeita na propiciação de Cristo; e levados à justiça inexorável do procedimento de Deus para com a humanidade no curso da história humana. Não é possível estabelecer nenhuma dessas duas opiniões. A declaração correta é que a justiça e o amor são atributos coordenados e iguais em Deus. Não há motivo suficiente para colocar um sobre o outro. Isso se manifestará ao observarmos brevemente as respostas dadas aos argumentos que querem dar a primazia à justiça. (1) Argúi-se que a justiça é fundamental porque as escrituras a fazem mais permanente que o amor. Mas já vimos a proeminência dada ao amor no Novo Testamento. A pas­ sagem que chama atenção de maneira especial é a do livro do Apocalipse (4.8), em que seres celestiais exclamam: "... Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso". Argumenta-se à luz desse texto que no céu a santidade é vista como o principal atributo de Deus. Mas em resposta necessitamos apenas nos lembrar de nossa explicação do significado bíblico de santidade como aplicada a Deus. Não significa justiça como distinta do amor. Tanto no An­ tigo como no Novo Testamento, "santidade" é um termo geral que descreve a perfeição moral de Deus. Em alguns casos, sobressai-se a justiça; em outros, o amor; e, em ou­ tros, a veracidade de Deus é o que se considera quando o termo é empregado. As vezes, não se sobressai nenhum atributo especial, mas a perfeição de Deus em geral. Isso é certo quanto à passagem que estamos considerando. O termo é aplicado a Deus porque ele criou todas as coisas e porque ele é o Deus "... que era, e que é, e que há de vir". Não há passagem nas escrituras que nos autorizem a subordinar o amor à justiça, ou a justiça ao amor. (2) Argumenta-se também a supremacia da justiça sobre o amor devido à supremacia da consciência sobre nós mesmos. Mas seguramente não estamos autorizados a inferir o que é normal no caráter de Deus do estado anor­ mal nosso. Somos corrompidos e sujeitos ao pecado e à iniqüidade. O aguilhão da consciência acompanha nos­ sa luta para alcançar a perfeição em todo o longo cami­ nho. A consciência toca o alarme continuamente porque, com muita freqüência, praticamos o mal. Sem dúvida, da consciência podemos deduzir a justiça de Deus. Mas não podemos deduzir de nossa vida espiritual as relações que há entre a justiça e o amor existentes nele até que tenhamos feito nós mesmos mais progressos no amor. Quando estivermos aperfeiçoados no amor justo, nossa natureza poderá ser um guia melhor, que nos levará a conhecer as relações entre os dois atributos de Deus. (3) Argumenta-se, de igual modo, que o amor é opcional, mas que a justiça é obrigatória para com Deus. Declarações desse tipo expressam essa visão: "Deus pode ser mise­ ricordioso, mas tem de ser justo". Em resposta, dizemos que o argumento confunde o amor, como atributo divino, com a misericórdia, que é uma forma especial de sua manifestação. A misericórdia é o amor expressando-se em perdão e na remissão do castigo. Mas o amor é a boa vontade para com todas as criaturas e o desejo de aben­ çoá-las. O exercício da misericórdia tem por condição o arrependimento do pecador. Mas a boa vontade de Deus para com todas as criaturas não tem por condição nada além de sua própria natureza. Como já vimos, o amor de Deus está fixo em sua natureza. Se deixasse de amar, deixaria de ser Deus. Podemos, portanto, admitir que a misericórdia é opcional a Deus sem admitir que o amor o seja. O amor se manifesta em uma variedade de maneiras segundo as circunstâncias de seu objeto. Mas o princípio do amor na natureza divina, o desejo de abençoar, nunca deixa de ser ativo. Os homens, por sua rebeldia, podem tentar dificultar para que tomem certas formas tais como a misericórdia e o perdão, mas não podem destruí-lo. Se o amor em Deus fosse opcional, poderíamos conceber Deus tratando os anjos não-caídos e puros de maneira completamente carente de amor. Mas semelhante conceito o colocaria em um nível bem abaixo daquele que temos do Deus que nos é revelado em Cristo. (4) Argumenta-se, também, que a justiça de Deus é um atributo do ser, enquanto a benevolência é um atributo de ação. Tira-se a conclusão de que se a justiça (o juízo) deixasse de ser exercida, deixaria de existir, enquanto a benevolência pode ser exercida, ou não, segundo as circunstâncias. A contestação é que nesse caso também se comete o erro de tomar a manifestação do amor pelo atributo do amor. O amor é tão verdadeiramente um atributo do ser como a justiça. O exercício de ambos para criaturas inteligentes e livres deve ser sempre entendido à luz da atitude daquelas criaturas para com Deus. Para com as criaturas moralmente perfeitas, a justiça é inativa; e o amor, complacente, mas intensamente ativo. Para com os culpados, a justiça pode ser refreada, ao passo que o amor procura redimir; ou o amor pode ser restringido, e a justiça arder quando a iniqüidade está formada. Se a ação de Deus tomar a forma de misericórdia ou de justiça, os atributos de amor e justiça de Deus permanecerão os mesmos. (5) Argumenta-se, também, que a justiça é superior ao amor porque o amor exige uma norma ou regra, enquanto a justiça, não. Esta é a declaração: que o amor tem de ope­ rar com referência a algo distinto de si mesmo, isto é, a justiça; sendo que a justiça é sua própria norma. Mas essa posição também carece de apoio adequado. Leva consigo a noção de que os atributos de Deus podem estar unidos ou separados. E verdade que o amor sempre opera com referência à justiça. O amor não é uma qualidade inde­ pendente ou separável em Deus. Mas isso é certo também quanto à justiça. Não é concebível nenhum ato de retidão ou justiça da parte de Deus que não esteja afetado por amor. Ele não é dois Deuses, que se manifesta em um tem­ po como justiça e em outro como amor. É sempre amor justo ou justiça amorosa. Tanto o amor como a justiça são atribuídos a Deus em sua suprema manifestação como Pai pelo Senhor Jesus em João 17.25, em que se dirige a Deus com as palavras, "Pai justo". (6) Argumenta-se, ainda, que a justiça é superior ao amor porque controla o exercício do amor na expiação de Cristo. Insiste-se que por ser uma exigência na natureza divina, tinha de ser satisfeita pela expiação, e, por ser o propósi­ to eterno de Deus satisfazer aquela exigência, temos de sustentar que a justiça sobrepuja ao amor na natureza de Deus. Mas isso é colocar arbitrariamente um atributo sobre outro. Foi o amor de Deus que o motivou a prover a propiciação. Seu desejo de abençoar e salvar é o motivo regente em todas as partes da encarnação e propiciação de Cristo. Poder-se-ia argumentar, com igual razão, que o amor é superior à justiça em Deus, porque o amor que proporcionou a propiciação venceu a justiça que exigia o castigo dos pecadores. É bem possível argüir o caso de qualquer dos dois modos com igual plausibilidade. Se o Juiz desce de seu trono para tornarse redentor, não é maior como redentor do que como Juiz? Ou, poderíamos perguntar: Se o Juiz leva consigo o trono, ao redimir, não é maior como Juiz que como redentor? Por sinal, nem uma nem outra pergunta podem ser respondidas corretamente ao serem afirmadas. Porque se Deus exige tanto ao efetuar a propiciação, como podemos exaltá-lo sobre si mesmo em qualquer aspecto? Deduzimos, pois, que a justiça e o amor são atributos coordenados de Deus. O amor é tão exigente como a justiça, porque não pode suportar, em seu objeto, a presença do pecado que o prejudica ou afeta. A justiça é tão longânime e paciente como o amor em Deus, porque só mediante um procedimento lento de purificação o ideal moral pode ser realizado. O amor é o temor do pecador assim como o é a justiça, porque o amor não pode fazer menos que repudiar o pecado que se prende ao coração rebelde. A justiça é a esperança do pecador assim como o amor, porque o fim de um caráter perfeito e de uma felicidade final só podem ser obtidos pela extirpação do pecado de seu caráter. Gerald Stanley Lee disse: "Deus é amor, e a lei é a maneira pela qual nos ama. É certo, porém, que Deus também é lei e o amor é a maneira pela qual nos governa". 3. Um terceiro erro, que resulta do não reconhecimento de q Deus é um ser unitário e harmonioso em todos os seus atributos, é o de pensar nos atributos como se estivessem em conflito uns com os outros. O que se disse acerca da justiça e do amor como demonstrado na propiciação nos ensina que não devemos imaginar Deus como dividido contra si mesmo, estando a justiça de um lado, e o amor, de outro. Há quem, por meio de caricatura, procurou pôr objeções à propiciação. Alguns até afirmaram que a doutrina da Trindade foi inventada para explicar a propiciação. Deus esteve de um lado, e Cristo, de outro. O Espírito Santo entrou como o reconciliador e harmonizador. Essa é uma mera representação deformada do ensino do Novo Testamento. Cristo não comprou o amor de Deus para nós por meio do que fez. O que ele fez foi a expressão do amor de Deus. O amor de Deus foi a causa, e não o efeito, da propiciação. "... Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho..." A propiciação de Cristo foi a expressão harmoniosa tanto do amor como da justiça de Deus. 4. O quarto erro é o de atribuir a Deus uma ação arbitrá ou caprichosa da vontade. Tem sido, com freqüência, um costume nos sistemas abstratos de teologia exaltar a soberania de Deus atribuindo-se todo tipo de ação misteriosa e arbitrária por "simples desejo". A frase "o simples desejo de Deus" ilude, a menos que seja devidamente modificada. Ninguém objeta ao pensamento da soberania de Deus se se entende que é uma soberania justa e amorosa. Quando, porém, seu "simples desejo" se separa dessas qualidades de seu ser, temos o retrato de um tirano, não de um Pai infinitamente sábio. A soberania de Deus é uma doutrina de incalculável valor. Seria fatal desfazermo-nos dela. Mas devemos evitar pensar nela como uma soberania de pura vontade. Deus é muito mais que uma onipotência predestinadora. Todas as suas ações são respaldadas pelas melhores razões e motivos. E um ser unitário, é uma Pessoa, e nele se reúnem e se harmonizam todas as formas de perfeição. Nesse ponto, chegamos ao mais alto conceito possível de Deus. O que nos é apresentado na revelação de Jesus Cristo. É a radiante imagem de Deus, o Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra. Nessa revelação suprema de Deus todos os demais conceitos válidos se unem. Cristo combinou as partes separadas de verdade acerca de Deus como fragmentos dispostos em um mosaico. Mas acrescentou sua própria revelação distintiva. O pensamento de Deus como a primeira causa nos deixa frios. O pensamento de Deus como um ser pessoal, nos aquece um pouco. O pensamento de Deus como um ser pessoal, que tem um propósito santo, comove-nos mais profundamente. O pensamento desse ser pessoal como alguém que cuida de nós individualmente, enumerando os próprios cabelos de nossa cabeça, faz-nos arder poderosamente. Mas quando todos esses pensamentos se combinam, e a primeira causa, que é pessoal, cheia de propósito, santa, individualizante e amorosa também é reconhecida como um Pai infinito, poderoso e bondoso, todos os sinos do coração começam a bater com prazer. Pois bem, foi para revelar semelhante Deus que Cristo veio. Se quisermos evitar o erro ao pensar nos atributos de Deus, quatro coisas são necessárias: Primeiramente, que concebamos a justiça, o amor e a verdade não como coisas abstratas, mas como qualidades que estão unificadas e concordes em uma pessoa in­ finita; segundo, que essa pessoa é o glorioso Deus e Pai de nos­ so Senhor Jesus Cristo; terceiro, que em seu procedimento para com os homens tem respeito para com eles como seres livres e morais; e quarto, que, em si, não se modifique, seja a variação necessária de manifestação devida às circunstâncias e ações de suas criaturas livres. Capítulo 10 Criação A . Definição Por "criação" queremos dizer tudo quanto existe, com exceção de Deus. Isso inclui a natureza, o homem e todas as outras formas de ser que não sejam o próprio Deus. O problema da criação é um dos mais difíceis com o qual a razão do homem se defronta. A ciência física moderna lhe deu forma aguda em sua doutrina da transformação da energia. Tudo quanto se encontra na natureza física é o resultado transformado de algo anterior na série de causas. O resultado é um regresso sem fim de causas físicas. Por ele nunca chagamos a uma causa espiritual. Nesse ponto, vê-se claramente o contraste (ainda que não contraditório) entre o método da ciência física e o da religião e da teologia. No primeiro, a causalidade se expressa em termos de matéria e energia; e no último, em termos de espírito, liberdade e personalidade. Devemos ter claramente na memória a diferença entre a causalidade física e a livre. A doutrina cristã da criação, pois, não depende das conclusões da ciência física, visto que essas podem se relacionar com a origem do universo. Antes, porém, começa com a nova criação espiritual de Deus em Cristo na experiência redentora dos cristãos, e torna fácil aceitar o ensino da escritura de que Deus criou todas as coisas. Em nossa experiência religiosa, conhecemo-nos dependentes de Deus. Sabemos que nossa nova vida em Cristo deriva-se dele. Nós o conhecemos como Criador espiritual, e a nós mesmos como "novas criaturas" em Cristo. Conhecemos a natureza física adaptada para promover nossa vida espiritual sob a direção de Deus. Na natureza vemos uma evidência de progresso até uma meta e um fim. No homem vemos a coroa da natureza. Em Cristo e em seu reino vemos o fim espiritual de Deus na criação. Dessas coisas, deduzimos que o universo depende de Deus; que ele lhe concedeu seu ser e o conserva para seus propósitos espirituais e santos. Em outras palavras, o cristão não estuda a série de causas e efeitos físicos, nem a série filosófica de conselhos lógicos, para provar que Deus criou o universo. Aliás, ele estuda a série pessoal e espiritual dada na experiência religiosa dos homens. Essa, no entanto, acha forte confirmação nos procedimentos científicos e racionais. A ciência confirma a idéia, especialmente quando consideramos a hipótese do desenvolvimento. Sua marca distintiva é o progresso desde as formas inferiores até as superiores. Esse progresso implica propósito. No princípio, no meio e no fim esse propósito implica um criador divino do mundo. No princípio, porque os passos retrospectivos e descendentes conduzem-nos a um princípio no tempo para achar o primeiro e infinito período do processo. A ciência física exclui expressamente um princípio próprio de todas as coisas, quer dizer, que devam sua origem a si mesmas. Por isso, é necessário um Criador. No meio do processo é necessário um condutor e Criador, visto que o material do universo é utilizado em todas as partes para alcançar um fim que está mais além da aquisição presente, mais acima dela. Assim, depende de um princípio originado por um Criador inteligente. O fim implica um princípio, porque os princípios não podem ser entendidos senão à luz dos fins. O resultado revela o propósito oculto da origem. Se um reino espiritual de pessoas livres vivendo juntas em vínculos eternos de amor justo é a meta a que todo o movimento conduz, então esse reino foi o propósito primeiro do todo. A dependência completa do reino espiritual da graça de Deus em Cristo nos leva para trás, isto é, a seu ato criador como a fonte e a origem de todas as coisas. O procedimento lógico e filosófico também confirma essa opinião. A razão exige uma causa, embora não-causada, de todas as coisas, mas que não é proporcionada nunca pela natureza. A vontade humana sugere a única solução. A vontade do homem é, em sentido relativo, uma causa originadora, e dela inferimos uma primeira causa espiritual que deu existência ao universo. Podemos, pois, resumir a doutrina cristã nas seguintes declarações: primeiro, o universo, ainda que distinto de Deus, deve sua origem a um ato dele, e depende dele. Segundo, ao criar o universo Deus operou livremente, e não por necessidade ou compulsão. Terceiro, ao criar o universo Deus teria em vista um fim moral e espiritual. Quarto, o propósito de Deus era a comunicação de sua própria vida e bem-aventurança aos seres criados. Seu desejo supremo foi o de fazer grandes espaços para a habitação de seres sensíveis e inteligentes; povoar esses espaços com semelhantes seres, e enchê-los com a vida e a santidade, a felicidade e paz de sua própria natureza. Seu objetivo foi o de produzir um reino no qual sua imagem fosse refletida, no qual aparecesse sua glória. Quinto, o fim assim definido foi um fim começado, levado adiante, e havia de se completar em Jesus Cristo (veja Cl 1.15-17; Ef 1.3-5; Rm 8.21). B .O piniões divergentes Foram propostas várias teorias que negam a idéias de que Deus deu existência ao universo por um ato criador. 1. Podemos nos referir brevemente à teoria de que só a m téria é eterna e de que todas as formas de vida mental e espiritual se derivam da matéria. Esse é o materialismo e está sendo aban­ donado rapidamente como uma teoria filosófica. Ele ignora todos os elementos mais significativos do ser, da energia, da vontade e da consciência no homem. Fracassou em todo esforço feito para mostrar que a mente se deriva da matéria. Toma a forma mais baixa da existência e supõe que as mais elevadas dela se derivam. É diametralmente contrária a todo progresso moral e a todas as aspirações religiosas e espirituais que existem entre os homens. 2. A segunda teoria a ser observada é o dualismo. Sustenta que há dois princípios eternos e existentes por si só: Deus e a matéria. Deus não criou a matéria, mas dela se utilizou para seus propósitos. Essa teoria se origina na dificuldade de conceber como Deus pôde dar existência à matéria. Há várias objeções sérias a ela. Primeira, é uma idéia que contradiz a si mesma. Duas existências absolutas ou eternas não podem ser unidas satisfatoriamente em nosso pensamento. A mente traz em si mesma uma exigência fundamental da unidade última. Outra objeção é que a opinião não explica como Deus chegou a se relacionar com a matéria eternamente existente. Se existiu eternamente à parte dele, como teve poder sobre ela? Uma terceira objeção é que a matéria e todas as formas conhecidas por nós carregam os sinais de que existe uma inteligência. O idealismo deu ênfase a esse fato. Não conhecemos nenhuma forma de matéria que pudesse estabelecer uma base para a crença em outra origem que não fosse a vontade de um Criador inteligente. Uma quarta objeção é que o dualismo aumenta, em vez de diminuir, as dificuldades da mente ao procurar conceber a criação. Multiplica os problemas. Se já é difícil pensar em Deus como existindo por si, quanto mais difícil não será pensar em matéria que existe por si, sem inteligência ou vontade? A mente inevitavelmente flui para a opinião de que a coisa mais elevada que conhecemos, personalidade inteligente e livre, é a única explicação satisfatória da origem de todas as coisas. 3. Uma terceira teoria é a de que o universo é uma emanação de Deus. Em sua forma mais antiga, como foi sustentada pelos gnósticos nos primeiros séculos do cristianismo, não necessitamos considerar. Em suas formas mais recentes, é panteísta, como crê Espinosa, ou idealista, como foi acreditada por Hegel e alguns de seus sucessores. Espinosa concebia a Deus como a única substância eterna, e a extensão e o pensamento como seus atributos. Hegel o concebia como um ser absoluto de quem todas as aparências finitas são meramente fases. Um procedimento lógico é o principio imanente do desenvolvimento. A opinião de Espinosa, assim como a de Hegel, é monista. Deus e o universo são uma só coisa. As objeções a essa opinião em qualquer de suas formas são bastante sérias. Segundo essa opinião, tira-se de Deus sua liberdade, porque o universo é concebido como o desenvolvimento necessário de um princípio na natureza divina. Ignora as diferenças radicais entre a matéria e o espírito, e deixa de harmonizá-las. Faz com que Deus seja o autor do mal, porque o mal se estabelece como uma fase essencial do processo do desenvolvimento. Destrói a liberdade, a personalidade e a imortalidade humana, porque o homem não é senão uma fase transitória de um procedimento lógico que será superado no transcurso do tempo. Com brevidade, a necessidade governa todo o período do processo e toda idéia moral e pessoal é destruída. Tudo isso é contrário ao que proclama nossa consciência moral e nossa experiência cristã. 4. A quarta teoria da origem do universo é que esse é a criação eterna de Deus. A dificuldade de explicar por que Deus ficaria ocioso por toda uma eternidade antes de começar a criar levou a essa idéia. Mas as objeções são maiores que as supostas vantagens. Tende ao conceito de necessidade pelo qual se supõe que Deus não cria livremente, mas por necessidade; ou de outro modo, tende à teoria de uma eternidade da matéria. É impossível, por certo, conceber de modo satisfatório as relações entre o tempo e a eternidade. Mas essa teoria não consegue fazer melhor que as outras. Não podemos tirar o universo do tempo, porque o conhecemos apenas como sujeito a condições temporais. Não podemos concebê-lo independente, porque em todas as fases nas quais o conhecemos, ele é dependente. É melhor interpretá-lo em atenção aos dados que, pela experiência, temos dele, e não contestar as dificuldades hipotéticas de maneira abstrata. Como o ato livre de Deus, com um fim moral proposto, podemos pensar a criação do universo de maneira satisfatória à fé, visto que por nossa experiência conhecemos a Deus e a nós mesmos como sua nova criação, dependentes de sua ação bondosa e livre em Cristo. C . A criação d o hom em Não podemos entender a criação a não ser que a consideremos como um todo. O homem é o apogeu e a meta da criação. Como se olhássemos para frente desde o último período anterior ao homem, esperamos que o homem apareça. Olhando do homem para trás, podemos explicar melhor os períodos anteriores. A ciência e a escritura estão notavelmente de acordo ao colocar o homem no final da série de gradações na natureza. Do mesmo modo, todas as etapas precedem ao homem no relato de Gênesis. Segundo a ciência, o homem resume todo o passado em si mesmo, e então adianta em muito todas as etapas anteriores. O homem não foi, pois, um pensamento final de Deus, mas seu primeiro pensamento. No homem, a criação alcança um nível moral e espiritual. Destes, inferimos que os graus inferiores foram designados para servir aos fins dos superiores. Em vista do sobredito, estamos autorizados a fazer as se­ guintes afirmações acerca do homem: 1. Consiste de uma parte física e uma espiritual, corp alma. Com relação à física, possui um corpo em muitos aspectos semelhantes aos dos animais inferiores. Alguns evolucionistas cristãos interpretam o relato de Gênesis da criação do homem indicando que o corpo humano foi derivado dos animais inferiores, enquanto a alma foi a criação direta de Deus. Em Gênesis 2.7 lemos: "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida..." Aqui fez o uso de meios para criar o corpo, e um ato imediato e direto para criar a alma. Podemos fazer outras duas ou três observações com referência a esse assunto. A primeira é que para a religião cristã o ponto relevante é que o homem é criação de Deus, não o produto de elementos materiais. O relato do Gênesis explicita bem isso. A segunda é que há ao menos duas dificuldades para considerar uma origem animal para o corpo do homem. Uma é o amplo abismo entre o cérebro humano e o dos animais superiores antes da chegada do homem. Certamente, em nenhum crânio conhecido desses animais é possível acomodar o cérebro humano. A outra dificuldade está na relação necessária que há entre a formação do cérebro e a mente que está nele. A relação é muito íntima no desenvolvimento humano desde a infância até a idade madura. Parece mais natural pensar que sempre foi assim. Tomar um cérebro animal e pôr nele uma mente humana parece ser um procedimento impossível. A fase da hipótese evolucionista, de meados do século 20, conhecida por "teoria da mutação" é mais favorável para a origem animal do corpo humano. Ensina que o progresso se efetua por avanços repentinos e inesperados nos organismos viventes. No entanto, as causas não são conhecidas. Isso concorda mais intimamente com a opinião da evolução teísta do que com o conceito anterior do progresso por graus infinitesimais de crescimento. Mas, em todo caso, o ponto principal é a atuação de Deus no progresso do mundo. É duvidoso se a teoria da mutação ainda pode dar conta do amplo abismo que existe entre o crânio animal e o humano. A terceira observação é que não devemos apresentar uma conclusão falsa aqui. A teoria fará melhor em deixar que a ciência da biologia resolva seus problemas quanto às origens. O respeito e a paciência mútuos trarão a harmonia a seu tempo. Existem dificuldades bastante sérias para a inteligência, seja qual for a opinião adotada. Entretanto, devem ser sustentadas duas verdades com toda tenacidade. Uma é que o homem foi feito um ser espiritual à imagem de Deus, e não como o produto da matéria. A outra é que, quando as entendemos plenamente e as interpretemos corretamente, as escrituras e a ciência natural não darão testemunho discordante. 2. Uma particularidade notável do homem é ser o elo entre o universo espiritual e o físico. Seu corpo é o elo entre o homem e o universo físico; justamente como sua alma é o elo com o universo espiritual. O homem é corpo e alma. 3. A natureza espiritual do homem é às vezes mencionada na escritura como "alma" e como "espírito" (1 Ts 5.23). Mas um exame de todos os ensinos bíblicos mostra que os escritores usavam uma linguagem popular de preferência à científica, e que alma e espírito eram aspectos da vida espiritual única e não dividida do homem, em lugar de uma distinção científica de partes. Muitas passagens se referem apenas ao espírito (1 Co 5.5; 6.17; 7.34; G16.18). As palavras empregadas no Antigo Testamento com referência ao homem são alma (nephesh), espírito (ruach) e carne (basar). As palavras no Novo Testamento que correspondem a estas são: alma (psiche), espírito (pneuma) e carne (sarx). A natureza do homem, pois, é dupla. É espírito e é corpo. Ambas as coisas lhe são necessárias como homem. Como um simples organismo físico, não é homem. Como espírito separado do corpo, não é homem. Só é homem na unidade de uma vida pessoal que combina tanto o corpo como a alma. "Alma" quer dizer, normalmente, a pessoa individual como "... a alma que pecar..." (Ez 18.4). "Espírito" significa o princípio de vida como contrastado com o corpo. "Corpo" quer dizer o organismo físico. 4. O relato bíblico torna perfeitamente clara a idéia de que o homem foi criado a imagem divina. Também é claro que a imagem divina no homem se refere mais a sua natureza espiritual que à física. Deus não é ser físico. "Deus é espírito." Em que aspecto, então, o homem carrega a imagem divina? Isso pode ser resumido nas seguintes declarações: (1) O homem se assemelha a Deus por possuir uma natureza racional. A capacidade do homem nesse aspecto é a fonte de todo conhecimento científico. Lê o significado da natu­ reza e descobre que leva os ensinos da razão. O homem entende a Deus por causa dos sinais de inteligência que há no mundo a seu redor. A razão no homem corresponde à razão em Deus. (2) O homem é semelhante a Deus no sentido de ter uma natureza moral. Conhece o bem e o mal. A lei moral, os ideais e os sistemas éticos estão todos baseados na natureza moral de Deus. No homem, aquela imagem moral volta a ser reproduzida. A consciência é, em sentido pleno, a voz de Deus no homem. E o sinal seguro para a constituição moral do homem. Não é uniforme em sua ação na humanidade, mas é universal e persistente. (3) O homem se assemelha a Deus, também, em sua natureza emocional. É capaz de ter sentimento. Seu sentimento mais elevado é o amor santo. Deriva-se da mesma quali­ dade que radica no próprio Deus. (4) O homem também é feito à imagem de Deus em sua possibilidade de vontade. Aqui encontramos um mara­ vilhoso dom do homem: a vontade é distinta de todas as formas de causalidade que nos são conhecidas. Alguns até a têm chamado de poder "sobrenatural". Em todo caso, pertence a uma ordem superior ao físico. Não pode ser explicada pela lei da conservação da energia. E, em um sentido exato, uma causa originadora. (5) O homem também é criado à imagem de Deus como um ser livre. A liberdade significa a determinação própria. O homem não é um ser cujas ações estão todas predetermi­ nadas por forças externas. Nem está num estado de indeterminação, como se não fosse influenciado por motivos derivados do passado ou de fora. A liberdade no homem não implica a isenção das influências, motivos, herança ou ambiente. Significa, sim, que o homem não está sob compulsão. Suas ações são ao fim determinadas desde seu interior. Ele próprio determina o que faz. Alguns sus­ tentam que a liberdade no homem significa a habilidade de superar-se, fazendo o que é contrário ao seu caráter. Assim, a vontade é considerada não como uma expres­ são do que o homem é em seu caráter essencial. É livre no sentido de ser capaz de fazer escolhas que não têm relação com escolhas passadas, características adquiridas e tendências hereditárias. Essa é uma idéia insustentável da liberdade. Faz com que a vontade seja mais uma mera adesão externa à natureza do homem que uma expressão dela. A liberdade exclui a compulsão proveniente de fora. Exclui também o mero capricho e a arbitrariedade. A li­ berdade é determinação própria. Os atos de um ser livre são seus próprios atos. A simples capacidade de escolher entre o bem e o mal não é o aspecto mais importante da liberdade do homem. É apenas uma fase dela. Mas se estivesse confirmado na santidade e sem nenhuma tentação para pecar, todavia estaria livre. Deus está em si determinado para a santidade; contudo, é livre. Nossa consciência moral e nossa consciência religiosa, especial­ mente como estão condicionadas por nossa experiência de Deus em Cristo por meio de nossa livre escolha, são sinais da imagem divina no homem. Os traços do homem mencionados acima não devem ser olhados como de todo distintos uns dos outros. São todos meramente aspectos ou funções da vida pessoal unificada do homem. São mutuamente independentes. São elementos na unidade orgânica de sua personalidade. (6) A imagem divina no homem também é vista em sua liberdade original do pecado e em sua inclinação à san­ tidade. Não devemos aqui confundir a perfeição no sen­ tido de caráter alcançado por longos períodos de prova e conflitos, com a impecabilidade da natureza original do homem. Mesmo Cristo foi tornado perfeito mediante padecimentos (Hb 2.10). A perfeição do conhecimento, juntamente com o poder moral e espiritual, é devido a uma vida passada sob as condições do tempo. O desen­ volvimento completo em todas as qualidades espirituais não poderia ser alcançado senão paulatinamente. Mas o homem foi criado sem pecado, e estando dotado dessa maneira, era capaz de pecar e de cair. (7) Outro sinal da imagem divina no homem foi o domínio sobre as ordens inferiores da criação, domínio que lhe foi dado pelo Criador. "Então Deus os abençoou e lhes disse: [...] enchei a terra e a sujeitai-a". Essa foi a ordem que Deus lhe deu. Todo o progresso humano não é senão o cumprimento desse ideal — de uma maneira ou de outra maneira. (8) A imortalidade é outro sinal da imagem divina no homem. O espírito do homem sobrevive à morte do corpo numa existência interminável. Os fatos, com relação à vida futura, são incapazes de serem provados de modo que não deixará possibilidade de dúvida. Isso se dá porque estão fora do alcance da existência presente. A razão natural do homem e sua experiência religiosa, porém, combinam-se de maneira extraordinária para estabelecer a crença na imortalidade. Damos os argumentos principais em um esboço. Vejamos primeiramente os que são extraídos da razão natural: a. Em primeiro lugar, a imortalidade é uma inferência necessária de uma criação progressiva. A natureza chega a um antiapogeu no homem se ele deixa de existir para a morte. O movimento em direção a um objetivo, desse modo, se frustra. b. A crença na imortalidade também é, de alguma forma, praticamente universal entre os homens. É uma parte da vida religiosa geral da humanidade. E como a crença universal em Deus. Isso sugere uma analogia com o organismo físico. Mantém-se mediante a correspondência entre as relações exter­ nas e internas. O universo responde ao chamado de suas criaturas. O fato corresponde ao anseio, como a estrutura do olho indica a existência da luz. c. A moderna psicologia fisiológica favorece a cren­ ça na imortalidade, porque prova claramente um paralelismo entre os estados mentais e fisiológicos, mas não uma conexão causai. Os estados do cére­ bro são paralelos aos estados mentais, contudo, o cérebro não produz o pensamento. d. O fenômeno da morte sugere a imortalidade. O corpo, como o conhecemos, está em contraste em todos os pontos com a mente, considerando-se a essa como a conhecemos. A degradação do corpo, pois, sugere um espírito que não degrada. Certas formas do idealismo moderno têm insistido em que os fenômenos mentais são simplesmente fases de uma existência eterna, e por sua própria natureza o pensamento está colocado sobre o físico e na ordem eterna. Em todo caso, os contrastes radicais entre a matéria e o espírito permanecem. e. Argumenta-se também a imortalidade por motivo das desigualdades e males da vida presente. Todos estamos sujeitos a condições em que os homens deixam de encontrar a exata justiça. Com freqüência os inocentes sofrem. Os culpados muitas vezes escapam do castigo. Uma vida futura proporcionaria a oportunidade de corrigir essas distorções. f. Estritamente relacionado com o tópico anterior está o fato de que somos conscientes de possuir poderes maiores que nossas presentes oportunidades. O homem é capaz de crescimento indefinido, e é possível que seja capaz de crescimento infinito. Rebela-se contra as rédeas de suas limitações atuais e anseia a uma esfera mais ampla de atividades. A imortalidade é uma inferência natural desse fato. Vejamos em seguida os ensinamentos bíblicos: (a) O Antigo Testamento, em seus primeiros períodos, não diz claramente nada acerca da imortalidade da alma. A existência depois da morte no Sheol, ou a região dos mortos, em um estado consciente, é a idéia fundamental da crença no Antigo Testamento. Em alguns dos salmos e dos últimos profetas encontramos fortes afirmações acerca da imortalidade (2 Sm 22.6; Nm 16.30; SI 16; 17; 48; 73; Jó 14.13ss; 16.18; 17;9; 19.25ss). (b) No Novo Testamento, essa doutrina encontra ampla aprovação. A ressurreição de Jesus é o fato histórico da maior significação. O ensi­ no de Jesus como um todo, porém, implica o destino eterno do homem. O evangelho des- cansa sobre o valor infinito do indivíduo. A personalidade humana é o valor supremo de Deus. Redimi-la foi a finalidade da missão de Cristo. Só como imortal era digna de se­ melhante fim. (c) Nossa experiência religiosa de Deus em Cris­ to está em estrito acordo com a revelação de Cristo. Por ele somos reconciliados com Deus e entramos em relações de comunhão espiritual com ele. A forma que toma essa comunhão é a que existe entre o Pai e o Filho. Temos o espí­ rito de adoção pelo qual clamamos "Aba, Pai". O valor ou mérito do homem à vista de Deus é assim o valor ou mérito eterno de um filho. O poder pelo qual realizamos essa comunhão e condição filial é o do Espírito Santo, que tirou Jesus da morte. A medida da energia que opera em nós é a medida do poder que levantou Jesus do sepulcro (Ef 1.20). O cristão encontra assim a resposta completa e satisfatória ao anseio natural e à crença universal na imortalidade. Ele infere o valor que ensina a religião e a razão naturais, que é correspondido pela realidade que o cristianismo cria. A vida imortal já começou na alma quando Deus revela em nós a Cristo. Uma das lições favoritas de Paulo é que a vida presente dos crentes é uma vida ressuscitada (Cl 2.20; 3.4). D . A origem das alm as Uma pergunta acerca do homem está relacionada com a origem da alma do indivíduo. Várias opiniões foram manifestadas sobre o assunto. Toda a questão é mais ou menos especulativa, contudo, podemos dedicar-lhe alguns parágrafos. Vejamos três teorias: A primeira é a da preexistência. As almas existiram num estado prévio. A alma entra no corpo humano em algum ponto dos primeiros períodos do desenvolvimento do corpo. Alguns sustentaram essa opinião para explicar a vinda do pecado ao mundo. Supõe-se que o pecado foi cometido em um estado prévio de existência. A idéia, no entanto, é estranha ao cristianismo, e não tem outra garantia que a especulação que lhe deu origem. Não oferece nenhuma solução do problema do pecado. Simplesmente o transfere do presente para o passado. Não resolve o problema de maneira melhor que outras teorias. A segunda teoria consiste em que cada alma é uma criação imediata de Deus. Entra no corpo em um dos primeiros períodos do desenvolvimento deste. O próprio corpo certamente é produzido pela geração natural. O objeto principal desejado pelos que advogam essa teoria é o de conservar o caráter espiritual da alma. Supõe-se que se as almas são transmitidas, isso implica que sejam materiais. Há várias objeções a essa opinião. Não é sustentada pelo ensino bíblico. De acordo com ela, o método usual de Deus após a primeira criação é mais o de uma criação mediata do que o de uma criação imediata. Deus descansou de suas obras criadoras no sétimo dia. A nova criação espiritual em Cristo participa da qualidade da criação original em certos aspectos, mas não é idêntica em gênero a ela. A nova criação em Cristo resulta da necessidade do homem por causa do pecado. A origem da natureza humana de Cristo é excepcional por razões semelhantes. Além da objeção bíblica, há outras sérias objeções à doutrina da criação imediata das almas. Uma é que os homens com freqü­ ência são semelhantes a seus antepassados em espírito assim como em corpo. Se a herança explica os traços corporais semelhantes, também dá conta mais satisfatória das semelhanças espirituais. A outra objeção é que a teoria da criação imediata deixa de explicar a tendência pecaminosa de todos os homens. O pecado é inerente em primeiro lugar no espírito, não no corpo. Não podemos acei­ tar a idéia de que Deus cria a alma diretamente com tendências pecaminosas. A terceira opinião é conhecida por traducianismo. Sustenta que o espírito e o corpo são produzidos por geração natural. É a opinião que melhor satisfaz a razão e explica os fatos. Dá conta assim da tendência universal do pecado. Desse modo, é explicada a transmissão de traços de caráter do pai ao filho. Essa opinião também explica melhor a unidade da linhagem humana. Os homens estão unidos em uma vida comum tanto em espírito como em corpo. Essa posição também concorda com o método usual de Deus. Seu método presente de operar é, em geral, por meio da lei e do procedimento da natureza. Ele está tão verdadeiramente presente como na teoria da criação imediata. Deus está presente em todos os procedimentos da natureza. A vida é seu dom. É seu dom, porém, pela geração natural. A objeção de que essa opinião torna a alma material não pode ser sustentada. A presença de Deus no procedimento da geração é a garantia contra isso. A relação do espírito com o corpo é um mistério profundo na natureza de cada indivíduo. Nós só podemos aceitar o fato óbvio de que o corpo e o espírito coexistem na mais íntima relação em cada um de nós. Não podemos explicar esse fato. A transmissão de pai para filho de ambos os elementos de nossa natureza é simplesmente uma fase particular do problema geral da relação entre o espírito e o corpo. Na ausência de um ensinamento bíblico direto sobre o assunto não temos meios de manifestar uma conclusão que seja provável. Provas teóricas de qualquer tipo são mais ou menos precárias. Devemos manter sob qualquer opinião a espiritualidade e a imortalidade do homem. Se fizermos isso, não poderá resultar nenhuma conseqüência importante das teorias estabelecidas para satisfazer a razão. Capítulo 11 A providência A . Definição Antes de entrar na discussão sobre o assunto da providência, faremos bem em nos referir brevemente à preservação ou conservação do mundo por Deus. Preservação ou conservação significa a ação de Deus para sustentar o universo que criou. Não devemos pensar no universo como uma máquina feita e abandonada pelo Criador. Essa é a idéia deísta, que praticamente exclui a Deus de todas as experiências humanas, assim como da natureza física. Nem devemos pensar no universo como uma criação contínua de Deus. Isso é quase panteísmo, que não deixa lugar para nenhum grau de independência ou liberdade na natureza do homem. Desse modo, destrói os valores morais e espirituais junto com a idéia da lei natural. Deus criou ao universo no passado. Agora o conserva. A ação atual de Deus com o mundo é a de imanência e transcendência. Como imanente Deus habita na natureza e no homem, sustentando ambos em suas qualidades e poderes naturais. Sua conservação da natureza está em harmonia com a operação da lei natural, e sua conservação do homem está de acordo com a liberdade humana. Na condição de transcendental, Deus não está limitado ao universo criado. Está acima da natureza e do homem. Esses não absorvem a Deus. Ele é espírito infinito, e é maior que todas as coisas criadas. E livre em sua ação, e suas atividades presentes não o esgotam. Com "providência de Deus" expressamos o controle ou direção do universo para o fim que ele escolheu. Há algumas verdades importantes contidas na doutrina geral do controle providencial do mundo da parte de Deus. Vejamos como isso ocorre. 1. Em primeiro lugar. A providência de Deus implica um propósito divino no controle do universo. Estudamos o procedimento desde os períodos inferiores até superiores e descobrimos o propósito de Deus. O homem, o ser livre e espiritual feito à imagem de Deus, é a coroa da criação. Disso deduz-se que o propósito final de Deus é relacionar-se com seres pessoais e espirituais. Está procurando reproduzir-se em um reino de espíritos livres. Como Pai, está procurando trazer muitos filhos à glória. Essá conclusão concorda estritamente com a revelação de Deus em Cristo. O Antigo Testamento mostra como os fundamentos do reino moral de Deus foram colocados na longa história de Israel. O Novo Testamento nos traz a revelação final do propósito de Deus em Cristo. Culmina no descobrimento de um reino sempiterno de amor, em que o povo de Cristo está em harmonia com sua imagem moral e espiritual, em comunhão uns com os outros e com Deus. O centro do ensino de Jesus é o cuidado de Deus para com o indivíduo assim como para com a sociedade espiritual. A experiência cristã sustenta com grande energia o cuidado e a direção de Deus. O redimido conhece o cuidado zeloso de um Pai amoroso; as evidências de semelhante cuidado são demasiado numerosas; portanto, ao redimido é fácil aceitar a doutrina da providência. Precisa generalizar sua experiência pessoal juntamente com a de outros cristãos para expressar o significado dessa grande verdade. Aqui também a razão, a escritura e a experiência juntam-se para produzir a convicção em nosso pensamento. 2. O controle providencial de Deus implica a soberania divina. Com demasiada freqüência, a soberania de Deus tem se tornado uma doutrina inexorável por ser apresentada de maneira extremamente abstrata. Os decretos de Deus são definidos como a expressão de um propósito eterno pelo qual preordenamos tudo quanto sucede. Essa afirmação é certa quando temos em mente outras várias afirmações. Uma é que a preordenação não deve cancelar o livre-arbítrio do homem, pois se o fizer, Deus é responsável pelos atos pecaminosos do homem. Outra é que os atos pecaminosos do homem são preordenados apenas em um sentido permissivo, e não eficaz. Para nós, também, a coisa principal nos propósito de Deus não é "todas as coisas" em geral, mas sim o estabelecimento do reino espiritual em Cristo. Os homens não rejeitam a soberania de Deus se percebem que temos de tratar com um Deus justo e amoroso, e não com um ser meramente arbitrário e onipotente. A soberania de Deus significa, pois, que ele mantém a direção do governo em suas mãos. Dirige o universo para seu objetivo glorioso. Esse fim expressa os objetivos mais elevados de santidade e amor. Regozijamo-nos de que seja assim, e com gratidão confiamos nele e cooperamos com ele. Voltaremos a considerar esse assunto da soberania de Deus quando considerarmos seu método para salvar aos homens. Assim, a soberania dele é defendida simplesmente com relação a seu domínio do mundo. 3. O domínio providencial de Deus sobre o mundo est acordo com a presença de uma lei nas esferas físicas e morais. Pouco é preciso se dizer acerca da lei física. A ciência demonstrou de maneira maravilhosa que a natureza é governada por leis. Isso é uma das determinações mais benéficas de Deus. Muitas formas, se não todas, do bem-estar, baseiam-se na operação da lei. A saúde do corpo pode assim ser conservada; o solo pode ser cultivado; mil formas da atividade humana são possíveis por causa da presença de alguma lei na esfera física. Na esfera moral também prevalece a lei. O reino moral é uma reprodução, entre os homens, dos princípios eternos do bem e do mal escrito na constituição da natureza humana. As recompensas da retidão e os castigos da transgressão na vida individual atestam o reinado da lei moral. O curso da história é uma ilustração em uma grande escala dessas mesmas leis. A caminho de Israel e os ensinos dos profetas são a revelação que Deus faz de sua justiça e amor. É Deus educando uma nação nas leis de seu reino eterno. As escrituras não descrevem todo o curso dão gênero humano no desenvolvimento moral, nem se delongam acerca da consciência. Mas uma coisa se reconhece claramente. É que a lei moral não se baseia meramente na experiência. As teorias utilitárias não dão razão da constituição moral do homem. Os Dez Mandamentos e a lei moral em geral se baseiam na natureza de Deus. 4. O domínio providencial de Deus sobre o mundo respeita a liberdade humana. O homem se distingue da natureza física pela posse da livre personalidade. As leis da natureza são fixas e podem ser expressas em fórmulas matemáticas. Deus dirige a natureza segundo essas leis. Mas o homem está em um nível mais elevado. Deus limitou-se a si mesmo em seus métodos ao tratar com os seres livres. Aqui a compulsão está fora de cogitação. A soberania e a predestinação não anulam a liberdade. Se o fizessem, o homem seria reduzido ao nível físico, ou ao menos ao nível dos animais. Por certo, Deus não entrega os destinos do universo a suas criaturas livres; no entanto, ele domina por meios que respeitam a liberdade delas. 5. O governo providencial que Deus exerce sobre o homem se vale da unidade do gênero humano. A herança é uma lei universalmente reconhecida nos círculos científicos modernos. Cada indivíduo é o produto de todos os seus antepassados. Herdamos traços e tendências que são físicas, morais e intelectuais. A inclinação ao pecado, que sempre se manifesta por meio do pecado real em toda pessoa que chega a um estado de conhecimento moral, é uma inclinação herdada. Uma grande quantidade de evidências proporciona razões amplas para a crença na unidade e solidariedade da humanidade. As escrituras ensinam isso claramente. Isso é visto no relato que se faz em Gênesis referente à origem do homem e nos ensinos do Novo Testamento quanto à encarnação e seus benefícios para a humanidade. A confirmação do ensino bíblico se apresenta de várias formas. Só podemos nos referir a essas brevemente. A história da humanidade ensina uma origem comum em alguma parte da Ásia. Os etnólogos modernos estão substancialmente de acordo sobre esse ponto. A filologia comparada ensina com bastante clareza uma origem comum para os principais idiomas do mundo, sem que haja nenhuma evidência contrária de semelhante origem para todos os idiomas. A psicologia atesta características mentais comuns, capacidades morais e sociais comuns e tendências religiosas. O cristianismo, pelos esforços missionários, mostrouse capaz de satisfazer as necessidades religiosas universais do homem, e isso, indiretamente, sugere com bastante clareza a unidade da humanidade. A fisiologia comparada mostra que os homens são um em suas peculiaridades físicas orgânicas. Na formação da cabeça, dos dentes, dos ossos e do sistema nervoso, e em outras coisas, todos os homens são essencialmente iguais. Há algumas variedades que aparecem no tamanho, cor e outras divergências. Mas essas podem ser atribuídas a causas externas, tais como o clima e as condições do meio ambiente. Não mudam a semelhança no que é fundamental. O princípio da unidade e solidariedade da humanidade em um de seus aspectos é desagradável. Por ele é transmitida a tendência ao pecado. A enfermidade, o crime e várias formas de incapacidade física podem resultar até certo ponto de sua operação. As gerações podem ser assim ligadas por sua ação. Mas, em contrapartida, é maravilhosamente benéfica quando opera normalmente como Deus quer. Os bons resultados dos feitos humanos também podem ser perpetuados dessa maneira. Os efeitos acumulados pela luta humana através da história flutuam pela corrente da herança até as gerações mais remotas. A unidade e a solidariedade raciais estão conectadas vitalmente com Cristo como o cabeça espiritual. Os benefícios de sua obra propiciatória são comunicados aos homens porque ele é um com a humanidade. 6 .0 cuidado providencial de Deus estende-se desde in duos particulares assim como à humanidade como um todo. Já indicamos a operação da lei moral na história. Deus esteve con­ duzindo a humanidade passo a passo no progresso. As nações prestam serviços de vários tipos. A Grécia antiga ensina ao mundo o pensamento filosófico e a cultura geral. Roma foi proeminente na organização e no governo. Israel foi o instrumento de Deus para a revelação redentora feita por Deus. Todas essas e outras nações serviram ao mundo para levar a cabo os planos de Deus. Mas o cuidado de Deus se estende também aos menores por­ menores da vida individual. Os próprios cabelos de nossa cabeça estão contados. Nem um pássaro cai sem que Deus o perceba. A providência de Deus é especial porque se estende até os menores acontecimentos. É geral porque se estende até os grandes acontecimentos e o progresso geral do mundo. Mas as providências gerais são especiais porque fazem parte do plano geral de Deus. As providências gerais são especiais porque são as somas das providências especiais. As vezes se faz distinção entre providências ordinárias e extraordinárias, em vista do fato de que Deus emprega milagres e profecia, além de outros métodos inusitados, bem como os que pertencem às forças normais da natureza e da história. Também, faz-se distinção entre o físico e o espiritual na ação providencial de Deus, pelas diferenças em seu método ao tratar a natureza onde se emprega a lei física e ao tratar com o homem conforme sua natureza livre e moral. 7. Deus, em sua ação providencial, por vezes emprego milagres como um meio para fazer seu reino progredir. Há várias declarações que podem ser feitas acerca do lugar dos milagres no cuidado que Deus tem do mundo. (1) A primeira é que toda a questão dos milagres deve ser eliminada da esfera das abstrações teóricas e posta na região dos fatos e das evidências. Nenhuma objeção a priori ou abstrata pode valer-se contra um fato de qual­ quer espécie. Quem somos nós para dizer como Deus deve governar o mundo? Só podemos observar como ele realmente o governa. (2) A segunda declaração é que, para o cristão, a base dos fatos pelo qual considera todo o assunto dos milagres é sua experiência de Deus em Cristo. Conhece um poder sobrenatural em sua vida espiritual. A transição dessa experiência à aceitação dos milagres narrados na escritura é fácil onde a evidência é suficiente para justificar sua aceitação. (3) A terceira declaração é que o motivo fundamental e ra­ cional para crer nos milagres é a concepção do mundo cristão. Segundo essa concepção, Deus é um espírito pessoal e livre, maior que o mundo, que propõe um fim amoroso e santo, e procura abençoar seus filhos. A uni­ dade da natureza é, pois, não a de um sistema mecânico de causas e efeitos físicos, mas um sistema livre com fins divinos. Se Deus estivesse limitado e restringido dentro da natureza, estaria sob a operação da necessidade. Mas sendo transcendental, assim como imanente no mundo, Deus pode usar agências naturais para efetuar fins es­ pirituais. (4) A quarta declaração é que o uso das forças naturais para efetuar fins espirituais não é necessariamente uma violação da lei natural. Os milagres de Jesus eram com freqüência mais restaurações que violações de procedi­ mentos naturais. O pecado trouxe a violação pelo abuso que o homem fez de sua liberdade. A graça de Deus no evangelho é uma restauração em uma escala de grande magnitude e gloriosa eficiência. Jesus curou enfermos, restaurou cegos, expulsou demônios, deu de comer aos famintos mediante atos milagrosos. Essas eram restau­ rações, e não violações; enfermidade, pecado, cegueira, possessão por demônios, fome, etc. eram males que ele veio redimir. Assim vê-se que Jesus empregava as forças naturais das maneiras mais elevadas e para fins mais sublimes. Nos assuntos humanos comuns, a ação da vontade e a personalidade freqüentemente modificam as causas na­ turais e modificam os resultados. Os bombeiros apagam edifícios em chamas, a ciência médica diminui as enfer­ midades, e de muitas maneiras os homens mudam o curso dos acontecimentos naturais. Esses não são milagres, mas envolvem o princípio dos milagres. A vontade é maior que a causalidade física. Deus é maior que a natureza. (5) A quinta declaração é que, desde o ponto de vista mais elevado, os milagres podem ser vistos como aconteci­ mentos naturais. Nós os chamamos sobrenaturais. Isso é correto quando definimos o natural como meramen­ te mecânico. Mas se incluímos no natural tudo quanto pertence à natureza de Deus e do homem, assim como a criação física, então o milagre é também natural. Deus não é um estrangeiro em um país estranho quando tra­ balha na ordem física. As leis dele são suas leis. Como os jogadores usam a bola e "o bastão" em um jogo de "baseball" assim Deus quer que os homens empreguem a matéria, a energia e o movimento, para exercer seus poderes espirituais, para desenvolver sua individualida­ de e sua personalidade ao jogar o jogo da vida. Enfim, a ordem física está subordinada à ordem moral e pessoal. A uniformidade da natureza é o método estabelecido. Quando Deus opera por meio de milagres mostra a uni­ dade de todas as coisas governadas por ele mesmo. Mas também mostra nisso seu propósito benéfico para com suas criaturas livres. (6) O sexto ponto acerca dos milagres é que não perturbam, mas sim estabelecem a mais alta continuidade do mun­ do. A ciência física às vezes vê os milagres como im­ possíveis porque parecem quebrar a continuidade das causas físicas. Mas se, por último, o mundo é espiritual e pessoal, esperamos que Deus se manifeste de maneiras convenientes quando há necessidade disso. Seu propósi­ to último é o de aperfeiçoar filhos em um reino divino. A encarnação e a ressurreição de Cristo são a revelação milagrosa de Deus ao fim supremo. Seu movimento atra­ vés da história de Israel exibe os graus preliminares de seu propósito que foi se desenvolvendo. A história cristã narra a continuação disso. Sua nova criação espiritual da comunidade de crentes feitos por Cristo é o ato que coroa sua primeira criação da espécie. Assim se vê que o ideal pessoal, moral e espiritual governa todas as suas ações. Isso é a verdadeira continuidade do mundo do qual o sobrenatural estabelece a parte mais significativa. (7) Ao encerrar o assunto dos milagres podemos acrescentar algumas coisas quanto à distinção entre o natural e o sobrenatural. Muitas pessoas olham com certa dúvida a ordem natural, como se Deus estivesse de todo ausente dele. Olham o sobrenatural como se fosse um poder que está separado da natureza, que a interrompe. Assim pensam das esferas naturais e sobrenaturais como se fossem sistemas opostos entre si, estando Deus presente em um e ausente do outro. Consideram a natureza como uma máquina que se move por si só, e Deus separado dela e incapaz de entrar nela, a não ser "violando-a" de alguma maneira. Daí os conflitos alegados entre a ciência e a religião. Não há conflito senão quando há confusão de pensamento. É preciso apenas considerar três verdades fundamentais e abordá-las em suas devidas relações de umas com as outras. a. O cientista insiste justamente que sua tarefa é a de descobrir as regras ou as leis segundo as quais ocorrem os acontecimentos naturais. Simplesmente descreve suas coexistências, conseqüências e uniformidades. Não pergunta qual a causa original ou primária nem qual é a causa última, fundamental e sustentadora, nem qual é a causa final nem o fim de todas as coisas. Essa tarefa é limitada, mas é muito importante para o bem da humanidade. b. A tarefa do filósofo é também distinta. Vale-se dos fatos apresentados pela ciência. Mas vai mais longe. Pergunta qual foi a causa de todas as coisas; qual é a causa fundamental, unificadora e sustentado­ ra; e qual é a causa ou propósito final do mundo. Busca um motivo racional do universo. Insiste com razão em que as explicações científicas não são últi­ mas. Simplesmente define como as coisas operam. Nunca explica por que operam dessa maneira ou daquela. c. O homem religioso se adianta em relação ao filó­ sofo. Busca a redenção pelo poder divino, a comu­ nhão e a bem-aventurança. Busca a pessoa eterna. Deseja sobretudo encontrar Deus. Podemos resu­ mir dizendo que o cientista opera com o princípio de casualidade; o filósofo com o princípio de racio­ nalidade; e o homem religioso com o princípio de personalidade. Resultam conflitos e confusão quan­ do essas distinções se descobrem. O cientista não está sob a obrigação de se deter no caminho para dizer o que a física, ou a química, ou a geologia, ou a filosofia ensinam acerca de Deus. Sua ciência também não autoriza em nenhum sentido impor si­ lêncio ao filósofo quando esse busca causas últimas. Nem pode o filósofo proibir ao homem religioso seu ato de fé pelo qual encontra um Deus pessoal. No entanto, havendo encontrado Deus, o cristão volta à natureza com um novo sentido da presen­ ça e o propósito de Deus nela. Para ele, a relação causai com que estuda o cientista e o procedimento racional que expõe o filósofo são maneiras em que Deus opera métodos de sua providência e graça. A natureza não é uma máquina que se move por si só. Deus está presente em todas as partes dela. É um meio para realizar um fim bondoso. Por isso, o cristão evita o erro de um naturalismo falso que exclua Deus da natureza, e o erro do sobrenaturalismo falso, que faz do milagre uma instrução de Deus em uma esfera a qual não pertence. Engloba igualmente as seguintes verdades: primeira, que Deus é imanente em todas as partes da natureza; que a obra de Deus não é inferior, ainda que seja efetuada pela lenta operação da lei natural; que a personalidade, e não a lei, é suprema; que a verdade continuada está no propósito divino, não nas forças mecânicas; e que Deus pode operar repentina assim como lentamente; que seu interesse ocupa-se com os seres livres e pessoais, e que tudo quanto seja necessário para seu bem-estar, ele pode fazê-lo e o fará. Assim, não pode julgar com antecipação, nem sobre motivos abstratos, se Deus opera milagres ou não. O fato pode responder à pergunta. Não pode haver dúvida acerca do testemunho que a Bíblia dá a respeito de obra sobrenatural de Deus. 8. Os métodos providenciais de Deus levam em cont oração e sua resposta. Muitos sabem que é difícil reconciliar a idéia das respostas à oração com a imutabilidade de Deus e seu propósito eterno. Mas a dificuldade se baseia em uma idéia demasiadamente pobre do que vem a ser o plano de Deus. As seguintes considerações ajudarão a tornar o assunto claro: Em primeiro lugar, a imutabilidade de Deus é simplesmente sua conseqüência moral consigo mesmo. Deus sempre opera em harmonia com seu caráter. Se a resposta à oração é exigida pela conseqüência moral consigo mesma, então é preciso pensar que não só é possível, mas necessário em seu governo providencial. Segundo, o propósito eterno de Deus, como já vimos, inclui a criação de seres capazes de estar em comunhão com ele mesmo. Em terceiro lugar, a religião é a expressão suprema e o cumprimento da relação entre Deus e o homem. A religião implica o tratamento. Deus fala ao homem, e o homem fala a Deus. Em quarto lugar, a oração é a marca central e mais característica da religião. Nela estão implícitos todos os elementos religiosos - a fé, o sentimento de dependência, o arrependimento, a adoração, o desejo de semelhança moral a Deus, o triunfo sobre o pecado e sobre a morte, o anseio à vida eterna e à perfeita bem-aventurança nele. Em quinto lugar, a religião toma, no cristianismo, a forma da relação entre pai e filho. Isso implica a mais completa liberdade de tratamento entre Deus e o homem. O divino Pai deseja que o filho seja digno de sua real linhagem em seus desejos. Se o filho alcançar o nível do verdadeiro filho, buscará muitas coisas que não possui, que só o Pai pode dar. Na oração interrogará a Deus acerca de todas elas. Sua atitude como filho o levará a renunciar as coisas más, assim como o impelirá a pedir coisas boas. Pois bem, o desejo paterno de Deus acerca de seus filhos, seu propósito de trazer "muitos filhos à glória" encontra seu cumprimento principalmente no nascimento de novos e maiores desejos no coração de seus filhos. Nada lhe dá mais prazer que ver o crescimento de um anseio verdadeiramente espiritual em seus filhos. Unido a isso está seu sentido de dependência dele, que encontra sua melhor expressão na oração e na petição. O prazer do Pai consiste em ouvir as orações do filho e conhecer-lhe a petição. Assim, vê-se que a resposta à oração não é um pensamento estranho ao propósito e plano imutável de Deus, mas sim parte de sua estrutura. A operação de liberdade, de amor, de propósito santo foi proporcionada no segundo plano o qual Deus criou o mundo. Em sexto lugar, a esfera material não está excluída da operação de Deus em resposta à oração. Os dons materiais podem ser um elemento no plano espiritual de Deus no progresso de seu reino. O "pão nosso de cada dia nos dá hoje" é uma petição no pai-nosso. Não devemos conceber a esfera material e a esfera espiritual opostas uma à outra. E um erro pensar em Deus como incapaz de empregar ações materiais para abençoar seus filhos. É também um erro pensar nas coisas materiais como as dádivas supremas de Deus aos homens. A natureza está subordinada à graça. As dádivas supremas da graça são espirituais. Considerando o que acabamos de mencionar, deduzimos que a doutrina da oração e sua resposta como é ensinada no Novo Testamento dão-nos a única idéia e propósito que são dignos de Deus. Quando Paulo diz que "... todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus", entendemos que inclui a natureza assim como a graça. A própria criação do universo teria por fim, desde o princípio, o bem dos filhos de Deus. A oração é a expressão do amor e confiança do filho, e convicção de que o mundo é de Deus. É a casa de seu Pai; não é o caos, nem a esfera de ação do cego destino. Quando Jesus diz "Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á" ouvimos a voz de alguém que podia ver por trás do véu e sabia que a consistência moral de Deus como Pai o impede de ouvir e responder a oração. De igual modo, quando Paulo nos diz "... o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inexprimíveis", nossa experiência como cristãos faz eco a suas palavras. Entendemos que o Espírito de Deus, que habita em nós, está procurando nos ensinar a arte suprema da oração, e procurando despertar em nós uma ousadia santa, que aspirará humildemente à mais alta realização e aquisição. 9. O cuidado providencial que Deus tem do mundo adm a presença de penas e sofrimentos entre os homens. Isto é o que se conhece como mal físico em contraste com o mal moral ou pecado. O problema do mal físico está relacionado intimamente com o problema do pecado, o qual será considerado em outra parte. Entretanto, podem ser feitas duas declarações gerais. Em primeiro lugar, no Novo Testamento o sofrimento é glorificado não como um bem em si mesmo, mas como um meio de crescimento espiritual. A pena pode seguir como o resultado de viver de forma santa em um mundo de pecado, e com freqüência acontece assim. Em todos os seus aspectos, é para o cristão um meio de crescimento na vida divina. Em segundo lugar, a experiência universal dos crentes em Cristo confirma a idéia dada acima acerca dos sofrimentos, penas e conflitos. Pela fé, vem a ser para eles um meio de graça. B .O s anjos Em conexão com o assunto da Providência, acrescentamos uma discussão breve acerca dos anjos. Um fato precisa ser observado. Muito pouco se diz na escritura acerca da origem dos anjos; sua existência e atividade estão em todas as partes tanto do Antigo como do Novo Testamento. Duas suposições infundadas contra a realidade dos seres angelicais devem receber atenção aqui. Uma é que a crença em anjos é meramente uma crença de origem pagã, e que uma idade científica já não pode aceitá-la. Em resposta, admitimos que a crença em semelhantes seres é bem comum entre as raças da humanidade. Mas como em outros muitos exemplos de crença religiosa, sua universalidade não é uma evidência de falsidade. Pode implicar uma verdade fundamental. Certamente a afirmação científica de que o homem é o único ser inteligente que Deus criou é muito impulsiva. Referindo-se a esse assunto, o dr. William Adams Brown observa: "Dogmatizamos acerca do mundo invisível menos que as gerações anteriores. Mas seguramente não poderia ser encontrado nenhum exemplo mais flagrante de dogmatismo que a suposição de que à parte de Deus o homem é o único ser moral e racional em um universo tão vasto, e que o único significado espiritual que contém é a que está expressada nas relações de Deus para conosco. Que propósito e comunhão espiritual pode ter tido Deus com outros seres nas regiões sem limites do espaço e do tempo que nos foram revelados pela ciência moderna, não sabemos. Nossa fé é simplesmente que o significado de toda a vida em todas as partes há de ser encontrada em sua relação com semelhante Pai sábio, santo e amoroso, tal como Cristo o revelou; e que o interesse, a admiração e o prazer que nós, com nossas faculdades imperfeitas e mesquinha intuição, sentimos em nossa comunhão com a natureza, e em nossa relação com as chamadas ordens inferiores, devem existir em supremo grau para Deus". Outra suposição que não pode ser admitida é que a autoridade de Jesus se opõe à crença na existência dos anjos. Alguns sustentam que tudo o que se encontra nos evangelhos no que tange ao assunto, relacionado com seus atos e ensinos, deve ser entendido como uma concessão à crença judaica. Aqui não nos propomos examinar a crença. As referências a favor da crença de Jesus nos anjos são muitas. Isso pode ser observado em sua maneira de tratar os endemoninhados, suas referencias às criancinhas e "seus anjos", e a Satanás ou Belzebu, e de outras maneiras. Aliás, essas referências são tão numerosas e explícitas que parece incrível que Jesus tenha sustentado uma opinião contraditória à que foi tão manifesta em suas palavras e ações. Não hesitamos em admitir que nossos conhecimentos acerca dos anjos são bastante limitados e que nossa única fonte de informação são as escrituras. Mas ao menos podemos recolher os ensinos acerca delas, como estão narradas. Podemos apresentar um esboço de ensino bíblico nas seguintes declarações: 1. A existência e a atividade dos anjos são recebidas como verdades aceitas no Antigo e no Novo Testamento. No Antigo Testamento, estão presentes e "bradavam de júbilo" na criação do mundo (Jó 38.7). Geralmente, possuem a forma humana e tem o aspecto de homens (Gn 18.2-16; Ez 9.2). Em Gênesis 19.13, alguns anjos são comissionados para destruir Sodoma. Um anjo aparece a Balaão (Nm 22.22ss). No Novo Testamento há referencias freqüentes aos anjos. Teve anjos que apareceram em sonhos a José (Mt 1.20; 2.13,14). Um anjo apareceu a Zacarias e a Maria (Lc 1.11-37). Alguns anjos se dirigiram a Jesus depois de ele ter sido tentado (Mt 4.11) e no Getsêmani (Lc 22.43). Jesus declara que há alegria em presença dos anjos por um pecador que se arrepende (Lc 15.10). Jesus confessará, ou negará, aos que o confessam, ou o negam, na presença dos anjos (1 Co 6.3; 11.10; Cl 2.18; 1 Tm 5.21). 2. Pouco se diz na Bíblia acerca da origem dos anjos, mas fica claro que os trata como seres criados. Em Salmos 148.2-5 essa crença é declarada. São exortados a adorar a Deus. São as hostes celestiais que louvam e glorificam a seu Criador (1 Re 22.19; Dn 7.10; SI 103.21; 148.1ss). 3. Quanto ao ofício dos anjos, três declarações podem ser feitas. A palavra "anjo" é derivada do termo grego angelos, que significa "enviado", "mensageiro". Essa palavra grega é uma tradu­ ção da palavra hebraica maVakh, e também significa "mensageiro". Eles fazem a vontade de Deus de muitas maneiras. São também servidores dos santos de Deus na terra. São enviados para desem­ penhar serviços a favor dos herdeiros da salvação (Hb 1.14). Não há autorização para crer em um "anjo da guarda" no sentido de que cada crente individual seja acompanhado por um anjo que o protege. Nem há autorização para orar aos anjos ou pensar neles como intervindo entre a alma e Deus. As escrituras os apresentam como prestando serviços para propósitos especiais sob circunstân­ cias excepcionais, mas sempre como servos de Deus ou do homem, com exceção feita dos casos em que trata de anjos maus. 4. O Anjo do Pacto é uma figura proeminente no ensino do Antigo Testamento acerca dos anjos. Esse anjo possui características que o situam nas mais íntimas relações com o próprio Jeová. Sua designação especial como "Anjo do Pacto" ou "Anjo do Senhor" é, em si, mesma sugestiva. Algumas declarações notáveis que se fazem acerca desse Anjo o identificam, em certo sentido, com Jeová. Em Gênesis 31.13, o anjo disse a Jacó: "Eu sou o Deus de Betei, onde ungiste uma coluna, onde me fizeste um voto". Também em Gênesis 32.30, depois de lutar com o anjo, Jacó disse: "... tenho visto Deus face a face, e a minha vida foi preservada". O poder de perdoar se atribui ao anjo em Êxodo 23.21. Jeová disse:"... não sejas rebelde contra ele, porque não perdoará a tua rebeldia; pois nele está o meu nome". Respondendo a uma oração de Moisés, Deus disse: "... eis que o meu anjo irá adiante de ti". Mais tarde, disse: "Eu mesmo irei contigo, e eu te darei descanso" (Êx 32.34; 33.14). Não podemos examinar todas as passagens que se referem a esse anjo (veja Gn 16.7; 22.11; 24.7-40; Êx 3; At 7.3ss; Êx 13.21; 14.19; 23.20; Js 5.13; 6.2; Jz 2.1-5; 6.11). É claro, pelo que foi acima citado, que algumas funções divinas lhe foram atribuídas, e que é identificado com o próprio Jeová em algumas passagens. Alguns têm visto no anjo do pacto uma manifestação de Deus na forma de Logos eterno, ou da segunda pessoa da Trindade. Talvez basta dizer que há elementos messiânicos no Anjo, isto é, uma manifestação especial que Deus faz de si mesmo. Isso, porém, se estivermos autorizados a atribuir idéias trinitárias aos escritores do Antigo Testamento. Olhando para trás, à luz da plena revelação de Deus em Cristo, somos levados a ver mais nessa manifestação angelical do que viu o povo de Israel. Não obstante, é verdade que nesse Anjo havia algo que o colocou à parte dos anjos comuns. 5. Acrescentamos umas poucas declarações acerca Satanás e a queda dos anjos. Quanto à queda dos anjos há poucas referências nas escrituras. Os anjos foram criados santos. Todas as obras de Deus eram boas, não más. No versículo 6 de Judas faz-se referência "aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação". Isso parece ter referência a uma queda de caráter santo. Em contraste com os anjos pecaminosos, em Marcos 8.38 há uma referência aos "santos anjos". Em 2 Pedro 2.4 há uma referência clara a uma queda de anjos: "Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno...", etc. Também em João 8.44 há um dizer bem claro de Jesus com relação ao diabo e seu pecado: "Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade..." 6.0 diabo, ou Satanás, é o chefe dos espíritos maus. No li de Jô, ele se apresenta entre os filhos de Deus como o acusador. Élhe dada permissão para tentar Jó. Alguns questionam se no livro de Jó o diabo manifesta seu caráter de espírito do mal plenamente desenvolvido (Jó 1). As características apresentadas na história posterior, especialmente no Novo Testamento, não aparecem nesses primeiros períodos; as qualidades essenciais começam a ser mostradas em uma manifestação germinal. A palavra Satanás significa "adversário" ou "acusador". A palavra diabo, "caluniador". As referências a Satanás são numerosas no Novo Testamento. O inimigo que semeia joio no campo é o diabo (Mt 13.39). 1 Pedro 5.8 faz referência a ele como "O vosso adversário, o Diabo..." Em Apocalipse 12.10, João disse: "... porque já foi lançado fora o acusador de nossos irmãos, o qual diante do nosso Deus os acusava dia e noite". Paulo disse que desejava ir a Tessalônica; mas "Satanás nos impediu", acrescenta (1 Ts 2.18). Que há um grande número de espíritos maus sob a direção de Satanás observamos em muitas outras passagens. O lago de fogo está preparado para "o Diabo e seus anjos" (Mt 25.41). Em Marcos 5.9 o endemoninhado disse: "Legião é o meu nome, porque somos muitos". Em Efésios 2.2 Paulo faz referência ao "príncipe das potestades do ar," e em 6.12, às "hostes espirituais da iniqüidade". 7. Não temos um ensino claro quanto à causa da queda dos anjos. Geralmente, crê-se que foi o orgulho. Isso é inferido das palavras de Paulo a Timóteo, nas quais fala das qualidades de um bispo: "não neófito, para que não se ensoberbeça e venha a cair na condenação do Diabo" (1 Tm 3.6). Capítulo 12 0 pecado O governo providencial que Deus exerce no mundo aborda o pecado e suas conseqüências. Por causa de sua importância vamos tratá-lo em um capítulo separado. Alguns tópicos precisam ser discutidos sob o título geral de "O pecado". O primeiro se refere à origem do pecado. A . A origem d o pecado Nunca se deu uma explicação da origem do pecado que estivesse livre de dificuldades. A antiga objeção contra o teísmo cristão é bem conhecida. Toma a forma de um dilema: Se Deus era bom, e deixou de impedir o pecado, deve ter-lhe faltado poder. Se possuía o poder, e recusou-se a impedi-lo, falta-lhe bondade. Isso parecerá bem simples e convincente até que sejam examinadas essas questões. Contudo, pouco se percebe as evidências abundantes da bondade e do poder de Deus que estão ao redor e dentro de nós. Pouco se percebe os usos possíveis do pecado em um universo de seres livres. Pouco se percebe as operações da graça de Deus na experiência humana e na redenção que Deus operou em Cristo e por meio dele. Não se leva em consideração a vasta demonstração que foi feita através dos tempos históricos, de que há um propósito divino de amor em um reino espiritual eterno entre os homens. 1. Teorias da origem do pecado (1) Alguns têm apresentado a teoria de que o pecado se deve ao fato de que o homem possui um corpo material, que todo pecado se origina de todo sentido de desejo e que a única maneira de desprezar o pecado é desfazer-se do corpo. A teoria é insustentável. A antiga heresia gnóstica baseava-se sobre a crença de que o mal era inerente à matéria. Mas as escrituras não apóiam essa idéia em nenhuma parte. A matéria como tal não tem qualidade moral. "A carne", segundo as escrituras, quando utilizada em sentido ético, não se refere ao corpo, mas à mente e vontade carnais (Rm 8.6, 7). Alguns dos piores pecados não são os pecados da carne, mas os do espírito, tais como contenda, ciúmes, inveja e outras formas bem conhecidas de pecado (G1 5.20). Ordena-se às pessoas que apresentem o corpo como sacrifício vivo a Deus (Rm 12.1) e que glorifiquem a Deus em seu corpo (1 Co 6.20). Diante disso, torna-se claro que um corpo material não é inerentemente pecaminoso. (2) Outra teoria afirma que o pecado é uma limitação humana. O homem é pecaminoso porque é ignorante e finito. O pecado não é coisa positiva, mas é a negação do bem. A resposta a essa teoria é que, por sua definição, muda a natureza do próprio pecado. Confunde outras coisas com o pecado. O pecado não pode ser definido como a mera ignorância, porque um elemento do pecado é a escolha consciente do mau em lugar do bom. O crescimento em conhecimentos não cura necessariamente os homens do pecado. O pecado não é a mera negação, porque há formas dele que são muito malignas e agressivas. Essa teoria do pecado baseia-se numa forma de panteísmo idealista, que cancela todas as formas de experiência em um Absoluto, que por fim as absorve. O homem e seu pecado são simplesmente modos finitos do ser infinito e absoluto. Não são senão uma realidade e valor relativos, e paulatinamente cederão às formas mais elevadas do ser. Essa forma de panteísmo contradiz a si mesma, porque faz com que o Absoluto seja santo e pecaminoso, onis­ ciente e ignorante, tudo ao mesmo tempo. Certamente contradiz o sentido moral do homem, sentido esse que declara o homem culpado quando faz o mal. E contrário à crença da personalidade e da imortalidade. Não tem base nem apoio algum na Bíblia. (3) A idéia mais satisfatória da origem do pecado é a que o relaciona com a criação de seres livres e inteligentes possuindo o poder de fazer escolhas contrárias. Ao longo da história, temos a narração da origem do pecado humano na história da queda do homem conforme está em Gênesis. Tem se discutido muito se quem a escreveu queria que alguns elementos que estão ali fossem entendidos no sentido simbólico. Mas as partes essenciais da história quase evidenciam a verdade delas a quem quer que reflita sobre a natureza das escolhas humanas e do pecado. São apresentados alguns modos de ação alternativos. As criaturas inteligentes e livres são instadas a escolher um e recusar o outro. O desejo do conhecimento; a luta moral interior; a instância sutil feita por uma ação exterior para tomar uma escolha má; o vencimento gradual da vontade; a vergonha e a degradação subseqüentes — tudo isso é certo para a experiência humana atualmente, com exceção de que no primeiro caso não houve pecado anterior. O pecado aqui foi a perversão do bom: o desejo de comer, o anseio por conhecimento e o amor ao belo (Gn 3.6). a. Temos pouca luz sobre o assunto que trata de uma queda entre inteligências criadas antes da queda do homem. Nas escrituras, há alusões que parecem indicar tal queda. Satanás, o príncipe dos espíritos maus, apresenta-se como uma influência maligna governando o mundo e tendo o homem em seu poder. Sua atuação na queda do homem é entendida em várias passagens bíblicas. b. Interessa-nos aqui principalmente o pecado do ho­ mem e seus resultados. Como vimos, o homem cria­ do à imagem de Deus era um ser livre, moral e inte­ ligente. Foi capacitado para agir independentemente, exercendo sua liberdade. Naturalmente, a comissão real do pecado não era necessária para sua liberdade. Mas a habilidade para fazer uma má escolha, essa sim, era necessária. As alternativas eram: primeiro, criar o homem sem a capacidade para discernir entre o bem e o mal, o que o deixaria no nível dos animais inferiores, não tendo como guia senão os instintos; ou, em segundo lugar, criá-lo com a capacidade de discernimento moral e espiritual, mas sem nenhuma capacidade de fazer más escolhas, o que teria sido uma santidade ou retidão forçadas. Isto o teria dei­ xado sem liberdade e responsabilidade verdadeiras. Sua santidade não teria sido escolhida livremente e, por isso, careceria do elemento mais valioso na verdadeira santidade e justiça. c. O mistério do pecado, pois, não desaparece de todo, mas até certo ponto está livre de seus aspec­ tos obscuros quando encontramos a chave dele na dignidade e na grandeza do homem como foi originariamente criado. A liberdade moral é o sinal da elevação do homem na escala do ser. O pecado e a queda não foram feitos necessários, mas pos­ síveis. Um universo em que foram possíveis era melhor que um universo meramente mecânico no qual a ação livre da criatura não teria lugar. Só em semelhante universo poderia levantar-se um reino moral, possuindo as mais altas manifestações da graça de Deus e das aquisições humanas. Nenhu­ ma teoria das que derivam o corpo do homem de formas físicas anteriores ou o coloca ao fim de uma série ascendente na criação pode mudar a conclu­ são que acabamos de expor. Chegou a ser homem quando alcançou a consciência moral e espiritual. O pecado permanece pecado sob qualquer teoria acerca da origem do corpo. A queda e suas conse­ qüências permanecem. Não podem ser retiradas por meio de explicações. (4) Observe-se, pois, que o pecado e a queda proporcionaram uma oportunidade para Deus e para o homem. Para Deus, porque só sua graça podia corresponder à situação. O que se exigia não era que o homem fosse resgatado meramente das conseqüências de um acidente, ou de um equívoco, ou de uma calamidade inevitável. Isso tornaria necessária uma medida de compaixão e poder divinos, mas não o ato supremo da graça para redimir ao homem do pecado. A culpa do homem não exigia o resgate de nenhum gênero de ato humano que fosse neutro ou imoral em sua qualidade. Seu ato era pecaminoso e era odioso a Deus. O homem era culpado e corrompido por causa de seu ato. Mas os recursos do amor correspondiam à ocasião. Nenhum outro gênero de insulto pôde ter exigido semelhante demonstração de amor divino. Como diz Paulo: "... onde o pecado abundou, superabundou a graça" (Rm 5.20). Pelo pecado e pela queda a profundidade das riquezas e a glória da natureza divina chegaram a ser manifestadas. (5) A queda do homem também proporcionou ao homem uma oportunidade a fim de capacitá-lo para responder livremente ao chamado de Deus, e ceder à sua graça. Já era possível escolher livremente a justiça divina, levar a cabo a salvação que Deus operara nele, por sua graça em Cristo, e alcançar uma justiça que lhe traria um galardão eterno. É vão especular quais teriam sido os resultados ao haver escolhido o homem livremente o bem vez do mal no primeiro caso. Devemos considerar os fatos como os temos. O pecado e a graça são os pólos da relação humana e divina. Cada um condiciona-se ao outro. Nenhum outro conceito dos tratamentos de Deus com o homem pode possivelmente fazer justiça ao evangelho de Cristo. Seu significado perde grande parte de sua força sob qualquer outro conceito. B . Arelação natural e espiritual d e Cristo o o ma hum anidade Neste ponto, faremos bem em desenvolver uma verdade que tem uma relação importante com algumas doutrinas importantes. É a distinção entre as relações naturais e as espirituais de Jesus Cristo com ração gênero humano. O Novo Testamento ensina claramente que Cristo foi o meio e o fim de toda a criação:"... tudo foi criado por ele e para ele. [...] e nele subsistem todas as coisas", ou estão ligadas (Cl 1.16,17). Por meio dele Deus criou o universo (Hb 1.2). Ele é a fonte e a base de todas as potências naturais do homem. Ele é "... a verdadeira luz, que ilumina a todo homem" (Jo 1.9). A imagem divina na constituição original do homem foi derivada de Cristo. Cristo sustenta a natureza e o homem em todas as suas atividades. Nossos poderes naturais de razão, vontade, consciência e emoções derivam-se dele. 1. Essa relação de Cristo conosco como seres humanos nosso estado natural é a chave para muitas coisas na história e na experiência humanas. Explica a consciência. O sentido que tem o homem do bem e do mal, sua constituição moral, enfim, todas as suas variações e divergências, isso resulta de sua relação original com Cristo. A habilidade que tem o homem para desempenhar muitas formas de dever no plano natural pode ser remontada até a mesma origem. A capacidade racional do homem, de igual modo, deve-se ao Logos eterno, à razão divina, como é em Cristo, por meio do qual o homem foi constituído à imagem de Deus. O anseio irreprimível do homem de conhecer a Deus, e a manifestação universal em uma forma ou outra do instinto religioso no homem vem desde a origem. 2. Essa verdade, que fora de toda dúvida é um ensino do N Testamento, às vezes foi tomada em um sentido que é estranho a outro grupo de ensinos neotestamentários. A relação natural de Cristo para com a humanidade foi colocada no lugar da espiritual. O resultado foi com freqüência um ocultamento das verdades centrais do próprio evangelho. A constituição natural do homem na imagem de Deus foi tomada como o elemento essencial, para não dizer o único, na relação de filho que o homem tem com Deus, e o ato original de criação como a explicação suficiente da relação de Pai de parte de Deus. Todas as religiões se colocam em um nível comum, e a revelação sobrenatural de Deus em Cristo é deixada de lado. O fato de que o homem naturalmente busque a Deus, juntamente com suas atividades morais em certos aspectos, põe-se por base da afirmação de que naturalmente o homem seja capaz de todo crescimento e aquisições espirituais possíveis. Assim, prescinde-se da necessidade do novo nascimento pela ação do Espírito de Deus. A salvação, então, chega a ser uma evolução das formas inferiores até as superiores, um mero desenvolvimento dos poderes naturais do homem, e fica destituída dos elementos redentores tão claramente ensinados no Novo Testamento e tão claramente definidos na experiência cristã. A imanência divina é invocada para inculcar a idéia, e os métodos pelos quais o evangelho produz seus resultados no mundo são mudados radicalmente, e tornados, em grande parte, sem efeito. 3. Uma ilustração tornará lúcidas as declarações anterior Relaciona-se com a condição das crianças, segundo o ensino do evangelho. Elas estão no reino de Deus quando nascem? Ou devem escolher voluntariamente o reino quando forem capazes de fazê-lo nos anos seguintes? Não é uma questão de se as crianças que morrem na infância são salvas. Todas as escolas de teologia admitem que o são. As provisões da obra propiciatória de Cristo se estendem a elas, e Deus opera nelas a mudança necessária. Mas os fatos de uma tendência herèditária para o pecado e do pecado verdadeiro em todas as crianças, ao passo que chegam a ser meramente responsáveis, mostram a necessidade de algo mais que o nascimento natural a fim de que sejam membros do reino. Essa necessidade é demonstrada especialmente no requisito universal da livre escolha moral da parte de todo indivíduo capaz de fazer semelhante escolha como uma condição para chegar a ser membro. A verdadeira essência do discipulado é a aceitação voluntária de Cristo. "... a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (Jo 1.12). Em outras palavras, o reino de Deus está construído, não sobre o princípio da propagação natural, mas sobre o da relação moral e espiritual de filhos, que é o resultado de uma obra divina que requer, por condição, a fé. Nossa resposta voluntária ao evangelho e nossa vida de renúncia voluntária são o núcleo e centro, o coração de ouro de nossa religião. As relações e os estados naturais de todos os homens são simplesmente uma precondição da relação e do estado espirituais. Esse elemento voluntário aparece nas palavras de Jesus, mesmo na passagem onde emprega a criança como um tipo de símbolo da atitude que todos devem assumir diante do rei. O homem tem que se converter e se fazer como uma criança a fim de entrar no reino. Acresce-se a isso uma admoestação para os que fizerem "tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim" (Mt 18.1-14; veja também Mc 9.33-37; Lc 9.46-48; 18.15ss.; Mc 10.1316; Mt 19.13-15). A fé em Cristo é necessária. Concluímos, pois, que qualquer interpretação da relação natural que a põe no lugar da moral e espiritual, despoja o cristianismo de suas qualidades éticas e pessoais. Substitui a biologia e a lei natural em lugar da liberdade e da graça. Tira os elementos mais sublimes e distintivos do evangelho. 4. Aliás, não negamos, mas afirmamos que a espécie huma está constituída naturalmente em Cristo e por meio dele. Esse é o melhor postulado presente no evangelho da graça de Deus. Os elementos morais, mentais, religiosos e emocionais no homem são as bases naturais em que opera o evangelho. Mas a presença do pecado mudou as condições e fez necessário um novo método de aproximação de Deus ao homem. A encarnação de Deus em Cristo é o sinal sobressalente dessa grande verdade. A nova criação do homem em Jesus Cristo eleva-o acima do nível natural até o espiritual. A nova relação de filho e Pai possui elementos que não estão presentes na relação natural anterior. O novo reino moral não é efetuado meramente pela imanência de Deus na ordem natural. Exigia que o Filho de Deus entrasse, de fora, nas condições humanas. Primeiro o que é natural, e depois aquele que é espiritual. Há harmonia entre as duas ordens de criação. Mas se confundirmos o reino espiritual com o natural, retiraremos daquele a maior parte de seu significado. Deus, em Cristo, está elevando o universo a um nível mais alto. Está completando a criação em e por meio de Cristo. Mas não devemos nos esquecer que é uma nova criação, e não meramente o desenvolvimento da ordem natural. Assim se vê que a boa vontade de Deus para com os homens tomou a forma de graça, porque o pecado alterou radicalmente as relações do homem para com Deus. O evangelho é a iniciativa divina para a salvação do homem porque o pecado criou a necessidade. A entrada na vida humana de uma nova força criadora externa foi o único meio de efetuar o resultado. A relação original de Cristo com a humanidade é o que tornou possível sua relação redentora. Podia ser identificada com a humanidade e atuar pela humanidade, porque a humanidade já tinha sido constituída por seu ato criador. C . 0 ensino bíblico sobre o pecado Não podemos tratar a fundo o assunto, até esgotá-lo, mas damos os pontos essenciais. Apresentaremos inicialmente algu­ mas definições do pecado. O pecado foi definido como o egoís­ mo. Isso por certo é correto até certo ponto. Tomando-o, porém, sozinho, o egoísmo é um termo bastante indefinido para abarcar certos significados que entram nas definições do pecado. O pe­ cado foi definido também como uma falta de conformidade à lei moral de Deus. Isso também é correto como definição parcial do pecado. Mas a falta de conformidade com a lei não é uma definição adequada. É verdade que João disse que o pecado é "a transgressão da lei" (como verte a Nova Versão Internacional). A Versão Revisada diz apenas "o pecado é rebeldia" (1 João 3.4). Paulo ensina o mesmo em várias partes (Rm 7.8, 9, 13, 23, 25). Mas em outras partes desenvolve outras fases do pecado. A lei, como tal, não nos conduz à raiz do pecado. Por trás da lei está o Deus pessoal. O pecado é um rompimento de nossas relações com Deus. O pecado, também, foi definido como um ato, disposição, ou estado que é moralmente mau. Isso por certo é um elemento no pecado humano. Não são meramente nossos atos, mas nosso desvio moral, a tendência de nossa natureza, é o que constitui uma parte verdadeira do pecado do homem. Mas isso também necessita ser completado com outras verdades a fim de se tornar aceitável como uma definição do pecado. 1. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, pensa-se pecado como um rompimento ou violação das relações entre o pecador e o Deus pessoal. Examinemos brevemente os ensinos do Antigo Testamento. O pecado se manifesta de muitas maneiras, mas o pensamento principal em todas elas é a violação, de parte do pecador, da vontade de Jeová. Houve por certo transgressões da lei, mas era a lei de Jeová. Houve muitas formas de egoísmo, mas esses eram em sua essência a exaltação do eu contra Jeová. Existia a disposição pecaminosa, o motivo mal, mas consistia principalmente em apartar de Jeová nosso coração. Na história da queda, o pecado do homem é a desobediência direta ao mandamento de Jeová. Em Gênesis 5.24, um homem justo é descrito como alguém que anda "com Deus". Assim, a justiça é a comunhão pessoal, e, por implicação, a injustiça é a falta de semelhante comunhão. (1) O pecado é uma ruptura de relações entre Deus e o povo. Deus fez muitos pactos com Israel. O pacto mosaico expressa melhor a idéia de um pacto. A idéia de uma nação em companheirismo religioso com Deus. Nele todas as provisões da lei cerimonial e moral se relacionavam com os homens que estavam dentro do pacto. Os pecados de ignorância, ou debilidade, ou inadvertência (para estes houve provisão especial). Quando esses foram cometidos, a comunhão com Deus foi restaurada mediante ofertas especiais. Mas os pecados cometidos "com juramento" não foram reconhecidos na legislação do pacto. A idolatria, por exemplo, foi castigada com a extrema pena de morte, porque era o pecado mais nefando contra Deus. (2) A redenção pessoal implicada no pecado se tornou mais clara no curso da história. Davi cometeu um pecado grave contra seu semelhante, mas no salmo que expressa seu profundo arrependimento, exclama: "Contra ti, contra ti somente, pequei, e fiz o que é mal diante dos teus olhos..." (SI 51.4). Os profetas, especialmente, dão ênfase aos mais profundos aspectos morais do pecado. Segundo Amós, o pecado é injustiça e mal cometidos entre homem e homem. Segundo Oséias, o pecado é pecado porque é o afastamento de nosso coração de Deus. E pecado contra seu amor. Assim, vemos que enquanto o Antigo Testamento nunca perde de vista a lei moral e o dever do homem para com seus semelhantes, contudo, une a transgressão da lei a esse respeito com o aspecto religioso mais fundamental do pecado. (3) O Antigo Testamento é rico em termos éticos e na varie­ dade de definições e descrições do pecado. O pethi he­ braico significa o homem simples, não desenvolvido. Kesil significa o homem sensual. Nabahl significa o insensato ou o homem que carece de sabedoria, não só no sentido espiritual, mas também no religioso. Essas são significa­ ções secundárias. As seguintes são mais fundamentais: Chata' significa errar o caminho, e é semelhante à palavra neotestamentária hamartano. 'Aven significa claudicação ou perversidade. Tsedeq significa a retidão linear ou continua, que depois vem designar a justiça. O pecado é seu oposto. Ra' significa a violência ou o rompimento pelo mal. Indicando a riqueza das idéias morais no Antigo Testamento e no profundo sentido de pecado, disse o dr. Davidson: "Aqui vemos que, na esfera da religião, o pecado é a idolatria; na esfera da linguagem, a verdade é a justiça, e o pecado é a mentira; que na esfera da vida civil, a justiça é a retidão, e o pecado é injustiça; e que na esfera da mente do homem, o pecado é a falta de sinceridade, seja para com Deus, seja para com o homem, o engano; sendo a pureza o oposto a esse, pureza de coração, simplicidade, a fraqueza, a veracidade". 2. Ensino do Novo Testamento. Façamos três declarações gerais quanto ao ensino de Jesus. Primeiro, Jesus descreveu a vida humana ideal como uma vida de comunhão com Deus, o Pai. O pecado é a falta dessa comunhão. Os conceitos do céu e do inferno são assim transfigurados. O inferno em seu pior elemento é o afastamento de Deus. O céu é a bemaventurança da comunhão com o Pai. Segundo, Jesus segue em direção às origens do pecado até chegar ao motivo interior do homem. O pensamento pecaminoso é, em qualidade, a mesma coisa que o ato pecaminoso externo. Assim, Jesus aprofundou muito o sentido da culpabilidade. Em terceiro lugar, a norma exaltada de sua vida vem a ser a medida da obrigação humana e ao mesmo tempo o critério para julgar o pecado e a culpabilidade. (1) Jesus chamou os pecadores ao arrependimento. Era o amigo de publicanos e pecadores (Mt 11.19). Não olhava a todos os homens como igualmente maus, nem os considerava como completamente despojados de todo o bem (Lc 7.9; 19.1-10; 23.42, 43; Mc 10.21). Mas olhava, sim, os homens como perdidos. Veio buscar o que se havia perdido. Os homens eram o valor imprescindível à vista de Deus, não obstante seu pecado. A missão de Jesus foi a de retorná-los a Deus. Em seu ensino, o pecado é universal. Todos os homens necessitam de salvação. (2) No quarto evangelho, o pecado está representado de várias maneiras. É treva, como oposto à luz. Os homens estão representados como voluntariamente cegos para a verdade (Jo 9.41). É escravidão como oposto à liberdade (Jo 8.34). Os homens são os cativos voluntários do pecado e de Satanás. Jesus contrasta a carne e o espírito no quarto evangelho, e ensina que o nascimento espiritual desde cima é necessário para todos os homens (Jo 3.6). O mundo, como a esfera da operação do pecado e de Satanás, é visto como pecaminoso e corrompido (Jo 18.36; 17.52; 14.17; 12.31). O pecado também é considerado incredulidade (Jo 16.9). Isso expressa uma atitude de resistência à verdade e ao Espírito de Deus. A incredulidade é o pecado inclusivo (a raiz do pecado). Por causa dele, os homens são moral e espiritualmente cegos. O dever dos homens é crer. Jesus é a revelação de Deus aos homens, e sua atitude para com ele vem a ser a base do juízo (Jo 3.19-21). Pois bem, é claro que em tudo o que precede a semelhança moral e espiritual de Deus, resultando na verdadeira comunhão com ele, é o ideal de Jesus. O pecado é a falta dessa comunhão. (3) No ensino de Paulo acerca do pecado, vários pontos necessitam ser fixados. Um é seu uso da palavra "carne". Paulo baseia o uso desse termo no Antigo Testamento. Refere-se, em primeiro lugar, ao elemento carnal — distinto do espiritual que há no homem — como débil e enfermo, e o assento dos maus desejos e paixões. Quanto a isso, não há dualismo de uma classe filosófica. Paulo não vê o corpo como mal por ser matéria. Já que a matéria por si não tem qualidade moral. Mas como o corpo é a fonte de certos impulsos que conduzem a motivos pecaminosos, desejos e atos, o termo "carne" chegou a ser usado por Paulo para designar a natureza inferior em contraste com a superior. Mas o aspecto pecaminoso no homem é inerente à mente e à vontade, não ao corpo material como tal. "A mente carnal" é inimizade com Deus. A "mente da carne" é o que não pode agradar a Deus (Rm 8.1-11). Paulo representa os homens mortos em transgressões e pecados, e expostos à ira de Deus (Ef 2.1-3). Ele não expressa com isso um estado meramente passivo. Os pecadores são com freqüência intensamente ativos e agressivos. Nem quer dar a entender que os homens em seu estado natural estejam completamente destituídos de luz moral. Porque ele declara que os homens por natureza fazem as coisas da lei, visto que têm a lei escrita em seu coração (Rm 2.14,15). Paulo simplesmente reconhece aqui a moralidade natural dos homens contrastada com a vida espiritual em Cristo. É o mesmo fato que Jesus observou no caso do jovem rico. "E Jesus, olhando para ele, o amou" por causa de suas características morais. Mas o homem carecia da mais alta vida espiritual, como se vê por seu fracasso moral sob a prova de Jesus (Mc 10.17-22). São casos como esses em que vemos claramente distinta a diferença entre as relações naturais e espirituais de Cristo para com os homens. Como já temos afirmado, os homens são naturalmente constituídos em e por Cristo. Suas potências naturais se devem todas a ele. Mas o pecado transformou a atitude do homem para com Deus. Cristo veio para recriar aos homens à imagem divina e estabelecer neles uma vida espiritual mais elevada. Paulo discute o pecado em relação à lei. Refere-se, naturalmente, à lei mosaica. Sua conclusão em geral é que a lei foi dada para conduzir os homens a Cristo. Agia assim: quando veio o mandamento, o pecado foi despertado no homem e esse morreu. A lei não foi em si mesma débil ou má. Foi ineficaz apenas quanto ao aspecto pecaminoso e débil da carne. Assim, mostrou-se que a habilidade humana não podia cumprir os requisitos da lei. Foi despertado um sentido de pecado, de corrupção e de culpabilidade. A necessidade de redenção por um poder divino foi feita manifesta. Assim, a lei chegou a ser um professor ou tutor (pedagogo) para conduzir a Cristo (G13.24). Paulo ensina que o livramento do pecado vem pela fé em Cristo. Essa introduz na alma uma nova energia espiritual. "O velho homem" é crucificado com Cristo. Uma morte e uma ressurreição éticas e místicas devem ser verificadas. A lei do espírito de vida em Cristo agora emancipa a pessoa da lei do pecado e da morte (Rm 8.2). O poder do pecado é destruído por um novo poder que é maior. A nova vida em Cristo não é o botão de flor, por assim dizer, sobre o caule da vida natural e moral do homem. É uma nova vida com propósitos e ideais mais elevados. Não é um desenvolvimento natural. E uma nova criação. A criação natural era o estado antecedente da espiritual, mas se tem introduzido novos elementos que exaltam e transformam a vida natural. O homem agora transcende seu velho ser. Acha-se novo em sua nova vida ressuscitada em Cristo. Paulo segue retrospectivamente os passos do pecado humano até Adão. "Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo como em Cristo todos serão vivificados" (1 Co 15.22; Rm 5.12-21). Paulo não nos dá uma teoria elaborada com respeito a como o pecado de Adão é im­ putado à humanidade. Não há evidência clara de que sustentasse a opinião de que Adão fosse o cabeça "ofi­ cial" do gênero humano e de que tenhamos pecado por meio dele, porque ele nos representava em uma relação pactuada. Nem afirma que tenhamos pecado em Adão por estarmos realmente presentes nele quando ele pecou. Essa teoria se baseia na seguinte suposição: visto que a espécie humana saiu de Adão, é possível afirmar com propriedade que a humanidade como um todo esteve em Adão. Essas são mais especulações acerca do ensino de Paulo que interpretações dela. Paulo reconhece claramente o princípio da herança. Adão era o cabeça natural da humanidade. Nossa tendência a pecar deriva-se dele. Todos os homens, certamente, são afetados pelo meio da propagação natural. Esse é um fato fortemente estabelecido pela ciência moderna. A solidariedade do gênero humano é uma verdade profundamente significativa. Não podemos escapar das relações com nossos progenitores. Mas, como veremos mais adiante, até onde estivemos sob condenação pelo pecado de Adão, Cristo retirou de nós essa condenação. Ele também tem uma relação com a raça como um todo. A solidariedade e a herança são princípios benéficos quando operam normalmente. D .A s conseqüências d o pecado 1. O pecado é universal É claro, pelos fatos que demonstram a unidade da humanidade, e pela história moral e espiritual da raça, assim como pelos ensinos da escritura, que a perversidade humana é universal. "Não há justo, nem sequer um" (Rm 3.10-18). A frase "depravação total" foi empregada na teologia para descrever o estado pecaminoso do homem, mas necessita ser definida cuidadosamente para não nos desviarmos. Em resumo, significa que todas as partes de nossa natureza foram afetadas pelo pecado. Não significa que os homens são tão maus como é possível que sejam, nem que todos os homens sejam igualmente maus. Não significa que a natureza careça de todos os impulsos bons em um sentido moral. Significa, ao contrário, que a natureza humana, como tal, e em todas as suas partes, em seu estado não regenerado, está sob o domínio do pecado. A questão que se apresenta aqui diz respeito à habilidade ou inabilidade do homem. Declara-se às vezes que o homem possui habilidade "natural," ainda que não "moral" nas coisas religiosas. Por habilidade natural se dá a entender que possui todas as faculdades e potenciais humanos, incluindo a vontade e o poder da escolha contrária. O determinar a si mesmo e não ser compelido em suas ações. É responsável e livre. É culpado quando age mal. Poderia agir bem se quisesse, porque está dotado das faculdades para a ação moral. Em contrapartida, afirma-se que o homem carece da "habilidade moral" porque não pode mudar sua natureza. Não pode alterar radicalmente a tendência de sua vontade. Precisa do poder regenerador do Espírito de Deus. Necessita nascer do céu. Assim, como definidas por nós, ambas as frase são ver­ dadeiras. Mas se pode temer que a aplicação possa conduzir ao erro, apesar das definições. Na operação de nossos pensamentos, às vezes precisamos fazer semelhantes distinções a fim de produzir sistemas ordenados de verdade. Mas, dirigindo-nos aos homens em geral, é fácil cair em erro pelo uso. Ao se dizer a um homem que ele tem "habilidade natural" nos assuntos religiosos é provável que esqueça sua dependência da graça de Deus. Ao se dizer que carece de "habilidade moral", corre o perigo de perder seu sentido de responsabilidade. A apresentação do evangelho sempre pressupõe a iniciativa divina na salvação e a necessidade da graça divina. As escrituras não dão ênfase à "habilidade moral" do homem, mas sim a sua falta de inclinação para arrepender-se e crer. Exorta-se aos homens para que se voltem de seus maus caminhos e vivam. Isso não indica que não se precisa da graça de Deus se hão de fazer isso. Ao contrário, implica que a graça de Deus opera por meio da livre resposta do homem e da escolha que faz do bem. O primeiro resultado decisivo da graça no coração é a resposta livre e prazerosa do pecador. 2. Delito e penalidade Outras conseqüências do pecado são o delito e o castigo. (1) Delito é a falta de merecimento no pecador por causa do pecado. Aqui devemos recordar a relação pessoal envolvida no pecado. É em algumas coisas a transgressão da lei objetiva. É contrário ao atributo da justiça divina. Mas é mais. O pecado é a oposição pessoal do homem ao Deus pessoal. O delito toma assim a forma da condenação própria baseada sobre um sentido da desaprovação de Deus. Na consciência, o delito não é um sentido de transgressão contra a lei ou a justiça abstrata, mas contra a vontade divina. Nas escrituras, as expressões mais intensas do sentido de pecado também tomam a forma da consciência da ira divina contra o pecado. Isso é visto especialmente nos salmos e nas profecias. Certamente, há graus de delito. Temos, por exemplo, o pecado cometido por ignorância, pecados de debilidade e pecados de presunção, pecados de oposição parcial e pecados de oposição completa à vontade de Deus (Mt 10.15; Lc 12.47,48; Jo 19.11; Rm 2.12; SI 19.12; Mt 12.31; Mc 3.29). (2) Penalidade é o efeito produzido no pecado por seu peca­ do, seja pela operação da lei natural, moral, ou espiritual, ou pela ação direta de Deus. A penalidade em qualquer de suas formas é a relação de Deus contra o pecado. Os homens colhem o que semeiam pela ação das leis da na­ tureza ou de sua constituição moral em muitos casos de transgressão. Isso é a reação divina contra o pecado tão verdadeiramente como a mais direta ação de Deus. Mas Deus não está limitado a essas leis. Permanece sendo uma pessoa livre, capaz de empregar vários meios para vindicar a si mesmo e a seu governo contra as más ações. Toda a pena que resulta do pecado se baseia, em última instância, na natureza santa de Deus. Deus é imanente no mundo. Suas leis não estão separadas dele, como se fossem um mecanismo automático. Deus age, suas leis agem, e Deus age por meio de suas leis. Todas essas afir­ mações são necessárias. (3) Aqui se apresenta uma pergunta quanto ao objeto da penalidade. Deus castiga apenas como meio de vindicar sua justiça, ou propõe a reforma do pecador, ou o bem da sociedade? Há teorias divergentes baseadas sobre essa resposta. Não existe, no entanto, nenhum conflito necessário entre esses vários aspectos de castigo. Como temos visto, o homem individualmente considerado é um membro da sociedade. A herança e a solidariedade são fatos. Deus assim fez o mundo. Assim como o homem não pode agir à parte de suas relações sociais, meramente como uma unidade ou um átomo isolado; assim é inconcebível que os procedimentos de Deus com ele sejam efeitos sociais. Além disso, como Deus realmente ama a todos os homens, não podemos pensar que seu amor esteja completamente suspenso quando castiga. Deve desejar o bem do pecador ainda quando visite a iniqüidade com açoites. Também, é um erro supor que Deus castigue meramente para reformar o pecador, ou para o bem da sociedade. Sua justiça é uma qualidade essencial. Castiga o pecado por ser pecado, e porque sua natureza necessariamente reage contra ele. Sem dúvida, o pecador incorrigível está afastado completamente da esperança de reforma, e a sociedade do pecador pode ser desse modo uma sociedade incorrigível. Mas isso não altera a verdade de que Deus nunca perde a boa vontade para com os homens. Os homens se colocam fora do alcance de suas bondosas ofertas, e só a justiça vindicadora dele pode encontrar oportunidade de ser exercida. Deduzimos, pois, que se o homem é responsável e merece ser castigado, Deus o castiga; em segundo lugar, por ser o homem um ser social, a ação penal de Deus sobre o indivíduo necessariamente afeta a sociedade; e em terceiro lugar, por ser Deus essencialmente justo, é preciso castigar o pecador de acordo com sua natureza. (4) A pena principal do pecado nas escrituras é a morte, física e espiritual. Consideramos primeiro a morte física. Em Gênesis 2.17 Deus declara ao homem que havia criado que se comesse do fruto proibido "certamente" morreria (Rm 5.12; 6.21-23). Em um grande número de passagens, tanto no Antigo como no Novo Testamento, declara-se que a morte física é a pena do pecado. Alguns opinam que a morte física é natural. Que é simplesmente a expressão de uma morte biológica. Os homens foram criados mortais no sentido de que o corpo morreria. A morte é uma conciliação benéfica para prevenir que o mundo seja demasiado populoso, e para capacitar a raça a fim de que haja progressos dando lugar a novas gerações de homens. Sustenta-se que a uma lei natural foi dada um significado moral e penal quando o pecado entrou, assim que a morte chegou a ser uma aplicação penal. O temor que se tem da morte e os padecimentos que se sofre vieram assim a ser penas pelo pecado. A escritura, no entanto, não parece exigir essa idéia. Enoque e Elias foram transladados sem experimentar a morte. Os que estiverem vivos quando acontecer a segun­ da vinda de Cristo hão de ser transformados, segundo diz Paulo (1 Co 15.51; 1 Ts 4.17). De qualquer maneira, sabe-se que Deus proporcionaria algum outro modo de sair do mundo se o homem não tivesse pecado. Seja qual for a verdade acerca dos animais inferiores (e reconhecemos a lei biológica), não estamos restringidos à idéia de que a morte fosse o único fim possível para a vida terrena de um homem que nunca houvesse pecado. Não obstante, podemos acrescentar que qualquer que seja a opinião que se sustente com relação à lei biológica da morte como se aplica a todos os organismos físicos, incluindo o do ho­ mem, permanece o ensino bíblico de que a morte é uma conseqüência penal do pecado. A morte física chegou a ser uma coisa muito mais terrível por conseqüência do pecado do homem e sua separação de Deus. O sentido de responsabilidade e de delito a transformam em um inimigo espantoso. O receio com que os homens pensam nela foi aprofundado incomensuravelmente pelo reinado do pecado em nosso espírito humano. Assim, um pro­ cedimento natural poderia ter sido incluído como uma parte das conseqüências penais do pecado por causa da relação íntima entre os dois. Em Gênesis 3.14 uma parte da maldição contra a serpente se refere ao modo de lo­ comoção natural desta: "... sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida". Isso não foi um novo modo de locomoção imposto à serpente, mas, ao contrário, um uso do que era natural como um meio de enfatizar a ira divina contra a transgressão. (5) A morte espiritual é a pena principal ou maior do pecado. Isso significa que a alma fica separada de Deus. Foi essa morte espiritual a que seguiu "o dia" em que foi verificada a transgressão. Em 1 João 3.14 lemos: "Quem não ama permanece na morte". Em Mateus 8.22, Jesus disse: "Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos!" Aqui é claro que dá a entender que os que estão espiritualmente mortos hão de sepultar o corpo morto. Assim, Jesus, como Paulo, declara que os homens estão mortos em pecados. Em Efésios 2.1 Paulo disse que seus leitores estavam anteriormente mortos em transgressões e pecados. A morte eterna é parte da penalidade contra o peca­ do. E morte espiritual quando chega a ser permanente na alma. Sendo a morte espiritual a ausência da vida espiritual, a separação de Deus e a perda de comunhão com ele, e a felicidade que acompanha aquela comunhão, segue-se que a morte eterna é a atitude permanente de incredulidade e pecado da alma, sua separação voluntária e final de Deus. E . Solução d o problem ad o pecado por m eio d a experiência cristã O sentido e conhecimento do pecado são umas das expe­ riências humanas mais verdadeiras e pessoais. A escravidão e impotência dos que são retidos em seu poder são bastante conhe­ cidas para serem postas em dúvida. É um defeito sério de algumas formas de teologia não reconhecerem adequadamente como fato a escravidão humana ao pecado e pelo pecado - e a consciência de culpabilidade que a acompanha. É dito aos homens que imitem a Cristo, ou que procurem dar conta da consciência de Cristo. Ou lhes é dito que reclamem seu privilégio como filhos naturais de Deus, e que comecem assim uma nova vida. Mas um evangelho que assim se limita deixa de lado certas verdades fundamentais. A consciência de Cristo era sem pecado. Como, pois, pode o pecador, sob seu sentido de delito e condenação, imitar a Cristo? Sabe que a morte reina nele, ao passo que a vida reina em Cristo. Como pode o pecador fazer a transição de sua consciência de pecado à consciência de Cristo? Como pode reivindicar a Deus a relação de filho, de alguma maneira satisfatória, quando o verdadeiro centro de sua consciência pecaminosa é seu sentido de indigni­ dade ética para ser seu filho? Para ele, é inconcebível que uma pessoa cujo ser está tão escravizado ao mal possa reivindicar uma semelhança moral com Deus, exigida para conservar a relação de filho. Nenhum evangelho que comece com outro fato fundamental distinto do da indignidade do homem e seu sentido de merecer castigo pode satisfazer as necessidades do homem. Em resumo, o evangelho da graça de Deus é necessário para resistir ao fato e à consciência do pecado. Os seguintes elementos entram na solução do problema do pecado na experiência cristã. Em primeiro lugar, a revelação de Deus em Cristo torna clara a atitude de Deus para com o pecador. Deseja sua salvação. Segundo, a propiciação de Cristo satisfaz a dificuldade racional e moral que está implícita. Por meio dela, da propiciação, o pecador entende como o perdão, a justiça e a reconciliação são possíveis, apesar de seu sentido de indignidade pessoal. Terceiro, seu sentido de pecado é, no primeiro caso, mais aprofundado que retirado. O Espírito Santo o convence, o subjuga com um sentido de pecado. Mas como a convicção se estabelece na incredulidade, assim se vê também que a fé em Cristo é a única condição de aceitação por parte de Deus e para ser libertado. Assim, a impotência moral do pecador resolve-se em sua indisposição de aceitar a Cristo. Em quarto lugar, Cristo está formado no pecador, como a esperança da glória, e por fé a comunhão divina é restaurada. A lei do espírito de vida em Cristo o declara e o faz livre da lei do pecado e da morte. Em quinto lugar, uma nova consciência agora toma o lugar da própria má consciência do pecador. Essa nova consciência contém, antes de qualquer coisa, um sentido de reconciliação com Deus. Contém um sentido de habilidade para fazer progressos morais. A aspiração e o desejo chegam a ser vitória em vez de derrota. O sentido de solidão espiritual agora dá lugar à presença do Grande Companheiro, o Consolador e Ajudador. O desejo religioso já não é uma luta desesperada apenas pelo esforço humano. Não é um solilóquio, mas um diálogo entre a alma e seu Deus. Antes, seu grito de desespero era: "Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" Mas agora, em triunfo, exclama: "Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor!" (Rm 7.24,25). Podemos agora ver o contraste entre os dois pontos de vista teológicos em sua maneira de tratar a consciência de pecado no homem. Um procura amenizar a consciência de pecado e de delito; o outro reconhece sua realidade e força. Um sustenta que a ira de Deus é meramente subjetiva; o outro que é objetiva e verdadeira. Um nega a causa; o outro a reconhece e procura retirá-la. Um dá ênfase ao chamado do amor de Deus, à parte da morte propi­ ciatória de Cristo; o outro exorta ao arrependimento por causa daquela morte. F .O bjeções à doutrina bíblica d o pecado Antes de concluir o assunto do pecado, precisamos considerar brevemente duas objeções. A primeira é uma acusação contra o sistema moral de Deus. Os homens argumentam que é injusto ter os homens como responsáveis pela maneira de operar de um sistema em que parecem ser mais vítimas que transgressores. O raciocínio é como segue: a herança predispõe o homem ao pecado; a primeira consciência do homem possui apenas vestígios de moral; nasce em um ambiente que naturalmente lhe predispõe ao pecado. Assim, parece que o homem é lançado dentro de um universo onde a transgressão é inevitável por virtude das forças que operam dentro e ao redor dele. A resposta a essa objeção não é difícil quando todos os fatos são levados em conta. Ei-la: a condenação não é pelo pecado original, mas pelo pecado atual somente. Cristo morreu pela humanidade como um todo e quitou a maldição pelo que toca ao pecado do gênero humano. A solidariedade da humanidade é um fato. O ambiente, no entanto, não é completamente mau. Há muitas influências redentoras que operam a nosso redor nos países cristãos. A consciência do infante, é verdade, carece de discernimento moral. Mas esse estado negativo é uma oportunidade para que se introduzam as influências boas assim como as más. Há graus de delitos. Os homens são castigados conforme os princípios contra os quais pecam. A unidade e solidariedade da raça é um fato muito favorável para o caráter moral quando prevalecem influências boas. O indivíduo levado e é sustentado por milhares de boas ações. O propósito do evangelho é em parte o de converter a herança e o ambiente e todas as forças sociais em agências benéficas, em um reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Podemos crer, sem dúvida, que semelhante sistema é melhor que outro no qual fôssemos meramente átomos soltos. Só podemos julgar a ordem moral de Deus por seu resultado provável tomado juntamente com sua presente organização. O fim justificará o princípio. A segunda objeção está relacionada com a salvação das crianças que morrem na infância. Se o princípio do pecado hereditário é certo, como pode ser salva a grande quantidade de crianças que morrem na infância? Certamente, pode ser dito que há comparativamente pouco ensinamento direto nas escrituras quanto à salvação das crianças que morrem na infância. Todavia, há abundante evidência direta como já vimos. É também muito claro por todo o Novo Testamento que a união de Cristo com a raça humana fez com que sua obra propiciatória fosse eficaz até certo ponto para toda a humanidade. "Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados" (1 Co 15.22). Esse texto não ensina o universalismo, mas sugere que há uma semelhança entre os efeitos produzidos na humanidade pelo ato de Adão e pelo de Cristo. Cristo "morreu por todos" (2 Co 5.15); ou como é expresso em outra parte, provou a morte por todos (Hb 2.9). Portanto, os homens não são condenados pelo pecado hereditário ou original. São condenados somente por seu próprio pecado. São chamados ao arrependimento e fé pelo evangelho. E seu próprio ato de reprovação o que constitui a base de sua condenação. As crianças que morrem na infância não podem se arrepender ou crer ou fazer qualquer outra coisa, boas ou más. Não sabemos como neles opera a graça de Deus. Mas estamos plenamente seguros de que Cristo proporcionou meios eficazes a favor deles, e de que são criados de novo nele e salvos. Capítulo 13 A obra salvífica de Cristo A . Oofício tríplice d e Cristo Geralmente a obra de Cristo é resumida como uma tripla atividade de profeta, sacerdote e rei. Alguns preferem descrever a obra propiciatória como sacrificial em vez de sacerdotal. Qualquer dos termos propriamente entendido satisfaz as necessidades do caso. Cristo era tanto sacerdote como vítima ou sacrifício. Ambos os elementos entram na própria idéia de dessa obra. Como profeta, Jesus revela Deus aos homens e revela os homens a si mesmos. Ele é o auge da profecia do Antigo Testamento e o profeta perfeito. Os ensinamentos do Antigo Testamento, dados nas leis rituais e cerimoniais, em preceitos morais e em significado espiritual, todos convergem a ele e unem-se nele. Ele é a "verdade", assim como o "caminho" e a "vida". Seus milagres, assim como as parábolas, estão cheios de significado moral. Paulatinamente conduziu os discípulos ao conceito mais elevado de sua função como Messias e de seu reino. Em tudo o que viveu, incluindo a morte voluntária, assim como por palavras, Jesus ensinou aos homens a verdade. Predisse acerca do futuro do reino e revelou novas verdades aos discípulos depois de sua morte. A obra sacerdotal de Cristo foi verificada especialmente na morte propiciatória. Como mais tarde teremos de tratar de forma plena da propiciação, aqui não precisamos dizer muita coisa a respeito. Jesus era o perfeito sumo sacerdote e o perfeito sacrifício. Sua obra aboliu para sempre a necessidade do sacerdote e do sacrifício ou da vítima para efetuar a aproximação do homem a Deus. Nisso, surge um aspecto do cristianismo que demonstra ser esse é o cumprimento de outras religiões e também a religião final. A epístola aos Hebreus desenvolve esse pensamento de maneira bem impressionante. O ofício real de Cristo aparece de várias maneiras. O ideal messiânico do Antigo Testamento tomou a forma de um rei perfei­ to. A palavra hebraica mashiach (Messias) e a palavra grega christos (Cristo) significam o "ungido", e isso indica diretamente o ofício de rei. No Novo Testamento, como rei, Cristo funda o reino de Deus; pede obediência aos homens; fala com autoridade; opera milagres; reivindica para si toda a autoridade como Messias; estabelece as ordens; funda a igreja; vence a morte; comissiona os discípulos a pregarem o evangelho; ascende à destra de Deus; intercede por seu povo; e reinará até que todos os inimigos sejam subjugados. É impossível, contudo, separar completamente os ofícios proféticos, sacerdotais e reais de Cristo. São formas interdependentes de atividade e se combinam umas com as outras em muitos pontos. Por exemplo, sua obra sacerdotal de propiciação é um elemento vital em sua obra profética. Por sua morte sacrificial, revela a natureza de Deus como amor santo. De igual modo, como Senhor e Rei, dá eficácia à obra sacerdotal de propiciação enquanto o evangelho é pregado aos homens. Também na salvação dos homens e no progresso do reino sobre a terra, seu ofício profético continua porque sua pessoa, seu ensino e sua obra formam o conteúdo do evangelho salvador. O Espírito Santo toma os ensinos de Cristo e os apresenta aos homens. B . A propiciação É preciso que se dê atenção especial àquela parte da obra salvadora de Cristo efetuada na propiciação mediante seus sofrimentos e morte. Isso se deve a vários fatos. Um desses é que a propiciação é central nos ensinamentos do Novo Testamento. O outro é que ocupou um grande posto na discussão teológica e é um elemento vital e essencial em um evangelho efetivo. Um terceiro fato é que sempre foi um elemento vital na experiência dos cristãos. Como logo veremos, os escritores do Novo Testamento re­ presentam a propiciação de Cristo sob várias formas. Empregam também algumas figuras de linguagem, nenhuma das quais, to­ mada sozinha, dá uma idéia adequada da propiciação. Em algu­ mas passagens a morte de Cristo é descrita como propiciação. Em outras, como reconciliação. Às vezes é simplesmente redenção. Em algumas passagens é descrita em seus efeitos como assegurando a remissão dos pecados. Por vezes sua morte é chamada resgate. Em outras passagens é o preço da compra de nossa liberdade. Declarase também que Cristo veio a ser uma maldição por nossa causa. Nas formas de asseveração mencionadas acima, e em outras que não são mencionadas, é bastante claro o ensinamento de que a morte de Cristo está em uma relação bem íntima e vital com a salvação dos homens. Muitas teorias foram suscitadas no curso da história para explicar aquela relação. A maior parte delas ressaltam um elemento de verdade, e são defeituosas mais na omissão do que na afirmação. A declaração final deve conter os verdadeiros elementos em todas as teorias. E se descobrirá que pelo método simples e direto de tomar as declarações do Novo Testamento em sua significação própria e construindo uma teoria desses ensinamentos chegaremos à mais satisfatória conclusão. Uma teoria em semelhante caso seria simplesmente uma interpretação dos fatos. Há alguns que objetam a todo esforço para descobrir o significado da morte de Cristo. Insistem em que preguemos e ensinemos o "fato" como oposto à "teoria" da propiciação. A resposta é óbvia. Pode ser que teoria não seja a melhor palavra aqui. Mas teoria simplesmente expressa significado. Sem dúvida, é absurdo procurar excluir todo significado da morte de Cristo. Nenhum fato moral ou espiritual, de igual modo, pode ser um fato, a fim de ser tornar inteligível, se não têm significado. Um fato não chega a ser um fato à parte de seu significado. Uma dose de remédio dada para aliviar uma dor física poderia fazer sua obra sem que o enfermo compreendesse seu significado. Mas na esfera mais elevada do espírito, o fato e sua significação são inseparáveis. À parte de sua significação, os fatos religiosos chegam a ser meramente atuações mágicas. Fazendo isso, a religião torna-ser fraude eclesiástica e desce ao antigo nível da superstição e da servidão. Uma terceira resposta é que o cristianismo não pode rejeitar a inteligência. Devemos ousar buscar o significado de todas as partes da religião de Cristo; não teremos completo êxito pois nos ocorrerá exatamente o que ocorre a qualquer homem que não descreve toda a verdade em qualquer esfera. Contudo, a religião não deve procurar evitar a tarefa de buscar significações nem a outra tarefa de manifestar todas as suas grandes realidades. G . Revisão de teorias Apresentaremos um esboço de algumas das principais teorias da propiciação a fim de preparar o caminho para uma declaração positiva. 1. Precisamos apenas nos referir à primitiva idéia patrís de que a morte de Cristo foi um resgate pago por Deus a Satanás para redimir os homens detidos como cativos por ele. A idéia repugna a consciência moral do cristão. Baseou-se num esforço para expressar a plena significação da propiciação por uma só figura, a de um resgate, enquanto deixava de lado outras várias formas de representação no Novo Testamento. Dizia-se que se a morte de Cristo era um resgate, esse deveria ter sido pago por alguma pessoa a uma outra; que deveria ter prisioneiros detidos por direito de conquista e necessitando de um resgate para que fossem postos em liberdade; como não era razoável pensar que Deus pagasse um resgate a si mesmo, era o diabo a quem devia se pagar. Daí, resultou a teoria. Ninguém a sustenta atualmente. Ela ilustra o método parcial e fragmentário de tratar das passagens bíblicas que tratam da propiciação. 2. Uma opinião manifestada mais tarde por Anselmo, no século 11, deu bastante ênfase à idéia da honra ou majestade divina e a dívida dos homens pecaminosos. O pecado viola a honra de Deus, merece castigo infinito visto que Deus é infinito. O homem não pode pagar porque é finito e moralmente está em ruína por causa do pecado. Cristo em sua morte propiciatória pagou a dívida. Isso pôde ser feito porque, sendo divino, podia pagar uma divida infinita, e como estava sem pecado, e era humano, pôde representar os homens. Mas estando sem pecado, não estava obrigado a morrer. Por isso, pela morte obteve (segundo a teoria católica) um excesso de mérito que pôde ser creditado aos pecadores. O ensino de Anselmo é melhor que o resgate pago a Satanás porque relaciona a propiciação com um requisito de Deus. Mas está elaborada em termos abstratos de honra, justiça, satisfação e mérito, à parte da atenção às relações pessoais entre Deus e o homem, e o ensino específico do Novo Testamento. Dá mais ênfase à honra de Deus que a seu justo amor, e deixa a propiciação mais como um ato externo que como um fato divino e vital para a redenção humana. 3. Hugo Grócio, na primeira parte do século 17, propôs o que se conhece por "teoria governamental" da propiciação. Segundo essa visão, o governo de Deus, mais que sua honra, ou sua justiça, é central. Perdoar pecadores sem lhes mostrar a atrocidade do pecado e a majestade da lei violada poria em perigo o governo moral. A morte de Cristo foi a exibição feita por Deus de sua autoestima da lei e de sua condenação do pecado. Cristo não sofreu a pena do pecado do homem, mas demonstrou o princípio penal no governo divino. Seus pecados foram colocados no lugar do castigo do homem. Assim, Deus podia perdoar aos pecadores sem pôr em perigo seu governo. Essa elaboração intelectual também é inadequada. Por certo, a propiciação respeita o governo de Deus. Mas é um acontecimento mais vital e íntimo, tanto para Deus como para o homem, que um mero meio de manter o governo. O governo de Deus é a expressão exterior de sua natureza. Sua aproximação do homem baseia-se em sua natureza espiritual e nas leis morais e espirituais do ser do homem. A manutenção do governo, pois, expressa, não a verdade mais central da propiciação, mas um resultado secundário, como veremos. Para entender a propiciação devemos considerá-la com relação ao central em Deus, o amor justo, e com relação à reprodução daquele amor nos homens pecaminosos. 4. Uma quarta conjetura é conhecida por "teoria socinia ou "teoria exemplar" da propiciação. Os modernos unitarianos seguem a Lélio e Fausto Socino do século 16 ao sustentar essa opinião. A teoria diz que a morte de Cristo foi meramente a morte de um mártir. Seu exemplo de lealdade à verdade, mesmo até à morte, inspira-nos a sustentar lutas morais e a obter a vitória. Deus não precisa de propiciação, e o homem não necessita de nenhuma além dessa. Nossa concepção de pecado, delito e condenação são subjetivas. Não há obstáculo para se obter o perdão de Deus. Nosso arrependimento é tudo quanto ele exige. Respondemos que mesmo reconhecendo elementos de ver­ dade nessa teoria, não obstante, ela deixa, e muito, de expressar toda a verdade da propiciação. Jesus foi, por certo, um mártir da verdade, mas foi muito mais. A opinião, como se manifesta, reconhece somente uma pequena fração do ensino do Novo Testa­ mento sobre o assunto. É contrária à experiência cristã dos séculos. Carece dos grandes elementos de poder que há no evangelho da graça de Deus, o qual foi a força inspiradora do cristianismo desde o princípio. 5. Uma quinta idéia da propiciação é descrita melhor com "teoria da influência moral". Veio a ser uma das mais populares das teorias modernas e foi sustentada por muitos dos principais pregadores e teólogos. Sua característica é a afirmação de que na obra propiciatória de Cristo não se satisfez nenhuma necessidade da natureza divina. O propósito da propiciação foi mais o de fazer com que os homens se arrependessem. Deus já estava reconciliado. A propiciação era a expressão do amor e empatia de Deus pelos homens pecaminosos. A encarnação uniu Cristo com a humanidade pecaminosa, e sua morte foi o resultado de seus bondosos esforços para a salvação dos homens. Não houve obstáculo para obter o perdão de Deus. O único obstáculo era a incredulidade e a obstinação. Seu efeito consiste em mover os homens ao arrependimento e à obediência amorosa. Aqui também temos uma verdade parcial. O poder comovedor da morte de Cristo não é posto em dúvida. Mas foi mais que um obstáculo comovedor dirigido aos homens. A teoria deixa de explicar muitas passagens da escritura que vamos considerar. Não satisfaz as necessidades da experiência cristã. Há outros ele­ mentos na justificação além dos que são sugeridos pela teoria da influência moral. Além disso, a teoria parece ser muito quimérica e dramática. O padecimento espetacular da parte de Cristo, me­ ramente para tocar o coração humano, é um conceito irracional. Um pai poderia ser muito queimado no esforço para salvar o filho que tivesse caído na fogueira. Aplaudiríamos semelhante feito. Mas nos pareceria que um pai careceria de sentido comum se chamasse o filho à lareira e procurasse provar seu amor pondo a mão na chama. A menos que a necessidade da morte de Cristo se encontre de alguma maneira na natureza das coisas, isto é, na constituição moral do homem e na natureza de Deus, então deixaremos de encontrar uma explicação adequada. Essa teoria, em seu princípio, é muito semelhante a uma perversão do ensino bíblico ao qual se opõe com freqüência. Aquela perversão começa com a necessidade de "satisfazer" a justiça. Mas pensa na justiça como uma abstração, um atributo separado de Deus, que está irritado. A morte de Cristo aplaca a ira desse atributo separado, e assim o amor, que é outro atributo separado, pode operar li­ vremente. De modo que se pensa na propiciação como um meio para reconciliar os dois atributos de Deus que estão lutando um com o outro. O erro da idéia consiste em seu conceito abstrato de justiça e satisfação, e em deixar de mostrar a relação necessária entre a morte de Cristo e o objeto dela, a salvação dos homens. A teoria deixa a propiciação fora das necessidades morais e espiri­ tuais da humanidade, e não relacionada com nossa necessidade. A teoria da influência moral é igualmente abstrata. Converte a propiciação em um simples obstáculo e apelação dramáticos, não baseada em nenhuma grande necessidade moral fundamental e espiritual. Implica padecimentos e humilhações de Cristo que não têm nenhuma relação inerente e vital com o fim proposto, e por isso é uma idéia indigna de Deus. Deixa de explicar a oração, a agonia e o suor de sangue de Cristo no Getsêmani, e o clamor por ter sido desamparado na cruz. A menos que em sua morte houvesse algo mais do que é suposto por essa teoria, Cristo se­ ria menos heróico em sua morte do que alguns dos discípulos, os quais foram cantando à fogueira do martírio. O cristianismo primitivo é rico em semelhantes casos. 6. Tem havido variações da teoria da influência moral. McL Campbell sustenta que Cristo era o arrependido representativo. Sendo um com a espécie humana, por meio de sua encarnação participou com os homens de sua consciência de pecado e delito, e realmente se arrependeu pela humanidade, enquanto ele mesmo ficou sem pecado. Sobre a base de seu arrependimento representativo Deus perdoa os pecadores. Em resposta, reconhecemos a verdade de que Cristo repu­ diava o pecado, e que esteve em relações orgânicas com a huma­ nidade. Mas é um uso forçado da linguagem dizer que se arrepen­ deu. Cristo não pôde se arrepender no sentido estrito. A idéia de Campbell é incoerente com outras idéias dos advogados da teoria da influência moral. Aqueles advogados objetam a substituição pelo lado de Deus na morte de Cristo. A idéia de Campbell afirma a substituição, ou ao menos a representação no sentido de substitui­ ção, pelo lado do homem. Se o princípio da substituição é incorreto em um caso o é também no outro. A verdadeira idéia reconhece o princípio, mas o define de maneira mais adequada. F. D. Maurice ressaltou a unidade de Cristo com a humanidade. Nos padecimentos dele, a humanidade sofreu. Ele assim chegou a ser a "raiz impecável" de uma nova linhagem. Mediante a união com ele, os homens entram em uma nova vida, e ao fim participarão do aspecto impecável de Cristo. Aqui também a unidade de Cristo com a humanidade é uma verdade vital e uma coisa essencial a uma idéia correta da propiciação. É certo também que Cristo chegou a ser, em sentido figurado, certamente, a "raiz impecável" de uma nova humanidade. Mas isso não se aproxima dos ensinos bíblicos sobre a propiciação, e muito menos os esgota, como veremos agora. 7. Às vezes faz-se um esforço para amenizar o ato histór da propiciação de Cristo afirmando que a propiciação foi um ato eterno de Deus, e que o acontecimento sobre o Calvário foi um mero incidente da maior realidade. Não é necessário responder detalhadamente a esse ponto de vista. O sacrifício de Cristo foi na verdade uma propiciação eterna no sentido de que foi expressão de um impulso eterno do amor de Deus, um desejo eterno de dar-se pelo bem de suas criaturas; e também no sentido de que é eternamente eficaz. Mas não foi por isso menos necessário como um ato histórico. Foi a expressão da natureza de Deus, mas sua forma histórica foi necessária para a operação na esfera da história a fim de produzir um reino moral entre os homens. D . Afirm ativas gerais e prelim inares quanto à doutrina bíblica Há poucas observações gerais que nos prepararão para um estudo satisfatório da propiciação como está manifestada no Novo Testamento. 1. A primeira: é importante incluir todas as fases do ensino neotestamentário que possam ser necessárias para esse fim. A propiciação é um grande assunto que tem muitos lados. Podemos nos aproximar dela de muitos ângulos. É fácil olhar um só lado e ser fragmentário ao tratar do material neotestamentário. Devemos ter o cuidado de incluir todos os aspectos vitais do assunto. 2. Também, devemos ter cuidado com as falácias que se originam pelos processos abstratos do pensamento. Ao lermos os muitos livros sobre a propiciação produzidos por homens de todas as escolas teológicas, ficar-se-á profundamente impressionado com a tendência de tratar o assunto de modo abstrato: quase toda palavra e idéia principais foram concebidas assim; a idéia de lei, como alguma abstração vaga que Cristo satisfez; a idéia de penalidade manifestada de modo que envolve a Cristo no pecado atual; a ira de Deus concebida como fardo horrível derramada sobre Cristo, em vez de o verdadeiro significado que é apresentado no Novo Testamento, como Deus visitando o pecado com seu justo castigo; a idéia da substituição concebida como se o traspassar do pecado e da justiça fossem atos físicos em vez de fatos morais e espirituais; e a idéia da salvação como se fosse um mero assunto de contabilidade com suas colunas "dever" e "haver" — isso e nada mais. Da mesma maneira, a tendência de seguir modos abstratos de pensamento conduziu a falácias acerca de Deus e das pessoas da Trindade. Por exemplo, o tributo de justiça foi considerado em conflito com o atributo do amor, e tem havido homens que pensaram em um conflito entre os atributos que concluíram com a propiciação. Ou conceberam o Pai como se houvesse estado irado com os homens até que Cristo morresse, e então pela primeira vez começou a amá-los. Assim, alguns homens pensaram em conflito na divindade entre o Pai e o Filho. As vezes semelhante conflito pareceu estar implicado nas declarações dos que criam na doutrina do Novo Testamento, ou foi alegado contra eles por seus opositores. Outro exemplo da tendência para modos abstratos de pen­ samento acerca da propiciação foi a exaltação de algum atributo ou qualidade de Deus ao lugar supremo. Mencionamos dois ou três casos. Alguns pensaram que a mera vontade de Deus à parte de sua natureza, sua justiça ou seu amor seja a base do valor salvador da morte de Cristo. Não houve necessidade íntima na natureza do homem ou de Deus, mas somente conciliação divina. Essa opinião é inteiramente insustentável para todos os que entendem a relação da vontade à natureza. A vontade é a expressão da natureza. Outros sustentam que o amor é o único motivo que levou a cabo a propiciação. Sustentam que a justiça é subordinada ao amor. Outros, todavia, afirmam que a justiça é fundamental, e declaram que o exercício do amor é discricionário com Deus, ao passo que a justiça ou a santidade é imperativa em suas exigências. Sendo assim, é difícil ver como qualquer ato de Deus pode alguma vez ser concebido propriamente como operando à parte de sua natureza. As condições exteriores entre os seres livres conduzirão à variação nos método de Deus, mas não à supressão de nenhuma qualidade de sua natureza. Sempre opera como uma personalidade livre em todo o seu ser, e não em partes separadas de sua natureza. Não podemos entender a propiciação a menos que guardemos isso na mente. 3. Uma terceira declaração geral é que o que pode n conduzir melhor a um entendimento claro da propiciação é um estudo direto dos fatos abrangidos. Esses estão narrados nos evangelhos e nas epístolas do Novo Testamento, e estão refletidos na moderna experiência cristã. Esse estudo direto é o método científico de fazê-lo. Fazendo-o fielmente, seremos libertos de muitos erros, e muitas coisas complicadas nas discussões sobre a propiciação serão esclarecidas. Assim nossa doutrina repousará sobre uma base de fatos. 4. Uma quarta declaração está relacionada com o ensino Novo Testamento quanto à lei com relação à obra propiciatória de Cristo. Isso se refere especialmente aos escritos do apóstolo Paulo. Muitos procuraram encontrar elementos contraditórios em Paulo. Afirmaram que há elementos jurídicos ou forenses e exteriormente legalistas nos escritos de Paulo lado a lado com outros que são vitais, espirituais e íntimos, e esses diversos elementos ficam separados. Afirmam que Paulo, como cristão, nunca venceu completamente o ponto de vista judaico. Reconhecemos plenamente a natureza íntima e espiritual do cristianismo. Mas o cristianismo não é uma religião sem lei. Suas leis não são estatuídas e exteriores, mas vitais, íntimas e pessoais, escritas indelevelmente na constituição do homem e na natureza de Deus. Essa verdade é vista em todas as partes dos escritos de Paulo. Para ele, o evangelho é "... a lei do espírito da vida, em Cristo Jesus..." (Rm 8.2). Mas Paulo trata da lei no sentido exterior em certas associações. A lei de estatutos, como é ensinada por Moisés, a lei de mandatos exteriores, como é reconhecida pela consciência natural e expressa nos códigos humanos em geral, são tratadas por ele. Mas os que afirmam que esse elemento contradiz o ensino de Paulo fazem uma leitura incorreta. Em contrapartida, a verdadeira chave para a interpretação de Paulo é o reconhecimento da maneira uniforme em que ele afirma e prova que no evangelho toda lei exterior e de estatutos vem a ser íntima e espiritual. Em seu evangelho, ele digere e assimila, por assim dizer, todas as formas de justiça como estão expressas nos mandatos exteriores. Os transfigura e os glorifica por sua relação com Cristo. Isso será claramente manifesto em sua doutrina da propiciação e da justificação. Nessas, a lei do cristianismo é a lei do espírito e a lei da vida. O aspecto meramente formal e exterior, o meramente jurídico e estatutário, é abolido. E . A doutrina bíblica da propiciação Precisamos manter em mente as declarações gerais anteriores ao considerar os ensinamentos bíblicos relativos a propiciação. De outro modo, é provável que nesses ensinamentos ponhamos muito da especulação humana. Devemos nos ater estritamente aos fatos bíblicos e ao seu claro significado. 1. Consideremos em primeiro lugar o motivo da obra propi­ ciatória de Cristo. O motivo é o amor. Isto é evidente em muitas passagens do Novo Testamento, como "no evangelho abreviado" de João 3.16, onde lemos que "... Deus amou o mundo de tal manei­ ra que deu o seu Filho unigênito..." No versículo seguinte lemos: "Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele". Também em Romanos 5.8: "Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós". É inútil multiplicar as referências. Essas e outras muitas passagens nos mostram claramente que Deus não nos ama porque Cristo morreu por nós, mas sim que Cristo morreu por nós porque Deus nos amava. Sua vida e morte são expressão do amor de Deus, não a causa produtora daquele amor. Certamente, o amor que é o móvel causador da propiciação é um amor justo. É o amor do Deus santo para com os homens. A propiciação em seus elementos deve ser entendida como a provisão e a expressão de semelhante amor. Ela é coerente em todos os pontos com o amor santo. 2. Observe-se em seguida o objetivo da propiciação. O que Deus propôs ao dar seu Filho? A resposta do Novo Testamento tem várias formas. Escolhemos algumas que servirão ao nosso presente propósito. A resposta geral inclusiva é a salvação do homem. Essa contém dois elementos. Um trata da presença e do poder do pecado, o outro do ideal da justiça. Com relação ao pecado, os evangelhos e as epístolas estão em completo acordo. O espaço proíbe a apresentação de muitas passagens. Em Mateus 26.28 Jesus diz: "... isto é o meu sangue, o sangue do pacto, o qual é derramado por muitos para remissão dos pecados". No entanto, declarou que tinha vindo "para dar a sua vida em resgate de muitos" (Mt 20.28). No quarto evangelho, uma declaração semelhante é feita por João Batista. Ele vê Jesus vindo e diz: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo 1.29). Nas epístolas essa verdade é repetida de forma ou de outra com tanta freqüência que só pode ser entendida como a crença dos primitivos cristãos. Em Efésios 1.7 lemos: "em quem [isto é, Cristo] temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos nossos delitos, segundo o beneplácito de sua vontade". Dessas passagens deduzimos que a morte de Cristo assegurou de alguma maneira a remissão ou o perdão do pecado. Naturalmente, isso traz consigo o livramento da condenação e do juízo que caíram sobre os pecadores por causa dos seus pecados. Quanto ao ideal da justiça, o objeto da propiciação é igualmente claro. Em Efésios 2.10 lemos: "Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas". Em Efésios 1.4, o propósito de Deus em Cristo é "para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor". O propósito de Deus como se manifesta em uma igreja santa e em um reino santo também é revelado claramente em várias partes (Ef 3.10; 5.25-27; Rm 14.17). O fim último da obra mediadora de Cristo é a manifestação dos filhos de Deus. Em Romanos 8.19 lemos: "Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus". Em Hebreus 2.10 também lemos: "Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e por meio de quem tudo existe, em trazendo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse pelos sofrimentos o autor da salvação deles". Sendo assim, esses e outros muitos textos mostram abundantemente a natureza ética da propiciação em seu fim e propósito. Resumindo: (1) É o método de Deus para dar o perdão ou a remissão dos pecados. (2) É o método de Deus para produzir homens e mulheres justos. (3) É o método de Deus para criar uma sociedade santa. (4) É o método de Deus para produzir uma sociedade santa na qual a relação de Pai e filho há de ser a suprema ex­ pressão da relação entre Deus e os homens. Entendendo assim o motivo e o fim da propiciação, será menos difícil entender o próprio fato. Observemos: 3. Que a propiciação de Cristo foi o método adotado por D no exercício de seu santo amor para com os homens pecadores, para assegurar a plena e livre atividade daquele amor ao dar o perdão e a perfeição individual aos homens e mulheres em uma sociedade santa de filhos e filhas de Deus. Como o meio pelo qual Deus efetuaria o objetivo menciona­ do, a propiciação de Cristo compreendia o seguinte: (1) Identificação com a humanidade que veio a redimir. Esse ponto recebe forte ênfase em Hebreus 2.14-17, que diz: "Portanto, visto como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também ele semelhantemente participou das mesmas coisas, para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o Diabo; e livrasse todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à escravidão. Pois, na verdade, não presta auxílio aos anjos, mas sim à descendência de Abraão. Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a seus irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas concernentes a Deus, a fim de fazer propiciação pelos pecados do povo". A mesma verdade é vista de outras maneiras em Gálatas 4.4,5: "Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo de lei, para resgatar os que estavam debaixo de lei, a fim de recebermos a adoção de filhos". São numerosas as passagens igualmente explícitas, como João 1.1-18; Filipenses 2.5-11 e Colossenses 1.14-20. A conclusão desses ensinamentos do Novo Testamen­ to é que a encarnação foi o método de Deus de entrar em relações salvadoras com a humanidade. Por meio disso, Cristo se fez um com a humanidade em sentido profundo e real. Essa unidade e identidade de Cristo com a humanidade teve uma referência para trás e para frente. A referência para trás tinha a ver com sua relação original para com a humanidade. Com já vimos, o homem foi feito à imagem de Cristo. E o vínculo natural do gênero humano. O novo cabeça espiritual da humanidade foi o criador original. Ao tornar-se carne, como declara João, Jesus Cristo veio "para o que era seu" mas "os seus não o receberam". A referência para frente da unidade de Cristo com a humanidade tem a ver com sua ação causai em nossa salvação. Fez-se carne, entrou nas condições humanas, a fim de tornar-se um poder efetivo para a redenção do homem. O poder do pecado fez com que o homem fosse incapaz de redimir a si mesmo. Não pode elevar-se sobre si mesmo. Era preciso um novo poder proveniente de fora, mas, no entanto, um poder que operasse de dentro segundo as leis morais e espirituais. Assim vemos que a referência para trás, anterior a encarnação, relaciona Cristo com Deus. Era o Filho divino. A referência para frente, ou posterior ã encarnação, o relaciona com nossa santidade, a libertação do poder do pecado e a aquisição da santidade. Sendo um com Deus e um com o homem, podia operar a favor de ambos. Aqui é preciso cautela. A unidade de Cristo com a humanidade de maneira nenhuma afeta a outra verdade de sua separação da espécie humana por causa de sua impecabilidade. Foi um com a humanidade, "separado", porém, "dos pecadores". Daí que em dois aspectos a uni­ dade é uma unidade qualificada. Como impecável ficou à parte dos homens pecadores. Como impecável pôde fazer por eles o que eles não puderam fazer por si mesmos. (2) Em segundo lugar, observamos que, como meio de Deus para assegurar nossa salvação, a propiciação de Cristo im­ plicava uma vida prévia de obediência. A morte propicia­ tória foi em si um ato de obediência. A teologia sublinhou muito a distinção da obediência ativa e passiva de Cristo. Mas é uma distinção difícil de se manter coerente. Os elementos ativos e passivos foram combinados em todos os seus pontos. Em sua carreira como mestre e pregador sofreu constantemente. A paciência heróica foi a tarefa constante de sua santa vontade contra a incredulidade e o pecado humano e "a contradição dos pecadores". Os ele­ mentos passivos entraram em todo o chamado ato de obe­ diência. Em contrapartida, a chamada obediência passiva também foi ativa. Uma das coisas mais extraordinárias acerca da morte de Jesus foi seu aspecto voluntário. Foi sua vontade para morrer. Em João 10.14-18 afirma-se essa verdade e a ressalta repetindo várias vezes no versículo 15, que diz: "... dou a minha vida pelas ovelhas". Também no versículo 17: "Por isto o Pai me ama, porque dou minha vida para a retomar". Logo, a fim de expressar clara e enfaticamente o fato de que sua morte foi o resultado de seu ato voluntário, diz: "Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho autoridade para a dar, e tenho autoridade para retomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai" (v. 18). Declara-se igualmente em João 19.30 que Jesus disse na cruz: "Está consumado! E, inclinando a cabeça, entregou o espírito". A expressão "entregou" pode ser traduzida "enviou", indicando assim seu pró­ prio ato. Também em Hebreus 9.14 declara-se que Cristo "... pelo espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus...", e em Hebreus 10.1-10, em que se faz referência à morte sacrificial de Cristo, declara-se que a verdade central foi seu ato moral de obediência: "Então eu disse: Eis-me aqui (no rol do livro está escrito de mim) para fazer, ó Deus, a tua vontade" (v. 7). Nossa conclusão é que em todos os atos de sua vida, Cristo se conformou à perfeita lei moral. Para dizer melhor, devemos declarar que ele é a personificação, a encarnação do ideal moral. Era o ideal moral em sua forma filial. Sua vida era a satisfação perfeita do Filho às exigências supremas do Pai Santo. (3) Observamos, em terceiro lugar, que a propiciação como o meio de Deus para assegurar a salvação dos homens incluía a sujeição de Cristo à operação da lei da morte e do pecado. O mero fato histórico da morte de Cristo é evidência clara dessa verdade. Jesus morreu apesar de ser santo. Já citamos as escrituras que ensinam que a remissão dos pecados é, dessa maneira, assegurada. Há uma grande riqueza de material sobre o assunto. Bastam, porém, poucas passagens principais. Em 1 Pedro 2.24 lemos: "Levando ele mesmo os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados". Também em 2 Coríntios 5.21 lemos: "Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus". Também em Romanos 3.24-26 são feitas algumas declarações que resumem os assuntos essenciais da obra propiciatória de Cristo: (a) somos justificados livremente por sua graça; (b) Deus propôs a Cristo como uma propiciação por nossos pecados; (c) podemos nos apropriar dos benefícios pela fé; (d) o objeto que era proposto era a exibição da justiça de Deus, por causa da remissão dos pecados anteriormente cometidos; (e) para que ele seja justo justificador daquele que tem fé em Jesus. Apresenta-se a pergunta: Por que era necessário que Cristo sofresse a morte a fim de redimir pecadores? Esse é o ponto mais difícil da propiciação. Aqui são oferecidas diversas respostas, levantando-se a controvérsia. No entanto, se evitarmos abstrações acerca da lei, da ira e da justiça, e tratarmos das realidades concretas, com os mesmos fatos, a resposta à pergunta não será tão difícil como alguns pensam. Era um meio necessário para alcançar um fim definido. Aqui devemos recordar alguns fatos principais. O primeiro é a relação necessária entre o pecado e a morte. Afirma-se em Romanos 6.23: "... o salário do pecado é a morte..." A morte está relacionada com o pecado como sua punição. Isso significa não simplesmente morte física, mas também morte espiritual, ou a separação de Deus. A relação entre o pecado e a morte não é uma regra arbitrária de Deus. É uma expressão de uma lei eterna da própria natureza divina. Nossa consciência espiritual confirma a lei. A morte, ou a separação de Deus em nossa consciência moral e espiritual, é a negação de toda a vida e bênção, de toda paz e santidade. Um segundo fato que devemos considerar é que a lei do pecado e da morte foi operativa na humanidade pecaminosa. O princípio do pecado-morte, como podemos chamá-lo, tinha o homem em seu poder. Era um poder que afetava toda a humanidade. Um terceiro fato que devemos recordar é que se os próprios homens precisam ser redimidos do poder do princípio do pecado-morte, aquele poder deve ser quebrado. Deve ser anulado. Essa é claramente a idéia que Paulo tinha do assunto. Ele diz em Romanos 8.2: "Porque a lei do espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte". No terceiro versículo continua: "Porquanto o que era impossível à lei, visto que se achava fraca pela carne, Deus, enviando a seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por causa do pecado, na carne condenou o pecado". O pensamento na mente de Paulo é: Esse princípio de pecado-morte operativo na humanidade tem de ser vencido e destruído pelo princípio da obediência—vida operativo em Cristo. Em outras palavras, a morte de Cristo foi o meio de Deus para se relacionar de um modo salvador com os homens pecaminosos. Cristo veio a ser organicamente um com os homens, a ponto de morrer por eles, a fim de que sua justiça chegasse a ser um poder salvador na humanidade. A lei do espírito de vida que havia nele venceu a lei do pecado e da morte que havia neles. A propiciação foi assim um meio adaptado para assegurar um fim definido. O fim e os meios não foram regras arbitrárias. Ambas as coisas originaramse em necessidades inerentes no reino moral. Estiveram arraigados na natureza moral de Deus e do homem. É um caso claro de causa e efeito espirituais. F . A propiciação e a im anência divina A luz é lançada sobre a propiciação quando a consideramos como o método de Deus para se fazer imanente em uma gente pecaminosa. A transcendência de Deus é uma verdade que deve ser sempre lembrada. Sua verdade correlativa é a imanência de Deus no mundo. Deus é imanente em todas as partes (isto é, habita) na natureza. Habita também no homem no que tange a seu corpo e sua constituição moral. Mas Deus não é imanente no pecado do homem e em sua consciência de pecado como o é em outras partes. O pecado separou o homem de Deus. Contudo, Deus deve habitar no homem se o homem reconhecer o Filho santo de Deus. A ausência de Deus da consciência humana natural é notada no fracasso de querer obter o ideal moral só pelos esforços humanos. O homem percebe o ideal moral apenas pelos esforços humanos. O homem percebe o bem como um ideal, mas não alcança o ideal em nenhum ponto de sua experiência. O ideal moral o ultrapassa. E um ideal arraigado em Deus pelo qual o homem tem fome e sede, mas não pode ser alcançado. Jesus Cristo é a personificação suprema e perfeita na forma humana do ideal moral. A encarnação, pois, é a descida ao gênero humano do transcendental ideal moral existente em Deus. É Deus chegando a ser imanente na humanidade. E o Deus transcendental vindo a ser imanente no mundo entre seres livres, os quais estão sujeitos ao poder do pecado, a fim de dar-lhes salvação. A morte de Cristo na cruz foi, assim, o Deus do amor santo projetando-se na vida da humanidade pelo vencimento do princípio do pecadomorte na espécie humana. Em outras palavras, a imanência de Deus chega assim a ser uma nova lei de vida, operando de maneira ética e espiritual para a salvação dos homens. É uma nova força de vida operando bondosamente para a redenção humana. Se a aproximação de Cristo ao homem houvesse sido interrompida por ele não morrer, se houvesse sido trasladado aos céus antes de experimentar a morte, houvesse ficado à parte do homem precisamente quando se encontrava em sua mais profunda necessidade, então teria descoberto na verdade uma gloriosa meta moral, mas teria sido deixada suspensa no ar sem nenhum ponto de contato para os pecadores. Teria permanecido transcendental. E os homens teriam permanecido sem poder alcançá-la. O dom do Espírito Santo foi necessário para completar o procedimento da imanência divina pela propiciação. O dia de Pentecostes foi uma seqüela necessária do acontecimento ocorrido no Calvário. A vida em Cristo e por Cristo deve chegar a ser uma realidade no coração do indivíduo e na comunidade cristã. A obra do Espírito Santo é a de tomar as coisas de Cristo e mostrá-las aos crentes. Isso significa a criação, neles, da imagem moral de Cristo. A aquisição da imagem moral de Cristo é o destino de todos os cristãos. E o princípio da obra do Espírito no indivíduo toma a forma de uma morte para o pecado e uma ressurreição à santidade. O princípio do pecado-morte é em primeiro lugar rompido e anulado na consciência do indivíduo. O princípio da cruz é fundamental na nova criação em Jesus Cristo. Dessa maneira, verifica-se a união mística entre Cristo e o crente. Como Paulo expressa: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim!" (G1 2.20). Isto é, Paulo é tão consciente da presença de Cristo nele e da morte da velha natu­ reza, que chegou a ser uma nova pessoa. O velho homem morreu. Um novo homem se levantou. O novo homem é simplesmente a imagem de Cristo que cresce nele. Assim Deus em Cristo chegou a ser imanente na consciência de Paulo pela atividade criadora do Espírito Santo. A causa e o efeito espirituais tornam-se expressos aqui. A destruição do princípio pecado-morte na cruz quando Cristo realizou a propiciação chegou a ser uma força redentora na vida interior de Paulo pela destruição do princípio do pecadomorte que nele habitava. O transcendental ideal moral em Deus passou pelo Calvário até penetrar na consciência humana. O ato histórico agora vem a ser uma experiência subjetiva. A propicia­ ção vem a ser reconciliação tanto no interior como no exterior. Cristo, ao fazer-se carne e morrer, se fez um com a linhagem de pecadores. Na regeneração e na justificação torna-se um com o indivíduo, e mediante os indivíduos redimidos cria uma nova humanidade. H .O s elem entos vitais e legais n a propiciação A exposição precedente tratou do princípio vital que há na propiciação. Há também um elemento legal. Com "legal" não que­ remos expressar nenhuma regra artificial ou meramente externa, arbitrária. Queremos dizer simplesmente que o princípio vital da propiciação é a expressão da lei moral e espiritual. A maior parte dos erros no que tangem à propiciação resultaram da falta de conceber e tratar propriamente a relação do elemento vital com o chamado elemento legal. A propiciação é a transformação e glorifi­ cação da lei. Nela a lei vem a ser a expressão da vida. Os escritores com freqüência definiram a lei de maneira abstrata e artificial e, em seguida, passaram a demolir o que eles chamam propiciação "legal" ou "judicial". Fazendo isso, deixaram de perceber o ponto de vista do Novo Testamento. Consideremos agora os elementos de lei na obra propiciatória de Cristo. Podemos fazê-lo melhor por uma série de perguntas e respostas. 1. A primeira pergunta é: "Como foi a morte propiciat de Cristo a satisfação da lei?" A resposta é que foi a satisfação daquelas leis que estiveram implícitas no mesmo ato propiciatório. A idéia de lei ou justiça não deve ser concebida de modo abstrato, como se fosse algo à parte de Deus, um animal faminto que esperava ser satisfeito. Cristo satisfez a lei e a justiça na propiciação porque em todos os seus pontos se conformou com os requisitos do ser eternamente santo, cujas leis acharam expressão na ordem moral. Cristo veio para realizar a propiciação. As leis, pois, que Cristo satisfez e às quais se conformou em sua obra propiciatória, eram simplesmente aquelas leis que ele encontrou na própria obra salvadora. Há ao menos quatro formas ou aspectos de lei que estiveram implícitos: (1) A lei moral que no geral inclui a lei mosaica. Cumpriu em si mesmo o mais elevado ideal moral. Aquele ideal está baseado na natureza de Deus. Sua obediência era perfeita. Era a lei personificada em uma vida. (2) Sujeitou-se também à operação da lei de pecado e morte. Isso foi também a expressão da natureza divina. A pena de morte é o aspecto negativo da lei de santidade. É a reação de Deus contra o pecado, mas chegou a estar tão identificado com os pecadores que sofreu a morte por suas mãos e suportou em si mesmo as conseqüências de seu pecado. (3) Também obedeceu perfeitamente a lei de lealdade e devoção filiais. O ideal filial é simplesmente a lei moral em sua mais elevada expressão. Ele era o Filho perfeito e em nenhuma parte agradou mais ao Pai como Filho que em sua morte pelos homens pecaminosos. (4) Assim também satisfez o amor de Deus para com os homens. O amor impôs a propiciação. Nesta, o amor, assim como a justiça, foram completamente satisfeitos. 2. A pergunta seguinte é: "Em que sentido os sofrimentos de Cristo foram penalidades?". Habitualmente, as palavras penal e penalidade se referem ao delito pessoal. Cristo não pecou pes­ soalmente. Por isso não poderia ter suportado uma penalidade no sentido pessoal. Mas sim suportou as conseqüências penais da humanidade, a causa de sua completa identificação com ela. A morte é a penalidade do pecado. Cristo morreu. Morreu pelas mãos de homens pecaminosos, enquanto se entregava volunta­ riamente para livrá-los do poder do princípio do pecado-morte que operava neles. 3. A terceira pergunta é esta: "Cristo em sua morte, suportou a ira de Deus?" Aqui também é preciso eliminar um conceito falso de ira. A ira de Deus não é uma paixão irritada. Não é ânsia de vingança nem de ódio. A ira de Deus é a resistência contra o pecado, uma reação contra a iniqüidade. Essa reação se expressa na punição. A mais ampla expressão da ira de Deus é a pena de morte pelo pecado. Em sua morte propiciatória, pois, não devemos conceber a ira derramada sobre a cabeça de Cristo e diretamente contra ele como um pecador pessoal. Cristo suportou a ira de Deus apenas no sentido de que permitiu que o princípio de pecado-morte operasse nele. A ira já operava contra os homens pecaminosos. Cristo a suportou porque entrou no estado do homem pecaminoso e suportou a morte que é a expressão da ira de Deus e a punição de seu pecado. O suor de sangue e a súplica manifestados no calvário para ser liberto, e na cruz o clamor de que estava abandonado, sugerem a profundidade dos sofrimentos de Cristo pelos pecadores. Deus, naturalmente, não abandonou realmente a Cristo, mas em sua morte houve, em algum sentido verdadeiro, fora de nosso poder para sondá-lo, um fenômeno que obscureceu sua consciência de Deus. Entrou na região da sombra da morte por causa do pecado humano. 4. A quarta pergunta é: "Em que sentido a morte de Cristo foi uma propiciação?". A palavra propiciação significa um meio de tornar favorável ou propício. Já vimos que a morte de Cristo não comprou o amor de Deus para nós. Não converteu o ódio no seu oposto. Mas a morte de Cristo foi um meio de tornar a Deus pro­ pício ou benévolo, pelo qual Deus pôde conferir à humanidade as riquezas de sua graça em Cristo, porque Cristo já é agora um com a humanidade. Por sua morte, Cristo se identificou para sempre com o homem, e em princípio, toda a plenitude que morava em Cristo pertence à humanidade. A "lei do espírito da vida" em Cristo agora opera na espécie humana. Além disso, a morte de Cristo foi uma propiciação em que esgotou o juízo de Deus contra o pecado. Pôs fim ao reinado da morte por sua morte e ressurreição vitoriosas. Com isso, aplacou a ira de Deus contra o pecado. Assim tirou a ira de Deus de cima dos homens, que estavam sob o poder do prin­ cípio pecado-morte. Cristo também destruiu o poder de Satanás em sua morte e libertou os que estavam sob seu poder. Assim, sua propiciação foi um meio não de fazer com que Deus nos amasse, mas de fazer com que o livre exercício de seu amor fosse possível e conseqüente com seu antagonismo inerente ao pecado. 5. A quinta pergunta é: "A morte de Cristo foi ou não uma substituição?". A resposta é que na natureza do caso não poderia ter sido de outro modo. Mas aqui também devemos deixar de lado os conceitos meramente comerciais e abstratos da substituição, e interpretar o princípio em termos de leis e vida divinas e espirituais. Podemos convenientemente discutir o assunto da substituição considerando primeiramente o fato e, em seguida, o princípio da substituição. O ensino do Novo Testamento não deixa o assunto em dúvida. Não é meramente uma questão do uso das preposições gregas anti ("em lugar de") e hyper ("a favor de"). A primeira é empregada claramente com referência à obra propiciatória de Cristo, ainda que a última seja a palavra que prevalece em semelhantes referências. Mas hyper não exclui o significado de "em lugar de", mas sim a inclui como um elemento possível em uma significado mais ampla. "A favor de" não quer dizer necessariamente "em lugar de", mas "em lugar de" significa, sim, "a favor de". O argumento, no entanto, não versa sobre o mero uso dessas preposições. A idéia de substituição é inseparável dos fatos, e algumas passagens da escritura o declaram. Consideremos os seguintes fatos: o impecável morreu pelos pecaminosos. Derrubou o reinado do princípio do pecado-morte em sua morte e ressurreição. Os benefícios de sua obediência e conquista da morte vieram a ser nossos pela fé. Nessa obra podemos pensar acerca do salvador como sustentando-nos em qualquer das duas relações. Poderíamos pensar nele como nosso representante. Mas esse não é um conceito adequado. Não lhe nomeamos. O homem não o enviou. Não levou a mensagem do homem a Deus, mas a mensagem de Deus ao homem. Cristo, na verdade, vem a ser nosso representante depois de crermos nele; mas antes de fazer isso, nossa relação com ele é de antagonismo. É nosso representante somente depois de aprovarmos sua obra e obedecer a seu evangelho. A outra relação possível é a da substituição. O que ele fez conosco não podemos fazer por nós mesmos. Sendo pecaminosos, não poderíamos morrer uma morte propiciatória pelos pecaminosos. Como vítimas do princípio do pecado-morte reinante na humanidade não poderíamos ser vencedores. Não poderíamos derrubar o poder da morte e anular a lei do pecado e da morte. Mas Cristo fez essas duas coisas por nós. Essa é a substituição. Várias passagens tornam claro esse ensino. Em 1 Coríntios 6.20 lemos: "Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo". Em 1 Coríntios 7.23 repete-se a mesma declaração geral. Aqui, a figura de uma compra, certamente, não pode ser aplicada em todos os aspectos. Mas quer dizer claramente que Cristo pagou por nossa salvação algo que nós não poderíamos pagar. Assumiu nossa responsabilidade e a cumpriu de maneira verdadeira e vital. Observe-se, também, que não é um mero assunto de contabilidade. O que Cristo fez por nós não nos isenta de obrigação moral. Vem a ser, para dizer melhor, a nova força criadora que gera em nós o poder para alcançar o ideal moral. Ele, porém, operou e atuou por nós num ponto onde éramos impotentes, e assim operou em nosso lugar. Em Gálatas 3.13 lemos: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós". Alguns declararam que esse texto é um resto do legalismo judaico de Paulo. Mas assim lêem Paulo de maneira incorreta. Sem dúvida, o desejo de Paulo aqui é o de retirar as objeções judaicas. Mas todo seu propósito é o de buscar por trás da lei judaica exterior o novo princípio de vida: a fé. O versículo seguinte demonstra isso: "Para que aos gentios viesse a bênção de Abraão em Jesus Cristo, a fim de que nós recebêssemos pela fé a promessa do Espírito". Assim, o propósito da obra de Cristo ao tornar-se maldição por nós é o de criar uma religião espiritual em vez de uma legal. Note-se claramente esse ponto. Aqui, como em outras partes, quando Paulo manifesta o evangelho em formas legalistas ou judaicas de declarações ou de hábitos de pensamento, seu propósito é o de mostrar como o legalismo e o judaísmo são abolidos. Nessa passagem, ele diz com efeito: a consciência moral do pecador sabe que está condenada, sob a maldição de Deus. Isso é peculiarmente certo no que tange a um judeu em razão de sua educação na lei mosaica. E é certo quanto a ele em proporção a sua apreciação do verdadeiro ideal moral. A lei do pecado e da morte é evidente em si mesma para os moralmente iluminados. A propiciação de Cristo abole o método legalista nos procedimentos de Deus para com os homens, porque nela Cristo operou em nosso lugar quando aboliu a lei do pecado e da morte. Substituiu o princípio obediência-vida em lugar do princípio pecado-morte. Fez isso mediante uma união vital com os homens, assim como se sujeitou à lei juntamente com eles. Ele fez isso supremamente em sua obra propiciatória. Muito semelhante em significado é a declaração em 2 Coríntios 5.21. "Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus". Certamente, isso não quer dizer que Cristo foi feito pecador, mas sim que operou pelos pecadores em relação a seu pecado de maneira que os libertou para escapar às conseqüências de seu pecado. O ensino do Antigo confirma o Novo Testamento. Proporciona o fundo do pensamento para o ensino do Novo Testamento. A frase de João, "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo", está arraigada no Antigo Testamento. Alguns sustentaram que os sacrifícios do Antigo Testamento não ensinam uma substituição, mas que são mais uma apresentação de dons a Jeová, ou que simbolizam a comunhão restaurada. Em resposta, pode ser dito que essas explicações deixam, em muito, de explicar toda o significado desses sacrifícios, ainda que contenham uma parte da verdade. Certas fases dessas oferendas tornam claras as idéias de pecado e delito, e propiciação por substituição. As regras com relação ao dia de propiciação mostram claramente isso (veja Lv 16.1-34; Êx 32.30-32). O bode para Azazel sugere vivamente a idéia de retirar o pecado do povo; e a oferta de sangue do sacrifício no lugar santíssimo reflete a idéia da propiciação ou da expiação. A idéia em todos esses sacrifícios é que o sangue é a vida. Isaías 53.1-12 é uma interpretação que o Antigo Testamento faz do sacrifício em termos inequívocos. A vítima é aqui um homem e não um animal. Mas a substituição é expressa em várias formas com tanta clareza que não pode ser contraditada. "Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou com as nossas..." (v. 4) "Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e por suas pisaduras fomos sarados" (v. 5). "... o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós" (v. 6). (1) Consideremos em seguida o princípio da substituição. Há muitos escritores modernos que deixam de compreender o elemento da substituição na morte de Cristo, e procura retirar completamente dele esse elemento. Ou, de outro modo, põem em lugar de tal substituição um conceito de sofrimento compassivo com o propósito de manifestar o amor de Deus. Não negamos a empatia, certamente. Só afirmamos que houve mais que empatia na morte de Cristo. Ela contém toda forma e aspecto de amor. Podemos esclarecer o princípio da substituição mos­ trando-o em suas relações com a personalidade, a mo­ ralidade, a experiência cristã e a relação original entre Cristo e a humanidade. Isso demonstrará que a substituição como é aplicada à morte de Cristo não é uma transação mecânica ou artificial, mas uma realidade ética e viva. a. A substituição e a personalidade. Consideremos um caso de substituição física mediante o contraste. Um arquiteto poderia colocar um bloco de granito no lugar de um de madeira para sustentar a esquina de um edifício, porque esse pareceu ser insuficiente para sustentar o peso. Essa é a substituição simples e física de um corpo no lugar de outro. Mas na esfera do pessoal, as lei físicas não são aplicadas. Aqui, as relações psíquicas e morais dominam. Tudo quanto acontece é por via da causalidade livre. E, no entanto, a personalidade humana tem uma capacidade para mudar outras personalidades, que é quase ilimitada. O homem que feriu o patriota revolucionário, Santiago Otis, e lhe impôs silêncio, projetou sua personalidade maligna na história americana, e a influenciou profundamente. O assassino de Abraham Lincon projetou sua maligna vontade no destino da nação e mudou o curso dos acontecimentos. Uma criança nascida em uma selva africana e destinada à selvageria é transferida por um ato de amor a um ambiente cristão em uma terra cristã, e chega a ser um santo. Em todos esses casos estamos tratando não com o poder ordinário de influência, boa ou má, nem com as relações meramente compassivas. Essas são formas de substituição. A esfera pessoal está constituída de tal maneira que uma personalidade pode ser projetada para o bem ou para o mal nos destinos de outras personalidades. Pois bem, se isso é certo quanto aos homens em geral, é mais certo acerca de Cristo, a quem devemos nossa personalidade. Ele nos fez pessoas, conforme sua imagem. Somos constituídos seres pessoais nele. Essa verdade é fundamental a toda sua obra de mediador conosco. O une a nós de maneiras únicas, excepcionais. Torna especialmente possível todas as suas relações redentoras conosco. b. A substituição e a moralidade. A idéia moral al­ cança sua mais perfeita expressão em amor para com outros. Ser justo e eqüitativo, falar a verdade, essas são formas elevadas de expressão para a lei moral. Mas a forma mais elevada é a que conduz à abnegação. Sendo assim, a pergunta da substituição é até onde pode chegar o amor no serviço a favor de outros. O cristão ensina que pode tomar o lu­ gar de outro. Tome-se o caso do professor na Nova Inglaterra, Bronson Alcott, que procurou imprimir em seus discípulos o valor da lei e a disciplina, exi­ gindo dos ofensores que castigassem seu professor. Não é estranho que o ofensor ficasse com o cora­ ção despedaçado. A exibição do amor vicário, com­ binado com a severa lealdade, foi uma tremenda moral dinâmica. Outros casos dessa classe podem ser narrados. Os homens negam a substituição na propiciação porque não a concebem em elevados termos éticos. A mais elevada forma de amor é a que conduz à substituição. c. A substituição e a experiência cristã. As palavras de Paulo são: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim..." (G1 2.20). Consideremos essas notáveis palavras. A velha personalidade de Paulo morreu. Uma nova personalidade se levantou. Paulo nunca tão livre; nunca foi tão consciente de sua liberdade como cristão. E como se ele estivesse dizendo: "Já não sou eu quem vive. Outro vive em mim. Minha personalidade atual é a personalidade dele. O que sou eu agora é todo derivado de Cristo. Na verdade, é Cristo quem vive em mim". Aqui foi a substituição da vida de Cristo em lugar da velha vida de Paulo, a personalidade de Cristo, em lugar da velha personalidade de Paulo. Pois bem, era com semelhante experiência que Paulo olhava e interpretava a cruz de Cristo. O que se teria verificado na experiência pessoal de Paulo ter-se-ia verificado quanto à humanidade quando morreu Cristo. Em sua morte propiciatória Cristo se projetou como um poder redentor em uma humanidade carregada de pecados. Era fácil para Paulo compreender isso. Sua experiência da substituição de Cristo em lugar de sua anterior consciência farisaica tornou fácil para ele conceber a grande verdade de que a obra propiciatória de Cristo era também obra de substituição com relação à humanidade. d. A substituição e a relação original de Cristo com a humanidade. A união da divindade e da huma­ nidade em Cristo tornou possível a realização da obra propiciatória. Como divino, sustentava uma relação com Deus que um homem comum não po­ deria sustentar, e como homem divino podia fazer pelos homens o que outro homem não podia fazer. A substituição nesse caso não é simplesmente o traspassar da responsabilidade moral de um homem a outro, nem consistiu meramente em que um bom homem substituísse os homens maus para saciar uma vingança divina. Essa forma de objeção é fre­ qüentemente apresentada. Alega-se que toma imoral a propiciação. Mas perde sua força no momento em que conhecemos a relação de Cristo com a huma­ nidade na condição de Criador. Se a personalidade humana pode ser projetada na vida de outros, e se o amor humano pode variar a si mesmo até o ponto de efetuar substituição em lugar de outros, muito mais pode o Cristo divino-humano projetar sua persona­ lidade e manifestar assim seu amor. Nunca devemos perder de vista o fato de que Cristo dá a essa obra propiciatória sua dignidade e valor. I. Areferência d a propiciação emrelação a D eu s e ao h o m em Voltemos à primeira pergunta que nos foi apresentada entre as várias teorias da propiciação; isto é, se a obra de Cristo na cruz tinha referência a Deus ou ao homem, ou a ambos; se a necessidade da propiciação existia em Deus ou no homem. Levando em conta a discussão anterior não pode haver senão uma só resposta à pergunta. A necessidade existia tanto em Deus como no homem. 1. Notemos primeiramente a referência a Deus. Não esta amos contentes ao dizer com Anselmo que a honra de Deus foi mantida, nem com Grócio que o governo de Deus foi assegurado pela obra expiatória de Cristo. Esses são aspectos externos do caráter de Deus. A honra e o governo de Deus certamente são conservados. Mas isso é porque são expressões exteriores da natureza de Deus, e não a mesma natureza interior. A propiciação de Cristo foi a mais profunda expressão do amor de Deus. A forma que tomou devia à ordem moral estabelecida por Deus ao fazer o homem um ser livre à sua imagem. O que chamamos de lei moral é a expressão da na­ tureza de Deus. A lei do pecado e da morte é simplesmente o outro lado da lei moral e, igualmente, uma expressão daquela natureza. A necessidade divina na propiciação procede, pois, ao próprio ato. Teve origem quando entrou o pecado. Na verdade, sua existência em Deus foi anterior ao pecado. É uma necessidade eterna por causa do que Deus é em si mesmo. Ao seguir, portanto, a propiciação até sua origem, não nos deparamos com a lei divina, ou com o governo divino, ou com a honra divina. Passamos através disso a algo mais profundo: a natureza divina. Essa, mais que qualquer coisa, é a fonte e a origem do amor propiciatório. A necessidade implícita na obra do redentor era a perfeita conformidade ao ideal moral, a sujeição à operação do princípio pecado-morte na linhagem pecaminosa do homem. Essa conformidade e sujeição foram exigidas porque a natureza do homem e a ordem moral em que pecou eram uma expressão da própria natureza moral de Deus. Entretanto, naquela ordem moral para redimir ao homem, era preciso que o redentor se conformasse com as leis de sua constituição. Por tudo isso, pois, é claro que a propiciação estava baseada em uma necessidade em Deus. Que também era o dom moral de Deus. Deus deu a seu Filho. Segue-se, naturalmente, que Deus a aceitou como suficiente por seu propósito. Argumentou-se aqui que Deus não pode exigir e também prover a propiciação. Essa objeção é só aparente. Deus exige o arrependimento do pecador e o confere. Exige toda a perfeição moral e a distribui. Agostinho expressou a natureza essencial das relações de Deus conosco na oração: "Dá-nos o que tu mandas, e manda o que tu queres". Somos feitos dependentes de Deus ao sermos feitos livres e responsáveis. A propiciação foi um cumprimento dessas duas relações. Outra objeção é que o amor de Deus não poderia ser livre se exigia uma propiciação a fim de conceder o perdão. A objeção já foi contestada no que se disse acima. A espontaneidade do amor perdoador de Deus é mais ensinada que anulada pelo dom de Cristo. A mesma objeção poderia ser feita contra a própria encarnação. O fato é que o amor de Deus nunca operou mais espontaneamente que na encarnação e na propiciação. Foi o amor quem derrubou todas as barreiras com a finalidade de alcançar o homem. Era "amor extremo". Era graça que sobrepujou o pecado excessivo. 2. Consideremos em seguida a referência da propicia ao homem. Essa referência pode ser resumida nos seguintes pontos: (1) A propiciação produz no homem um arrependimento adequado. Revela a natureza do pecado, quanto é abominável a Deus e o juízo de Deus contra ele. Só por meio dela o pecador entende o pecado. E somente como o entende é pode arrepender-se verdadeiramente. O pecador vê na cruz o perdão espontâneo de Deus, mas não sem custo para ele. Esse custo em padecimentos é tão espontaneamente proporcionado como é dado também espontaneamente o perdão. O custo da propiciação desperta no pecador uma justa apreciação do pecado. Só assim arrepende-se verdadeiramente. É perdoado, pois a propiciação produziu nele um estado que clama por perdão. Toda a verdade na teoria da influência moral, e mais ainda, está contida na declaração anterior. (2) A propiciação destrói a consciência legal do pecador tor­ nando-se a base de sua justificação. A justificação pela fé é o método de Deus para capacitar os homens peca­ minosos para passar da consciência legal a filial. Muitos entenderam muito mal a justificação, e a descartaram como um resquício do judaísmo de Paulo, um conceito meramente legalista de salvação. É exatamente o contrá­ rio. E o modo que tinha Paulo de destruir o legalismo judaico. Se a justificação se limita ao que acontece em um tribunal de justiça quando um criminoso é perdo­ ado, e se a fé é restringida em seu significado a uma mera crença da própria verdade, então a justificação por fé é judaizante e legalista. Mas essa é uma perversão do significado que o Novo Testamento dá à justificação e à fé. Na justificação ensinada no Novo Testamento, Deus computa nossa fé em Cristo como justiça (veja Rm 4.3-8; também 4.22-25). E a fé, segundo o Novo Testamento, dá por resultado uma união vital com Cristo. Assim, uma união essencial de vida combina-se com uma declaração formal. A declaração formal é que a pena é remetida, a condenação é retirada, um novo estado é conferido. Essa declaração formal, no entanto, não é tudo. Uma nova união vital é estabelecida. A justificação do Novo Testamento é elevada bem acima de todo o mero legalismo pela frase qualificadora “por fé". O princípio de fé da justificação muda assim o lado formal e legal em algo vital. Ao mesmo tempo a declaração formal, ou o computar a fé por justiça, liberta a mente do pecador para sempre de toda dúvida quanto a seu estado diante de Deus. Até que se faça aquela declaração naquele ato justificador de Deus a seu favor, só pode ter uma consciência legal. O homem que conhece o significado do pecado e tem um sentido de delito e condenação nunca pode se elevar sobre a dúvida que vacila e sobre a inquietude da luta espiritual, sem um ato justificador de parte de Deus. Nunca pode se elevar à perfeita confiança e amor filiais até que se tenha resolvido o problema do pecado. Deduzimos, pois, que a doutrina da justificação pela fé ensinada no Novo Testamento, baseada sobre a obra propiciatória de Cristo, promove os interesses morais e espirituais de duas maneiras: em primeiro lugar, une a alma com Cristo em uma união vital que é potente para toda aquisição moral; e segundo, provê as necessidades da consciência que tem os homens do pecado e delito, e assim capacita-os para elevar-se à consciência filial de verdadeiros filhos de Deus. Certamente, pode-se abusar da doutrina da justificação assim como de todas as demais boas coisas. Mas se podemos evitar abstrações a seu respeito e nos atermos ao que ensina o Novo Testamento sobre ela mesma, os abusos passarão. É possível objetar-se que a consciência de pecado e delito seja algo meramente subjetivo. Que o homem ima­ gina uma ira de Deus que não existe; e é atormentado pela idéia da condenação e punição quando essas são meras ficções da imaginação. Essa objeção é comum à maior parte das teorias que procuram debilitar o elemento do custo da propiciação. Há várias maneiras de replicar. Uma é que retirar a consciência de pecado e delito por meio de explicações é muito perigoso para a ética. A consciência é o ponto central em nossa natureza moral. O sentido de delito é inerente na consciência pecaminosa, a punição acompanha o delito tanto em nosso pensamento como de fato. A validade e a verdade da consciência de delito são estabelecidas pelo fato da punição da experiência. Não podemos eliminar de nossa experiência o padecimento, especialmente a morte como a conseqüência do pecado. Bushnell e Harnack reconheceram o fato de nossa cons­ ciência de delito e a necessidade da propiciação com suas "formas do altar" de substituição e propiciação enquanto negam a necessidade objetiva dessas formas. Mas fare­ mos bem em deduzir que se a necessidade da alma está tão claramente definida em sua consciência de pecado e delito, a resposta à necessidade deve corresponder sendo fundamentada no fato. Outrossim, no que dissemos acima, acrescentamos que a consciência de pecado e delito tem como correlativo todos os mais altos valores morais. Esses valores são tão altos quanto seus opostos são baixos. A virtude é exaltada em tal grau, que o vício é degradado e degradante. A consciência filial dos filhos de Deus é nobre de maneira correspondente ao grau em que o oposto àquela cons­ ciência é desprezível. Se tivermos que conservar a ética pura e elevada, devemos evitar o enfraquecimento do sentido de pecado, além de resgatar, com explicações, o sentido de delito. (3) A propiciação é uma dinâmica poderosa na experiência humana. Como isso produz vários gêneros de resultados morais e espirituais, só podemos mencionar uns poucos. a. Um desses é psíquico. A propiciação de Cristo cria no homem a segurança de sua aceitação de parte de Deus. A reconciliação que Cristo efetuou na cruz, visto como o motivo da aceitação do pecador de parte de Deus, divide sua vida com o poder de uma convicção permanente. Os cristãos naturalmente às vezes duvidam. Mas não necessitam duvidar. Além disso, a obra propiciatória de Cristo desperta no cristão as mais profundas fontes de gratidão. Também humilha seu orgulho, porque desperta nele um sentido de obrigação ilimitada para com Cristo. As mais profundas fontes de lealdade, amor e devoção são assim abertas. Essa qualidade dinâmica da propiciação se mostra de muitas formas na experiência dos cristãos. A devoção inacabável de Paulo, sua lealdade sublime, seus padecimentos e trabalhos nasceram de seu profundo sentido de gratidão ao Filho de Deus que, como ele declara, "... me amou, e se entregou a si mesmo por mim". A mesma experiência se reflete nos hinos dos séculos cristãos. Um profundo sentido de obrigação a Cristo existe no interior da maior parte deles. Ele é o refúgio que tem a alma para livrar-se do pecado e da tentação, é sua fortaleza no pesar; é sua espe­ rança para o futuro. Esses hinos foram criticados por carecer da "explicação social". A crítica pode ser, em parte, justa. Mas nenhum esforço pelo me­ lhoramento social pode esperar ter êxito em grande escala se carece do reforço dinâmico do evangelho. Nada poderia promover melhor o esforço social que uma volta à propiciação de Cristo e uma interpre­ tação dela em suas relações sociais. b. A propiciação é uma dinâmica poderosa na vida moral e espiritual dos crentes. A união mística do cristão com Cristo é, como já vimos, a reprodução do princípio da cruz na vida espiritual. A vida cristã resume-se nesta frase: "... Cristo [é] em vós a esperança da glória". Eis onde vemos a resposta a uma velha objeção: "Como pode ser explicado o fato de castigar um homem inocente para que os pecadores possam ficar livres? Ambos os atos são eticamente indefensáveis". A objeção baseia-se em uma falsa analogia, e não manifesta o caso por inteiro. Cristo não é simplesmente "um homem inocente". E o criador da humanidade. Quando na propiciação ele assume a responsabilidade, essa é uma parte da responsabilidade original implícita em seu ato criador. Além disso, não é simplesmente um caso no qual se deixa "livres aos criminosos". Os que são libertos por Jesus Cristo já não são criminosos. Ele os transforma em santos de Deus. Sustenta uma relação causai com sua vida moral e espiritual. Volta a criá-los moralmente. Em resumo, o ato histórico de Cristo sobre a cruz é também o princípio de um procedimento vital e espiritual no coração humano. As duas coisas estão indissoluvelmente unidas. J. U m a discussão acerca d o s atributos d eD eu sn a propiciação Perguntamos: Que atributo ou qualidade de Deus predomina na propiciação? O que condiciona a obra salvadora de Cristo: a justiça, o amor ou simplesmente a soberania divina? A resposta é que nenhum desses, tomados por si só, mas todos combinados. A propiciação não era o mero regulamento da soberania divina, como afirmam alguns, sem referências a outras qualidades de Deus. Nem era uma provisão de sua justiça, à qual o amor estivesse subordinado, nem de seu amor do qual sua justiça fosse secundária. A propiciação não foi o produto de nenhum atributo isolado de Deus. Foi na verdade a expressão do ser interior do Deus justo e amoroso, que é soberano. Deus atraiu para si o mundo por uma corda que foi composta por dois cordões, a justiça e o amor. A propiciação não foi, pois, um simples expediente utilitário para efetuar um fim que poderia ter sido efetuado de outra maneira. Foi, sim, um empreendimento divino, no qual os requisitos da justiça e do amor foram sendo satisfeitos a cada passo. Aqui, como em outras partes, devemos pensar em Deus como um ser unitário, e não permitir que o pensamento e atributos separados nos desviem. L . A extensão d a propiciação A propiciação de Cristo foi feita por todos os homens. Sua relação para com a humanidade, já mencionada, envolvia a conseqüência de que morresse por todos. Existem numerosas passagens da escritura que não permitem pôr isso em dúvida. Em João 3.16 declara-se que "... Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho"; em Hebreus 2.9: "... para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos"; em 2 Pedro 2.1 declara-se que os falsos mestres condenados à destruição negaram "até o Senhor que os resgatou". Em 1 João 2.2 lemos: "Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo". Em 1 Timóteo 2.6 também encontramos a mesma afirmação desta forma: "o qual se deu a si mesmo em resgate por todos". Em Tito 2.11 lemos: "Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens". Em 1 Timóteo 4.10 faz-se uma distinção entre toda a humanidade e os que crêem: "... porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem". A última passagem torna evidente a doutrina de que • nem todos os homens participam igualmente dos benefícios da propiciação de Cristo. Os que permanecem na incredulidade não são salvos. Contudo, eles participam de muitas das bênçãos comuns da vida pela obra de Cristo. A ira de Deus contra o pecado humano é restringida com o fato de que os homens se arrependam. A Bíblia proporciona todo o motivo e súplica para induzi-los ao arrependimento. M . A intercessão d e Cristo O Novo Testamento ensina que Cristo intercede agora por nós na presença do Pai. Não pensamos nisso como se fosse uma oração pronunciada. É, na verdade, a atividade contínua de realizar a obra de expiação e torná-la eficaz para os homens. Ele "... vive sempre para interceder por eles" (Hb 7.25). "... se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai" (1 Jo 2.1). "... Cristo Jesus é quem morreu [...] e também intercede por nós" (Rm 8.34). Cristo intercede pelos transgressores (Is 53.12; Lc 23.34), e naturalmente intercede por seu povo. As passagens que acabamos de citar esclarecem essa questão. Há muitas outras (Ef 1.6; At 2.33; Mt 18.19,20; Hb 2.17,18). O Espírito Santo intercede por nós em nosso coração. Ensinanos a orar. Faz intercessão por nós com gemidos inexprimíveis (Rm 8.26,27). A intercessão de Cristo no céu e a do Espírito na terra estão em perfeita harmonia. Aqui, como em outras partes, o Espírito Santo toma as coisas de Cristo e no-las mostra. Capítulo 14 A eleição: a iniciativa de Deus na salvação A . A soberania d eD eus No capítulo 11 ("A providência de Deus") fizemos breve referência à soberania de Deus. Alguns tópicos intimamente relacionados foram também ali discutidos. E necessário neste ponto considerar a soberania de Deus em sua relação com a salvação humana. Essa relação é regularmente expressa pelos termos predestinação ou eleição. Esse assunto será tratado no devido tempo. O tópico envolvendo eleição ou predestinação versa sobre a questão acerca de quem toma a iniciativa na salvação: Deus ou o homem. Nesse assunto estão incluídas todas as outras questões implícitas no problema geral. Por isso, adotamos e expressamos aqui o seguinte princípio: a iniciativa de Deus na salvação dos homens. Como na criação, assim também na redenção, a verdade fundamental é expressa na linguagem de Gênesis 1.1: "No princípio [...] Deus..." O motivo, o método e o fim da salvação humana, todos têm sua origem na natureza do Deus infinitamente santo. A iniciativa foi de Deus, não do homem. Em resumo, esse é o significado da soberania divina como está relacionada com nossa salvação. Todos os sistemas de teologia estão obrigados a reconhecê-la como uma verdade fundamental, apesar do fato de muitos sistemas deixaram de aplicá-la adequadamente. 1. Ao abordar o assunto devemos evitar certos erros maneira de conceber a soberania de Deus. O principal deles é o hábito de fazer com que a soberania de Deus dependa de sua "simples vontade" ou "beneplácito". É o mesmo gênero de erro que discutimos em relação com a propiciação. Muitos dos mesmos cuidados gerais são necessários aqui. O perigo é a falácia do método abstrato. Estamos em perigo de tomar um só aspecto, ou atributo, ou qualidade da natureza divina em lugar da natureza divina como um todo. Podemos no pensamento tomar a vontade de Deus à parte de sua justiça e de seu amor, e combiná-la com seu poder infinito. Ao agir dessa forma, estamos em perigo de conceber a Deus como um déspota em vez de um ser que ama a todos e procura seu bem. Em suma, devemos evitar o método abstrato, para pensar em Deus como é revelado nas escrituras, e especialmente como é revelado supremamente em Cristo. Deus é mais que vontade. É uma Pessoa infinita rica em todos os atributos morais. E o Pai eterno, assim como Cristo é o Filho eterno. Não devemos nunca, pois, exaltar tão-somente a vontade de Deus, à parte de seu caráter como é revelado, em nossos esforços para definir a soberania dele. 2. Algumas formas mais antigas de calvinismo nos servi­ rão como exemplos do perigo que estamos considerando. Duas dessas formas podem ser mencionadas. As duas se originaram por conseqüência de aplicar as formas rígidas da lógica à idéia da soberania de Deus como inerente apenas em sua vontade. Uma forma afirmava que Deus predestinou a alguns homens à vida eterna para exibir assim seu amor, e outros à morte eterna para exibir sua justiça, e que criou os homens para esses fins. Seguiu-se disso que a propiciação de Cristo foi feita, não para todo o mundo, mas apenas para os eleitos. A outra era uma forma um tanto mo­ dificada dessa idéia. Sustentava que o propósito de criar precedia ao propósito de salvar. Juntamente com isso, porém, sustentava-se que alguns foram escolhidos para a salvação eterna e outros para a reprovação ou condenação eterna. A propiciação limitada era também um elemento essencial nesse modo de pensar. 3. Nessas idéias temos um exemplo notável do método abs­ trato. Isso se deu ao fato de os proponentes conceberem a "mera vontade" de Deus à parte de seu caráter, e, com essa falsa pre­ missa, procederam a tirar falsas conclusões com base em uma lógica rígida. Indubitavelmente, essas idéias contêm uma verdade: a salvação dos indivíduos deve ser atribuída à iniciativa de Deus. Ele deu os primeiros passos e continuou em sua bondosa ativida­ de com a qual os homens foram salvos. Não é certo, porém, que Deus criou a alguns homens expressamente com a finalidade de condená-los, porque não é sua vontade que alguns pereçam, mas que todos vivam. Não é certo que a propiciação de Cristo fosse limitada. Era uma propiciação universal, como já foi observado. Não é certo que, ao condenar ou salvar homens, Deus tenha agido de maneira arbitrária, semelhante a um déspota humano. Ele era e é o Pai pessoal, eterno e santo de nosso Senhor Jesus Cristo. To­ dos os seus procedimentos para com a humanidade são coerentes com esse fato supremo. Essa consistência foi a causa principal da revelação de Deus a nós em Cristo. A fim de entendermos a soberania de Deus para salvar aos homens, é necessário que estudemos brevemente a doutrina bíblica de seu propósito eterno para com os homens. Só à luz desse propósito mais geral podemos entender seu método em salvar os indivíduos. B . Dpropósito d eD eus co m relaçio à hum anidade Se abandonarmos a maneira abstrata de pensar a soberania de Deus e a definirmos segundo o ensino das escrituras, depararemos desde logo com um ambiente distinto. A soberania se transforma imediatamente em uma manifestação gloriosa do amor de Deus pela humanidade. Há quatro declarações que podem ser feitas para expressar essa verdade. 1. A primeira é que, desde o princípio, o bondoso propós de Deus não foi nacional, mas para a humanidade. Olhou não apenas uma só família, ou nação, mas a toda a humanidade. Houve famílias escolhidas e uma nação escolhida. Mas essas não só eram fins em si mesmas, mas também eram meios para efetuar um fim mais amplo. Em uma crise da história do mundo, Noé e sua família foram escolhidos como o duto da bênção de Deus à humanidade. Mais tarde, Deus escolheu Abraão cujos descendentes chegaram a ser a nação de Israel. A promessa de Deus a Abraão foi a revelação de seu propósito para com a humanidade: "Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome; e tu, sê uma bênção. Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.2,3). Essa promessa foi repetida a Abraão várias vezes substancialmente da mesma maneira. Não entenderemos corretamente o chamado de Abraão a menos que vejamos nele a manifestação do propósito da graça de Deus para todo o mundo. 2. A segunda declaração é que o curso da história Antigo Testamento mostra claramente que o propósito invariável e conseqüente de Deus foi o de conferir seu favor ao mundo inteiro por meio de Israel, que chegou a ser uma nação, um povo escolhido e santo. Por último, foi destruído por causa de seu orgulho e justiça própria, e de sua cegueira espiritual. Deus havia feito de Israel um povo exclusivo com um fim universal. Israel tornou-se farisaico em espírito. Mas o tesouro espiritual não foi perdido para a humanidade. Só precisamos ler as mensagens dos profetas em todas as grandes crises da nação para entender o plano de Deus. Era tão vasto que incluía a todos, com o qual operava por meio de Israel. Isaías recorda a Israel a mensagem de Jeová: "... também te porei para luz das nações, para seres a minha salvação até a extremidade da terra" (Is 49.6). Também diz: "Pois eis que as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti o Senhor virá surgindo, e a sua glória se verá sobre ti. E nações caminharão para a tua luz, e reis para o resplendor da tua aurora" (Is 60.2,3). Essas passagens representam uma grande classe de declarações proféticas. Quando a nação foi destroçada pelo cativeiro, os profetas vieram com conceitos mais amplos de Deus como a chave do significado da grande tragédia. 3. A terceira declaração é que a encarnação e a propiciação de Cristo implicam e envolvem o mesmo propósito universal da graça de Deus. Cristo era o "Filho do homem" e não meramente um judeu do primeiro século. Sua encarnação o tornou orgânico com a humanidade. Como já vimos, sua propiciação foi para todos. A Grande Comissão inclui expressamente "todas as nações" e "toda criatura" no destino ou meta do evangelho (Mt 28.19, 20; Mc 16.15,16). 4. A quarta declaração é que a história e o ensino do Novo Testamento confirmam em geral a interpretação que acabamos de dar da encarnação e da propiciação. O livro dos Atos narra a extensão do evangelho entre a humanidade. A eleição do apóstolo Paulo e sua missão mostram a universalidade do evangelho. Sua doutrina da justificação pela fé contradizia definitivamente a estreiteza judaica, que havia exigido que os conversos se fizessem judeus em princípio e prática. Em Efésios, Paulo declara que a universalidade do evangelho era o segredo das eras, agora dado a conhecer por meio de Cristo (Ef 2 e 3; especialmente 3.4-13). O livro do Apocalipse, em muitas partes, deixa-nos contemplar por meio de visões grandes multidões de todas as nações, tribos, línguas e povos, redimidas para Deus pelo sangue de Jesus Cristo. Do que acabou de ser dito, extraímos as seguintes conclusões: primeira, os pormenores do plano soberano de Deus para os homens podem ser mais bem entendidos à luz de seu plano mais vasto para a humanidade. Seu método de salvar os indivíduos pode ser mais bem entendido somente em seu contexto do plano e propósito mais amplos. Segunda, tudo o que pode à primeira vista parecer arbitrário ou caprichoso nos procedimentos de Deus para com os homens deixa de ser assim quando se olha à luz de seu bondoso propósito para com a humanidade. Terceira, quando há demora na execução de seu bondoso propósito, isso não se deve à indiferença da parte dele para o bem-estar humano. Resulta, sim, das necessidades da situação. Os escritores do Novo Testamento, especialmente Paulo, falam da "plenitude dos tempos" como um princípio no desenvolvimento do plano de Deus. Pode ser que a demora seja essencial para o cumprimento do fim a que se propõe. A quarta conclusão é que Deus nunca perdeu o interesse pelas nações gentias. Nunca pôs a perder o direito delas. Sempre fez grandes e bondosos planos a favor delas. A quinta conclusão é que a lógica, ainda que seja boa em si mesma, pode facilmente ser desviada, caso venha a começar com uma premissa falsa como a mera "vontade" de Deus concebida à parte de seu propósito revelado para com todas as nações, sua boa vontade para com toda a humanidade. Essa verdade não deve nunca ser deixada de lado. G . A salvação d o s Individuos Podemos discutir melhor a soberania de Deus na salvação dos indivíduos formulando e respondendo uma série de perguntas. A primeira versará sobre o ponto decisivo de diferença entre as teorias opostas da eleição. 1. Deus escolhe os homens para a salvação por causa suas boas obras ou por que vê que crerão quando o evangelho lhes for pregado? Sem dúvida, Deus prevê sua fé. A fé é, fora de contestação, uma condição da salvação. A pergunta é se ela é o motivo da salvação. As escrituras respondem a essa pergunta no sentido negativo. O evangelho é eficaz para uns e não eficaz para outros, porque a graça de Deus opera em alguns casos mais além do grau de sua ação exercida em outros. Há muitas passagens que ensinam isso. Citamos algumas. Jesus diz aos discípulos: "Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda" (Jo 15.16). Note-se aqui que os discípulos foram escolhidos não como um fim, mas como um meio para que dessem fruto, e que o objetivo haveria de ser alcançado pela oração. A eleição incluía em seu alcance as boas obras que haveriam de seguir à fé. Incluía também o poder na oração, a qual havia de ser a expressão da fé. A salvação é abundante em conteúdo. Não é uma simples libertação do pecado. A fé, que é a condição da salvação, é também o germe de uma vida frutífera. Jesus também diz: "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora" (Jo 6.37). Diz também: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia" (Jo 6.44). Com relação a pregação de Paulo e Barnabé, lemos: "... e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna" (At 13.48). Em Romanos 8.29,30, Paulo une a presença de Deus, a preordenação, o chamado, a justificação e a glorificação final dos santos em uma unidade espiritual, e atribui tudo ao propósito eterno de Deus. E em Romanos 9.11-13, o apóstolo se refere ao fato de que antes de seu nascimento, antes que Esaú ou Jacó pudessem saber o bem e o mal, e a fim de que "... o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme", escolheu a Jacó. Em Efésios 1.4 declara-se que Deus nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo. Em estrita associação com a verdade que acaba de ser mencionada está a outra verdade de que a fé, o arrependimento e as boas obras são dons de Deus. Em Romanos 12.3 lemos a respeito da fé: "... conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um". Também em Efésios 2.8,9: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie". Quanto ao arrependimento, surge o mesmo gênero de ensino. Em Atos 5.31 lemos:"... Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão de pecados". Em Atos 11.18 também se lê:"... Deus concedeu também aos gentios o arrependimento para a vida!" As boas obras dos cristãos também são atribuídas a Deus. Em Filipenses 2.12,13 lemos: "... efetuai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade". E também em Efésios 2.10: "Porque somos sua feitura, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas". Seria fácil multiplicar passagens que mostram como o eficaz chamado dos pecadores ao arrependimento, sua regeneração e conversão são todos atribuídos à iniciativa e graça de Deus (veja At 18.9,10; Jo 1.13; 1 Jo 4.10; 1 Co 1.24-29; 11.29; G11.15,16). 2. A segunda pergunta é concernente à vontade e à elei humanas: A eleição de Deus limita a vontade do homem ou a deixa livre? A resposta é enfática: a vontade do homem não é limitada, mas é deixada em liberdade. O homem determina por si mesmo o livre ato de aceitar a Cristo e a salvação. Não teria escolhido se tivesse sido deixado só sem a ajuda da graça de Deus. Mas quando escolhe, efetua um ação livre. A graça de Deus não é "irresistível" do mesmo modo como uma força física é irresistível. A graça não opera como uma força física. É um poder moral, espiritual e pessoal. Aqui, defrontamo-nos com uma verdade grande e funda­ mental, a saber, o método moral pessoal e espiritual da graça di­ vina para salvar aos homens. (1) A apelação de Deus aos homens pelo evangelho dirigese às faculdades e poderes existentes no homem que o distinguem como um ser moral, espiritual e pessoal. O homem tem inteligência. O evangelho se dirige à inteli- gência. Como expressou Paulo: "Portanto, conhecendo o temor do Senhor, procuramos persuadir os homens" (2 Co 5.11). O evangelho é um evangelho de argumen­ to e persuasão. O homem também tem consciência. O evangelho é uma súplica intensamente moral dirigida à mais profunda consciência do homem. Paulo acrescenta à declaração anterior: "mas, a Deus já fomos manifestos, e espero que também nas vossas consciências sejamos manifestos" (2 Co 5.11). O evangelho é, dessa forma, um fortalecedor da moral. O homem também possui emo­ ções. O evangelho se dirige a todas as emoções huma­ nas próprias. A esperança é um grande elemento nele. "Porque na esperança somos salvos" (Rm 8.24). O amor é despertado em suas profundidades pela mensagem do evangelho. Não há outra coisa que valha se não há amor (1 Co 13). O evangelho produz tristeza segundo Deus: "Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar..." (2 Co 7.10). E assim por toda a lista das emoções humanas. O homem também tem vontade. O evangelho se dirige à vontade. A vontade desobediente é a única coisa que impede a salvação dos homens. Jesus disse aos judeus: "... mas não quereis vir a mim para que terdes vida" (Jo 5.40). Em suas palavras a Jerusalém, disse: "... quantas vezes quis eu ajuntar os teu filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o quiseste!" (Mt 23.37). Assim o evangelho desperta a vontade. Repetimos então que o evangelho da graça de Deus opera como uma força mo­ ral, espiritual e pessoal, e não como uma força física. Os homens sempre tiveram a tendência de pensar na graça que elege como se fosse dinamite ou algum outro gênero de força material compelindo os homens em vez de eles serem persuadidos por uma força moral. A graça não chega a ser eficaz enquanto os homens não respondam a ela. O pregador pode se dirigir ao temor ou à esperança. Pode abranger toda a série das emoções humanas. Pode dirigir-se à razão, à vontade, à consciência, à imaginação. Mas seja qual for a forma adotada, sua mensagem quer produzir uma resposta livre da vontade do homem. A graça de Deus operando por meio da mensagem de Deus, e juntamente com ele, deseja obter o mesmo resultado. Vê-se supremamente como graça quando produz essa livre resposta no homem. (2) Uma segunda verdade contida na verdade geral de que o método de Deus é moral, espiritual e pessoal é esta: Deus emprega um sistema de meios. Entre esses, os mais proeminentes são a igreja e suas ordenanças, a vida dos cristãos, o ministério, a Bíblia. Em resumo, os meios e o instrumento do evangelho se conformam com o método moral, espiritual e pessoal de Deus. Não é um sacerdócio com direitos exclusivos para se aproximar de Deus, mas um sacerdócio universal. Não é uma igreja que salva, mas uma igreja que é o lugar espiritual dos salvos. Não é uma série de sacramentos que possuem poder mágico, mas ordenanças que simbolizam a verdade para o discípulo que discerne. Não é por encargos humanos da graça de Deus para conferi-la aos que se fazem obedientes à igreja, mas pregadores que proclamam uma salvação para todos os que queiram crer. Em todos os aspectos, os meios são assim morais e espirituais. A graça de Deus que elege, opera por semelhantes meios e efetua a salvação dos homens. (3) A terceira verdade é que o Espírito Santo opera em con­ formidade com o método moral, espiritual e pessoal de Deus. A obra do Espírito Santo é a de ensinar, de guiar, conduzir, de tomar as coisas de Cristo e mostrá-las aos discípulos (Jo 16.7). A obra do Espírito Santo é resumida como a demonstração moral da verdade do evangelho. Isso é visto em João 16.8-11, em que se descreve sua obra como convicção de pecado, de justiça e de juízo. Não é prova meramente para a inteligência. Não é meramente o despertar das emoções. Não é o simples poder exercido sobre a vontade do homem. É mais uma obra que contém todos esses elementos em uma convicção ou conquista moral na alma. Paulo emprega uma forma semelhante de declaração em que declara que sua pregação era em "de­ monstração do espírito e de poder" (1 Co 2.4). O método moral, espiritual e pessoal de Deus no evangelho inclui assim uma demonstração moral na alma pelo Espírito Santo de Deus. Agora voltemos a expressar a doutrina da eleição à luz dessas verdades. Não devemos pensar na eleição como uma simples escolha de tantas unidades humanas pela ação de Deus, independentemente do livre-arbítrio do homem e os meios humanos empregados. Deus elege os homens para que respondam livremente. Elege os homens para que preguem persuasivamente e testifique convincentemente. Elege a alguém para que se aproxime dos homens por suas faculdades naturais e pela igreja, pelo evangelismo, pela educação e pelo esforço missionário. Devemos incluir todos esses elementos na eleição. De outro modo, dividimos o decreto de Deus em partes e omitimos uma parte essencial. A doutrina pode ser apresentada como um mero fragmento que conduz a muitos erros. Podemos ilustrar nossa resposta à pergunta sobre o livrearbítrio do homem apresentada no princípio desta seção, como segue: Quando Deus salva A, decreta duas coisas, isto é, que A seja um agente ou meio para transmitir aquelas bênçãos a B. De maneira semelhante, deseja que B seja um meio de bênção para C, e assim sucessivamente. Pois bem, a graça de Deus salva A, não por um simples perdão e justificação. A graça de Deus para salvar a A significa o amor, a empatia, as orações, os esforços e lutas de A para salvar a B. A graça de Deus não é exercida plenamente ao salvar A a menos que A permita que a graça desperte nele um desejo, anseio, oração, esforço por B. Esse desejo, anseio, esforço é uma parte essencial da salvação de A. O propósito de Deus para com A fracassa a menos que a graça volte a aparecer em A como terno amor para com os perdidos, para com B. A salvação que Deus traz aos homens é um dom muito mais precioso que o que os homens às vezes imaginam. Não é o fato de arrebatar uma unidade humana daqui e dali, como um tição que é retirado do meio do fogo. E dessa forma, mas é muito mais. É uma salvação que opera por meio de agentes e atuações humanas, e que abrange uma grande série de relações e influências humanas. 3. Uma terceira pergunta acerca da soberania de Deus é esta: Podemos reconciliar a soberania de Deus e o livre-arbítrio humano com sua graça da eleição? A resposta é negativa. Estamos tratando aqui extremas formas de experiência e pensamento. É um ensino muito pernicioso e muito perigoso a idéia de que a soberania de Deus sustenta-se de maneira abstrata e distinta de nossa liberdade, ou a de que a liberdade do homem sustenta-se de maneira abstrata distinta da soberania de Deus. Somos conscientes da liberdade como um fato último da experiência. Somos forçados a crer na soberania de Deus como uma necessidade última do pensamento. Alguém se expressou assim: "Sou predestinado: isso é falso. Sou livre: isso é falso. Sou predestinado e livre: isso é verdadeiro". A palavra "destino" (ou sorte) não é própria para expressar nenhuma relação com Deus. Mas separadamente disso, a declaração anterior sugere a grande verdade de que estamos tratando. 4. A quarta pergunta é: Podemos indicar alguma razão por que Deus adotou o método da eleição para salvar aos homens? A resposta é que não podemos entendê-lo plenamente. Mas há algumas razões que lançaram luz sobre o assunto. Precisamos recordar, antes de tudo, que Deus está limitado em seus métodos pelos fins morais de seu reino. Suas limitações são, naturalmente, impostas por si mesmo. Mas o governam uma vez adotadas. Deus está limitado de duas maneiras em seu procedimento para com os homens. Em primeiro lugar, está limitado pelo livre-arbítrio humano. Ele nos fez livres. Não quer restringir o homem quanto ao que escolheu. Se o fizesse, destruiria nossa liberdade. Deixaríamos de ser pessoas e viríamos a ser coisas. O problema de Deus é o de salvar os homens e ao mesmo tempo deixá-los livres. Esse é o maior e mais difícil de todos os problemas. Esse problema, que explica o problema de atuações morais, espirituais e pessoais, é o que estamos considerando. Deus não pode tomar a alma apenas pela onipotência. Não pode sitiar a vontade e tomá-la de assalto, vencendo-a e destruindo-a. Isso não a salvaria, apenas a devastaria. Os agentes humanos de redenção — a persuasão, o argumento, os rogos, a oração, a influência pessoal (em resumo, as forças morais e espirituais) — são as únicas que valem para efetuar o fim proposto. Deus está limitado pela liberdade do homem. Deus também está limitado, em seu método, pelo pecado humano. O pecado escraviza o homem. O homem está dotado de liberdade moral, mas sua vontade tem uma tendência que inevitavelmente não o leva a desejar o evangelho, exceto quando é ajudado pela graça de Deus em Cristo. Não é meramente uma questão de habilidade, mas de inevitabilidade. O homem inevitavelmente escolhe o mal. A mente carnal não está sujeita à lei de Deus, nem pode estar. Esses dois pensamentos devem agora ser combinados. Se o homem é livre, e se inevitavelmente despreza o evangelho, a menos que seja ajudado pela graça divina, qual será o resultado? Ninguém será salvo. Mas se Deus intervém, só pode ser por uma forma de eleição. Mas ao adotar o método da eleição, precisa operar de maneira moral, espiritual e pessoal sobre o homem, o ser moral, espiritual e pessoal. Precisa reduzir sua ação ao mínimo para não compelir a vontade. Precisa intervir o suficiente para assegurar o resultado, porque o procedimento moral e espiritual é gradual. O caráter vem gradualmente. A regeneração é instantânea. Mas o novo nascimento não é senão o princípio do novo caráter em Cristo. A pregação, a persuasão, enfim, todas as atuações morais e espirituais precisam de tempo. Se a salvação fosse alcançada como um todo completo num instante, se o caráter pudesse ser erguido de um só golpe, o caso poderia ser diferente. Deduzimos, pois, que Deus está limitado pela liberdade humana e pelo pecado ao método da eleição, e que, para executar seu propósito, ele tem, em razão dessas limitações, de agir paulatinamente e por agentes humanos. 5. Uma quinta pergunta é: Não seria mais eqüitativo e ju que Deus deixasse o homem rejeitar ou aceitar quando o evangelho lhe fosse pregado, sem nenhuma prévia eleição da parte dele? A resposta é que se o resultado final é a salvação de alguns e a perdição de outros, qualquer outro sistema teria de se referir por fim à soberania e eleição de Deus. Assumamos que essa graça é ofertada do mesmo modo a todos. Alguns a recebem; e outros a rejeitam. Os que a recebem se salvam; os que a rejeitam se perdem. Logo, a soberania e a eleição de Deus operaram eficazmente apenas para os que a receberam. Assumamos também que ao ser essa graça oferecida igualmente a todos, alguns respondem e crêem por serem moralmente melhores, ou menos obstinados em sua vontade, ou mais fáceis de crer, ou por qualquer outro motivo concebível. Se uns se salvam, e outros se perdem, é porque Deus achou por bem oferecer um evangelho adaptado para influenciar um grupo, e não adaptado para influenciar outro. Como observamos no começo, a verdade fundamental é a de Gênesis 1.1: "No princípio [...] Deus". Ao se assumir que Deus pode salvar a todos, mas recusa fazê-lo, então qualquer plano, seja qual for, leva consigo a idéia de uma eleição baseada sobre a soberania de Deus. Nossa própria opinião, como acabamos de manifestar, é que, sob as condições morais e espirituais implicadas no pecado e na liberdade do homem, Deus não poderia salvar a todos. A eleição de Deus vem a ser efetiva por graça especial não baseada de maneira nenhuma no mérito humano, nem em nenhum princípio de parcialidade nem de seleção arbitrária. Ao contrário, ele escolhe por um princípio que torna possível um movimento rápido em direção ao seu propósito para com a raça humana, propósito esse que abrange tudo. Nenhum caso de eleição de um indivíduo pode ser entendido plenamente quando é observado fora de sua relação com o plano e propósito universal. A pergunta seguinte ressaltará melhor esse ponto. 6. A sexta pergunta: Está Deus procurando salvar o mín possível ou o máximo possível? Às vezes os homens têm concebido a eleição como se fosse um plano para salvar o mínimo possível. Mas todo o teor da Bíblia indica o contrário. Aqui devemos falar com cautela. Mas há muitas indicações de que Deus está procurando salvar os homens com tanta rapidez como o admite a situação - em vista do pecado e da liberdade, e da necessidade de respeitar a liberdade humana. A hostilidade do mundo para com Cristo e as perseguições dos cristãos durante os primeiros séculos da era cristã mostram claramente que se e evangelho tivesse sido entregue prematuramente em toda sua plenitude poderia ter sido um desastre. Em um reino moral é preciso que os homens estejam preparados antes que sejam possíveis os progressos que se fazem nas grandes épocas. Primeiramente o pasto, em seguida a espiga, e finalmente o grão pleno na espiga; tal é o processo. Os pontos seguintes servirão para esclarecer o propósito de Deus de salvar não o mínimo possível, mas o máximo possível. (1) O propósito expresso no chamado de Abraão. Já vimos claramente que o propósito de Deus nesse chamado era duplo: a bênção de Abraão e de seus descendentes, e a bênção, por meio deles, de toda a humanidade. Esse pro­ pósito mais amplo nunca desaparece da história do Antigo Testamento. Torna-se mais explícito na história posterior, depois do exílio, nos ensinamentos dos profetas. (2) A terra dada a Abraão e a seus descendentes sugere a mesma verdade. A Palestina estava no centro do mundo conhecido, junto ao mar central, o Mediterrâneo. Era o caminho real das nações que se dirigiam do Ocidente ao Oriente e vice-versa. A teocracia judaica era como um grão de almíscar depositado no próprio coração da humanidade para preparar toda a massa a seu devido tempo. A dispersão dos judeus em todas as direções foi a preparação para a extensão do evangelho. A sinagoga foi regularmente o núcleo e centro da evangelização. Os judeus convertidos serviram como pontes para cruzar o abismo até o mundo gentio. (3) A unidade do mundo sob o império romano quando Cristo nasceu e as facilidades para viajar a todas as partes dele eram partes da preparação divina para o apóstolo e o missionário que levavam a boa-nova da salvação. Desse modo, a boa vontade de Deus para com toda a humanidade começa a ser manifestada de maneira bastante notável. (4) A expansão do idioma e a cultura gregos como meio de transmitir a verdade do evangelho é outro sinal do plano universal de Deus. Alguém se expressou assim: "Como o rio Nilo em certa estação sai de seu leito e inunda uma área extensa, deixando seu depósito de terra fértil para o agricultor egípcio, e logo volta a pôr-se em seu estreito leito, assim também na providência de Deus a Grécia saiu de seus limites nacionais e deixou seu depósito de idioma e literatura, e logo voltou a pôr-se em seus estreitos canais". Esse idioma universal veio a ser o instrumento para a extensão do evangelho por toda a terra. (5) A carreira do apóstolo Paulo foi um fator notável nes­ sa grande série de causas secundárias. Isso é visto em sua mensagem e em suas viagens. Sua mensagem era o cristianismo manifestado em termos universais, e man­ tido com todo o vigor contra a estreiteza judaica e a ten- dência de fazê-lo uma seita judaica comum. Sua doutrina de justificação pela fé à parte das obras da lei o fazia ser proclamado tanto como uma religião gentia como judaica. As viagens de Paulo o conduziram ao Ocidente, e não ao povo sonolento e inativo do Oriente. Plantou o evangelho na Europa entre as raças agressivas, ambiciosas, indivi­ dualistas, inventivas, que, no devido tempo, haveriam de restaurar a primitiva fé de um vasto eclesiasticismo, tornando-a novamente uma religião conquistadora e missionária. Agora, em nossa época, presenciamos uma nova "plenitude de tempo", na preparação do mundo para o evangelho e um novo renascimento de vida e poder missionários. Assim, essa revista histórica sugere de maneira bem impressionante que a graça de Deus na eleição nunca tenha sido um princípio que se torne mais estreito, mas um que se torne mais amplo. Sempre houve uma ânsia para se preparar os homens para que recebessem bênçãos maiores que as que puderam receber imediatamente. Seu propósito e planos amadureceram com tanta rapidez como se pode ver em seu reino moral, espiritual e pessoal, e em suas forças apropriadas. Seu amor sempre procurou passar as barreiras que foram interpostas pelo pecado e pela incredulidade humana. 7. A sétima pergunta: Podemos descobrir algum princ que guiou o amor de Deus na eleição? Como resposta duas ou três coisas são perfeitamente claras. Em primeiro lugar, os homens não são escolhidos por causa de algum mérito de qualquer índole de sua parte. Essa é a marca que ocorre continuamente em todas a epístolas de Paulo. A salvação não é por obras para que ninguém se glorie. Seja qual for a razão para a salvação dos homens, não se deve a nenhum mérito ou valor moral neles. Em segundo lugar, é claro também que os homens são escolhidos para serviço no reino de Deus. Em nenhuma parte a Bíblia considera aos homens como átomos soltos não relacionados com outros homens. Essa eleição para serviço se aplicava a Abraão com já vimos. Aplicava-se a Israel como uma nação. Os últimos profetas interpretavam a missão de Israel como uma missão para a humanidade. Isaías especialmente insistia em que o "restante" de Israel era o profeta de Deus para ensinar às nações. O apóstolo Paulo pensava de si mesmo como um escolhido desde seu nascimento para seu apostolado e missão entre os gentios. Jesus disse expressamente a seus discípulos que ele os havia escolhido, para que fossem suas testemunhas. Deviam esperar até receber poder do alto após sua partida, a fim de que levassem adiante sua obra. Em terceiro lugar, que a seleção de Deus segue o curso que dará os resultados mais amplos no tempo mais curto. Os homens podem ser colocados em suas relações com outros homens de tal modo que sua eleição possa facilmente chegar a ser uma avenida para se aproximarem de outros, e esses por sua vez a outros mais. Assim poderia se originar um princípio de eleição de homens estratégicos, por meio dos quais o propósito de Deus, que se amplifica, pudesse logo chegar a ser realizado. Isso não implicaria mérito da parte dos escolhidos. Em alguns casos, por certo, o homem estratégico poderia ser um dos piores homens quanto ao aspecto moral, e, no entanto, estar relacionado com outros, ou estar dotado de tal maneira, que poderia ser empregado melhor para a finalidade do reino. Paulo declarou que havia sido o pior dos pecadores. Mas por essa mesma razão a graça de Deus obteve uma vitória extraordinária sobre ele a fim de que outros homens maus pudessem esperar. No jogo de boliche o jogador procura tocar o pino principal para que esse derrube os outros. Não que o pino principal seja de alguma maneira essencialmente diferente dos outros, mas apenas está tão relacionado com os outros pinos que, ao tocá-lo de modo acertado, trará resultados maiores. Ele ocupa um lugar estratégico com relação aos outros pinos. Podemos supor, pois, à luz do propósito universal de Deus para a humanidade, que ele sempre tem se utilizado desde plano. Em vista de tudo isso, parece que a soberania de Deus no amor que o levou a efetuar a eleição, de nenhum modo reprova o amor e a graça de Deus. E, na verdade, uma obra mestra de amor e graça que procura bendizer os homens. Nunca poderemos sondar completamente os motivos divinos em seu proceder com os homens. Nunca poderemos compreender completamente o significado de todos os seus métodos. Isso é especialmente certo com relação à doutrina da eleição. Mas não é difícil ver que não há nada arbitrário no proceder de Deus. O amor infinito, assim como a justiça infinita, respalda todos os seus atos. D .O bjeções A maior parte das objeções à doutrina da eleição já foram contestadas indiretamente na discussão anterior. Há umas tantas, no entanto, que precisam ser tratadas especificamente. 1. Objeta-se que esse ensino torna Deus parcial. Por qu de salvar a uns e recusar salvar a outros. A resposta está contida principalmente no que já foi expresso. A eleição é seu método para realizar um grande propósito para todos. É o único método possível sob todas as circunstâncias. Acrescentamos, porém, que a eleição é um princípio universal nos métodos de Deus. Escolhe a algumas plantas e flores para que sejam mais formosas que outras. Escolhe a alguns pássaros para que sejam cantores, ao passo que outros não podem fazer outra coisa senão grasnar. Escolhe alguns homens dotando-os especialmente para que sejam poetas e artistas, ao passo que outros não são senão trabalhadores comuns. As raças negras da África poderiam queixar-se da parcialidade de Deus pensando que Este favoreceu as raças brancas da Europa e América. Deus escolheu a Israel para ser seu povo peculiar dentre todas as raças dos homens. A doutrina moderna da seleção natural aplicada na biologia geralmente é uma expressão científica do mesmo princípio geral. E evidente que os fins de Deus no mundo não poderiam ser obtidos por um monótono nível de privilégios. A vida em todas as suas formas, física, moral e espiritual, envolve diferenças de várias índoles, e essas diferenças implicam ultimamente um princípio de eleição. 2. Objeta-se também que a eleição envolve uma falta de sinceridade na oferta da salvação a todos. A resposta é que não há absolutamente nem uma barreira contra a salvação de ninguém, com exceção da própria vontade da pessoa. Cristo morreu por todos. Deus está disposto a receber a todos os que queiram ir a ele. Deus sabe que alguns não vão querer aceitar o dom de seu Filho. Na verdade, sabe que todos recusarão a menos que por sua graça especial alguns sejam induzidos a crer. Mas o convite e a persuasão, o rogo e a livre resposta do homem são os únicos meios que podem ser usados em uma ordem moral e espiritual. A graça não pode operar de outra maneira. Se os anjos fossem enviados para capturar os escolhidos e levá-los à força, isso não seria um método em harmonia com a graça. Deixaria a vontade sem ser comovida, e o caráter sem ser modificado. O elemento mais precioso na vida espiritual do homem à vista de Deus é seu ato livre, pelo qual escolhe a Deus e volta-se para ele. O convite do evangelho torna possível esse ato de escolher. Nenhum outro método, pelo qual isso poderia ser tão bem feito, é concebível. 3. Objeta-se, também, que Deus não deseja a salvação de todos, pois se assim fosse elegeria a todos. As escrituras, porém, declaram expressamente que "Deus amou o mundo de tal maneira" que enviou seu Filho, e também que não deseja que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3.9). A objeção assume falsamente que não há limitações morais de gênero algum em Deus, e que ele pode fazer tudo quanto deseja. Mas a liberdade humana limita a Deus, como o fazem a incredulidade e o pecado humano. O homem não pode ser feito justo apenas pela onipotência. Deus não pode orçar ou compelir alguém a que seja bom. A situação não admite o uso da força. Essa é uma situação na qual os homens estão resolutos a se destruírem, ou a suicidaremse moral e espiritualmente. Deus interpõe-se por um método que respeita sua liberdade e paulatinamente desenvolve um propósito universal de bênção. 4. Objeta-se também que a eleição debilita o esforço cristão. Percebe-se que o número dos salvos está fixado de antemão, havendo pouca necessidade, de nossa parte, de lutar pela salvação deles. Mas nisso esquece-se a significado da salvação. Nossa salvação significa, em parte, nosso amor e esforço a favor dos perdidos. Quer dizer que participamos da paixão redentora de Cristo. Significa todas as formas de sacrifício de abnegação própria e do valor moral que são requeridos para salvar aos outros. Essa objeção também se esquece de que o reino de Deus é um reino de relações humanas. Deus está nos aperfeiçoando por nossas influências mútuas na esfera moral e espiritual. Esquece-se também que o reino é um movimento histórico no qual todas as partes estão estritamente relacionadas e dependem umas das outras. A objeção se esquece da alternativa da eleição de Deus. Nosso esforço certamente seria desprezado sem ela. Logo deixaríamos de fazer algum esforço, porque todo esforço pareceria inútil. Não há maior incentivo ao esforço de um propósito divino operando em nós. Todos os grandes reformadores e evangelistas tinham essa convicção. As revoluções tiveram tão grande êxito porque havia um sentido de que o propósito de Deus era o motivo que os compelia. 5. Objeta-se também que nos defrontamos com um mistério insolúvel quando procuramos unir as duas idéias da soberania de Deus e a liberdade do homem. A resposta é que isso é certo, e em lugar de causar surpresa é preciso aguardar. Todas as relações entre o finito e o infinito são misteriosas. As idéias da encarnação, da oração e da Providência, e todas as demais que combinam a idéia do eterno com o temporal, o infinito com o finito, nos levam ao fim de uma esfera que está fora de nossos poderes presentes. Mas esse fato não deve criar dúvida. Na ciência e na filosofia assim como na teologia, existe a mesma dificuldade. Os fatos da experiência, no entanto, são suas melhores evidências, e na religião estas são incontestáveis. Um ponto não deve nunca ser deixado de lado ao se considerar a doutrina da eleição. Devemos nos lembrar da importância de proclamar um evangelho universal. Somos infiéis ao espírito do Novo Testamento se deixamos de fazer isso. Seja qual for o mistério ou dificuldade que pode depois de tudo o que pudermos dizer a respeito da eleição, uma coisa se apresenta, clara como a luz do sol, no Novo Testamento. E isto é que Deus enviou a seu Filho para desempenhar uma missão em todo o mundo; e essa missão, os pregadores não somente estão autorizados, mas são mandados a anunciá-la pregando o evangelho a toda criatura, e a fazer um convite universal. E.Endurecendo o coração 1. Antes de mudar de assunto, outra dificuldade deve ser brevemente considerada. Certas passagens da escritura parecem representar a Deus como operando ativamente para endurecer o coração humano e evitar a aceitação da misericórdia oferecida. Em Êxodo 7.3 Deus prediz que endurecerá o coração do faraó. Em 7.13 declara-se que o coração do faraó foi endurecido. Em Êxodo 10.1 Deus é retratado como alguém que endurece o coração do faraó. Há muitas passagens semelhantes em outras partes da Bíblia que parecem atribuir diretamente a Deus a cegueira dos pecadores, ou o endurecimento dos seu coração. Não é necessário que examinemos a todas. Os mesmos princípios gerais são aplicados ao interpretá-los onde quer que se encontrem. As seguintes declarações proporcionam a direção necessária: (1) Nas escrituras encontramos um sentido pelo qual qual­ quer acontecimento, bom ou mau, é atribuído a Deus. Em Isaías 45.7, Jeová diz: "Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas". O contexto aqui mostra que a soberania de Jeová é expressa por essas palavras. Em nenhum sentido é ele o autor dos fatos iníquos dos homens, mas os per­ mite e os dirige para um fim mais elevado. O decreto ou propósito permissivo por Deus explica sua relação com atos que incluem o pecado e o delito. (2) Também, praticamente, em todas as passagens que temos examinado, o contexto mostra que o pecado ou o endu­ recimento do coração devia-se aos atos voluntários dos próprios homens, e não a Deus. No caso do faraó, declarase repetidas vezes que endureceu o próprio coração (Êx 8.15-32). Todo o curso dos acontecimentos sugere uma luta da misericórdia e clemência divinas. O golpe final não cai senão até que se tenham empregado todos os recursos para levar o faraó ao arrependimento. As vezes, dá sinais de uma mudança temporária de coração, mas a primeira obstinação sempre retorna (Êx 9.27, 28). (3) As escrituras declaram claramente que os homens trazem sobre si uma cegueira moral e espiritual, e uma insensi­ bilidade que lhes faz persistir no pecado. Isso pode ser atribuído a Deus. Mas a intervenção de Deus nisso se expressa pelas leis morais e espirituais implícitas. Não po­ demos violar a consciência sem embotar o sentido moral. Não podemos resistir à luz moral e espiritual sem perder nossa fina apreciação das realidades morais e espirituais. Isso é visto em Mateus 13.13-15 e em Marcos 4.11,12 e Lc 8.10. Essas são passagens paralelas. Em Mateus dá-se a explicação: "Porque o coração deste povo se endureceu, e com os ouvidos ouviriam tardiamente, e fecharam os olhos, para que não vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, nem se con­ vertam, e eu os cure" (Mt 13.15). Uma cegueira judicial ou endurecimento do coração vem com o resultado do próprio pecado. Foi o resultado da ação de Deus somente como está expressa nas leis de sua constituição moral. (4) Por último, devemos entender todas essas passagens à luz do ensino uniforme da escritura: que Deus não deseja a morte de ninguém. Convida a todos os homens em todas as partes a que aceitem sua misericórdia. Ele nunca rejeitou nenhuma mão que lhe foi estendida em demonstração de arrependimento genuíno. Se recusasse a misericórdia aos verdadeiramente arrependidos seria uma negação de sua própria natureza e deixaria de guardar suas promessas. Se ele operasse ativamente para impedir a salvação dos homens destruiria o evangelho e anularia o mais profundo significado da encarnação e da propiciação. Nada poderia opor-se mais diretamente a tudo quanto Cristo nos fez saber, que a idéia de que Deus pode ou quer impedir os homens de aceitarem sua graça. O estado final dos maus é o destino que eles mesmos operam para si, como veremos. Capítulo 15 Os princípios da vida cristã A . Aobra d o Espírito Santo na salvaoio Em uma seção anterior foi manifestado o ensino geral da Bíblia sobre o assunto do Espírito Santo. Aqui não temos a necessidade de fazer mais que recordar o que se disse ali, e acrescentar alguns pontos quanto ao lugar do Espírito Santo na salvação. Agora vamos considerar a obra da graça de Deus ao salvar aos homens. As relações fundamentais e vitais do Espírito Santo de Deus com aquela obra devem ser recordadas continuamente. Nesta parte consideramos o Espírito Santo com relação a Deus; com relação a Cristo; com relação aos homens e com relação aos meios de graça. 1. O Espírito Santo com relação a Deus O Espírito Santo é chamado o Espírito de Deus tanto no Antigo como no Novo Testamento. O termo "santo", como lhe é aplicado no Novo Testamento, encontra-se em poucos casos no Antigo Testamento (SI 51.11; Is 63.10,11). Sem dúvida, esse uso resultou do sentido ético que ia se aprofundando nos escritores do Antigo Testamento. No Novo esse sentido chega a sua maior altura, e o termo Espírito Santo, indicando a perfeição do Espírito como o Espírito de Deus, veio a ser a designação mais usada. O Espírito é enviado do Pai de Cristo, segundo João 15.26,27. Entre as igrejas do Oriente e do Ocidente foi levanta uma controvérsia sobre a doutrina da "procedência" do Espírito. O ponto de controvérsia foi se o Espírito procedia tanto do Pai como do Filho, ou do Pai somente. A igreja ocidental sustentava que a "procedência" era tanto do Pai como do Filho, enquanto a oriental sustentava que era somente do Pai. A evidência bíblica, para uma declaração estritamente doutrinai, é muito escassa sobre esse ponto. Não estamos obrigados a declarar exatamente o procedimento da vinda do Espírito. O grande fato está claramente manifestado. Sustenta uma relação vital com o Pai e com a obra do Filho. É enviado pelo Filho e procede do Pai. 2. O Espírito Santo com relação a Cristo Já vimos que o Espírito Santo operava sempre sobre o Filho encarnado de Deus, começando com seu nascimento, continuando até seu batismo, preparando-o em todos os aspectos necessários para sua missão na terra, manifestando seu poder no sacrifício de Cristo na cruz (oferecido pelo "espírito eterno"), e levantando seu corpo da morte. O que precisamos compreender claramente aqui é a relação vital e essencial do Espírito com o evangelho de salvação como foi pregado após a ascensão de Cristo. A vinda do Espírito havia sido predita e prometida durante o ministério terreno de Jesus (veja Lc 24.49; Jo 20.22; At 1.5). Ele tinha de ser a grande fonte de luz e poder para os crentes (Jo 7.38). Foi ordenado aos discípulos que permanecessem em Jerusalém até que o Espírito viesse e os dotasse com poder divino (Lc 24.49). Sua vinda teria de distribuir as qualidades necessárias para que por todo o mundo se proclamasse o evangelho da salvação. Jerusalém, Judéia, Samaria e os confins da terra são enumerados como a esfera de sua atividade. O pentecostes foi o cumprimento da promessa de Cristo. Assim é interpretado pelos primeiros pregadores no livro dos Atos. O pentecostes foi o cumprimento histórico do prometido batismo do Espírito Santo (At 1.5). Parece que esse foi completado na conversão de Cornélio, outro gentio (At 10.1—11.18). Depois disso, o batismo do Espírito não é mais mencionado. Agora ele habita continuamente com a comunidade dos discípulos. Fica na terra "para sempre". Nunca é retirado (Jo 14.16). É-nos ordenado que recebamos (lábete; Jo 20.22) o Espírito Santo. Essa é uma palavra que expressa ação, e não meramente uma recepção passiva de nossa parte. O Espírito é dado, mas devemos pedi-lo e nos apropriar dele pela fé. O Espírito Santo está relacionado com a obra de Cristo da seguinte maneira: (1) É o "outro ajudador" ou Consolador, que toma o lugar de Cristo e leva adiante sua obra. Ele realizará a obra de Cristo já que Cristo estará ausente no corpo de seu povo (Jo 14.16; 16.7-14). (2) Toda sua obra, no entanto, está relacionada com Cristo. Deveria fazer lembrar as coisas que Cristo havia ensinado. Deveria ensinar aos discípulos as coisas vindouras (Jo 16.12-14). Haveria de ensiná-los verdades adicionais que não puderam receber enquanto Cristo estava com eles. Por isso, foi chamado "o espírito da verdade". A verdade foi o instrumento com que os discípulos fizeram seu trabalho (Jo 14.17). Haveria de glorificar a Cristo (Jo 16.14). Mas é primeiramente um ministério dentro do espírito humano. Inclui convicção de pecado, regeneração, santificação, ou testemunho interno no coração do crente, e comunhão com Deus, o Pai, dotação e preparação para o serviço, o levantamento do corpo dos crentes, e sua glorificação. Todas as atividades mencionadas estão diretamente relacionadas com Cristo. A obra do Espírito é a de nos revelar a Cristo, formar a Cristo dentro de nós. Pode ser expressa assim: o que é retratado é Cristo. A placa sensível que receberá sua imagem é o coração humano. A luz que brilha sobre o que é retratado é o Espírito Santo. Essa ainda é uma ilustração inadequada. Porque o Espírito resplandece também em nosso coração. Podemos resumir o ministério do Espírito em nós como segue: a. Faz real em nós o princípio de vida que foi perfei­ tamente incorporado em Cristo. b. Faz com que os direitos e privilégios que nos são assegurados por Cristo sejam verdadeiramente aquisição nossa. c. Faz com que o ideal ético que foi encarnado em Cristo seja nossa experiência em uma vida pro­ gressiva. d. Faz com que a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte seja nossa vitória. 3. O Espírito Santo com relação ao espírito humano Aqui, naturalmente, há mistérios que estão fora de nossa habilidade para que os penetremos. Há, no entanto, poucas coisas que são claras. Primeiro, a ação do Espírito sobre o espírito humano concorda com as leis psicológicas da natureza do homem. O Espírito de Deus pode operar pela região subconsciente dentro de nós. Mas sua ação eficiente é também manifestada na consciência. Opera pelas emoções, pela inteligência, pela consciência e pela vontade. Sua obra em nós segue assim as linhas de nosso ser espiritual. Segundo, o Espírito opera em nós principalmente pela verdade. Ele é o espírito da verdade que revela a Cristo, que é a verdade. Sua ação não é mágica nem sacramental. As ordenanças do cristianismo são símbolos de verdade. O Espírito as emprega como símbolos, e nos aprimoram por nosso discernimento da verdade simbolizada neles. Terceiro, a ação do Espírito em nós é moral e pessoal. Deixanos livres. Nosso espírito não é absorvido, como é ensinado pelos panteístas, no Espírito Supremo. Nenhuma compulsão é feita à nossa vontade. Nunca estamos mais profundamente conscientes de nossa personalidade e liberdade do que somos, que quando o Espírito Santo influencia nosso espírito. Assim o Espírito é Deus imanente, não está longe de nós nem distante do mundo. Há um elemento profundamente místico em nossa fé pela ação do Espírito. Mas não é o misticismo no sentido mais limitado de uma absorção em Deus não-ética, não-racional, mas meramente emocional. O misticismo da religião cristã é o misticismo da vida prática em comunhão com Deus, do batalhar com o pecado e a tentação nos assuntos diários. É um misticismo que se dedica à verdade e à propagação dele na força de Deus. É um misticismo que tem uma paixão ética e que inspira o esforço contínuo para o mais alto ideal em Cristo. 4. O Espírito Santo em relação aos meios de graça Deus, pelas melhores razões, escolheu aproximar-se dos homens pelos meios indicados. Com relação a esses meios de graça há duas doutrinas extremas que é preciso que evitemos. A primeira tende a menosprezá-los completamente. Pode levar a um falso misticismo que faz da religião uma mera coisa de êxtase e de emoção, por um lado, ou por outro, pode conduzir a um estado de ânimo que descuide de todo esforço missionário por causa de uma falsa idéia de soberania divina. A segunda doutrina reconhece os meios de graça, mas, à moda católico-romana converte-os em sacramentos que tem em si mesmos o poder de distribuir vida. A regeneração batismal e o ensino da "verdadeira presença" na ceia do Senhor são exemplos do que queremos dizer. O erro fundamental de ambos é que deixam de lado o fato de que o Espírito de Deus opera sobre o espírito humano por meio da verdade. Ele nos trata como pessoas inteligentes e conscientes, capazes de entender e de ser influenciados pela revelação de Deus. Por isso, todos os meios de graça são meios para nos transmitir verdades espirituais. Portanto, todos os meios de graça pressupõem a verdade do evangelho. Tudo que pode ser empregado pelo Espírito de Deus para influenciar os homens é em algum sentido um meio de graça. Em primeiro lugar pensamos na pregação e no testemunho a favor de Cristo. Em seguida pensamos na Bíblia, na igreja e em suas ordenanças e ofícios, seu culto, suas atividades, como meios de graça. Devemos incluir também todas as providências de Deus que temos experimentado, nossos companheirismos e nossas lutas, nossas orações, nossos padecimentos e perdas. Todos esses são meios empregados pelo Espírito Santo para nos ensinar a verdade de Deus. A pergunta pode ser feita: Por que deve haver meios de graça? Por que não poderia Deus efetuar seus propósitos diretamente sobre o espírito humano e dentro dele sem se valer dos meios indicados acima? A resposta a essas perguntas é expressa de várias maneiras: (1) É visto parcialmente nas religiões pagãs. O homem sempre esteve buscando a Deus de alguma ou outra forma. É um ser "incuravelmente religioso". E seguramente Deus não foi indiferente aos homens em sua busca por ele. E, no entanto, por causa do pecado e da cegueira moral, as lutas religiosas do homem apresentam um quadro trágico tratando de andar em trevas, ou procurando seguir uma luz divina. Há muita variedade nas formas de religião. Algumas delas são completamente imorais e degradadas. É claro que os homens precisavam de algum meio de comunicação com Deus que os conduzissem com segurança à senda da verdadeira fé e retidão. Os meios de graça cristãos correspondem a essa necessidade. (2) A resposta baseia-se em parte nas lutas filosóficas dos homens. Pode se supor que a natureza proporcione os meios para a comunhão entre Deus e os homens. O pensamento humano procurou compreender, através dos séculos, o problema do significado da natureza. Não chegou ainda a um consenso de opinião. Muitos sistemas de filosofia são defendidos atualmente. Por alguma razão, a natureza não anuncia a mesma mensagem a todos. Isso não se deve a nenhum equívoco da natureza, mas ao estado das mentes dos homens. Deus fica em grande parte desconhecido na filosofia, assim como nas religiões pagãs. O cristianismo reconhece essa situação e oferece os esboços de associação com Deus nos meios de graça. São escadas sobre as quais a inteligência sobe a Deus. (3) A resposta quanto à necessidade de meios de graça encon­ tram-se na encarnação de Deus em Cristo. Jesus expressou a verdade fundamental sobre esse assunto quando disse: "... e ninguém conhece plenamente o Filho, senão o pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11.27). Assim também em João 1.18 diz: "Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer". Os profetas do Antigo Testamento possuíam um conhecimento de Deus superior a qualquer outro de seu tempo. Mas nossa revelação ainda precisava ser com­ pletada. As idéias de Deus, do dever, da imortalidade ficaram demasiado vagas e incertas para triunfar plena­ mente no mundo sem uma encarnação. E por isso, "... o Verbo se fez carne, e habitou entre nós". Jesus Cristo era o meio supremo da graça para os homens. Na verdade, era a própria graça. "Porque a lei foi dada..." declarou ele, mas "... a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" (Jo 1.17). Deduzimos então que a necessidade de meios de graça baseia-se na necessidade da encarnação. Todos os meios de graça, mencionados no parágrafo anterior, são simplesmente meios pelos quais o Espírito Santo forma a Cristo dentro de nós. Assim, realiza a obra de Cristo, criando seu reino espiritual entre os homens. A necessidade de que falamos aqui foi devido à natureza de Deus como espírito puro, e à natureza do homem como espírito e corpo. O que era absolutamente espírito puro pôde ser dado a conhecer a outros seres espirituais que eram também carne, somente fazendo-se carne. O encarnado pôde fazer-se poder vivo nas almas humanas apenas pelo ato regenerador e santificador do Espírito Santo. O Espírito Santo opera mais eficazmente utilizando meios. Por isso, os meios de graça são necessários para a propagação efetiva do evangelho da graça de Deus. B . 0 com eço d a salvação Sob esse título incluímos o chamado e a convicção do pecado. Esses são anteriores ao ato salvador de Deus na alma. Mas como preparativos para ele, precisam ser mencionados aqui. 1. O chamado é o convite de Deus aos homens para q aceitem pela fé a salvação em Cristo. É enviado pela Bíblia, pela pregação do evangelho, e de outras muitas maneiras. Nada pode ser mais claro pelo ensino da escritura que o fato do chamado e do convite universais, e que há uma livre oferta de salvação a todos os que queiram se arrepender e crer. Podemos citar algumas das muitas passagens, como Ezequiel 33.11: "Vivo eu, diz o Senhor, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que morrereis, ó casa de Israel". Isaías 55.7: "Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos; volte-se ao Senhor, que se compadecerá dele; e para o nosso Deus, porque é generoso em perdoar". O Novo Testamento é rico em convites gerais. Mateus 11.28: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei!" Mc 16.15, 16: "... Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado". Apocalipse 22.17: "E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E o que ouve, diga: Vem. E que tem sede, venha; e quem quiser, receba de graça a água da vida!" Também em Romanos 8.30: "... e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou". Essas passagens poderiam ser multiplicadas indefinidamente. Mas isso não é necessário. Neste ponto, pode-se fazer a seguinte pergunta: Se o chamado é universal, e se alguns o aceitam, porque Deus lhes dá a graça para aceitá-lo, e outros o desprezam porque ele não lhes dá graça suficiente, como podemos pensar que o chamado é sincero? A resposta em parte é que muitos convites sinceros são dados entre os homens quando se sabe de antemão que não serão aceitos. A presciência de que a oferta será desprezada não afeta a sinceridade desta. As escrituras também tornam clara a idéia de que a responsabilidade do desprezo está sobre os que desprezam a oferta do evangelho, não sobre os que a fazem, nem muito menos sobre o próprio Deus. E claro, também, que Deus deseja a salvação de todos, ainda que não decrete eficazmente a salvação de todos. Como podemos explicar essa divergência entre o desejo e o propósito de parte de Deus? Não pode ser devido a nenhum conflito na natureza dele. Deve proceder de condições sob as quais tem de operar. Já destacamos essas condições em uma seção anterior. O pecado e o livre-arbítrio humanos são fatores no problema que Deus tem acerca do homem. Sua graça estende-se até onde a permitem os interesses do reino moral. Sua onipotência não lhe permite efetuar uma impossibilidade moral. 2. A convicção do pecado é o resultado da ação do Espír Santo, que desperta nos homens um sentido de delito e condenação por causa do pecado, e especialmente por causa da incredulidade. Em João 16.8-11 temos o ensino de Jesus sobre esse assunto. Referindo-se à vinda do Espírito Santo, Jesus diz: "E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais, e do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado". Aqui podem ser acrescentadas duas ou três observações. Primeira é que a palavra "convencerá" significa aqui demonstração moral. Carrega a idéia de convencer a inteligência, porém, é mais que intelectual. É moral. Envolve as relações pessoais da alma. Por isso, não é um argumento dirigido meramente à razão. Penetra também na consciência. É demonstração moral e espiritual. O segundo ponto é que a convicção produzida pelo Espírito Santo refere-se em todos os aspectos a Jesus Cristo. É uma convicção tripla, como segue: (1) O pecado ao qual a convicção se refere resume-se como a incredulidade, falta de fé em Cristo. Isso indica que a incredulidade é o pecado radical. O Espírito pode convencer de qualquer pecado especial e imprimir na consciência sua enormidade, tal como a mentira, o furto, etc. Mas nessa convicção todo o pecado no final é levado à incredulidade. Assim como a fé em Cristo é o remédio para todo o pecado, assim a ausência de fé, ou desprezo a Cristo, é um ato potencial de todas as outras formas de pecado. (2) A convicção de justiça também se refere a Cristo. A justiça é o oposto do pecado. Essa convicção é o outro lado, por assim dizer, da convicção do pecado. Mas é a justiça revelada no caráter e na obra de Cristo, uma justiça vingada e tornada frutífera na ressurreição: "... porque vou para meu Pai". (3) A convicção quanto ao juízo também se refere a Cristo: "porque o príncipe deste mundo já está julgado". A morte antecipada de Cristo sobre a cruz é considerada aqui o juízo, a condenação e a conquista do príncipe deste mun­ do. Compare João 12.31,32: "Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo. E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim". Em terceiro lugar, essa convicção é mais uma convicção de esperança que de desespero, porque se refere em todo caso a Cristo. O espírito infinito de Deus em um coração pecaminoso, mostrando quão horrível é o pecado e a exigência eterna de justiça, e quão terrível é o juízo eterno de Deus contra o pecado, não deixaria de incomodar o espírito do homem e reduzi-lo ao desespero se não fosse acompanhado da referência que faz a Cristo. Mas o propósito da convicção é o produzir fé no Cristo que limpa do delito do pecado, em cuja justiça participa o pecador perdoado e em cuja morte triunfou sobre o príncipe deste mundo. Por isso, a convicção do Espírito Santo é uma convicção de esperança para os que cedem a ela e se voltam de seus pecados. Antes de concluir esse tópico, é preciso que se faça um alerta. A doutrina da convicção não deve ser convertida em uma regra inflexível. E não devemos supor que todos os homens precisem passar por uma convicção consciente e claramente definida de pecado, de justiça e de juízo em termos explícitos. A linguagem de Jesus simplesmente interpreta o significado da experiência da convicção. Muitos que a têm não poderiam narrar sua experiência numa linguagem clara ou coerente. Mas isso não altera o próprio fato. Temos também que reconhecer os graus variáveis na convicção de pecado. Quanto a alguns, sem dúvida, é uma profunda tragédia da alma. Quanto a outros é, na verdade, simplesmente um sentido de desacordo com Deus. Os temperamentos variam, e por isso, a experiência varia. As crianças são menos poderosamente movidas pela convicção, de modo geral, que os adultos. Devemos levar em conta a diferença nos homens e na variedade das manifestações do Espírito de Deus. C . A ordem d a salvação O ato da salvação e da vida que segue envolvem ambas as coisas, a saber, ação da parte de Deus e também da parte do homem. Qual lado deveria ser apresentado primeiro? Qual é a ordem da salvação? Uma certa causa opera aqui, produzindo certos efeitos. A causa opera de maneira espiritual e livre de acordo com a natureza das causas espirituais em geral. Os efeitos do homem são produzidos da mesma maneira. São efeitos morais e espirituais. Descrevendo essa obra, podemos começar com a causa e examinar sua ação ao produzir os efeitos, ou podemos começar com os efeitos e inquirir passo a passo até chegar a sua causa. Talvez o primeiro método fosse no sentido estrito o mais lógico. Mas do ponto de vista de nossa experiência da graça de Deus, a maneira na qual o conhecimento é produzido em nós, o último método é o preferido. Conformamo-nos aqui com a ordem da experiência, e trataremos primeiro do arrependimento e da fé, e, mais tarde, da regeneração e dos tópicos relacionados. Não temos que conceber nenhum intervalo entre a obra de Deus em nós e nossa resposta a ela. A fé e o arrependimento chegam a estar completos em nós quando a regeneração está completa, e a regeneração é um fato completo quando o arrependimento e a fé são completos. Assim também é quanto ao arrependimento e a fé: são experiências simultâneas. São os aspectos negativo e positivo do mesmo fato. De outro modo, poderia haver um crente não-arrependido ou um incrédulo arrependido, o que é contrário ao ensino do Novo Testamento, bem como a nossa experiência. 1. O arrependimento Há várias expressões nas escrituras que descrevem os pri­ meiros passos da vida cristã. As vezes é alguém que se volta dos ídolos para Deus (1 Ts 1.9). Às vezes é o morrer para o pecado (Rm 6.1-11). Em outro caso é descrito como o despojamento do velho homem (Ef 4.22). Também pode ser o despertar do sono (Ef 5.14). Mas a palavra que contém todas essas idéias, e a que especialmente define a renúncia do pecado no princípio da vida cristã, é o arrependimento. A palavra arrependimento é a tradução de duas palavras gregas no Novo Testamento. Uma dessas é metamelomai. Essa pa­ lavra expressa o elemento emocional no arrependimento. Significa punição. Mas essa punição pode ser de uma classe piedosa que conduz ao arrependimento genuíno, ou pode ser uma punição que não produz nenhuma alteração moral (veja 2 Co 7.9,10; Lc 18.23; Mt 27.3). A outra palavra do Novo Testamento traduzida por arre­ pendimento é metanóia. Essa palavra significa uma mudança de mente ou pensamento. Mas essa mudança de mente é mais que uma mudança intelectual de idéias. Carrega consigo a idéia de vontade (Lc 17.3; At 2.38; Rm 2.4; Mc 1.4-14). É claro, pois, que a natureza espiritual do homem opera como um todo quando ele se arrepende. O arrependimento inclui três elementos. (1) Primeiro, há um elemento intelectual. É uma mudança de pensamento. A idéia que um homem tem de pecado e de Deus e suas relações para com Deus experimentam uma mudança quando ele se arrepende. Seu pensamento de pecado muda da aprovação à desaprovação. Seu pensamento acerca de Deus muda da indiferença, ou hostilidade, à reverência e submissão. Seu pensamento acerca de suas relações com Deus muda de um sentido de segurança a um sentido de condenação e de perigo de ira. (2) Há também uma mudança de sentimento. Um homem arrependido sente um pesar genuíno. Mas esse pesar é piedoso segundo Deus, e conduz a uma mudança verda­ deira (2 Co 7.9,10). Deve distinguir-se da forma de pesar que não tem nada a ver com Deus. Um homem pode sentir muita pena pelo mal que cometeu por causa da condenação social que se segue. Pode sentir pesar por um crime que cometeu, porque as conseqüências são de­ sagradáveis. Contudo, punição desse tipo não é o pesar religioso segundo Deus que opera o verdadeiro arrepen­ dimento. (3) Há também um elemento voluntário no arrependimento genuíno. A vontade se altera. Um novo propósito se for­ mou. Como conseqüência da alteração da vontade e do propósito há um verdadeiro abandono do pecado e um verdadeiro retorno a Deus. Esse é o verdadeiro elemento vital e fundamental no arrependimento. Nenhum arre­ pendimento é genuíno sem isso. O arrependimento é o resultado da obra da graça feita por Deus na alma. A bondade de Deus conduz os homens ao arrependimento (Rm 2.4). Em Atos 5.31 declara-se que Cristo foi exaltado para dar o arrependimento e a remissão de pecados a Israel. E em Atos 11.18 declara-se que Deus concedeu aos gentios arrependimento para a vida. Deus emprega uma grande variedade de meios para conduzir os homens ao arrependimento. A pregação do evangelho; a vida santa dos cristãos; a influência da igreja; os acontecimentos providenciais; e para, ser breve, todos os condutos ou qualquer daqueles pelos quais a verdade de Deus pode chegar aos homens são usados por ele para fazer com que se voltem de seus pecados. Uma ou duas declarações adicionais ainda podem ser feitas aqui acerca do arrependimento. A primeira é que o arrependimento vem a ser uma atitude permanente da alma em relação ao pecado. O primeiro ato de arrependimento introduz o verdadeiro arrependimento na vida cristã. Mas esse ato não é uma simples transação legal que se faz e acaba de uma vez para sempre. É um procedimento moral e permanente que é efetuado a cada dia. Cada vez que o cristão renuncia ao pecado, cada vez que se despe do velho homem, ele repete em essência o primeiro ato de arrependimento. A renúncia definida e positiva do pecado deve chegar a ser o hábito da alma. Assim, passamos da infância à maturidade na vida espiritual. Uma segunda declaração é que o arrependimento é a identificação de um homem pecaminoso com a atitude de Deus diante do pecado. Não é uma obra meritória que nos dá direito à salvação. Mas quando nos arrependemos pensamos como Deus pensa acerca do pecado. Renunciamos a ele como Cristo renunciou. O odiamos como ele o odeia. É isso o que indica a grande significado do arrependimento quando um homem desde o coração e centro de seu ser repudia o pecado e abomina o que é mal, dá prova clara que começou uma transformação moral. Na verdade, é prova de que chegou a ser participante da natureza divina. Vemos, por isso, porque o arrependimento é sempre uma condição para obter o perdão. A vista de Deus, um homem só chega a merecer o perdão, isto é, só exibe uma atitude moral pela qual pode ser perdoado, quando adota a idéia de Deus sobre o pecado. Aquele ponto de vista se expressa no arrependimento e por meio dele. 2. Fé A fé ocupa o lugar central na religião da Bíblia. É central no Antigo Testamento, bem como no Novo. É tão rica em seu conteúdo, tão abrangente e tão inclusiva das relações do homem, que é mais fácil descrevê-la que defini-la. Todas as definições da fé deixam de expressar por completo a realidade. Contudo, o significado é simples e fácil de compreender em seus conteúdos essenciais. Daremos primeiro uma breve definição e, em seguida, uma descrição mais extensa da fé. A fé salvadora, segundo o Novo Testamento, pode ser analisada em pelo menos três elementos. É difícil, porém, separar uns dos outros. Primeiro, a fé contém um elemento intelectual. Cremos na verdade do evangelho. Reconhecemos em Cristo e em sua obra a provisão que Deus fez para nossa salvação. Aceitamos assim os fatos históricos e também a interpretação de seu significado como são dados nas narrações. É claro, porém, que isso só não é a fé salvadora. Os demônios crêem nesse sentido, e estremecem de horror (Tg 2.19). O segundo elemento é o assentimento. O pecador, convencido de seu pecado e necessidade e dependência, reconhece nas provisões do evangelho a resposta divina para suas necessidades. Isso inclui necessariamente um elemento de sentimento, bem como de conhecimento. Todavia, não é a fé a condição para obter a salvação. Jesus reconheceu que havia crentes temporários ou emocionais. Por isso, declarou que o fato de permanecer em sua palavra era a prova de ser verdadeiro discípulo (Jo 8.30, 31). Os ouvintes representados pela semente que caiu em terreno pedregoso pertenciam à classe dos discípulos emocionais (Mt 13.20,21). O terceiro elemento na fé salvadora é a volição. Em última instância, a fé é um ato da vontade. E confiança em Cristo como o salvador, baseada no convencimento de que é digno de confiança. E digno de confiança como a bondosa revelação de Deus para a salvação do homem. E digno de confiança como redentor propiciatório. É a oferta suficiente pelo pecado. E digno de confiança em sua sabedoria para guiar, em seu poder para livrar e em sua santidade para santificar. E digno de confiança como Senhor da vida. Quando confiamos nele submetemos nossa vontade a ele, ou obedecemos, exercemos fé salvadora nele. O segundo dos elementos que acabamos de mencionar é, quase necessariamente, parte do primeiro e do terceiro. O assentimento até certo ponto acompanha a crença intelectual. Está necessariamente presente no ato de confiar. Por isso, não é incorreto dizer que a fé salvadora compõe-se de fé e de confiança. Mas o assentimento pode ser concebido como um elemento distinto no que reconhecemos a provisão feita para satisfazer nossa necessidade antes do ato da vontade. Assim apresenta claramente o fato de que toda nossa natureza espiritual tem de ser exercida na fé salvadora, na inteligência, na emoção e na vontade. Podemos agora ampliar a definição precedente da fé indi­ cando certas relações que ela sustenta na vida cristã. As seguintes declarações tornarão claras tais relações. (1) A primeira é que a fé nos une a Deus. A fé no sentido salvador do Novo Testamento nunca é a mera crença em uma proposição ou em uma aceitação de um credo. "A vontade para crer" é uma frase moderna que expressa o direito do homem de sustentar uma proposição como certa e o direito de operar sobre a proposição. Seme­ lhante vontade para crer, porém, não é a fé salvadora do Novo Testamento, enquanto não unir a alma vitalmente com Deus. (2) A fé salvadora, também, nos une com Deus da maneira como ele nos revela em Cristo. Para o cristianismo, Cristo é o revelador de Deus. O Deus a quem adoramos é o Deus que é revelado em Cristo. Ele é feito para nós a sabedoria, a justiça, a santificação e a redenção de Deus (1 Co 1.30). Como sabedoria, Cristo é a verdade acerca de Deus. Como justiça, personifica as qualidades morais que há em Deus. Como santificação, paulatinamente produz em nós as características morais de Deus. Como redenção, é o poder de Deus para nós e em nós, rompendo o poder do pecado e da morte, e retirando o sentido de culpabilidade. Assim, Cristo nos ministra a vida divina de todas as maneiras necessárias. (3) A fé salvadora manifesta-se também mediante obras. Não somos salvos por obras, mas por graça mediante a fé como a condição. A fé, pois, segundo o Novo Testa­ mento, nunca é considerada obra meritória que nos as­ segura a redenção. E, não obstante, a fé genuína nunca é considerada pelos escritores do Novo Testamento como coisa que não se relaciona com as obras. A verdadeira fé é uma fé que opera. Paulo apresenta isso claramente, ainda que continuamente se opunha à idéia judaica da salvação pelas obras. Eles diz: "... nem a circuncisão nem a incircuncisão vale coisa alguma; mas sim a fé que opera pelo amor" (G15.6). É importante que estejamos de acordo quanto a isso. De outro modo, há perigo de fazer que a fé formal, ou a mera crença intelectual, seja a condição da salvação. As obras não salvam, mas a fé salvadora pode ser reconhecida pelo fato de que é uma fé operante (Tg 2.17,18). Segue-se que a obediência aos mandamentos de Cristo é uma expressão necessária da fé salvadora. A fé é, verdadeiramente, o grande ato fundamental de obediência, que inclui potencialmente todos os demais fatos. Podemos resumir brevemente o significado da fé dizendo que essa é a vontade para operar. A confiança de Cristo implica a vontade de se conformar à vontade dele. Essa é uma das melhores provas da genuinidade da fé. (4) Observamos também que a fé salvadora é uma forma de conhecimento. Por muito tempo prevaleceu um erro em certas partes sobre esse ponto. Disseram: "Se não tivermos somente a fé, não podemos conhecer" (como se o conhecimento fosse incompatível com a fé, e a fé fosse destituída de conhecimento). Um erro pernicioso é ocultado em semelhantes afirmações. A fé tem a ver com o invisível, enquanto as formas ordinárias científicas do conhecimento têm a ver com o mundo visível e natural. Mas a distinção entre o visível e o invisível não implica uma contradição entre a fé e o conhecimento. O conhecimento científico das coisas materiais baseia-se, em última análise, na fé. A uniformidade da natureza, a lei universal da causalidade e todas as grandes verdades finais da ciência não são verdades demonstradas. São grandes atos de fé. Sobre elas o edifício do conhecimento é construído como em uma base firme. A ciência física trata das realidades de um universo físico. Mas há outras realidades. A fé trata das realidades tão verdadeiramente como o faz a ciência física. As realidades da fé são invisíveis e espirituais, mas não são por isso menos verdadeiras, mas são, sim, por isso mesmo, mais verdadeiras. Conhecemos a Deus na experiência da fé. Cristo entra em nossa alma por seu Espírito. É criada em nós a esperança da glória. A conhecemos como uma causa transformadora que produz efeitos espirituais em nós. A teologia é nosso esforço para interpretar a significado de sua presença em nós à luz do Novo Testamento. O Novo Testamento reconhece continuamente a realidade do conhecimento que nasce em nós pela fé (Hb 11.1; Ef 1.8, 9,18; 2 Tm 1.12). Nenhuma forma de conhecimento é mais genuína. (5) A fé salvadora, também, é a graça germinal da vida cristã. É o dom de Deus aos homens. Dela nascem todas as demais graças. Se o amor é a coisa maior no caráter cristão, a fé é a primeira coisa nele. A fé é, por assim dizer, a primeira célula viva da qual nascem o ramo e o fruto da vida cristã. Por isso, o apóstolo Pedro nos exorta a que acrescentemos à nossa fé o poder, a ciência, a temperança, a paciência, a piedade, o amor fraternal e o amor para com todos (2 Pe 1.5-7). Assim, todas as coisas são possíveis à fé quanto ao crescimento e à aquisição assim como na oração. Essa fertilidade e poder da fé devem-se ao fato de que a fé genuína faz o poder divino ser ativo em nós. Por meio da fé Deus entra em nós e nos transforma. (6) A fé também é uma condição universal da salvação. Um evangelho que é destinado a tornar-se universal deve ter em si algo que o recomende a todos. Os judeus no tempo de Paulo procuraram fazer do cristianismo uma nova forma de judaísmo, o qual o teria incapacitado a ser uma religião para toda a humanidade. O apóstolo Paulo era contrário a eles de maneira decidida, e estabeleceu para sempre o evangelho da justificação pela fé. A fé é o princípio universal. É a primeira coisa que aprendemos nos braços da mãe. Entra em toda relação humana onde os homens cooperam para fins comuns. O divinamente simples evangelho de Cristo escolheu esse princípio universal e o fez a única condição de nossa salvação. Certamente, o objeto da fé é o próprio Cristo. Mas ao passo que a fé culmina aqui no salvador divino e nos é dada pela graça de Deus, permanece, não obstante, como o próprio princípio elementar e universal da experiência humana. Põe a redenção de Cristo ao alcance de todos. Nenhuma idade, nem nação, nem condição de vida põe o homem fora do alcance de semelhante condição. (7) A fé salvadora é também um princípio ativo assim como um princípio passivo. Vista desse ponto, a fé é simplesmen­ te como o ato de abrir a mão para receber. É simplesmente a rendição da vontade. Mas o mesmo ato inicial da fé é uma atividade de toda a natureza espiritual como já temos visto. Esse ato inicial chega a ser a atitude permanente do homem salvo: "Portanto, assim como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim também nele andai, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, abundando em ação de graças" (Cl 2.6, 7). Por essa e outras passagens é claro que a fé é a atitude per­ manente e comum da alma redimida; é a repetição do ato inicial até que chega a ser caráter fixo; é o caminho que conduz ao crescimento e ao poder cristãos. Essa verdade também mostra quão intensamente pessoal e individual é a fé cristã. O elemento da fé subs­ titutiva, ou de um indivíduo por outro, é estranho ao evangelho. Por isso, o batismo das crianças pela suposta fé dos pais ou dos padrinhos é estranho ao ensino do Novo Testamento. A fé pessoal é a única fé que é reconhecida no Novo Testamento. A "fé implícita" exigida pela Igreja Católica é estranha ao evangelho. A imposição de cren­ ças pela autoridade humana é contrária à natureza da fé salvadora, que é uma união vital com Cristo. As crenças do cristianismo resultam dessa união. (8) Em todas as partes do evangelho a fé é o correlativo da graça. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus" (Ef 2.8). Essa linguagem de Paulo chega ao coração do assunto. O judeu tinha uma combinação distinta de idéias. A salvação era um assunto de obras da parte do homem, e de dívida da parte de Deus. Foi em grande parte assunto de contabilidade. Havia um lado de dever e outro de haver. Se o homem podia pagar o que devia, ou se podia comprar por meio das boas obras a salvação que desejava, tinha direito de recebê-la de Deus. À idéia das obras, Paulo opunha a idéia da fé. A idéia de dívida, opunha a idéia de graça. A salvação é por graça. A fé de parte do homem não é uma obra de mérito, que possui o poder de comprar, mas a condição da salvação. Só por fé, à parte dos fatos meritórios, poderia o homem ser salvo. Esse princípio aparece tanto no Antigo Testamento como no Novo. Abraão foi aceito não por causa de suas obras, mas mediante a condição de sua fé. Todos os ju­ deus que foram salvos o foram pela mesma condição. A lei não anulou a promessa. A própria lei foi uma provi­ são da graça para o povo escolhido. O fim dela foi o de conduzir os judeus a Cristo. A salvação por meio das obras era impossível, por causa do pecado e da debilidade humanas. Na verdade, se um homem tivesse obedecido perfeitamente em qualquer tempo (uma façanha fora do poder do homem natural), sua obediência seria devido a sua união com Deus pela fé, não por seu poder moral her­ dado. O homem foi feito para Deus. Todas as suas aqui­ sições morais e espirituais são dons benditos de Deus. A revelação de Cristo fez claro o princípio fundamental sobre o qual todos os homens são salvos antes e depois de sua vinda. Nunca foi assunto de obras e dívidas, mas sempre de fé e graça. (9) O que foi dito acima lança luz sobre uma dificuldade que muitos sentiram acerca da obra da salvação no ensino do Antigo Testamento. Com freqüência, afirma-se que, no tempo do Antigo Testamento, os homens foram salvos pelas obras, mas, no Novo Testamento, por graça e por fé. Contudo, isso é um erro. A salvação sempre foi pela graça, por meio da fé. Em Gálatas 3.15-22 Paulo manifesta o significado da lei com relação ao evangelho. Nunca propôs que os homens fossem salvos pelas obras da lei. Se os homens tivessem possuído o poder moral para uma obediência perfeita, isso teria sido devido a uma união viva com o Deus vivente por meio da fé. Por meio de semelhante união, a bondosa obra de Deus na alma concede o poder para obedecer. Por isso, para Paulo, a idéia de uma obediência que poderia ganhar ou merecer a salvação foi inconcebível. O homem não possui poder moral ou espiritual se está separado de Deus. O dom da graça de Deus que comunicava poder, por um lado, e a resposta por fé do homem pelo outro, seria assim a única explicação possível ainda tratando-se de uma vida sem pecado. A conclusão de Paulo é que a lei - que veio 430 anos depois do chamado de Abraão e sua justificação pela fé - não desfez o princípio de fé na salvação. A lei tinha outro propósito. Não pôde dar vida, mas pode preparar ao povo de Israel de forma que tivesse um sentido de necessidade de um redentor. Podia trazer-lhes um sentido da própria debilidade. Desse modo, podia prepará-los para Cristo, que é o fim da lei, para a justiça de todos os que o recebem pela fé. 3. Conversão Conversão é a palavra empregada na teologia para designar a volta do pecador, de seus pecados, a Cristo para alcançar salvação. Essa inclui tanto o abandono do pecado que temos definido como arrependimento, uma confiança em Cristo que temos definido como fé. O termo conversão normalmente se refere ao ato exterior ao homem modificado, que é a manifestação da mudança interna efetuada em sua alma. O homem convertido é aquele em que a graça de Deus operou uma mudança espiritual, aquela mudança encontrou expressão interior em seu arrependimento e fé, e expressão exterior em sua volta da antiga vida de desobediência à nova vida de serviço. A conversão é o resultado da ação da graça de Deus em nós, criando-nos novamente em Cristo (At 3.26; SI 51.10; Ez 36.26). É também o resultado de nossa ação livre. Na conversão nós escolhemos o caminho da vida em resposta a razões e convites apresentadas a nós no evangelho (Pv 1.23; Is 31.6; Ez 14.6; Mc 1.5; At 2.38-40,41; F12.12,13). Há um sentido no qual um cristão é "convertido" sempre que se volta de uma vida pecaminosa para servir novamente a Deus. Volta de sua reincidência e renova seus votos a Deus (Lc 22.31,32; Jo 13.10). Mas o uso teológico teve cada vez mais que limitar a palavra àquela primeira volta da vida de pecado a Deus, designada também pela palavra "regeneração", ou "novo nascimento". Para expressar isso de modo mais claro: é melhor empregar alguma outra palavra quando nos referimos ao ato pelo qual cristãos voltam de suas reincidências. Há algumas expressões que sugerem essa idéia. "A renovação de votos", "O retorno a Cristo", "Abandonando a vida mundana", "Reconsagração" e outras formas de expressão que podem ser usadas com esse propósito. 4. A regeneração O que é a regeneração? Essa é uma das primeiras perguntas que devemos fazer e responder. A regeneração pode ser definida como a mudança operada pelo Espírito de Deus, usando a verdade como um meio no que a disposição moral da alma é renovada à imagem de Cristo. Todas as definições deixam de expressar a realidade completamente. Mas a que acabamos de dar contém os pontos essenciais. É uma mudança efetuada pelo Espírito Santo. É efetuada pela instrumentalidade da verdade. É uma mudança radical da disposição moral e espiritual. E uma mudança em que a alma é criada novamente à imagem de Cristo. Não é necessário apresentar passagens separadas da escritura para provar cada uma das declarações feitas acima. É importante, no entanto, notar a uniformidade do ensino do Novo Testamento relativo à regeneração. Não é uma doutrina encontrada somente nos escritos de João e Paulo. Encontra-se nos ensinamentos de Jesus, de Tiago, de Pedro e em Hebreus. É apresentado claramente em todas as parte dos escritos do Novo Testamento. Observemos umas das passagens mais importantes. Em Mateus 12.33-35 Jesus declara que só uma boa árvore pode dar bom fruto, e que para tornar a árvore da natureza humana boa é preciso que seja mudada. Todo o sermão do monte indica a necessidade do novo nascimento. Seus preceitos são praticáveis apenas pelos regenerados. Declarase que os puros de coração serão bem-aventurados porque verão a Deus (Mt 5.8). O coração puro não é nosso por natureza. Os homens estão conscientes de que possuem coração impuro. Mateus 15.19 apresenta breve descrição do coração não-renovado. Jesus ensina a necessidade da regeneração quando diz que o homem que encontra sua vida a perde, e o que perde sua vida "por amor de mim" a encontra (Mt 10.39). A mudança que aqui é descrita não é menos que uma revolução moral e espiritual na alma. O evangelho de João é rico em ensinamentos acerca do novo nascimento; no terceiro capítulo encontramos a clássica passagem sobre o assunto. Na conversa com Nicodemos, Jesus declara expressamente que o homem não-renovado não é idôneo para o reino de Deus; que um novo nascimento de cima é necessário; e que o Espírito de Deus opera mudança. O homem não é completamente passivo na mudança que assim se opera. Mas a "todos quantos o receberam", lhes deu a prerrogativa ou autoridade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1.12). A fé é a condição do novo nascimento. Paulo escreve aos cristãos em suas epístolas. Mas esses são ensinamentos diretos ou indiretos com relação ao novo nascimento. Declara que a mente carnal é inimizade contra Deus, e que não pode ser renovada senão pelo Espírito de Deus (Rm 8.3-9). Em 2 Coríntios 5.17 diz: "... se alguém está em Cristo, nova criatura é". Em Efésios 1.19 e 2.1 e em Colossenses 3.1-3 Paulo declara que a vida atual do crente é uma vida levantada ou ressuscitada. Foi levantado espiritualmente da morte pelo espírito de vida. Em Hebreu 8.9-11 também temos uma descrição gráfica do novo pacto no qual a lei de Deus está escrita no coração, e em 6.4 faz-se referência clara ao fato de que os cristãos são "participantes" do Espírito Santo. O novo nascimento é suposto em cada uma dessas passagens. Na epístola de Tiago é visto o mesmo ensinamento. Em 1.18 declara-se que Deus "segundo a sua própria vontade" nos gerou com a palavra da verdade. Em 1 Pedro 2.21 declara-se que os cristãos foram regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, por meio da palavra de Deus, a qual vive e permanece para sempre. As passagens das escrituras que temos citado não são senão umas poucas das numerosas que encontramos no Novo Testamento referentes ao assunto. Essas foram suficientes para o presente propósito, que é o de estabelecer o ensino sobre uma base sólida da escritura. Em seguida, vamos considerar uns poucos pormenores que precisam ser especialmente ressaltados. Em primeiro lugar, distinguimos a regeneração de outras coisas mostrando o que não é. A regeneração não é uma nova criação no sentido de que a alma seja destruída e uma nova seja posta em seu lugar, nem no sentido de que as faculdades sejam destruídas e outras novas faculdades sejam postas em seu lugar. A mudança não é efetuada na constituição espiritual do homem, mas em sua disposição moral e espiritual. Deus não desfez na nova criação em Cristo o que fez em sua primeira criação em Adão. O pecado é um poder em ação oposta na alma. É a energia mal dirigida de todos os potenciais do homem. É a perversão dos potenciais que Deus deu ao homem. A regeneração quebra o poder do pecado, e liberta a vida moral e espiritual do homem, e dirige seus potenciais para a direção correta. Na regeneração a vontade do homem permanece. Mas já é uma vontade obediente a uma vontade mais elevada que é reconhecida. Assim também na regeneração permanece o poder mental. Mas agora a mente do homem encontra uma mente mais elevada, e descobre que a verdade que esteve buscando o buscava o tempo todo. Sua mente encontra seu verdadeiro eu em Deus. O coração do homem permanece na regeneração, mas agora seu afeto encontra seu verdadeiro objeto no Companheirismo Supremo. Todos os amores inferiores cedem lugar ao amor mais elevado de todos. A comunhão com Deus vem a ser o fim e destino realizado do coração. A personalidade do homem permanece quando ele é regenerado, mas depois é uma personalidade transformada. Paulo, o apóstolo, era a mesma pessoa que Saulo, o perseguidor. No entanto, a mudança nele foi tão grande que se descreve como uma criatura inteiramente nova. Por isso, na regeneração o homem encontra-se a si mesmo, volta a si, utiliza para o melhor bem seus potenciais e possibilidades, como não poderia fazer de nenhuma outra maneira. A regeneração não deve ser confundida em nenhum sentido com uma mudança que se efetua sobre o nível natural da vida do homem. Nela nascemos: não do sangue nem da carne nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1.13). Observemos alguns procedimentos que não devem ser confundidos com a regeneração: A regeneração não é educação. Pode haver, e normalmente há, um fato educativo nas influências que conduzem à regeneração. A verdade é empregada como instrumento do Espírito. A mente é iluminada. Mas a educação não pode senão retirar a ignorância. A regeneração quebra o poder do pecado. A alteração efetuada pela regeneração nunca pode ser efetuada apenas pela educação. A regeneração não é nem uma transição da pequenez para a maturidade. Não deve ser confundida com o procedimento natural conhecido como a adolescência. Durante o período da adolescên­ cia, o menino e a menina experimentam uma mudança notável. Em certo sentido lhes é aberto um novo mundo nesse tempo. A história da conversão demonstra que é um período de muita im­ portância para a vida religiosa dos jovens. Mas é um período que em si mesmo e por si mesmo não produz nenhuma vida espiritual. Está pleno de potenciais tanto para o mal como para o bem. É de suma importância que seja reconhecido e utilizado para imprimir a verdade do evangelho na alma que se desenvolve. É, porém, um erro fatal confundir a adolescência com a regeneração. Essa é a obra especial do Espírito de Deus que cria na alma a imagem de Cristo. Observamos também que a regeneração não é uma evolução no plano natural. Certamente não objetamos à afirmação de que no novo nascimento passamos de um nível inferior a um superior. Nesse sentido, a palavra evolução poderia ser aplicada. Mas a afirmação de que a regeneração é meramente o desenvolvimento de elementos que existiam previamente no homem, é falsa. Não há recursos no homem natural nem em seu ambiente para produzir a mudança efetuada na regeneração. Introduz-se uma criatura inteiramente nova. Faz-se um novo começo. Um poder que vem de cima e entre na alma do homem. A mudança foi descrita por um psicólogo moderno como, de nossa parte: (1) uma inquietude, ou um sentido de que algo está mal em nós em nossa condição natural; e (2) a solução, um sentido de que somos salvos do mal; sentido que nos relaciona com os poderes superiores. O ponto que se deve destacar na doutrina da regeneração é a relação com os "poderes superiores". Segundo o cristianismo, o poder superior é o Espírito Santo revelando e criando a Cristo na alma. Devemos também dar ênfase a vários pontos do lado positivo. O primeiro é que a regeneração é um ato instantâneo, e não um procedimento gradual. A preparação pode ser gradual. As influências que conduzem ao resultado podem vir de várias fontes e continuar por muitos anos. Nisso, só afirmamos que a ação de Deus ao bendizer ao homem segue as linhas da lei natural até onde isso é possível. A graça de Deus busca o homem muito tempo antes de o homem responder a ela. Mas vem o momento em que a vontade se submete e a tendência moral é alterada. O centro de gravidade moral da alma se muda para outro ponto inteiramente distinto. Essa verdade é sustentada juntamente com a outra verdade de que alguns são convertidos quando muito jovens, ou tão silen­ ciosamente, sem mudanças repentinas ou instantâneas, visíveis, que não são conscientes daquela mudança quando ocorre. Mas os frutos da regeneração estão presentes na vida, e são evidências concludentes do próprio fato. Um segundo ponto do lado positivo é que, ao regenerar a alma, o Espírito Santo se vale da verdade como o meio que se em­ prega. É importante compreender claramente que não é a verdade apresentada meramente na forma de argumento ou persuasão moral, distinta da ação do Espírito. Nem é a ação do Espírito inde­ pendente da verdade. É sim, o Espírito empregando a verdade. O efeito da ação do Espírito é vista na resposta do homem à verdade do evangelho. Mas a verdade à parte da ação do Espírito na alma nunca produziria o resultado. O fato de que a verdade é o instru­ mento do Espírito aparece em numerosas passagens. Em todos os casos narrados no Novo Testamento, a regeneração é efetuada pela pregação ou o ensino da verdade. A aparição repentina de Jesus a Saulo no caminho para Damasco provavelmente não é uma exceção à regra. Saulo, o perseguidor, teria muitas oportunidades para receber impressões acerca de Cristo antes dessa experiência. Em outras partes, a verdade aparece uniformemente como a in­ fluência empregada pelo Espírito. Os discípulos seguiram a Jesus, cedendo ao seu convite. No dia de pentecostes, os milhares que foram regenerados aceitaram a mensagem do evangelho. Em Atos 16.14 declara-se que o Senhor abriu o coração de Lídia para que prestasse atenção aos dizeres de Paulo. Em Efésios 6.17 declara-se que a espada do Espírito é a palavra do Deus, com a qual faz seu trabalho. Em Tiago 1.18 e 1 Pedro 1.23 declara-se que os cristãos são gerados pela palavra de Deus. Ao dar ênfase à instrumentalidade da verdade na regeneração, não se pensa na verdade separada de Cristo de maneira abstrata. É a verdade como está em Cristo. O Espírito Santo tem como tarefa especial nos dar a conhecer as coisas de Cristo. Toda verdade apresentada é uma verdade em Cristo, visto que Cristo é em sua pessoa o evangelho de nossa salvação. Não é necessário que nos detenhamos aqui sobre exceções possíveis à regra de que o Espírito emprega a verdade como um instrumento na regeneração. As crianças que morrem na infância são mudadas até onde herdaram uma tendência natural para o pecado. Mas como essa mudança é efetuada pelo Espírito não é preciso aqui inquirir, visto que não há luz de que possamos nos valer sobre o assunto fora de nossas especulações. O princípio geral é inteiramente claro, e podemos estar seguros de que as exceções aparentes podem ao fim concordar com ele. Uma conclusão importante é tirada do uso da verdade da parte do Espírito na regeneração. É que a regeneração não se efetua no ato do batismo. Em algumas passagens do Novo Testamento, o batismo se associa claramente com a conversão, e quase sempre com o início da vida cristã (veja At 2.38; Rm 6.3,4; Cl 2.12; 1 Pe 3.21). Mas não há evidência concludente de que em qualquer dessas passagens o batismo seja considerado no sentido católico como um opus operatum, isto é, um ato que por si mesmo regenera, sem relação alguma com a mente de quem o recebe. Nem sustentam a idéia dos discípulos de que o batismo completa o ato da regeneração. O erro em ambos os casos consiste em considerar o batismo como um meio para cumprir um objetivo, sendo que não é mais que a expressão exterior do fim, quando esse se efetuou de outro modo. O batismo simboliza a regeneração, mas não a produz. O batismo é o símbolo exterior de uma mudança que já foi efetuada no crente. É o arrependimento, a fé, a regeneração, a conversão em símbolo. Não é nenhum desses de fato. Confundir fato com símbolo ou símbolo com fato é mudar radicalmente a natureza do evangelho. A passagem de 1 Pedro 3.21 nos admoesta contra esse erro. Não é o fato físico o que vale, diz Pedro. Não é uma purificação física. O verdadeiro significado do batismo é moral e espiritual. É a resposta de uma boa consciência para Deus. Aqui a verdade é claramente distinta do símbolo. E o símbolo não tem valor senão como um espelho da verdade. A menos que compreendamos a verdade refletida no símbolo e operamos de acordo com ela — isto é, a menos que sejamos conscientemente obedientes a Deus e tenhamos interiormente o testemunho de uma boa consciência — o símbolo exterior nada vale. Uma terceira declaração positiva é que na regeneração a energia divina se manifesta em nós pela atividade de nossas faculdades morais e espirituais. Como já vimos, a fé e o arre­ pendimento são condições da regeneração. Nenhum homem incrédulo ou impenitente está regenerado. Todo aquele que tem o novo nascimento é um crente arrependido. Isso nos ajuda a evitar o erro de pensar na ação de Deus ao regenerar-nos como se fosse uma força física. E como se os homens fossem coisas no lugar de pessoas. O cristianismo não é o panteísmo. Deus nos trata sempre como pessoas livres. O método de Deus conosco é sempre moral e espiritual. Aceitamos seu convite. Sua graça vem a ser efetiva por nossa aceitação. Quando nos voltamos do pecado, quando confiamos no salvador, quando a vontade vem a ser obediente, então, e só até então, é completo o ato da regeneração. Não temos de pensar em um intervalo de tempo entre nosso ato de resposta a Deus e o ato de Deus para nos mudar. Não há intervalo de tempo entre eles. Os dois lados da relação se completam no mesmo instante. São acontecimentos contemporâneos na vida da alma. Quando uma pedra cai em um lago, podemos observar que a onda produzida é composta de dois semicírculos que, juntos, constituem o círculo completo. Assim, também, quando o Espírito de Deus entra na alma humana e a regenera, o lado humano e divino podem ser considerados semicírculos que, juntos, constituem o ato completo. E como os semicírculos no lago se originam no mesmo instante, assim também a resposta humana pela fé é simultânea com o ato regenerador do Espírito de Deus. D . Regeneração nas suas relações m ais am plas Nenhum ensinamento da escritura nos coloca mais próximos do coração do cristianismo que a doutrina da regeneração. Podemos entender quão crítica é na religião cristã, notando brevemente sua relação com outras grandes idéias do evangelho. 1. A regeneração está estreitamente relacionada à idéia de Deus. Quando a alma está regenerada, está mudada fundamentalmente em suas qualidades morais e espirituais. As qualidades que recebe são uma reprodução em nós das qualidades que Deus tem. Pela primeira vez, aprendemos então, por experiência, que classe de ser é Deus. Somos feitos participantes da natureza divina. Antes de ser regenerados podemos ter conhecimentos teóricos acerca de Deus. Agora temos conhecimento positivo dele. Assim, vê-se como a vida espiritual do homem lhe fez o serviço mais elevado em suas especulações metafísicas. O instinto especulativo é muito forte no homem. Não se pode deixar de pôr sinais de interrogação no fim de todos os grandes mistérios da experiência. Isso é particularmente certo com relação à suprema Realidade que existe por trás de tudo quanto vemos, tocamos, conhecemos e sentimos. No entanto, nossas lutas especulativas nos subministram pouco conhecimento satisfatório até que a nova vida nos venha de Deus. E quando então "provamos e vemos" a realidade a respeito da qual estamos raciocinando. Deus chega a ser um fato para nós. Já não é mais uma dedução lógica. E ao descobri-lo mais verdadeiramente descobrimos a nós mesmos. 2. A regeneração está também estritamente relacionada com a revelação; Jesus Cristo é a suprema revelação de Deus aos homens. Mas a revelação de Cristo fica fora de nós até que Deus revele em nós seu Filho. A verdade de Deus chega a ser visível em Cristo. É, por assim dizer, projetada sobre a tela de sua humanidade para que a vejamos. Mas não vem a ser revelação para nós no significado completo da palavra até que a verdade objetiva se torna subjetiva em nós. Não é surpreendente que os homens não-regenerados com freqüência deixem de aceitar a revelação histórica de Deus em Cristo. Fecham a passagem espiritual por onde se aproximam daquela revelação, e se separam da confirmação interior que poderiam ter na renovação de sua própria natureza. 3. A regeneração está relacionada vitalmente com a doutri da pessoa de Cristo. Cristo é mestre, profeta, revelador. Mas é mais que tudo isso combinado. É o doador da vida. Aqui tocamos o co­ ração do evangelho. A marca distintiva de Cristo em suas relações com os homens é a sua relação com eles como causa espiritual. Os homens deixam de compreender o verdadeiro significado do cristianismo quando o tomam meramente como um grupo de idéias. Deveriam tomá-lo, sim, como um grupo de forças ou causas espirituais. Naturalmente, é um grande grupo de idéias. Nosso sistema doutrinai é um esforço para expressar essas idéias de maneira coerente e unificada. Mas as idéias resultam dos fatos e das forças. Pois bem, Cristo é a força ou causa suprema em nossa religião revelada. Devemos entendê-lo assim se precisamos entendê-lo de alguma maneira. Não temos que entendê-lo simplesmente como um exemplo a seguir; ou como alguém que foi aprovado por nossa razão como divino apenas pelos milagres e sinais que efetuou; nem como uma revelação objetiva do que é Deus, que tem de ser aceito como artigo de fé. Devemos aceitá-lo como quem tem vida em si mesmo e que tem poder para repetir ou voltar a produzir aquela vida em outros. Esse fato é o grande tema do quarto evangelho. A idéia é repetida de muitas maneiras. Nele estava a vida. E a vida nele vem a ser a luz em nós (Jo 1.4,5). E de sua plenitude os homens receberam graça sobre graça (Jo 1.16). Veio para que tivéssemos vida, e para que a tivéssemos em abundância (Jo 10.10). Declarou que rios de água viva fluiriam daquele que fosse unido a Cristo pela fé (Jo 7.38). Por último, o evangelho de João é uma grande demons­ tração histórica e experimental da função divina de Cristo como o doador de vida aos homens. Ele é o ideal realizado da aproximação de Deus ao homem, sua revelação de si mesmo para a salvação do homem. E também o ideal realizado da busca que o homem faz de Deus. É a porta por onde Deus vem aos homens (Jo 10.1-3). É também a porta por onde o homem tem de passar para encontrar a Deus (Jo 10.9). Assim toda a vida religiosa da humanidade encontra sua consumação naquele que é o doador da vida. 4. A regeneração está vitalmente relacionada com a obra do Espírito Santo. Como veremos, o Espírito de Deus opera essa mudança em nós, reproduzindo em nós a vida de Cristo. O Espírito Santo é Deus imanente nos homens. Seu ato regenerador na alma é o novo começo espiritual para o homem. 5. A regeneração está nas relações mais estreitas com todas as demais doutrinas e fatos da vida espiritual. Por exemplo, divide a natureza cujo conteúdo moral é mais bem expresso pela palavra filho. Quando somos regenerados, chegamos a ser verdadeiros filhos de Deus. A justificação expressa o estado dos regenerados diante de Deus, ainda que a fé seja a condição de ambas. A santificação é o desenvolvimento gradual da vida distribuída na regeneração, dentro de suas possibilidades inerentes de beleza moral e espiritual. A perseverança é a permanência da vida divina em nós, aqui na terra, e também se manifestará em suas formas imortal e glorificada depois de nossa morte. A doutrina das últimas coisas é o que cremos concernente ao destino dos regenerados na vida vindoura e, juntamente com isso, o destino dos que não possuem a vida divina. 6. Ao que dissemos acima podemos acrescentar que a regeneração é a chave para o problema das causas finais. Vimos como aprendemos nela pela primeira vez o caráter de Deus. Nela podemos descobrir também em grande parte o propósito final de Deus. Dois fatos se apresentam com muita clareza quando olhamos o mundo em seu presente grau de desenvolvimento. É um mundo não acabado e também é um mundo pecaminoso. A natureza se estende por meio das formas ou classes de cristais, plantas, animais até chegar ao homem. Chega a ser moral e espiritual na constituição humana. E, no entanto, está feia e quebrantada pelo pecado. Como proferiu alguém: "O homem parece ser uma promessa não cumprida". Nele há grandes e maravilhosas intimações de algo mais sublime que ainda parece inatingível. Na regeneração, Deus e o homem se encontram novamente. O homem chega a possuir um novo poder moral e começa a realizar seu destino como o filho de Deus. É-lhe apresentada a causa final ou o propósito último de Deus: trazer muitos filhos à glória. Assim, temos na vida regenerada do homem os fatos fundamentais de nossa idéia das causas primeiras e finais do mundo. A energia criadora de Deus na alma nos fala de sua criação original do mundo. O caráter do filho que ele está produzindo em nós nos fala do objetivo do universo, um reino de seres livres e espirituais que sustentam para com ele uma relação como de filhos para com o Pai. 7. Certas formas de teoria filosófica são contestadas e vencid melhor à luz da vida regenerada do homem. O pessimismo interpreta o mal e os padecimentos do mundo como prova de que não existe um Deus bom. O pluralismo está impressionado com a luta entre as potências boas e más, e deduz que não há Deus supremo. Se há um ser bom, estão opostos a ele um ou mais seres que são igualmente poderosos. Daí a luta através dos séculos entre o bem e o mal, que parece interminável. O panteísmo perde toda esperança de vitória pessoal da parte do homem, e se refugia no pensamento de que o pecado é meramente uma fase passageira da manifestação divina, e que o homem será liberto de sua luta, que de outra maneira seria desesperada, pela reabsorção no infinito. Sua vida pessoal chegará a seu fim. Pois bem, a vida regenerada do homem em Cristo mostra as grandes realidades e verdades que vencem todas essas especulações. Essas podem ser resumidas assim: (1) Um poder divino que é pessoal e moral. Sua obra na alma é essencialmente ética. Produz um caráter moral no homem e cria a comunhão pessoal. (2) Aprofunda e enriquece a vida pessoal do homem. Não é o procedimento lento e penoso de desalojar ou esgotar os elementos da personalidade humana, como ensina o budismo, mas a intensificação de todos, é o ideal cristão. O amor sempre se faz mais profundo. O desejo apaixonado da justiça e da imortalidade arde como uma chama que aumenta continuamente. (3) O verdadeiro exercício de domínio sobre o mal pelo homem regenerado. O pessimismo e o pluralismo são assim lançados fora pelos fatos da experiência. Já temos a vitória quanto aos princípios: "... e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (1 Jo 5.4). Podemos dizer, pois, que a regeneração demonstra que o cristianismo é mais que uma "série cognoscitiva". Não é meramente um grupo de idéias ou doutrinas harmonicamente unidas em um sistema. É também uma "série causai". É um grupo de forças e causas espirituais que produzem efeitos dados em um reino moral e espiritual. Por isso, o cristianismo não pode ser considerado nem tratado apenas como uma série de idéias. Tem de ser estudado como um grupo de causas e efeitos. As idéias resultam dos fatos. Os fatos e as causa são fundamentais. 8. Por fim, a regeneração é a chave do problema do conhe mento no cristianismo. Na regeneração encontramos a operação dos fatos e das forças que constituem a religião cristã. Aqui es­ tão os dados que devem ser interpretados. Aqui estão as causas e os efeitos que devem ser explicados. Aqui estão as realidades espirituais que proporcionam o material para a ciência teológica. Adquirimos o conhecimento histórico do cristianismo estudando as fontes literárias na Bíblia. Essas, porém, não deixam fora do tempo as realidades espirituais. Nunca conhecemos o interior do cristianismo a não ser que o conheçamos pela vida regenerada do homem. Só a experiência pode nos preparar para a interpretação e exposição do cristianismo, porque só a experiência proporciona um conhecimento pessoal dos fatos. E . Justificação 1. Definição A justificação é um ato judicial de Deus no qual declara que o pecador está livre da condenação e lhe restaura o favor divino. É verificada quando o pecador confia em Cristo e em seus méritos para obter a salvação. Essas duas declarações contêm os elementos essenciais da doutrina neotestamentária da justificação. Escolhemos vários pontos para dar ênfase especial. Observe-se em primeiro lugar que a justificação é um ato declarativo de Deus. A palavra da qual é derivada palavrão termo "justificar" (em grego: dikaioo) no Novo Testamento não significa tornar justo ou reto, mas declarar ou ter por justo. Há numerosas passagens que apóiam essa afirmação. Na epístola aos Romanos todo assunto versa sobre como o homem pode ser justo na presença de Deus. Paulo declara que no evangelho está revelada uma justiça de Deus de fé em fé (1.17). Em Cristo, Deus proveu uma justiça para nós que vem a ser, por meio da fé, a base de nossa aceitação com Deus. Por nossa união viva com Cristo a justiça dele vem a ser a fonte de nossa justiça. A justificação, no entanto, se relaciona com a primeira justiça, ao passo que a santificação se relaciona com a última justiça. Em seguida, observe-se que esse ato declarativo de Deus se baseia na obra de Cristo. Esse é o coração do argumento em Romanos. A passagem em que a idéia da justificação é ensinada mais claramente está em Romanos 3.23-26. Lê-se como segue: "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs como propiciação, pela fé, no seu sangue, para demonstração da sua justiça por ter ele na sua paciência, deixado de lado os delitos outrora cometidos; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e também justificador daquele que tem fé em Jesus". Uma análise da passagem mostra o seguinte resultado: (1) Todos os homens pecaram. Não há exceção à regra. (2) Todos necessitam de uma justificação diferente da que eles mesmos podem proporcionar. (3) Deus propôs a Jesus Cristo para ser uma propiciação para os nossos pecados. (4) Baseando-nos nessa obra propiciatória de Cristo, somos declarados justos, reconhecidos como justos. (5) Esse ato justificador de Deus foi feito livremente por sua graça sob a condição de nossa fé em Deus. (6) Por último, essa obra de Cristo foi necessária a fim de que Deus fosse justo assim como o justificador daquele que crê em Cristo. É evidente por essa passagem que Deus não justifica o pecador nem pode fazê-lo no sentido de declará-lo como já justo. O evangelho é a regra de Deus pela qual um pecador pode entrar em uma nova relação com Deus pela fé em Cristo. Nessa nova relação Deus pode justificar o ímpio (Rm 4.5). A base e o motivo da justificação é, pois, a obra de Jesus Cristo. Sua propiciação pelos nossos pecados é a única base do ato justificador de Deus. Observamos, em terceiro lugar, que o ato declarativo que justifica o pecador é feito sob a condição da fé. Esse princípio é afirmado repetidas vezes no Novo Testamento. O Antigo Tes­ tamento é citado como prova do fato de que a fé foi sempre a condição da justificação. A fé de Abraão é tomada como grande exemplo típico de fé. Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado como justiça (Rm 3.4; Gn 15.6). No capítulo 11 de Hebreus é dada uma longa lista de santos do Antigo Testamento, todos os quais viveram pela fé. Em Habacuque 2.4 há uma manifestação breve mais abrangente do grande princípio:"... o justo pela sua fé viverá". Em Gálatas 2.16-20 a idéia é expressa em termos bem claros, em contraste com as obras da lei, como base da justificação. Negati­ vamente, pois, a justificação nunca se baseia nas obras. Esse foi o principal erro dos judeus. A idéia mais difícil de todas para que eles se apropriassem e assimilassem foi a da salvação pela graça por meio da fé. Em Efésios 2.8 a verdade é declarada nos termos mais enfáticos. A salvação é "pela graça", e a graça nos é estendida "por meio da fé", e a fé, por sua vez, é "dom de Deus". No quar­ to capítulo de Romanos Paulo resume o princípio da justificação pela fé em várias declarações. Tomando a Abraão como o grande exemplo de fé, afirma que sua fé lhe foi dada ou imputada como justiça (vs. 3 e 9). Sendo assim, se um homem procura ganhar a salvação por meio de obras, Paulo diz que o princípio fundamental do evangelho é destruído (v. 4). Mas aquele que crer em Cristo e renuncia as obras como a base da salvação, sua fé lhe é imputada como justiça (v. 5). Observamos, em quarto lugar, que o conteúdo do ato justificador de Deus é a libertação da condenação e a restauração do favor divino. A justificação é a concessão de um novo estado diante de Deus. A pena que impõe a lei que o pecador ultrapassou agora está revogada. Ele é perdoado. Ao mesmo tempo é recebido o favor divino. A graça de Deus agora flui ativamente repartindo toda bênção espiritual. Nesses dois aspectos da divina complacência para com o homem justificado, a base da bênção é Jesus Cristo e sua obra. Em Romanos 5.1,2 estão manifestadas as bênçãos da justificação em termos de fácil assimilação. Notamos: (1) A base da justificação: "por nosso Senhor Jesus Cristo". (2) A condição: "Justificados, pois, pela fé". (3) A remissão da pena: "tenhamos paz com Deus". Não há a ameaça de uma lei quebrantada. (4) O novo estado no favor divino: "por quem obtivemos também nosso acesso pela fé a essa graça, na qual estamos firmes, e gloriemo-nos na esperança da glória de Deus". Em quinto lugar, a justificação é um ato de Deus no princípio da vida cristã, e nunca se repete. A liberdade da condenação e a restauração ao favor de Deus são estados permanentes. Assim, a justificação estabelece uma nova relação com Deus, a qual nunca se rompe. Nenhuma repetição do ato justificador é alguma vez possível ou necessária. O fato de que a justificação nunca se re­ pete tem uma relação importante com a qualidade de nossa vida espiritual, como veremos. Nosso serviço a Deus é qualificado e condicionado em todos os pontos por seu grande ato de graça justificadora. 2. Por que a justificação é pela fé? Respondendo a essa pergunta, já vimos que a fé é efetivamente a condição da justificação em oposição à idéia judaica das obras e aos méritos como a base da justificação. A fé em si mesma não é uma obra meritória. É, sim, o dom de Deus a nós assim como nossa resposta a Deus. Há outra razão pela qual a fé é a condição da justificação. Porque a fé é o princípio universal da vida cristã. A fé, a união viva com Cristo, é a condição de toda graça cristã, de todo o cres­ cimento cristão. A fé é uma relação contínua da alma com Deus. Permanecerá na vida futura junto com a esperança e com o amor (1 Co 13.13). Observando o lado humano da salvação podemos dizer que a fé é a precondição e a pressuposição de tudo mais. É o princípio germinal da vida espiritual. A regeneração, a adoção, a santificação, as boas obras, a perseverança, a glorificação são frutos da fé. Assim também é a justificação. A justificação pertence à grande série de bênçãos espirituais que nos vêm em Cristo e por meio de Cristo. E a fé é a condição de todas elas. Propriamente entendido, é toda aceitação humana da oferta da graça salvadora de Deus em Cristo aos homens pecaminosos. 3. A relação da justificação com a experiência cristã A necessidade e o valor da justificação são apresentados muito claramente quando a consideramos com relação às necessidades da vida espiritual. É indispensável à religião cristã. Sem ela se sentiria uma grande falta, uma grande necessidade não seria preenchida. Essa necessidade pode ser manifestada da seguinte maneira: a fim de que se renda a forma mais elevada de serviço a Deus, ao menos dois elementos são exigidos pelo homem: um desses é que seja livre. O outro é que seja filial. Todo elemento de escravidão deve ser retirado. A liberdade do pecado, de condenação e a liberdade de dúvidas são necessárias. A confiança, o amor e a lealdade do filho para com o Pai devem estar presentes. Em suma, a vida cristã exige uma verdadeira base para a segurança da salvação. A atitude livre e filial não é possível senão quando foi retirada toda dúvida com respeito a nossa aceitação da parte de Deus. A justificação pela fé nos assegura essa bênção de indizível valor e nos põe em liberdade perdurável para o serviço filial. Há duas considerações que tornam clara a necessidade da justificação a fim de que se tenha esse serviço livre e filial, essa segurança de salvação. Uma é: os males que resultam quando não se tem a doutrina da justificação. A outra é: o fato de que nenhum outro ensinamento do evangelho pode satisfazer a necessidade que é satisfeita pela justificação. Consideremos essas brevemente. (1) Primeiro, há numerosas tendências más em uma vida religiosa que não está sustentada pela doutrina da graça justificadora de Deus. Uma dessas é a tendência de rebaixar o conceito cristão de Deus. Uma idéia sentimental de Deus, como um Pai indulgente e um tanto fraco, pode tomar o lugar do Pai infinitamente santo do evangelho. O caráter de Deus como Pai no Novo Testamento é o mais sublime que jamais foi apresentado. É tanto o Deus infinitamente amoroso como o Deus supremamente justo. Juntamente com essa tendência de rebaixar a idéia de Deus há outra que debilita o conceito do pecado. O cristianismo aprofundou o significado do pecado mais do que o mundo havia suposto anteriormente. O Espírito Santo "convence" aos homens de pecado como condição da entrada da graça renovadora de Deus. Em conseqüência, quando a natureza moral do homem é despertada sob o poder do Espírito, chega a ser consciente de pecado e de um sentido de culpabilidade e condenação que, se não encontra alívio, pode conduzi-lo ao desespero. Vê o pecado como Deus o vê. Um homem pode recusar ser despertado em sua natureza moral e espiritual. Pode resistir ao Espírito de Deus e agarrar-se a uma esperança falsa baseada sobre um sentido debilitado de pecado e sobre um conceito muito baixo de Deus. Mas sempre que nasce um sentido adequado de pecado existe a necessidade do ato justificador de Deus, e sem ele os homens não tem esperança. Também sem a doutrina da justificação há uma forte tendência de cair no antigo erro judaico de salvação pelas obras. Isso sempre resulta em uma, de duas possibilidades. O homem justifica-se a si mesmo imaginando que é melhor do que é; ou sua esperança está sempre obscurecida pelo temor de que falte aos requisitos divinos. Se lhe falta o sentido de pecado e seu significado terá a inclinação de justificar a si mesmo. Se realmente sua natureza moral foi despertada, se sua consciência está muito alerta quanto às realidades morais e à santa lei de Deus, está em perigo de cair no desespero. Essas são maneiras comuns em que os homens se desviam. Nenhuma delas é a maneira cristã, a religião cristã aprofunda o sentido de pecado. Mas proclama uma graça que satisfez todas as necessidades do pecador. O ato de Deus pelo qual justifica limpa a consciência de obras mortas para servir ao Deus vivo. Outra forma dessa tendência é vista na doutrina católica romana, que ensina ser a justificação um procedimento gradual que continua durante a vida cristã. A penitência e várias formas de disciplina são necessárias para assegurar a justificação. Os homens são justificados só até onde estão justificados. O resultado é que os homens nunca estão seguros da salvação na vida atual. Dorner disse, com referência à doutrina romanista, que somos justificados só até onde somos justificados: "Sendo a justificação um procedimento contínuo, a morte redentora de Cristo, da qual depende, tem de ser também um processo contínuo; daí sua reiteração prolongada no sacrifício por meio da missa. Visto que a santificação nunca se completa nesta vida, nenhum homem morre plenamente justificado; daí a doutrina do purgatório". A doutrina da "salvação pelo caráter", como é procla­ mada por alguns adeptos da chamada "nova teologia", é bem parecida à doutrina católica em seu princípio es­ sencial. Não se valem de sacramentos da mesma maneira que o fazem os católicos. Mas menosprezam a eficácia da obra que Cristo fez por nós e dependem mais das quali­ dades morais inerentes no homem que do ato justificador de Deus. Aqui também o velho legalismo não deixa de se mostrar de uma nova forma. As antigas dúvidas não deixam de voltar à medida que a visão espiritual se pu­ rifica e o pecado se apresenta em sua verdadeira luz. A consciência moral já despertada nunca pode descobrir em si mesma tais adiantamentos morais que possam prover uma base de esperança. Por isso, o engano de si mesmo será o resultado com respeito ao estado moral, ou de outro modo ao desespero. A doutrina bíblica da justificação evita esses dois erros. Não é possível nenhuma justiça própria visto que a graça justificadora de Deus é inteira­ mente dada de graça aos pecadores que possuem mérito algum. Não há perigo de desespero, porque o próprio poder de Deus age em nós no ato redentor de Cristo, e está em nós como graça renovadora para transformar-nos a sua imagem. (2) A segunda consideração que mostra a necessidade da jus­ tificação na experiência cristã é que nenhum outro dom da graça de Deus pode satisfazer a necessidade. Uma revisão muito breve das outras bênçãos demonstrará isso. O perdão é, naturalmente, a restauração do homem às relações corretas com Deus, mas há atos de pecado que se cometem depois de quebrantado o poder do pecado. O Mestre nos ensinou no pai-nosso que devemos pedir o perdão repetidas vezes enquanto a justificação nunca se repete. A regeneração, como vimos, renova a natureza moral, mas a vida do homem regenerado não é suficien­ temente uniforme ou conseqüente consigo mesma para satisfazer a constante necessidade de segurança que tem o homem, de que é aceito por Deus. O arrependimento, a fé e a conversão assinalam uma grande crise espiritual na vida da alma. Mas é experiência comum, os cristãos não se acham capazes de se manter neste nível. Há muitas voltas ou "conversões" depois da primeira. A segurança, como um fato fixo, não pode ser baseada somente sobre essa experiência. A santificação é um processo gradual, mas é um processo que está sujeito a muitas variações. A mesma perseverança depende muito de nossa necessi­ dade da justificação. Ainda nossa fé, que é um princípio vital de toda nossa vida cristã, é um fator variável. Com muita freqüência oramos: "Creio Senhor, ajuda minha incredulidade". Deduzimos pois, que temos na justificação uma gran­ de verdade fundamental que não pode ser omitida de nossa vida espiritual. Não é nossa experiência subjetiva, em nenhuma de suas várias formas, na qual confiamos. É o grande ato da graça de Deus dirigido à nossa experi- ência variável para sustentá-la em meio de todas as suas mudanças e lutas. A doutrina da justificação é especial­ mente necessária para nos assegurar nossa aceitação da parte de Deus quando se apresentam crises em nossas almas que são provadas como pelo fogo. Então somos ten­ tados a duvidar e cair. Mas é então quando nossa posição estabelecida, nosso estado invariável diante de Deus, nos fazem fortes para suportar, sofrer e vencer. Não podemos omitir a doutrina da justificação pela fé, se precisamos reter os elementos em que se baseiam as aquisições mais elevadas na vida cristã. 4. Uma objeção à doutrina da justificação Devemos agora considerar uma objeção que é apresentada por alguns contra a doutrina da justificação pela fé. A linguagem em que a objeção se manifesta varia até certo ponto, mas a idéia principal fica inalterada. E dito que a doutrina implica uma justiça artificial. Isto significa uma justiça que não é genuína, mas fictícia, visto que Deus meramente imputa justiça a alguém que não a possui. E uma justiça artificialmente produzida, uma justiça por decreto. Isto está acompanhado da outra declaração. Que a doutrina da justificação não é ética, mas que tende a um conceito legalista ou forense da salvação. Não se nega que Paulo ensinasse essa doutrina da justificação, mas se afirma que era uma parte do judaísmo que reteve de sua vida anterior. Foi assim uma fase passageira de ensinamento que não representava os princípios essenciais do cristianismo. E verdade que Paulo, com efeito, ensinava um verdadeiro cristianismo espiritual, mas os opositores insistem em que o elemento espiritual de seu ensino corre lado a lado com o elemento legal e judaico contradizendo-o. Respondendo a esxa objeção, começamos com a declaração geral que resulta de um método abstrato de tratar os ensinos do evangelho. Como observamos em outras conexões é impossível entender a religião cristã a menos que a tomemos em sua unidade como um todo orgânico. Se a dividimos em partes, e logo consideramos qualquer das partes de modo abstrato, ou sem referência às conexões vivas do todo, sempre nos desviamos. A análise em partes é necessária para que se pense claramente, mas o pensamento analítico é desviado quando se esquece da unidade vital da religião cristã na experiência humana e no ensino do Novo Testamento. Essas observações são aplicadas especialmente à doutrina da justificação pela fé. A justificação é um aspecto da salvação que vem ao homem por meio de Cristo. Essa salvação inclui uma fé viva que nos une a Cristo, e nos faz participantes de sua vida. Inclui a regeneração, que muda radicalmente a disposição moral. Inclui a união vital com Cristo, e com o Espírito de Deus que habita em nós, que volta a nos criar na imagem moral de Cristo. Inclui o procedimento divino, que promove nossa santificação gradual e nossa glorificação final. Quando consideramos a justificação em relação com esses fatos e as verdades que resultam deles, todas as objeções caem por terra. Se a fé for tomada de maneira abstrata, meramente como a crença histórica, e se o ato justificador de Deus for concebido meramente como o de um juiz em um tribunal absolvendo a um criminoso de um crime do qual é culpado, então por certo a objeção poderia ser válida. Mas essas não são maneiras pelas quais se entende a fé e a justificação segundo o Novo Testamento. A fé que justifica é a fé que regenera. O ato de Deus que justifica é um ato que também concede caráter moral ao justificado. Tendo presente esses fatos gerais, podemos responder a objeção detalhadamente. (1) Primeiro, respondemos que a doutrina de Paulo não é um resquício do judaísmo, mas ao contrário, está diretamente oposta à doutrina judaica da salvação. Na epístola aos Romanos, Paulo combate o método judaico de justificação por obras. Opõe ao judaísmo a doutrina cristã de justifi­ cação por fé. Na verdade, sua doutrina da justificação é fundamental ao cristianismo como a religião universal. Porque Deus não é "Deus somente dos judeus"; é nisso que Paulo insiste. A justificação pela fé põe o evangelho ao alcance de todos os homens, gentios ou judeus. (2) Nem é legal ou forense a doutrina cristã da justificação pela fé, mas vital e espiritual. O oponente perde de vista o fato de que a frase "pela fé" transforma a idéia da jus­ tificação de tal maneira que o princípio meramente legal desaparece, ou é elevado até uma unidade mais alta. A palavra justificação, ou o mero conceito da justificação separada da fé, seria por certo legal ou forense. Mas a realidade cristã não é o mero conceito. É a justificação tornada vital pelo pensamento complementário expresso pela frase "pela fé". O ímpio que é justificado "pela fé" é o ímpio posto em uma relação piedosa, que não é artificial nem carente de realidade, mas muito vital e real. (3) Observamos também que a justificação pela fé não é contrária à ética, mas sim que conduz às mais elevadas qualidades éticas no que é justificado. A propiciação de Cristo como já temos visto é o motivo da justificação. Esse ato propiciatório foi a glorificação do amor. E o amor é a soma das qualidades éticas. O homem justificado é atraído a participar com Cristo em seu amor abnegado. O homem justificado é crucificado como Cristo. O eu é morto. Levanta-se uma nova vida de amor. Certamente, a justificação simplesmente dá um novo estado com Deus sob a condição da fé. Mas o novo estado não é o daquele que fica sem ser comovido pelo poder regenerador. Não é um novo estado isento de relação com um novo princípio interior da vida e santidade. Os dois estão juntos. Retirar a justificação desse contexto de vida e poder é inverter a ordem de seu significado neotestamentário. (4) A doutrina da justificação provê uma necessidade da vida espiritual que é deixada de lado pela objeção. Essa necessidade consiste em que o legalismo seja destruído na experiência cristã. A salvação pela graça por meio da fé opõe-se em todos os pontos ao legalismo no sentido judaico antigo. Pois bem, o ensino de Paulo sobre a justificação não só não é legalista em si mesma, mas é sua arma principal para destruir o legalismo. A consciência humana é naturalmente legalista. Tende a adotar métodos para ganhar a salvação. É tardia para ceder à doutrina da graça. E difícil crer que Deus esteja disposto a aceitar aos ímpios. O pecado criou uma barreira. Parece incrível que um homem possa, repentinamente, ser emancipado de sua culpa e restaurado ao favor de Deus. Isso é simplesmente uma descrição da consciência de pecado no homem em geral. É coisa de experiência e não de teoria ou raciocínio abstrato. Assim, nenhuma forma de ensino pode satisfazer às necessidades da alma se não reconhece essa consciência de pecado. Mencionamos duas formas de semelhante esforço que fracassam. Em primeiro lugar, de nada vale declarar que a consciência de pecado seja meramente subjetiva. Dizer a alguém que o pecado não é pecado ou que a culpabilidade não é culpabilidade, não convence. Não pode crer que semelhante declaração represente a atitude de Deus para o pecado. Sua natureza moral o proíbe de crer nisso. Os ideais e valores morais que anseia, mas não possui, vê-se que são válidos por causa da realidade de seu pecado e culpabilidade. Se o pecado não é real, então o reino moral como um todo perde seu significado, porque se contradizem mutuamente. A realidade da consciência de pecado e culpabilidade no homem é assim um fato a ser reconhecido. Nem serve dizer ao pecador que só precisa fazer com que esteja em si mesmo a consciência de Cristo, como argumentam alguns. Visto que Cristo desfrutava de comunhão ininterrupta com Deus, e possuía uma perfeita consciência filial, assim também, é afirmado, que podemos ser salvos fazendo com que esteja em nossa consciência essa vida de comunhão. Mas isso é propor aos homens uma tarefa impossível. É possível dissipar o sentido de pecado e culpabilidade como com a vara mágica de um mago, por um mero ato de nossa vontade. O primeiro e mais imediato efeito da pureza imaculada de Cristo e da ação do Espírito em nós é o de tornar mais obscuros nossos pecados e nossa culpabilidade. Somos convencidos de pecado como nunca o fomos antes. A consciência livre de pecado que tinha Cristo vem a ser uma meta completamente fora de nosso alcance. Brilha com o seu único esplendor em alturas que estão muito fora de nosso alcance. Portanto, a psicologia que procura resolver o assunto dessa maneira é falsa. O que os homens precisam é de um evangelho de redenção do pecado, de alívio do sentido de pecado e de culpabilidade. Deduzimos, pois, que a doutrina de Paulo da justi­ ficação pela fé foi seu método de destruir o sentido que o homem tem do pecado e da condenação. O legalismo procura destruí-lo com todo tipo de planos, lutas e boas obras. Paulo declara que não há artifício, nenhuma forma de luta ou boas obras que possa satisfazer a necessidade. E ainda que o homem entre em uma vida de liberdade, de devoção filial a Deus, em uma vida de amor e lealdade, de alguma maneira o método legal tem de ser destruído juntamente com a consciência legal. Por isso, diz Paulo, Deus, em Cristo, encontra o pecador, o justifica, oferecelhe um novo estado, o aceita como filho, e para sempre acaba com o assunto da lei e da condenação, do pecado e da culpabilidade. E isso faz em seu ato de graça, jus­ tificando-o. E isso é o que de uma vez é seguido pela nova consciência filial "pela qual clamamos: Aba, Pai" (Rm 8.15). Antes de deixarmos o assunto da justificação, podemos responder uma pergunta feita com freqüência: "O homem justificado é ou não consciente do ato justificador de Deus?" Geralmente, responde-se "não", pois o homem não pode ser consciente do que é feito por Deus. Essa resposta, ainda que contenha um elemento de verdade, é insuficiente. Não inclui todos os fatos. Na verdade, não é senão outro resultado da falácia do pensamento analítico em seu esforço para explicar o que é organicamente uma só coisa. Deus e o homem, no ato salvador, não estão separados por um intervalo, como se o homem estivesse aqui neste ponto, e Deus ali em outro. A justificação e a regeneração são aspectos de um todo indivisível. A paz com Deus, o perdão e a reconciliação são outros aspectos. Todos esses nascem na alma ao mesmo tempo que a fé salvadora. A consciência de um implica a consciência de todos os demais. E enquanto a justificação é o ato de Deus, e não o nosso, no entanto, está invariavelmente presente com outras formas de experiências que são claramente nossas. Estamos seguros da justificação, portanto, precisamente porque a grande salvação, que nos vem por Cristo, a inclui como um elemento essencial inteiramente invisível. Essa salvação é como uma jóia preciosa que tem muitas facetas das quais se reflete a luz divina. O procedimento da análise exige tempo. Pode ser que não entendamos de maneira intelectual, a princípio, todo o conteúdo precioso de nossa vida de Cristo. Mas possuímos a jóia, não em partes, mas como um todo; quando contamos suas facetas descobrimos que já possuímos todas desde o princípio. F .A doção e filiação A justificação, como já vimos, tem referência ao pecado e à lei. Nela se estabelece uma nova relação para a lei: é concedido um estado novo diante de Deus. A adoção é uma bênção que constitui a nova relação para com Deus. Mas antes de manifestar o conteúdo da adoção, é preciso responder a estas perguntas: Há algum sentido em que todos os homens sejam filhos de Deus? É Deus o Pai de todos? Há dois grupos de ensinos bíblicos que à primeira vista parecem se contradizer. Cada um deles servirá ao presente propósito. Não há disputa quanto à relação de filho que Adão sustentava com Deus antes do pecado e da queda. O pecado, naturalmente, produz uma mudança. O Antigo Testamento tem comparativamente pouca coisa que lança luz sobre o ponto especial que estamos discutindo. Ali são reconhecidos os anjos como filhos de Deus (Jó 1.6; 2.1). Israel, como nação, é chamada filho de Deus (Os 11.1). No sermão da montanha Jesus descreve a Deus como tratando aos maus de maneira bondosa e paternal, assim como aos bons (Mt 5.45). Na parábola do filho pródigo, este representa os publicanos e pecadores, que foram desprezados pelos fariseus que justificavam a si mesmos. O Pai é representado como ansiando a volta do filho errante e o recebendo com alegria (Lc 15.11-32). As vezes parece que Jesus emprega a palavra Pai em um sentido absoluto. Ele é "o Pai" e é paternal em seu anseio para com todos os homens (Jo 4.23). O apóstolo Paulo em Atenas declarou que todos os homens são "geração" [filhos] de Deus (At 17.28). Em Gálatas 4.1-6 Paulo declara que antes da adoção por Cristo, os homens estavam em um estado de menoridade. Eram herdeiros mesmo que em condição de escravos. Só quando veio Cristo receberam a adoção de filhos. Essas passagens mostram que há mais ou menos elasticidade no uso bíblico quanto à idéia de Pai e filho como expressões de uma relação divino-humana. O outro grupo de passagens faz com que essa declaração seja mais clara. Em Mateus 13.38 Jesus declara que a "boa semente" da parábola são os filhos do reino, ao passo que "o joio" são os filhos do mal. Declarou que os fariseus não eram filhos de Deus, mas filhos do diabo (Jo 8.44). Também em João 1.12 os homens chegaram a ser filhos de Deus por fé. Em Gálatas 3.26 Paulo faz a mesma declaração. Todos os homens são filhos de Deus por fé em Jesus Cristo. Não é necessário se multiplicar as passagens. Não pode haver dúvida quanto à distinção que se faz entre crentes e incrédulos nessas passagens. Assim, o problema da exegese é o de encontrar a interpretação de ambos os grupos de passagens. Os seguintes são alguns dos esforços que se fazem para este fim: 1. Primeiro, afirma-se que todos os homens, sem distinção ou diferença, são filhos de Deus no mesmo sentido. Não há necessidade da regeneração. Só é preciso que os homens afirmem ser filhos de Deus, e isso será correto. Deus é o Pai de todos os homens no mesmo sentido. Pode disciplinar e educar a seus filhos, mas ao fim todos serão salvos. Essa é a idéia dos universalistas. Naturalmente, deve ser desprezada. Deixa de lado todas aquelas passagens que distinguem entre os estados morais dos homens e entre a fé e a incredulidade com relação ao estado de filhos. 2. A segunda idéia é que ninguém é filho de Deus em sentido algum, com exceção dos que são redimidos por Cristo. Esses interpretam todo o primeiro grupo de passagens como não tendo referência ao estado de filho. Distingue entre "geração" e o estado de filho; entre a nação de Israel e os filhos individuais de Deus; entre o pródigo que era o filho na parábola e outros que são realmente filhos. Sem dúvida, muito pode ser dito em defesa de algo do raciocínio exposto aqui. Mas em alguns aspectos não é completamente concludente. Não é fácil, por exemplo, separar os primeiros períodos dos posteriores na parábola do pródigo. Este chegou a ser um verdadeiro filho tornando-se arrependido, e voltou ao Pai. Mas os motivos, influências e relações antes do arrependimento estão todos baseados sobre a relação de Pai e filho. Não é fácil deduzir que essa relação signifique tudo antes do arrependimento, e nada antes dele. 3. Uma terceira idéia é que Deus é o Pai de todos os homens, mas que nem todos os homens são filhos de Deus. Essa se baseia na ampla base de que não há variação em Deus. Visto que o filho e o Pai são membros de uma relação espiritual, baseada sobre atitude e disposição, não podemos afirmar que o pecado do homem tenha mudado a Deus. A desobediência corrompeu o homem e destruiu suas relações normais e verdadeiras que tinha com Deus, mas não mudou a Deus no impulso paternal e fundamental de seu ser. Por isso, afirma-se que podemos explicar aquelas passagens que sustentam que os homens maus são filhos do diabo e chegam a ser filhos de Deus só quando têm fé, assim como as outras passagens que parecem afirmar a paternidade universal de Deus. Assim retira-se a aparente contradição. Essa idéia indubitavelmente manifesta em parte uma grande verdade. Mas não é completa. Deus é invariável. E eternamente amável. Mas seu amor para com os pecadores não é manifestado da mesma maneira como seu amor para com seus verdadeiros filhos espirituais. O impulso paternal em Deus, por isso, não pode ser expresso para os incorrigivelmente maus, mas em ira e em castigo. Contudo, normalmente lhe atribuímos isso como juiz mais que como Pai. Certamente, na análise final, os elementos judiciais e paternais em Deus são elementos unitários de seu caráter. Mas as relações de Pai e filho como as conhecemos, são relações recíprocas das que não podem ser afirmadas, se bem que existam isoladas uma da outra. Por isso, ao definir as relações de Pai e filho cada membro deve corresponder um com o outro. 4. Uma quarta idéia é que todos os homens são filhos naturais de Deus, mas só os crentes em Cristo são os verdadeiros filhos. O homem foi feito à imagem de Deus, e se acredita que o homem em quem está a imagem divina deve ser naturalmente filho de Deus. Pois bem, naturalmente, se essa é uma definição correta da relação de filho, a idéia é correta. Porque o homem, mesmo quando é pecador, retém na verdade uma parte da semelhança original de Deus. Ao passo que se insiste na necessidade do novo nascimento para converter os filhos naturais em filhos espirituais, não há objeção à idéia senão pela dificuldade prática de guardar na mente popular a distinção entre os filhos naturais e os filhos espirituais. 5. Parece, pois, que podemos apresentar uma quinta idéia q expressa com mais exatidão a verdade e explica todas as passagens citadas. Essa é a de que todos os homens são constituídos para serem filhos de Deus, e que Deus deseja que todos os homens cheguem a ser filhos, mas que esse ideal não se torna real senão no novo nascimento. A favor disso notamos os seguintes fatos: Em primeiro lugar, por certo, o Novo Testamento define a relação de filho no sentido mais elevado e ideal em termos do novo nascimento e a semelhança moral com Deus. A seguinte exortação é dirigida aos cristãos: "Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor..." (Ef 5.1,2). Isso implica claramente que os filhos possuem traços morais e espirituais que correspondem com os traços morais e espirituais que há em Deus. Aqui, pois, temos a relação de filho e Pai definida em sua forma final e ideal. Significa "a resposta de qualidades morais no homem, que correspondem a qualidades morais em Deus". Em segundo lugar, essa semelhança moral com Deus expressa pela relação de filho ainda que resulte da união com Cristo pela fé, não é possível senão aos que originariamente possuíam até certa medida a imagem e semelhanças originais de Deus. Nenhum animal pode chegar a ser filho de Deus. Só um ser que esteja dotado de capacidade para ser filho pode chegar a ser filho. A relação filial do homem com Deus é análoga a sua relação moral. "Não há quem faça o bem, nem há nem um só". Isso não indica que o homem não possua uma constituição moral nem que careça de capacidade de ação moral. Pode falar a verdade e evitar a mentira, e realizar outros atos morais. Mas seu caráter moral não se conforma com a regra de Deus. Ele precisa da redenção mediante a graça de Deus. Tem uma constituição moral, mas não tem um caráter moral. De semelhante maneira, foi feito ou constituído para ser filho, mas alcança esse estado somente pelo novo nascimento. Tem uma constituição filial, mas não tem o caráter filial. Em terceiro lugar, o ponto torna-se claro quando concordamos que o estado de verdadeiro filho exige tanto uma constituição moral como uma relação moral. Que perdeu Adão quando pecou? Não perdeu sua constituição moral, mas, sim, sua relação moral e filial para com Deus. Fez-se desobediente. A comunhão foi rompida. O pecado o separou de Deus. Quando o pródigo da palavra saiu de casa, rompeu a comunhão com o pai. A relação filial foi destruída e a relação paternal deixou de operar. Mas o pródigo reteve a constituição filial. Não pôde desfazer sua alma. Sua consciência moral lhe disse, no entanto, que havia perdido o direito ou título de filho. Ele disse: "... já não sou digno de ser chamado teu filho". O severidade de seu pesar originou-se neste fato: a perda de seu estado de filho. O Pai esperou com os braços abertos porque a constituição paternal não teria sofrido mudança nem mesmo quando a constituição paternal foi interrompida. O que realmente foi interrompido está claro pelas próprias palavras dele: "... [meu filho] estava morto, e reviveu". É estranho como os homens insistiram em fazer com que essa parábola ensinasse uma relação ininterrupta entre o pai e o filho, apesar do pecado, quando ensina tão claramente que o pecado destruiu a relação. A constituição não foi destruída nem no pai nem no filho, mas a relação foi destruída completamente. Essa idéia explica muitas passagens da escritura a que se tem feito referência, além de outras que não podem ser citadas senão de maneira geral. O ensino de Paulo em Gálatas (4.1-5) diz que as crianças e os herdeiros não eram melhores que os servos quanto a sua posição, senão até que veio Cristo. Estiveram em escravidão sob os rudimentos do mundo. Foram destinados a ser filhos, mas não chegaram a tal até que veio Cristo e receberam a adoção. O estado de filhos pois era grande bênção reservada para eles, por sua natureza foram constituídos para tal estado, mas não o possuíram. A graça que o dá, enriquece o espírito filial de muitas maneiras, de modo que de nenhuma outra poderia fazer-se efetuado. A idéia apresentada aqui se diferencia da idéia do estado de filho natural que tem todos os homens, na definição da relação de filho. Dá ênfase à relação assim como à constituição no estado e condição de filho. O resultado é o mesmo contanto que a idéia da relação de filho natural não leve a um erro perigoso. O ponto importante é este: Como chega a ser o filho natural um verdadeiro filho espiritual? Duas respostas são dadas. Alguns dizem que pela regeneração, e só mediante a condição da fé em Cristo. Outros dizem que por evolução natural. As duas respostas divergem de opinião quanto ao pecado. Um grupo afirma a inabilidade do homem ao estar separado da graça de Deus; o outro, que só pre­ cisa de educação e crescimento. No que tange ao primeiro, como disse alguém, a relação de filho natural é como a primeira canoa de Robinson Crusoé sobre a ilha deserta. Foi acabada longe da água e ficou como um tronco muito pesado para ser movido. A relação natural de filhos não conduz os homens a Deus. O segundo diz que é como uma canoa amarrada ao riacho em uma corrente estreita. Precisa apenas ser desamarrada, e a corrente a levará rio abaixo até o mar. O novo nascimento é uma doutrina central do cristianismo. Qualquer forma da relação de filho natural que deixa isso de lado conduz a sérios erros. Se esse ponto não se tor­ na claro, há sempre o perigo de se introduzir um conceito falso do homem do pecado e das relações do homem para com Deus. E muito fácil passar disso para outras idéias errôneas por toda a esfera da doutrina. 1. Filhos por meio da fé e da adoção Já vimos que o Novo Testamento dá muita ênfase ao fato de que somos filhos de Deus por meio da fé. Nossa própria aceitação do convite do evangelho é um elemento muito valioso em nossa relação de filho. Não é uma relação meramente física. É mais que uma constituição natural. Essas não podem ser impostas ou distribuídas pela ação de Deus, separada da nossa. Por isso, a qualidade ética ou espiritual está ausente. Nossa livre resposta pela fé é um novo elemento. Nela nossa personalidade alcança um novo nível. Recebemos e exercemos assim um direito ou autoridade de ser feito filho (Jo 1.12). Nós, os que recebemos a Cristo, colocamos o nosso selo em que Deus é veraz (Jo 3.33). Selar era um ato real para autenticar um documento. Assim, nossa liberdade é respeitada. O desejo supremo de Deus para nós é que cheguemos a ser filhos por escolha própria. Sejamos o que formos por natureza, isso nos leva a um novo nível. A fé é a condição para ser filho. A adoção é o método de Deus para introduzir filhos em sua família. A adoção foi uma idéia derivada da lei romana. Paulo a toma para expressar a idéia do evangelho (veja Rm 8.15,21,23; G14.5,6). Por meio da adoção, um filho era recebido por uma família romana com todos os direitos do filho verdadeiro. Assim, também, por adoção, somos recebidos na família de Deus por meio de nossa fé, com todos os direitos da família. O ato da adoção é, sem dúvida, acompanhado do ato da regeneração. Paulo não tem idéia de limitar o estado de filho a um mero procedimento legal. O Espírito de Deus fez com que o filho esteja vivo em Cristo. O Espírito habita no coração. A lei do espírito de vida fez ao filho livre da lei da morte e do pecado. João dá ênfase ao fato de que somos gerados de Deus. Temos a natureza de verdadeiros filhos assim como a relação de filhos. Assim somos filhos por natureza e também filhos por adoção. 2. Aspectos e bênçãos dos Filhos de Deus Os filhos de Deus possuem o caráter moral de Deus (Mt 5.48; 22.39). Confiam em Deus (Mt 6.25-34; Lc 8.22ss). Obedecem a Deus (Mt 12.50; 7.24). Imitam a Deus (Ef 5.1,2). Amam a Deus (Mt 22.37; Lc 10.27). As bênçãos conferidas aos filhos de Deus são grandes e múltiplas. Na verdade, tudo o que recebem de Deus é dádiva do Pai a seus filhos. Algumas dessas são as seguintes: Os filhos de Deus recebem ao Espírito em seu coração, e o Espírito lhes ensina a linguagem da família divina. Dizem, "Aba, Pai" (Rm 8.15). O Espírito Santo lhes ensina como devem orar (Rm 8.26-27). São feitos participantes da natureza divina (2 Pe 1.4). A santidade de Deus, o Pai, é reproduzida neles (Hb 12.10). Naturalmente, o perdão diário dos pecados é uma bênção imprescindível (Mt 6.12). O cuidado incessante que Deus tem por seus filhos é expresso nos termos mais fortes (Mt 6.33). A vida eterna é sua pela união com Cristo (Jo 17.3). E-lhes prometido que o Pai e o Filho habitarão em seu coração (Jo 14.23). O reino eterno lhes é dado por herança (Mt 25.34). Um lugar na casa do Pai também lhes é prometido (Jo 14.23). São herdeiros de Deus e co-herdeiros com Jesus Cristo. Por fim, observamos que esses aspectos e bênçãos dos filhos de Deus lhes são dados por meio de Jesus Cristo. Os homens chegaram a ser filhos pela fé nele. De quatro maneiras, ao menos, ele procura para nós a relação de filho. a. Como Filho eterno, revelanos o Pai eterno. Só por meio ele nos vem esse conhecimento. Em Mateus 11.27 e em João 1.18 a declaração é feita em termos inequívocos, b. Como nosso irmão e sumo sacerdote, ele abre o caminho para o Pai. Por meio dele podemos nos aproximar do Pai com toda confiança, humildade e fé (Ef 2.18; Hb 7.24,25; 4.15,16; 2.17). d. A base de todas as funções que acabamos de mencionar é sua obra como redentor que faz a propiciação. Por serem os filhos participantes de carne e sangue, ele também se fez carne. O meio pelo qual conseguiu sua liberação foi a destruição do poder do diabo e da morte. O fim proposto foi que trouxesse muitas almas à glória. Tudo isso é visto na notável passagem de Hebreus 2.14-18. Aqui, pois, encontramos a obra culminante da graça de Deus, a saber, trazer muitos filhos à glória. Aqui, também, encontramos o princípio unificador de todos os desenvolvimentos e progressos da ordem temporal. A chave do progresso da história, da natureza e da graça se encontra nessa única verdade luminosa. Podemos resumir em termos gerais essa verdade nas duas declarações seguintes: o universo não é um movimento sem significado de forças físicas governado somente por leis naturais. Está governado por um propósito eterno. Dirige-se para um fim definido. Aquele propósito teve origem no coração do Pai eterno. Revelou-se na manifestação temporal e na obra propiciatória do Filho eterno. Seu conteúdo foi a reprodução do sentimento filial no coração dos homens. Sua consumação há de ser na plena emancipação de muitos filhos em uma ordem eterna. A esse grande fim mesmo a própria natureza está sujeita e segue seu curso sob a direção desse propósito eterno para realizar o fim com que foi criada (Rm 8.18-30). G .A união co m Gristo Tudo o que foi dito quanto ao começo da vida cristã, e, na verdade, tudo o que se deve dizer mais adiante quanto a sua con­ tinuação, pode ser resumido em uma só frase: a união com Cris­ to. Uma rápida revisão do que já dissemos mostrará a verdade da primeira parte da declaração. No ato do arrependimento, a alma se volta de seu pecado e segue na direção de Cristo. Quando exerceu a fé, essa foi confiança em Cristo como redentor e Senhor. Na conversão, a alteração exterior da vida consistiu em assumir a vida e os deveres de um discípulo de Cristo. Na regeneração, a alteração produzida foi a reprodução, na alma, da imagem moral de Cristo. A justificação foi o ato de Deus, anulando a sentença de condenação e conferindo um novo estado por causa da nova relação da alma para com Cristo. É claro, por isso, que quando um homem chega a ser cristão entra em uma nova relação pessoal. A fé salvadora não é a aceitação de um credo, nem de uma nova crença de classe alguma. Não consiste em ser unida à igreja nem de receber os "sacramentos" ou ordenanças. Não é "crer na Bíblia" de maneira intelectual. Tornar-se cristão é entrar em uma nova relação pessoal com Cristo. "Mas, a todos quantos o receberam", deu-lhes o poder de se tornarem filhos. "Quem tem o Filho tem vida." "Portanto, assim como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim também nele andai". Barnabé exortou os santos a que acei­ tassem ao Senhor. Todas essas formas de declaração tornam proeminente a verdade geral de que a religião cristã implica como seu fato mais central e vital uma nova relação pessoal para com Jesus Cristo. Mas mesmo isso não expressa plenamente todo o significado da vida cristã. E uma vida de união com Cristo. Observamos em primeiro lugar certas passagens que expressam essa idéia de maneira direta e literal, e depois certas expressões figuradas que têm o mesmo significado. 1. O ensino das escrituras A união de Cristo e do crente é expressa claramente no evangelho e nas dpístolas de João. Em João 14.20 se encontram as frases "eu em vós" e "vós em mim". Em João 14.23, Cristo declara que ele e o Pai virão e farão morada no coração do obediente. Em 1 João 2.6 é declarado que se um homem afirma "estar nele", deve andar como Cristo andou. As palavras "em Cristo" constituem a frase favorita dos es­ critos de Paulo. Não há condenação para os que estão "em Cristo" (Rm 8.1). Os cristãos são vivos para Deus "em Cristo Jesus" (Rm 6.11). Se alguém está "em Cristo" é nova criatura (2 Co 5.17). Paulo declarou que tinha sido crucificado, e que Cristo vivia nele (G1 2.20). Somos batizados "em Cristo" (G13.27). Cristo habita no co­ ração pela fé (Ef 3.17). Somos criados "em Cristo Jesus para boas obras" (Ef 2.10). Há também numerosas expressões figuradas que manifestam essa verdade de maneira notável. Começamos com o quarto evangelho. João emprega as seguintes metáforas para expressar a intimidade da união entre Cristo e seu povo: Ele é o Pão da Vida, a Água da Vida, a Luz da Vida e a Verdadeira Videira, de onde os ramos derivam sua vida. E também o Bom Pastor. Todas essas e outras formas de representação no evangelho repetem a grande verdade fundamental da salvação cristã, de que os crentes estão unidos a Cristo por um vínculo vivo. Examinemos brevemente cada um dos que mencionamos. No capítulo seis encontramos os dizeres extraordinários a respeito do pão da vida. O próprio Cristo é o pão da vida. Ele é o pão vivo, em contraste com o maná do deserto, que não podia dar vida. Se os homens não comem a carne ou bebem o sangue do Filho de Deus não têm vida em si mesmos. Se comerem esse pão vivo, viverão para sempre. Cristo explica que não se refere à carne e ao sangue, mas a uma assimilação espiritual. Os homens devem trabalhar pelo alimento que não perece. O verdadeiro trabalho, no entanto, a verdadeira obra de Deus, é que os homens creiam naquele a quem Deus enviou. Todo o capítulo 6, e especialmente os versículos de 27 a 35 e os versículos de 47 a 58, esclarecem essas verdades. É também a água da vida. Duas passagens mostram as ca­ racterísticas principais dessa figura: 4.12-17 e 7.37-39. Para o crente, Cristo é um manancial de água que brota dentro dele e dá vida eterna. Daquele que crê fluirão correntes de água viva. Em 7.39 acrescenta-se a declaração de que essa é uma referência ao Espírito Santo, que ainda não havia sido dado, mas cuja função seria a de tornar verdadeira a união viva com Cristo. Cristo é a luz da vida. O prólogo do evangelho declarou que nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. Cura a um homem cego de nascimento dando a luz física. Como de costume, exige-se a atuação da fé. O homem deve ir lavar-se no tanque de Siloé. Jesus faz com que esse dom seja símbolo do dom supremo da luz espiritual que ele confere (Jo 9.5-7, 39-41). Cristo é o bom pastor que conhece as ovelhas pelo nome, e ele é conhecido por elas, e delas cuida, e as protege. Ele é quem dá sua vida por elas (Jo 10.1-18). É a verdadeira videira. Os crentes são os ramos que recebem dele a vida. Ao se apartarem dele, serão destituídos de todo poder espiritual. Freqüentemente serão purificados e tornados mais fru­ tíferos se permanecerem nele, a verdadeira videira (Jo 15.1-8). Em outras partes do Novo Testamento temos outras figuras que expressam a mesma verdade. Cristo é a cabeça do corpo espiritual do qual os cristãos são membros. Há uma vida comum à cabeça e aos membros. Assim como os membros estão sujeitos à cabeça no corpo físico, assim também os cristãos estão sujeitos a Cristo, sua cabeça espiritual. Os cristãos são um entre si por serem um em Cristo (veja 2 Co 6.15-18; 1 Co 12.12; Ef 1.22, 23; 4.15 e ss; 5.29-30; e outras muitas passagens). Cristo é o fundamento ou pedra angular, e os crentes são edificados sobre ele. Em Colossenses 2.7 a figura da pedra do fundamento está combinada com a das raízes de uma árvore. Os cristãos hão de andar "arraigados e edificados" nele. Em Efésios 2.20-22, Cristo é a pedra angular principal, e os cristãos são um templo santo no Senhor no qual Deus habita por seu Espírito. Cristo também é o marido, e a igreja é a mulher; os cristãos estão casados em Cristo (Rm 7.4). Cristo está purificando sua igreja e a apresentará para si mesmo como uma esposa sem mácula (Ef 5.26,27). A volta de Cristo, o marido, a mulher estará pronta para o receber (Ap 19.7). A união de vida com Cristo será consumada quando ocorrer a ressurreição do corpo (Jo 11.25). Seremos glorificados com ele. Por sua vida como ressuscitado, nós também triunfaremos sobre o sepulcro (1 Co 15.21ss). A união de crentes com Cristo foi resumida assim: 1) Somos crucificados com Cristo (G1 2.20). 2) Morremos junto com Cristo (Cl 2.20). 3) Somos sepultados com Cristo (Rm 6.4). 4) Somos vivificados com Cristo (Ef 2.5). 5) Somos levantados com Cristo (Cl 3.1). 6) Padecemos com Cristo (Rm 8.17). Consideremos em seguida a natureza da união com Cristo. Em resumo: é a união vital, moral, espiritual, pessoal, inescrutável e permanente. A união é vital. A vida de Cristo flui em nós. Não é uma união por um vínculo externo. Não é como se dois objetos físicos fossem colocados lado a lado ou atados juntos. Não é como se dois metais fossem unidos ao serem fundidos pelo calor do fogo, ou soldados juntos por força externa. É, na verdade, a união vital dos membros de um organismo vivo. Nossa vida está unida à vida dele e deriva sua qualidade das qualidades divinas que há nele. É uma união moral. Dizendo moral não queremos dar a entender uma mera união de influência pessoal como a de um amigo sobre outro; nem do ensino como a influência do mestre sobre o discípulo; nem de inspiração como de um mártir sobre os homens em geral. Nem queremos dar a entender a mera influência póstuma, como a de Cristo pelas narrações que há no Novo Testamento de sua vida e obras. Todas essas formas de influências, certamente, representam aspectos da união moral conosco. Mas não é o elemento essencial e fundamental. Dizendo união moral expressamos em primeiro lugar uma união pela qual habita Cristo em nós, reproduz em nós seus aspectos morais. Seu contato conosco é direto e imediato: "... todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor" (2 Co 3.18). É uma união espiritual. Aqui há pelo menos três verdades que precisam ser reconhecidas. É uma união de espíritos, e não de corpos. Também é uma união espiritual, contrastada com uma união natural. Cristo sustenta uma relação natural com todos os homens e com a natureza. Nele toda as coisas subsistem ou são aceitas (Cl 1.17). Mas a relação natural não subministra os resultados espirituais. Chegam a se relacionar espiritualmente conosco por fé. A terceira verdade: uma união pelo Espírito Santo. O Espírito Santo em nós volta a nos criar a imagem moral espiritual de Cristo. Aqui, é preciso que nos guardemos contra o erro de uma chamada união sacramental, como se os chamados sacramentos em si mesmos tivessem o poder para transmitir ou sustentar a vida. É uma união pessoal. Com isso queremos dizer que em nossa união com Cristo não há absorção, como ensina o panteísmo, de nossa personalidade na vida de Deus. Essa união com Cristo mais aumenta do que diminui a idéia da personalidade. A vontade humana e a consciência, a inteligência e os afetos, ressaltam com mais clareza do que antes. O "eu" e o "tu" da relação são mais claramente definidos. Mas não são definidos por antagonismo mútuo. São definidos pela harmonia entre desígnio e propósito; pela receptividade de vida por um lado, e pela comunicação de vida por outro. São definidos pelo dom do amor pelo lado divino, e a reprodução do amor pelo lado humano. Há um amor mútuo, uma confiança mútua, uma empatia mútua, entre nós e Cristo. A mutualidade da relação acentua nossa distinção dele pelo quanto mostra nossa união pessoal com ele. É uma união inescrutável. Está oculta e fora de nossa capacidade para abrangê-la ou entendê-la. Como o Espírito divino comunica a vida de Cristo a nosso espírito é uma questão que repousa no mistério, do mesmo modo como repousam todas as questões primordiais da existência da vida. Mas o aspecto misterioso e inescrutável dessa união não deve levar ao misticismo vago e indefinido. Os aspectos em nossa consciência são bem conhecidos de nós. Esses são nossos aspectos de culto e serviço. O poder inescrutável em nós é reproduzido por atos de abnegação, pelo abandono do pecado, pela obra cristã, por ações amáveis, e, aliás, em todas as atividades e lutas da vida cristã. É uma união permanente. Não é preciso que nos estendamos aqui sobre essa fase do assunto. Isso será tratado quando considerarmos o assunto da perseverança dos cristãos. Só nos é necessário observar que a continuação da união se baseia na graça e no poder daquele com quem estamos unidos. Seu efeito é o de cancelar e destruir toda forma de união terrena que lhe é oposta ou o contradiz. Paulatinamente somos retirados de todas as formas de pecado e mundanidade para uma unidade conseqüente de vida em Cristo. 2. Conseqüências de nossa união com Cristo Não é necessário que as conseqüências de nossa união com Cristo nos detenham muito. Em grande parte estão implícitas no que acabamos de dizer sobre a natureza da união. Acrescentamos, no entanto, mais algumas declarações. São as seguintes: (1) Nossa união com Cristo implica nossa identidade com ele em suas relações com Deus. Não nos referimos aqui a relações metafísicas de natureza ou essência, mas às relações espirituais implicadas em nossa salvação. Somos aceitos nele. Ficamos justificados, como temos sido, porque o aceitamos. Porque estamos nele, e porque sua vida e poder estão operando em nós, somos potencialmente perfeitos. As forças que gradualmente levaram a cabo o procedimento salvador estão agora operando em nós por causa de nossa união com ele. Recebemos sabedoria, justiça, santificação e redenção, não por nenhuma ficção legal, mas como uma realidade vital. (2) Essa união implica nossa identidade com Cristo em suas relações com a humanidade. Devemos voltar por um momento à doutrina da propiciação. Aprendemos com a união de Cristo com a humanidade como um todo tornou possível que se efetuasse uma propiciação para toda a es­ pécie humana. Sua unidade orgânica com a humanidade está na base de sua obra redentora. Deus amou o mun­ do de tal maneira que deu seu Filho. Nós, que estamos unidos com Cristo por uma fé viva, participamos de seu amor para com todo o mundo. Temos conhecido em nossa experiência feliz de sua graça redentora seu propósito, seu desejo e sua obra vigorosa a favor da família humana. Contudo, deixamos de entender sua vontade em nós e por nós, a menos que procuremos fazer com que sua obra redentora seja efetiva para outros. Em outras palavras, a consciência dos que estão unidos com Cristo é uma cons­ ciência missionária. Participam de sua paixão redentora, seu propósito redentor a favor de toda a humanidade, e o mostram por sua devoção à tarefa de fazer conhecer a Cristo por todos os confins da terra. (3) Nossa união com Cristo implica nossa identidade com ele em suas relações com o pecado e a morte. Isso está implicado no parágrafo anterior. Não obstante, o Novo Testamento dá ênfase ao fato de que a conquista do pecado e a conquista da morte não podem ser efetuadas senão por união daquele que venceu o pecado e a morte. A forma atual de nossa união com ele implica a presença em nós do poder da ressurreição. A energia presente de sua obra em nosso espírito não é senão o princípio do procedimento que é consumado somente na ressurreição do corpo. A medida do poder presente que está em nós, é o poder que o levantou da morte (Ef 1.18-23). (4) Por último, nossa união com Cristo implica sua identidade conosco em todas as nossas experiências terrenas. Ele prometeu aos discípulos:"... e eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mt 28.20). Está conosco em todas os nossos labores, nossos padecimentos e tentações, nossas lutas e provas. Em João 1.16 declarase que todos nós temos recebido "da sua plenitude" e "graça sobre graça". Isso significa provavelmente que a plenitude divina que morava nele é a medida da plenitude concebida a seu povo. A frase "graça por graça" significa provavelmente graça satisfazendo ou correspondendo à graça. A graça que nós recebemos corresponde com a graça que ele havia recebido. A graça que nós podemos e devemos esperar na tentação é a graça que ele recebeu na tentação. Nossa graça para o labor e a conquista corresponde à graça que ele recebeu para esses fins. Não há limite à plenitude divina que lhe é concedida. E assim não há limite à plenitude divina recebida por nós nele. Não há variação na plenitude nem na vontade de Deus para no-la conceder. O que é variável é nossa fé, nossa disposição de receber. Crescer em graça é crescer na disposição de receber a plenitude e vida divinas. Capítulo 16 A continuação da vida cristã A . Asantificação 1. Vista geral Antes de apresentar os ensinos bíblicos sobre a santificação, vejamos seu significado geral e seu lugar no sistema das forças da vida que constituem a religião cristã. O propósito de Deus ao estabelecer seu reino entre os homens é o de produzir homens e mulheres santos, como indivíduos em suas relações com ele e como membros de uma sociedade santa. Para efetuar esse objetivo, duas coisas são necessárias: primeiro, o estabelecimento de uma nova relação entre Deus e os homens, e segundo, a produção de um novo caráter que corresponda com a nova relação. A palavra "santificação", como é empregada no Novo Testamento, expressa nova relação com Deus e com o novo caráter que corresponde a ela. Santificação significa, pois, o estado de alguém que é separado para o serviço de Deus, que pertence a Deus. Significa também a transformação interior de alguém que está desse modo separado, a verdadeira realização de um caráter santo. (1) Um exame dos ensinos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento confirma essas declarações. Nos primeiros períodos do Antigo Testamento, a primeira dessas signi­ ficações é claramente apresentada, e nos períodos poste­ riores ressaltava-se o segundo significado. O sacerdócio foi santo ao Senhor, dedicado a Deus e a seu serviço. O eram também as vasilhas empregadas para o serviço de Deus no santuário, e o próprio templo. O povo de Israel foi um povo santo e santificado. Em todos esses casos, o significado principal é: separado para Deus e dedicado a seu serviço (Gn 3.2; Êx 3.2; 10.10,11,22; Nm 11.18; 1 Cr 23.13; J11.14; Is 8.13; Ez 36.23). Nos profetas, especialmente no período posterior, o sentido moral foi aprofundado, e a santidade foi interpre­ tada em sua qualidade ética. O caráter moral que corres­ ponde a ela foi com freqüência contrastado com a relação exterior. Em Miquéias 6.6-8 há um caso notável. O que compraz a Jeová não são os milhares de carneiros nem os dez milhares de jarros de azeite. Segundo declara o projeta, o que agrada a Deus é a prática a justiça, o amor à benevolência e andar em humildade com ele. O caráter moral e espiritual deve corresponder com a relação do pacto. Um caráter santo é o requisito, em vez de ofertas santas por um sacerdócio santo em um templo santo. Em Isaías 1.10-19 temos outra passagem semelhante, as­ sim como um grande número de exemplos nos profetas posteriores. No Novo Testamento, a palavra "santificar" tem am­ bos os significados - separado para o serviço de Deus, pertencente a Deus e também o de ser santo interiormen­ te. Mesmo onde a palavra "santificar" ou "santificação" não aparece, a idéia está presente em ambos os sentidos em muitas passagens. No ensino de Jesus ressalta-se a justiça no sentido da pureza interior. A justiça externa como a dos escribas e fariseus é condenada como inútil. A pureza interior de coração que alcança os motivos e fonte de ação é a regra. Devemos imitar, certamente, a perfeição divina. Quando Jesus diz: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial" (Mt 5.48), tem referência especial ao amor divino. Todo o sermão da montanha é uma exposição da justiça do reino. Nos escritos de Paulo há freqüentes exortações à consagração, ou à santificação no sentido de dedicação a Deus. Em Romanos 12.1 os cristãos são exortados a apresentar seus corpos como um "sacrifício vivo [...]' a Deus". Com isso, há de ser combinado o procedimento pelo qual devem ser transformados na mente. Os cristãos devem se considerar mortos para o pecado e vivos para Deus (Rm 6.1-12). O processo da santificação pelo qual o estado interior se exterioriza se expressa de várias maneiras. Os cristãos devem andar "pelo Espírito" (G15.16-25). Devem despir, como uma vestimenta, o "velho homem", e vestir, como uma vestimenta, o "novo homem" (Cl 3.9ss; Ef 4.22-24). O desejo de Paulo é que os Tessalonicenses cheguem a ser "irrepreensíveis em santidade" (1 Ts 3.13; 5.23,24). Nos escritos de Paulo três coisas aparecem continuamente: primeiro, os crentes são santificados em sua união com Cristo. Segundo, em todo o período e em todo detalhe a obra do Espírito Santo anda paralela à obra de Cristo em nós. Cristo em nós, e o Espírito em nós, são idênticos no resultado. Terceiro, o resultado de "Cristo em nós" e do Espírito em nós é percebido na transformação ética e espiritual. Na epístola aos Hebreus o pensamento que sempre forma a base do argumento é o novo pacto, e a idéia de relação com Deus sob o pacto. Em Hebreus 9.13,14 lemos: "Porque, se a aspersão do sangue de bodes e de touros, e das cinzas duma novilha santifica os contaminados, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará das obras mortas a vossa consciência, para servirdes ao Deus vivo?" Aqui, a "santificação" é provavelmente no primeiro sentido de dedicação a Deus. Assim também em 10.10 e em 10.14 fazse referência à nova relação com Deus sob o pacto novo e perfeito. Os cristãos são santificados pela vontade perfeita de Cristo, e são aperfeiçoados para sempre por sua oferta única e perfeita. Esse aspecto da santificação parece ser o que é tratado em todas as partes da epístola. No entanto, nos capítulos 11,12 e 13 o processo da purificação e do crescimento se manifesta com muitas exortações. O apóstolo Pedro combina ambos os sentidos da pala­ vra em duas passagens: 1 Pedro 1.15,16 e 1.22. Em ambas combina uma referência ao processo gradual com uma referência ao ato inicial. Tendo purificado a alma, cuidem de viver em conformidade com isso. Nas epístolas de João, a santificação é ensinada por meio de forte contraste. Em primeiro lugar, diz que se um homem declara que não tem pecado, a verdade não está nele (1 Jo 1.8). E então declara que se pecamos temos um Advogado junto ao Pai (1 Jo 2.1), implicando claramente que cometemos pecado sim. Declara, também, que os que têm a esperança cristã se purificam como Cristo é puro (1 Jo 3.3). Mas em 3.6-9 afirma enfaticamente que se um homem é nascido de Deus, a semente de Deus permanece nele e ele "não peca". Essas passagens podem ser recon­ ciliadas desde que concordemos que os contrastes são do gosto de João. Manifesta verdades opostas de formas extremas com a finalidade de ressaltá-las. Fundamental­ mente, o cristão não peca. Em princípio está dedicado à justiça. Mas isso não dá a entender que o princípio opera de modo ideal, de maneira que nenhum traço de pecado nunca seja introduzido na conduta do cristão. João insiste energicamente que está se realizando um processo de pu­ rificação no coração e na vida do crente, e que por Cristo esse é vitorioso sobre o princípio do pecado. (2) Desse breve exame do ensino bíblico, vê-se que a santificação está relacionada vitalmente em vários pontos com o ato inicial pelo qual chegamos a ser cristãos. Está relacionado com a fé, porque na santificação continuamente repetimos o primeiro ato de confiança. Pouco a pouco chega a ser a atitude habitual e normal da alma. A fé é a condição da santificação como o é da salvação no primeiro ato. A santificação está relacionada com a justificação porque em seu significado de separar ou dedicar a Deus, corresponde a um novo estado conferido a nós no ato justificador de Deus. A santificação está relacionada com a regeneração porque é o desenvolvimento do novo gérmen de vida semeado na regeneração. Está vitalmente relacionada com a obra do Espírito Santo porque o processo inteiro é dirigido pelo Espírito Santo, que habita no crente, e paulatinamente aperfeiçoa seu novo caráter moral. (3) A santificação, também, é a aquisição do caráter moral que o cristão faz por meio de uma luta. Na justificação, nossa fé nos é imputada por justiça, mas essa não é a nos­ sa aquisição da justiça. Na regeneração, de igual modo, uma nova disposição moral nos é concedida pela ação do Espírito de Deus. Mas essa não é uma justiça obtida por nós. Na santificação realizamos o que Deus operou em nós. Respondemos ao que nos é contado e reagimos ao que nos é concedido. Por atos repetidos por nossa vontade, por atos repetidos de santa eleição, por vitó­ rias sucessivas somos capacitados pela graça de Deus a adquirir o ideal. Assim, nossa salvação é tanto um dom como uma tarefa. A habilidade para desempenhar a tare­ fa é também um dom da graça. Mas diferencia-se do dom inicial da graça, em que nossas lutas morais e espirituais a acompanham. Assim, entendemos a exortação de Jesus em que devemos lutar ou nos esforçar para "entrar" (Lc 13.24); e a do apóstolo Paulo: "Peleja a boa [isto é, "bela", kalon, "honrada", "nobre") peleja da fé" (1 Tm 6.12). As­ sim também entendemos a explicação clara que Paulo fornece da luta cristã em Efésios (6.10-18). Não lutamos contra carne e sangue, mas contra os principados, potestades, governos do mundo deste reino de trevas, e contra as hostes espirituais de iniqüidade que existem nas regiões celestiais. Na santificação, a tarefa suprema de adquirir uma santificação divina nos é proposta, mas nela também é prometido o dom da força divina para desempenhá-la. A luta necessária para o cristão resulta da oposição que encontra de três lados. Primeiro, as influências es­ pirituais e más, mencionadas em Efésios 6.10. Outra é "o mundo," visto como a esfera na qual operam as forças más. Os cristãos são ordenados a não amarem o mundo nem as coisas que estão nele, porque o mundo é oposto à vida divina. Isso não nos ensina o ascetismo, nem a vida monástica de retiro, deixando as ocupações diárias dos homens. É, na verdade, a ordem de vencer as más influên­ cias do mundo e de subjugar falsos ideais, leis e costumes errôneos (1 Jo 2.15-17). A terceira fonte de oposição é "a carne". Aqui não entendemos o corpo material como tal. Em nenhuma parte, a Bíblia considera à matéria coisa má. Com "carne" o Novo Testamento designa natureza ou a disposição pecaminosa que encontra na carne ocasião e esfera de ação. As frases, "a mente carnal" e a "mente da carne" demonstram que não se referem ao corpo material (veja Rm 7.18). Em Gálatas 5.17 Paulo declara que a carne deseja o que é contrário ao espírito e o espírito o que é con­ trário à carne. Assim, há dois princípios que operam no cristão, o mais baixo deles há de ser subjugado e destruído pelo superior. É um erro conceber essas "duas naturezas" do cristão como se fossem naturezas físicas dispostas lado a lado como dois corpos materiais que estão completa­ mente separados, de modo que um homem pudesse se desculpar da responsabilidade afirmando: "Não fui eu quem o fez, mas o pecado que mora em mim". O cristão precisa pedir continuamente o perdão porque é respon­ sável. Ele não é duas pessoas, mas apenas uma. Não é um dr. Jekyll e um sr. Hyde, que operam independentemente um do outro. Encontra-se, mesmo estando justificado e regenerado, acossado pelos resquícios do "velho homem". Precisa desfazer-se desses resquícios por atos repetidos da vontade, até que se distancie por completo e receba o galardão da conquista. Ganha a coroa do vencedor (Ap 3.11-21 e Tg 1.12). (4) É evidente, pelo que vimos acima, que a santificação é gradual. Não é alcançada completamente por um só ato de consagração. A santificação é um processo que dura toda vida, é necessariamente lento. Nisso é diferente das alterações mecânicas. Essas podem ser muito rápidas. Um edifício feito com madeira e ferramentas pode ser cons­ truído em poucos dias ou semanas. Mas são necessários muitos anos para que a natureza construa uma grande árvore. O organismo vivo se desenvolve gradualmente e de maneira imperceptível assim acontece também à vida espiritual. A santificação pode ser retardada pela negligência do cristão. Este pode reincidir. Todas as con­ tingências e flutuações de uma vontade variável entram no problema. Pode ser desanimado porque o progresso é muito lento. Mas o ponto principal a ser lembrado é que o novo motivo de ação, o novo princípio de vida e crescimento é operativo no homem regenerado. Todas as coisas lhe são possíveis porque uma força divina foi posta nele. A vida de Cristo é sua vida. Não há razão para supor que o crescimento cristão virá a cessar. Na ressurreição, o corpo estará perfeitamente santificado; e o espírito no momento da morte será liberto do pecado. Mas como somos participantes da natureza divina, e temos de nos conformar à imagem de Cristo, o Filho eterno, diante de nós está abrindo uma perspectiva sem fim do crescimento. Cristo é, por assim dizer, uma meta que se distancia. Sempre o possuímos, mas no entanto, sempre restarão nele novas alturas a se alcançar. Sempre vai adiante de nós para nos preparar um lugar. (5) O agente e os meios da santificação demandam algumas declarações. O agente é sempre o Espírito Santo. Vimos isso em muitas conexões anteriores, e aqui, já não pre­ cisamos falar disso. E, não obstante, uma verdade que não deve ser esquecida jamais, e ninguém pode entender o cristianismo, nem muito menos propagá-lo, se não se lembra dessa verdade fundamental. A vida cristã é uma vida no Espírito Santo, assim como é sempre uma vida em Cristo. Cristo é sempre o objeto da fé. Nossa fé é di­ rigida a ele. O Espírito Santo o torna real para nossa vida interior e cria a imagem de Cristo em nós. Os meios, ou a instrumentalidade da santificação, são principalmente a verdade do evangelho. A oração de Jesus mostra isso: "Santifica-os na verdade; A tua palavra é a verdade" (Jo 17.17). A verdade é aprendida por todos os meios da graça, na igreja, na pregação, na comunhão cristã, na tentação e nas provas, nos padecimentos, na conquista cristã e no desempenho dos deveres diários. Enfim, todas as atividades da vida por fim ministram o crescimento cristão. Nenhuma parte da vida deve ser vista como fora dessas influências para purificar e aperfeiçoar 0 caráter cristão. 2. O ideal moral na santificação O ideal moral da santificação é um aspecto importante desse assunto. Qual é a meta do caráter cristão? Que gênero de homens e mulheres nos tomamos enquanto continua o processo? Naturalmente, uma resposta completa envolveria o todo da ética cristã, e aqui não é possível se dar em sua totalidade. Podemos apenas forncer um esboço dela. O ensino do Novo Testamento abrange o caso do cristão como um indivíduo e como membro da sociedade, consideremos essas por sua ordem. (1) O ideal ético do cristão como um indivíduo inclui o se­ guinte: aceitar a Cristo como Senhor e guia em todos os problemas morais (Mt 7.15). Ter fome e sede de justiça (Mt 5.6). Perdoar os inimigos (Mt 6.14,15). Ter paz com todos (Mt 5.9). Não desejar desordenadamente a riqueza material, não ser cobiçoso (Mt 6.32-34). Empregar riquezas, se as possuir, como mordomo da graça de Deus (Lc 16.2; 1 Pe 4.10). Cultivar o espírito de contentamento com as condições e posse exteriores (Mt 6.31). Estar descontente com suas atuais aquisições morais e espirituais (F13.12,13). Orar habitualmente (1 Ts 5.17). Ansiar na oração e em suas lutas, principalmente pela vinda do reino de Deus entre os homens (Mt 6.10). Ficar livre de aflição e ansiedade acerca do futuro (Mt 6.27). Reconhecer a dependência total para com Deus e cultivar o espírito de dependência (F1 4.6). Servir a Deus não com meio coração, mas com todo ele (Mt 22.37). Não procurar servir a dois senhores (Mt 6.24). Ser fiel nas pequenas coisas assim como nas grandes (Mt 5.19; Lc 16.10). Estar contente no espírito sobejando em ações de graça (Cl 2.7). Não ter a vida triste e melancólica, mas ser triunfante em Cristo (F12.18). Ser diligente nos negócios (Rm 12.11). Ter a vida limpa: não se entregar a pecados ocultos, nem a ocupações duvidosas de qualquer tipo (Rm 13.13). Ser firme em seu propósito cristão (Ef 6.18). Purificar-se assim como Cristo é puro (1 Jo 3.3). Regozijar-se na esperança da glória de Deus, porque o Espírito Santo está derramado em seu coração (Rm 5.3-5). Ser imitador de Deus como um filho amado, e andar em amor (Ef 5.1,2), Assim, o ideal e a meta do indivíduo cristão é ser filho de Deus como Cristo, que é o modelo dos filhos de Deus (Ef 5.2). (2) Esses são os traços notáveis do lado ético da santificação para o indivíduo. Notemos em seguida o esboço do ideal de suas relações sociais. Os dois grandes conceitos que expressam o ideal social no Novo Testamento são o reino de Deus e a igreja. O reino é tanto presente como futuro. Foi externo em algumas de suas manifestações, mas tam­ bém interno. Pertencia à esfera da história assim como à esfera da vida cristã. A igreja foi empregada principal­ mente para designar a assembléia local dos crentes. Mas também foi usada no sentido mais amplo incluindo todos os regenerados. Dessa forma, não foi uma organização exterior. Nosso propósito atual não é ter uma discussão nem da igreja nem do reino em qualquer dos aspectos controvertidos destes grandes temas. Referimo-nos a eles aqui para mostrar que esses eram grandes ideais sociais na mente de Jesus e dos escritores do Novo Testamento. O cristão, pois, era uma pessoa em quem o amor era o motivo dominante. Seu primeiro impulso era o de tornar-se membro da companhia de crentes (At 2.47). Reconhecia neles a comunhão que correspondia a sua nova vida em Cristo (G1 6.10). Naquele companheirismo não buscava seus interesses, mas os dos outros (1 Co 10.24). Praticava brandura e o perdão. Era paciente e sofrido para com todos (1 Co 13.4, 7, 8). Podia, em Cristo, renunciar a um direito pessoal se, ao fazê-lo pudesse ajudar a um irmão mais fraco (Rm 14.1-7). Reconhecia a igualdade de todos em Cristo (Co 3.11; G1 3.28). Para ele não havia castas nem distinções sociais, baseadas sobre falsas regras morais. Não rendia culto no altar das riquezas ou do poder (Tg 2.2-4; 5.1). Não tinha orgulho falso (Rm 12.3). Empregava qualquer dom que Deus lhe tivesse dado para a edificação de outros (Rm 12.6ss). Dava seus bens para aliviar os padecimentos de outros (Rm 12.13). Pagava bem por mal (Rm 12.20, 21). Amava especialmente aos que eram da família da fé (G1 6.10). Evitava dívidas e vivia honradamente (Rm 13.8). Era trabalhador, e não queria ser um peso para outros (Rm 14.3ss). Sem dúvida, evitava todos os principais pecados, tais como mentira, furto e adultério (Rm 13.9ss). Via a cada cristão como um irmão em Cristo. Todos eram membros de um só corpo e membros uns dos outros (Ef 4.16). Os ensinos do evangelho de Cristo têm a ver direta ou indiretamente com todos as instituições sociais do homem. A família foi reconhecida como de origem divina (Ef 5.22). Um só motivo é reconhecido justificando o divórcio (Mt 5.32). A obediência leal dos filhos aos pais na disciplina e admoestação do Senhor (Ef 6.14). Os servos devem ser tratados justamente por seus amos, e devem servir como ao Senhor, e não como os que querem agradar aos homens (Ef 6.5-9). O servo era homem livre em Cristo (1 Co 7.21,22). E ainda que o Novo Testamento não se oponha expressamente à escravidão humana, manifesta claramente princípios que em seu devido tempo destruíram a escravidão. Esses princípios eram a liberdade, a igualdade e a fraternidade dos homens em Cristo. Quanto ao estado e ao governo civil, são reconhecidas claramente suas funções como meios para dominar e suprimir o mal (Rm 13.1-7). Nenhuma forma especial de governo civil é reconhecida. Para os princípios do evangelho, que acabamos de mencionar, era inevitável a derrocada do despotismo e do chamado "direito divino dos reis". Mas as forças que haviam de ser empregadas pelo evangelho eram mais espirituais do que físicas (2 Co 10.4). A verdade teria que agir como fermento no coração dos homens (Mt 13.33). O amor e a fraternidade em Cristo são os princípios dinâmicos que deverão transformar governos despóticos em democracias. É pedido a um cidadão cristão que pague ao Estado o que lhe é devido. Deverá cumprir fielmente seu dever para com o Estado (Mt 22.21; Rm 13.1-7). As mesmas observações aplicam-se às instituições da socie­ dade em geral. Os problemas econômicos e industriais não são discutidos por Jesus ou pelos escritores do Novo Testamento em seus aspectos técnicos. É bem claro como o dia, contudo, que to­ das as formas do mal e da injustiça social se opõe aos objetivos do evangelho e do reino de Deus. O reino de Deus não é comida nem bebida. Não consiste em sua essência de boas coisas materiais. É, na verdade, "justiça", "paz" e "alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17). Se é justiça, está necessariamente oposto a toda forma de in­ justiça. Se é paz, necessariamente se opõe às coisas que perturbam a paz. E se é alegria no Espírito Santo, é uma alegria que resulta de tratar a outros de modo cristão com igualdade e amor. O cristianismo ressalta mais aos deveres que os direitos. Mas reconhece que todo direito está acompanhado de uma obrigação correspondente. Os homens deverão cultivar o espírito de frater­ nidade. Assim morrerão o sentimento de classe e o sentimento de raça e as formas mesquinhas de patriotismo. Assim cessarão pouco a pouco as perturbações sociais e industriais. Assim pros­ seguirá inevitavelmente a igualdade no estado civil e político, e a igualdade na oportunidade econômica. O evangelho está claramente oposto ao espírito belicoso quando esse espírito se baseia em qualquer forma de injustiça. E exagerada a afirmação de que o cristianismo é inconseqüente ou incompatível com toda forma de guerra. Há formas de mal e de oposição que só a guerra pode destruir. Mas o desejo da grandeza nacional, baseado sobre os danos causados a outras nações, está inteiramente fora do espírito do cristianismo. Cristo morreu pela humanidade. E mesmo que o sentimento nacional e a lealdade patriótica não estejam opostos ao evangelho, no entanto, toda forma de semelhante sentimento que se esqueça dos direitos de outros lhe é oposto. Um nacionalismo mesquinho, que se esquece de outras nações, é um ideal anticristão. 3. Pontos de vista errôneos quanto à santificação Há duas destas idéias. (1) Uma é a antinomia. Paulo a encontrou e a refutou na epístola aos Romanos. Se é verdade, argumentaram al­ guns, que onde excedeu o pecado superabundou a graça, por que não temos de continuar no pecado para que haja mais graça? Visto qúe nosso pecado forneceu à graça sua oportunidade, por que não temos de aumentar a oportu­ nidade da graça excedendo o pecado? A resposta de Paulo é bem concludente. Reduz ao absurdo o argumento dos erráticos por meio de três ilus­ trações da natureza da vida cristã. A primeira é a da morte e a ressurreição espirituais, simbolizadas pelo ba­ tismo, o ato inicial da obediência exterior. O cristão em sua velha natureza pecaminosa foi crucificado, ou morto, com Cristo. Foi também erguido da morte para uma nova vida espiritual em Cristo. Essas verdades encontram ex­ pressão simbólica no ato exterior do batismo (Rm 6.1-14). Por isso o apóstolo deduz que é absurdo propor que o efeito primário da graça é o de destruir o pecado. A segunda ilustração é a relação dos escravos para com seu senhor. Os escravos obedecem a seu amo e não a outro. Os cristãos eram antes escravos do pecado. O pecado teve domínio sobre eles. Mas agora, como crentes em Cristo, mudaram de senhor. Agora são servos da justiça (Rm 6.16-23). A terceira ilustração é a do matrimônio. Os cristãos antes estavam casados com a lei. Em Cristo, porém, mor­ reram para a lei. Agora estão casados com ele. Foram libertos da lei como meio de justificação e salvação, assim como uma mulher, com a morte do marido, é libertada do vínculo do matrimônio e tem liberdade para casarse novamente. Os crentes entraram assim em uma nova relação espiritual com Cristo. Estão casados com ele e já não podem viver como unidos com o primeiro marido (Rm 7.1-6). A resposta de Paulo foi, logo, que a idéia antinomianã estava baseada sobre um absurdo triplo, isto é, que o cristão podia viver para a coisa para a qual havia morrido; que um escravo podia obedecer a um amo a quem não pertencia; e que uma esposa podia viver para aquele com quem não estava casada. O erro dos antinomianos foi o princípio daquela ten­ dência má na teologia que temos tido tantas ocasiões de mencionar. O erro consistia em tomar uma parte pelo todo. O pensamento analítico procurava separar as coisas que eram indissoluvelmente uma. Conceberam a salvação como uma transação meramente comercial, ou como uma alteração exterior, dos méritos de Cristo a nós, e nossos pecados a ele. Deixaram de lado o fato de que é uma união moral e espiritual dos homens com Cristo, na qual o cristão participa da paixão de Cristo para a vida santa e sua comunhão permanente com Deus; e que a liberda­ de da lei que Cristo assegura para nós não é a liberdade para quebrar a lei, mas, pelas novas potências espirituais implantadas em nós, é uma liberdade para obedecê-la. (2) A outra má idéia é a dos perfeccionistas. Alguns afirmam que na vida presente o cristão pode alcançar a perfeição impecável. Há certas passagens das escrituras que pare­ cem ensinar isso, algumas delas são as seguintes: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial" (Mt 5.48). "... Sereis santos, porque eu sou santo" (1 Pe 1.16). "... prossigamos até a perfeição" (Hb 6.1). "Pelo que todos quantos somos perfeitos tenhamos este sentimen­ to..." (F13.15)."... para que sejais perfeitos e completos, não faltando em coisa alguma" (Tg 1.4). "... mas fostes santifi­ cados" (1 Co 6.11)."... para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor" (Ef 1.4). Não obstante, temos de descartar a idéia de que a perfeição impecável possa ser alcançada na vida presente. Há muitas razões que apóiam essa exclusão. a. A perfeição impecável nesta vida implica o alcance de um ideal divino por um corpo e por uma alma deteriorados pelo pecado. Semelhante alcance é im­ possível. O corpo leva de muitas maneiras os sinais do pecado e há de ser livre delas só na ressurreição. Na vida presente, a alma, mesmo quando é regene­ rada, está unida a um corpo debilitado e corrompido pelo mal e não pode evitar totalmente as conseqüên­ cias de sua união com o corpo de nossa humilhação. Um alcoólatra convertido disse que mesmo já não tendo desejo de tomar álcool, o apetite dele ainda permanecia. O apetite era seu anseio, físico. O novo desejo moral era o resultado do poder regenerador do Espírito. Sua nova vida espiritual vencia seu ape­ tite. Mas seu organismo físico levava os sinais de sua velha vida pecaminosa. b. Nenhum cristão pode em nenhum estado preten­ der que te*nha alcançado uma medida absoluta de santidade. Pode saber que cresce, que é melhor do que era antes, que um poder divina opera nele. Há uma forma de juízo relativo que pode pronunciar sobre si. Mas sua crítica de si mesmo nunca pode abarcar todas as áreas de sua natureza ainda com a ajuda do Espírito Santo. Os motivos são muito com­ plexos, as aquisições muito variáveis e instáveis, as tendências de ir para baixo são muito constantes para que o crente se aplique a si mesmo a regra da lei divinamente perfeita em qualquer sentido absoluto. Quando procura fazê-lo pretendendo a perfeição, sempre rebaixa a lei. Poderíamos tocar as estrelas apenas se as estrelas baixassem até nosso alcance. c. A experiência cristã testifica contra a perfeição impecável nesta vida. Os maiores santos da his­ tória confessavam seus pecados enquanto viviam. Agostinho é um exemplo notável. O apóstolo Paulo nunca cessou de lutar consigo mesmo. Combatia seu corpo e tratava de dominá-lo porque o velho homem pecaminoso continuava renovando seu ataque nele. O pecado é como os gatos no sentido proverbial de que possuem muitas vidas. O sentido de pecado da parte dos grandes santos é facilmen­ te explicado. Seu entendimento da lei da santida­ de, que continuamente vai aumentando, lhes dá facilidades para descobrir também seus pecados. A luz sobrenatural intensificou as vias obscuras interiores. d. As escrituras não proporcionam nenhuma base para a teoria da perfeição impecável. As passa­ gens que são citadas para apoiá-la podem ser ex­ plicada de outro modo. Outras passagens mostram claramente o erro dessa idéia. Em alguns casos as ordens, ou ideais, ou profecias de perfeição se confundem com a aquisição. O cristianismo nunca propõe uma regra inferior, mas sempre a melhor. Devemos procurar alcançar a perfeição como Deus é perfeito, e a santidade como Deus é santo. Muitas das passagens citadas simplesmente manifestam a perfeição pela qual temos de lutar. Em outros casos em que se refere ao passado, como na passagem "fostes santificados" (1 Co 6.11), não há referência à perfeição impecável. A epístola é dirigida para o serviço de Deus, dedicado a Deus, e não à pureza impecável de pensamento e vida. Assim também podem ser explicadas todas as passagens. Além disso, há muitos que expressam a teoria paradoxal. No Antigo Testamento há algumas passagens. Mas duas ou três do Novo Testamento bastarão. Em Tiago 3.2 declara-se: "Pois todos nós tropeçamos em muitas coisas". E em 1 João 1.8 aparece a palavra bem enfática: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós". e. O uso bíblico da palavra perfeito e a idéia da per­ feição conduzem à mesma conclusão. No Antigo Testamento sempre se dá por estabelecida a relação que existia mediante o pacto entre Deus e Israel. Um homem poderia andar com "um coração perfei­ to" diante de Jeová, ou viver uma vida sem mancha dentro do pacto, sem alcançar de maneira alguma a impecabilidade, podia desempenhar assim deveres exteriores do pacto. Mas a perfeição impecável no sentido em que a estamos considerando, estava longe de seus pensamentos. Da mesma forma, um homem podia ser reto e íntegro segundo as regras desse período, e assim ser chamado um homem perfeito ou reto. Esse parece ser o uso no livro de Jó (Jó 1.1; Gn 6.9). Às vezes perfeito significava simplesmente completo em todas as suas partes, como quando se descrevia aos animais oferecidos em sacrifício. No Novo Testamento, com freqüência, a palavra perfeito significa maduro (teleios). Os homens de plena idade são perfeitos no sentido de que são maduros, contrastados com os que são crianças em Cristo (Hb 5.14; 1 Co 2.6; F13.15). Em Filipenses 3.2-16 temos uma passagem bem clara sobre o assunto da perfeição cristã. Paulo está descrevendo suas lutas cristãs. A marca sobressalente de sua experiência cristã é que ainda não havia sido aperfeiçoado ou não havia lançado mão daquilo no qual Cristo também havia lançado mão dele. Seu único propósito é o de seguir cor­ rendo apressado para o alvo, ou o prêmio cristão. Desse modo, agrega duas declarações significativas. A primeira é que "todos quantos somos perfeitos tenhamos este sentimento". Aqui, pois, há um pa­ radoxo. O cristão maduro ou perfeito é o cristão que tem o sentido de suas imperfeições. Chegar à consciência de ter se aperfeiçoado seria uma que­ da espiritual. Seria enganar a si mesmo. O apósto­ lo também acrescenta: "Mas, naquela medida de perfeição a que já chegamos, nela prossigamos" (F13.16). Isso significa: desempenhemos conscien­ ciosamente todo dever conhecido. Obedeçamos à verdade como a conhecemos, ainda que sejamos profundamente conscientes de nosso fracasso ao tratar de alcançar o ideal divino. Da discussão anterior da perfeição deduzimos: Primeiro, que a perfeição impecável não pode ser alcançada na vida presente. Segundo, que é possível que os cristãos façam progres­ sos constantes para o alvo da perfeição. Terceiro, que há o perigo de que nos equivoquemos fazendo alguns adiantamentos ou progressos na vida cristã pela perfeição. Podemos chegar a obter a segurança cristã, mas essa não é a impecabilidade. Podemos ter uma chamada "segunda bênção", na qual podemos fazer progressos rápidos na vida espiritual. Mas isso não é a perfeição. Devemos ter uma terceira, uma quarta, e mais outras mil bênçãos. Em quarto lugar, há o perigo de que em nossa oposição à falsa teoria do perfeccionismo adotemos regras inferiores para a vida cristã, desculpando-nos a nós mesmos pelo pecado e pela mundanidade. Esse é um perigo insistente que devemos reconhecer. Diz o dr. A. J. Gordon: "Se a doutrina da per­ feição impecável fosse uma heresia, a doutrina do contentamento com a imperfeição pecaminosa seria uma heresia maior. Não é um espetáculo edificante ver a um cristão mundano atirando pedras sobre um cristão perfeccionista". A quinta conclusão é que mesmo que estejamos sempre conscientes de nossa imperfeição, devemos crer na possibilidade de avançar muito na vida cristã, tanto no caráter como no poder de servir. Às vezes há grandes atos de consagração implicados na completa rendição da vontade, um renovado preenchi­ mento do Espírito Santo, de modo que em um momento passamos a um grau mais alto de poder e vitória espirituais. Mas isso não deve ser tomado como final nem nos conduzir ao próprio engano. Deve ser seguido do labor constante e do crescimento trabalhoso. Depois da maior bênção, devemos todavia correr adiante para alcançar o alvo de nosso alto chamado em Cristo. B . A perseverança O assunto da perseverança sugere a pergunta da salvação final dos crentes. Durarão eles, sem falta, até o fim, ou temos de crer que alguns cairão de sua fé salvadora em Cristo e perecerão? 1. Antes de responder a essa pergunta diretamente, farem bem em considerar brevemente duas tendências no pensamento teológico do passado, que conduziram a inferências errôneas acerca da doutrina. Uma foi a tendência dos extremistas calvinistas. Puseram muita ênfase sobre a lógica do "plano da salvação". A predestinação e a eleição de indivíduos da parte de Deus para que sejam salvos retira todo o problema absolutamente das mãos humanas. Aquele propósito deve encontrar expressão no ato justificador de Deus quando aceita os homens em Cristo, e em seu ato regenerador quando concede a nova natureza. Pois bem, o propósito eterno de Deus não pode ser alterado. Seu ato de justificação não pode ser anulado. A nova natureza do homem é uma transformação indelével e radical, uma obra que só Deus pode desfazer. Por isso, todos os regenerados têm de ser salvos no final, pois de outro modo o propósito de Deus fracassa e sua obra vem a terminar em nada. Não se nega que semelhante dedução lógica pode ser aplicada às declarações gerais do Novo Testamento. Mas é duvidoso se representa adequadamente a idéia predominante que se encontra nele. Os escritores do Novo Testamento raras vezes se permitem usar desse modo a lógica formal. Seria difícil encontrar a particular combinação de idéias em qualquer parágrafo isolado em outros ensinamentos. A objeção principal a essa lógica é que ela é abstrata e formal. Omite outros ensinamentos bastante necessários que proporcionam aqueles no qual o raciocínio está baseado. Tende a fazer da salvação um procedimento mais físico que moral e espiritual. Dá tanta ênfase ao absolutismo de Deus, que se inclina para o panteísmo. Deixam de lado a resposta e os esforços humanos. Em todos os escritos do Novo Testamento é exercido grande cuidado para suplementar inferências lógicas desse gênero, com a verdade correspondente da perseverança humana. Outra escola de teólogos exaltou a liberdade humana da mes­ ma maneira parcial. O cristianismo é livre para continuar na graça ou dela decair. Pode ter a ajuda de Deus se a quiser, mas de qual­ quer maneira seu destino está em suas mãos. Se no final se perder, ele é o único responsável. Essa manifestação do caso também é parcial e deixa de contar com ensinamentos vitais das escrituras e elementos vitais da experiência. Não reconhece a plenitude nem a suficiência da graça divina. Inclina-se para um mero moralismo no qual o esforço humano é tudo, e a um deísmo, que põe Deus tão acima dos homens que o deixa à parte de suas lutas. 2. Sendo assim, o Novo Testamento evita a tendência pant ta do calvinismo extremado e a tendência deísta do arminianismo radical. O ensino do Novo Testamento e a experiência cristã são completamente um ao manter apropriadamente relacionados os aspectos divinos e humanos. Em ambos há reconhecimento cla­ ro da iniciativa de Deus. O pastor busca a ovelha perdida. Essa é a declaração de Jesus. O homem salvo sabe que é encontrado e apreendido por Cristo. Assim testifica Paulo. O perdido também não é simplemente encontrado; é mais que uma ovelha. É um pró­ digo em um país distante e precisa se arrepender. Assim ensina o Novo Testamento. O salvo sabe por experiência que só foi encon­ trado, no significado salvador da palavra, quando se arrependeu de seus pecados e respondeu ao amor que o buscava. Esses dois elementos entram em cada período da vida cristã. Pede-se a nós que levemos a cabo a obra de nossa salvação, não à parte de Deus, mas porque é Deus é o que opera em nós tanto o querer como o efetuar (F12.12). A verdadeira doutrina da perseverança deve ser encontrada, pois, combinando em uma unidade os grupos de ensinamentos que foram empregados para apoiar idéias paradoxais. Citaremos alguns desses pertencentes a ambos os lados da controvérsia, e em seguida mostraremos como devem ser combinados. Vejamos primeiramente os que ressaltam o poder e a graça de Deus. Em João 10.28,29 Jesus declara que suas ovelhas nunca perecerão; que ninguém pode arrebatá-las de sua mão; que nin­ guém pode arrebatá-las da mão de Deus. Em Romanos 8.30 Paulo combina a predestinação, o chamado, a justificação e a glorificação em uma descrição da vida cristã, e nos versículos de 35 a 39 declara que ninguém pode nos separar do amor de Cristo. Em Romanos 11.29 também afirma que os dons e a vocação de Deus não estão sujeitos a alteração de ânimo. Em Filipenses 1.6 o apóstolo declara o que havia começado uma boa abra em seus leitores a continuaria completando até o dia de Jesus Cristo. Em 2 Timóteo 1.12 diz que sabe em quem tem crido e que está seguro de que ele é poderoso para guardar seu depósito até aquele dia. Há outro grupo de passagens que parece indicar a possibili­ dade de se cair e se perder. Paulo diz acerca de suas lutas: "Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado" (1 Co 9.27). Também em Hebreus 6.4-6: "Porque é impossível que os que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e os poderes do mundo vindouro, e depois caíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; visto que, quanto a eles, estão crucificando de novo o Filho de Deus, e o expondo ao vitupério". Há outras numerosas passagens com o mesmo signi­ ficado. Não é preciso considerar todas elas em pormenores. Essas duas servirão para ilustrar os princípios da interpretação que se aplicam à chamada apostasia geral. Podem ser feitas as seguintes declarações: nessas passagens se expressa um sentido de verda­ deiro perigo. Quando Paulo e o autor da epístola aos Hebreus observavam a variável devoção das fragilidades e perigos dos homens, temiam pelo resultado. Por isso, não somos justificados ao tirar por meio de explicações o significado óbvio e ao dizer que as passagens têm por propósito ensinar outra coisa. Os homens são seres livres. Deus os trata como tais. Estão em verdadeiro perigo de abusar dessa liberdade e de presumir da graça de Deus em Cristo. Podemos acrescentar, em segundo lugar, no entanto, que os escritores aqui estão tratando mais de princípios e atitudes espirituais do que escrevendo história. Essas não são narrações de coisas que ocorreram, mas de verdadeiros perigos. Vistas do ponto da fragilidade humana, podem ocorrer. Há, no entanto, outro fator que deve se levar em conta: a graça de Deus. Em outras partes, isso se torna claro. Os escritores bíblicos, porém, não hesitaram ao tratar do fator humano apenas quando era necessário. Daí as admoestações, rogos, ameaças e importunações que encontramos dirigidos ao verdadeiro povo de Deus. Como livres seres morais, como pessoas, só dessa maneira podem ser influenciados e feitos fiéis ao ideal cristão. Há também passagens que ressaltam bastante o esforço humano para obter a salvação sem expressar nenhuma opinião acerca da possibilidade de cair da graça. Em Atos 2.40 lemos: "E com muitas outras palavras dava testemunho, e os exortavam, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa". Pois bem, é possível sustentar e afirmar a doutrina da graça pela fé de maneira tão parcial, e de um só ponto de vista, que seria difícil harmonizá-la com essa linguagem do apóstolo Pedro. E, no entanto, se cada passagem é entendida propriamente em suas relações com o outro lado da verdade, não há contradição. Aliás, nenhuma dessas verdades podem ser entendidas à parte da outra. Paulo também diz aos Filipenses:"... efetuai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (F1 2.12,13). Aqui temos os dois lados da verdade apresentados em estreita associação um com o outro. Para o apóstolo Paulo não havia con­ tradição entre, de um lado, a idéia da obra da graça divina no coração, e do outro lado, a livre correspondência de cooperação ativa do homem. Na verdade, as duas coisas foram indissoluvelmente unidas. Encontramos, naturalmente, em mistério quando entramos na esfera da metafísica no que tange à vontade humana em sua relação com a vontade de Deus. Mas na esfera de nosso conhecimento adquirido pela experiência da graça e pelo poder de Deus não havia nenhuma dificuldade insuperável. Do que foi dito acima podemos fazer as seguintes deduções: primeiramente, os que escreveram o Novo Testamento parecem dar a entender por suas exortações e admoestações que os crentes, se ficarem sozinhos, estão em perigo de cair da graça; e segundo, que Deus se propõe a salvar aos homens, e assim os conserva, mesmo que esse não seja um procedimento que não leve em conta a conduta desses, mas um procedimento que implica a correspondência ativa com a obra de Deus; e terceiro, que é mau e contra a escritura não fazer caso do propósito divino por um lado, nem da correspondência ou cooperação humanas, por outro. Por fim, naturalmente, o fator decisivo é o poder e a graça de Deus, e não a debilidade do homem. Por essa graça e por esse poder o homem estará capacitado a vencer. 3. Aqui, também, vemos que o método de Deus é m e pessoal, e não físico. Não nos conserva por graça irresistível como algo que força nossa vontade. Não nos conserva apesar das transgressões e reincidências, mas renovando-nos ao arrependi­ mento das transgressões e fazendo-nos voltar das reincidências. Seu método não é o dos panteístas, no qual a vontade de Deus é tudo e a do homem não é nada. Nem é o método dos deístas, que exalta a vontade humana ao lugar principal, e reduz a de Deus ao mínimo. É, na verdade, o método que está em harmonia com o teísmo cristão. O Deus pessoal trata com o homem pessoal de maneira livre e pessoal. É transcendental, mas é também imanente no homem por meio do Espírito Santo que habita nele e que atua a fim de chegar à meta do caráter cristão. E imanente no mundo, operando nele providencialmente a favor de seu filho. O resulta­ do não é incerto. Mas a certeza não é a de uma lei mecânica que opera por meio de forças naturais. É a certeza da persuasão moral e da influência espiritual exercida de maneira pessoal. O método implica a forma mais elevada possível da educação e da disciplina paternais. Há dois métodos de prevenir do perigo uma criança que está brincando perto de um precipício. O pai pode construir um muro para evitar que o filho caia, ou distanciá-lo do perigo e forçar a vontade e o domínio próprio da criança, e assim capa­ citá-lo a evitar o perigo. O pai poderia ficar perto para participar de uma emergência caso ocorresse, e, no entanto, disciplinar a criança de tal modo que uma emergência raramente ocorresse. Esse é o método de Deus. Não edifica muros, como não edifica vontades; ainda que construa muros quando são exigidos pelos seus métodos mais elevados. Uma senhora enviou o filho por uma rua perigosa, em que havia muito trânsito, a fim de cumprir uma ordem. Um amigo expressou temor de que fosse atropelado pelos veículos que passavam. A mãe respondeu que não havia perigo, que a criança havia sido educada para evitar os perigos. A maior parte das mães teriam levado a criança pela rua tomando-a pela mão. Essa mãe ensinou seu filho a cruzá-la sozinho. O método de Deus é o de ensinar. Pois bem, a exposição anterior explica um número de pas­ sagens e vence um número de dificuldades. Explica as passagens que ensinam inequivocamente que nenhum dos que estão em Cristo jamais se perderá. Explica também as passagens que pare­ cem indicar que alguns estão em perigo de se perder. Essas são exortações para evitar o perigo que é real do ponto de vista hu­ mano. Indicar o perigo e admoestar contra ele é o método divino de prevenção. Explica também os casos de aparentes apostasias na Bíblia. Esses desvios eram casos de reincidências que foram seguidos por um retorno a Deus; ou de outro modo, eram casos de conversão espúria, onde a verdadeira vida espiritual nunca existiu. A exposição satisfaz a objeção de que o divino é inconseqüente com a liberdade humana. E faz isso mostrando de maneira mais forte a necessidade da livre resposta a Deus e a cooperação com ele. Satisfaz também a objeção de que a doutrina da perseverança tende à imoralidade, visto que assegura aos homens a salvação, mesmo que vivam como queiram. Nossa exposição satisfaz essa objeção mostrando que o viver uma vida moral e conseqüente é o único resultado que se deve esperar da operação da vontade de Deus para nos conservar até o fim. Podemos concluir esse as­ sunto com as palavras do apóstolo Paulo: "... quem nos separará do amor de Cristo? a tribulação, ou a angustia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? [...] Mas em to­ das estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rm 8.35-39). Capítulo 17 As últimas coisas A .C iclo de idéias na teologia com pletado A escatologia, ou a doutrina das últimas coisas, completará nosso ciclo de idéias bíblicas. Este livro tratou da religião cristã em sua expressão doutrinai. O propósito foi o de construir a vida reli­ giosa do cristão para a inteligência cristã. A escatologia é uma parte lógica e necessária desse propósito como indicaremos agora. Observando o evangelho do ponto de vista divino, podemos dizer que é a comunicação de Deus conosco. Observando-o do lado humano podemos dizer que é a apropriação da parte do homem do que Deus comunica. Assim o evangelho é revelação e salvação. Podemos resumir, em algumas breves declarações, os elementos comunicativos e apropriativos de nossa redenção em Cristo. Primeiramente, Deus nos é dado a conhecer como o Criador do mundo e seu Guia providencial. De nosso lado, é o reconhecimento de sua iniciativa na salvação e sua presença na história humana e na vida individual. Em segundo lugar, Deus é revelado como transcendental. Está acima do mundo, sobre ele e é maior que ele; no entanto, é o Deus imanente entrando nele e habitando em nosso coração por seu Espírito, a quem alegremente respondemos pela fé. Em terceiro lugar, Deus é o Pai eterno que fala aos homens por Jesus Cristo, seu Filho eterno. Nós recebemos a Cristo como o Filho de Deus, que veio para nossa salvação, e o espírito de filho nos é dado quando clamamos "Aba, Pai". Assim o Filho, que é a revelação histórica do Deus eterno, vem a ser o princípio interior de nossa vida espiritual. Como foi expresso por Paulo, Deus revela seu Filho em nós. Em quarto lugar, a propiciação de Cristo foi a expressão do amor infinito de Deus pelos homens perdidos, e o meio da reconciliação deles com Deus. A resposta experimental do homem à propiciação consiste em voltar-se do pecado, em ser crucificado com Cristo, em morrer para o pecado. A cruz vem a ser o símbolo de nossa nova relação com o pecado e com Deus. Em quinto lugar, a ressurreição de Cristo é a consumação da obra redentora por ele. Nossa resposta por experiência consiste em nos conceder sua graça regeneradora e em sermos levantados espiritualmente da morte por uma renovação interior efetuada por meio do Espírito Santo. Em sexto, o ato bondoso de Deus ao nos justificar e nos separar para seu serviço na santificação recebe nossa resposta por meio de uma vida prática de obediência e corresponde ao ato divino. E seu propósito eterno de nos conservar até o fim recebe nossa resposta por meio da cooperação de nossa vontade com a sua, e no reconhecimento do perigo a que estamos expostos se nos separamos de sua graça e poder. Nossa dependência se expressa na constante oração que fazemos a ele, junto a plena segurança de seu amor em Cristo e da intercessão de Cristo por nós, estando ele à destra de Deus. Pois bem, é claro, por esse resumo, que a obra de Deus na história e a graça têm um propósito. Dirige-se a um alvo. É essa teleologia ou propósito da história ou da experiência cristã o que faz suscitar as perguntas a respeito das últimas coisas. A salvação cristã é o processo de realização. Olhe para adiante, aos períodos que estão inculcados no presente imperfeito e olhe para trás para a origem histórica. No momento em que relacionamos o passado com o presente, como precisamos fazer, apresentase o problema do futuro. Nenhum começo ou aquisição parcial oferece uma explicação adequada de um grande procedimento evolutivo. Conhecemos plenamente os começos, só pelos fins. Os elementos implícitos têm que chegar a ser implícitos antes que possamos entender. Assim também, só podemos entender plenamente o reino de Deus por seus resultados. As escrituras não nos deixaram na obscuridade. Não respondeu a nossas muitas perguntas curiosas, mas nos deu uma previsão satisfatória do futuro em seus principais contornos. B .Q uestões preliminares Antes de apresentar o esboço que o Novo Testamento dá do futuro, há certas perguntas preliminares que exigem nossa atenção. Essas surgem em parte pela atitude do pensamento moderno, e em parte pelo caráter dos ensinamentos do Novo Testamento. 1. A primeira pergunta é: "Podemos deixar de lado um doutrina quanto ao futuro?" Há os que afirmam que não pre­ cisamos de semelhante ensino. Várias razões são alegadas para apoiar tal afirmação. Um grupo nega a imortalidade, ou afirma que não é importante como uma crença porque não pode ser cientificamente demonstrado. Nisso aplicaram os métodos da ciência física às crenças religiosas. Com isso, naturalmente, não é possível nenhuma prova que nos leve a afirmar, como o faz uma demonstração automática. Esse grupo compõe-se principalmente dos que se dedicam à ciência física, cujo interesse na religião está subordinado a sua esfera especial de investigação. Outro grupo, composto de teólogos, insiste em que o futuro não está relacionado com nossa fé e está fora da esfera do conhecimento. Esses não negam a imortalidade, mas sim a possibilidade de uma doutrina da imortalidade. Sua opinião está também baseada em uma teoria do conhecimento. Limitam o conhecimento aos fatos da experiência presente. Outro grupo argumenta contra a imortalidade afirmando que é prejudicial à ética. Afirmam que a doutrina das recompensas e castigos futuros é essencialmente egoísta em seus apelos. O homem deve fazer o bem porque é bom, não porque será recompensado por fazê-lo. A devoção ao bem por amor ao bem é o que defendem. No caso de outros, a negação da vontade individual se baseia em razões filosóficas. Os que defendem certas formas de idealismo e panteísmo insistem em que todas as formas finitas de existência, incluindo a vida do homem como indivíduo, em seu devido tempo serão absorvidas pelo infinito. Assim, a única imortalidade que o homem pode esperar é a da absorção na vida universal. Alguns afirmam que a forma atual de crença na imortalidade é a da influência sobre outras vidas no futuro. Como indivíduos perecemos, mas vivemos na influência que exercemos depois da morte. Afirma-se até que o Antigo Testamento prova que a vida religiosa do homem não exige crença na imortalidade pessoal. Em Israel a esperança dos homens repousava sobre a esperança da família e da nação, pouco ressaltando o reconhecimento da imortalidade individual. Numa seção anterior manifestamos os argumentos gerais a favor da imortalidade da alma. Não é necessário repeti-los aqui. Mas algumas coisas podem ser ditas em resposta às formas de ensino que acabamos de esboçar. (1) Começamos com o argumento baseado sobre o ensino do Antigo Testamento. Não é correto dizer que a religião de Israel prove que uma doutrina da imortalidade não é necessária. Nos primeiros períodos a nação esteve tão absorvida no presente, e o indivíduo tão perdido no povo como um todo, que a esperança do futuro tomou a forma de uma esperança nacional. Concordamos com isso, embora tão idéia não seja de maneira alguma uma descrição suficiente do assunto. A literatura posterior do Antigo Testamento apresenta outra fase da crença. Quando os pesares e as infelicidades sobrevieram ao indivíduo, e especialmente quando a nação foi desfeita pelo cativeiro, o crente do Antigo Testamento chegou à convicção da conquista individual da morte e da imor­ talidade. Essas nunca foram negadas, nem mesmo nos primeiros períodos. Chegaram, porém, a ser bastante explícitas em certas experiências que provaram a crença primitiva como que pelo fogo. É preciso apenas ler os capítulos 16, 17, 49, 68 e 73 de Salmos; o capítulo 19 do livro de Jó; o capítulo 6 de Oséias; os capítulos 25 e 26 de Isaías, e outros ensinamentos do Antigo Testamento, para ver como a doutrina da imortalidade e mesmo a da ressurreição do corpo tomaram forma pela experiência da graça de Deus mediante sofrimentos e provas. De­ duzimos, pois, que o Antigo Testamento tomado como um todo, e não meramente em seus primeiros períodos, prova a insuficiência da crença em uma imortalidade de influência ou a sobrevivência na vida nacional. Não há dúvida de que os homens são bastante dominados pela esperança da influência sobre as gerações futuras. Mas isso não toma o lugar da esperança da imortalidade no sentido próprio da palavra nem tampouco pode fazê-lo. (2) As negações idealistas e panteístas da imortalidade são contestadas pelos argumentos gerais que mostram a debilidade desses sistemas como um todo. Se Deus é um ser pessoal que tem propósitos, e se o homem foi feito sua imagem como uma personalidade livre, a crença na imortalidade pessoal é a mais forte das inferências dos fatos. Sobre a suposição de que o mundo deve sua origem não a uma Pessoa, mas a um princípio impessoal, o homem, por toda sua vida moral e religiosa, é um enigma que não pode ser explicado. Nesse caso, o rio chega a um nível mais alto que o de seu manancial. Temos um efeito sem causa. Se o mundo ascende por graus lentos até chegar a seu apogeu na personalidade humana e na sua profunda convicção de sobrevivência depois da morte, como sustenta o teísmo cristão, temos uma idéia do mundo que é conseqüente consigo mesma. Mas se o homem perecesse, se sua vida moral, espiritual e pessoal fosse uma fase meramente passageira de um mundo de alterações ilimitadas, então o suposto apogeu vem a ser um antiapogeu assombroso e inexplicável. (3) A negação que está baseada na objeção à idéia de re­ compensas e castigos é o resultado de uma consideração prematura do problema. Não é senão outro exemplo do método abstrato e analítico que conduz a uma conclusão inexata ou incorreta. Os fatos da natureza do homem, como se apresentam na experiência universal, mostram isso. Não podemos nos desprender, ainda que queiramos, do pensamento do passado por um lado, nem do futuro por outro. Em outras palavras, o tempo é um fator da consciência do qual não podemos nos desfazer. A memória e a esperança são partes da trama e maquinação de todo o nosso pensamento em todas as esferas, na religião e na ética, bem como na vida prática e laica. A classe de ser que pode, por um ato de vontade, excluir todo pensamento do passado e do futuro, não existe, pelo menos na forma humana. Semelhante ser careceria tanto de motivos e propósitos, que podemos concebê-lo apenas como um ser finito e pessoal. A idéia de recompensas e castigo faz parte de nossa natureza moral. A consciência atesta claramente esse fato. Deixar de lado esse testemunho é menosprezar uma das funções principais de nossa natureza. Existe, naturalmente, o perigo de que as recompen­ sas e os castigos sejam apresentados em um baixo nível moral. O céu maometano apela aos baixos instintos do homem. As vezes o apelo cristão deixa de ser elevado quando é feito pelos que deixam de apreciar a moralidade do evangelho. A solução, porém, não consiste em procu­ rar destruir completamente a idéia, mas em fazer com que a recompensa e o castigo concordem com o tipo de caráter que a religião cristã procura produzir. O caráter cristão é, na verdade, em sua forma mais elevada, a escolha ins­ tintiva e perseverante do mais alto bem moral motivada por um impulso interior, e não por um constrangimento externo. É certo também que nenhum homem pode for­ mar seu caráter olhando exclusivamente as recompensas e os castigos futuros. Há alegria e espontaneidade no serviço. Mas o pensamento do resultado final não é um fator desprezível para produzir a devoção espontânea e feliz ao ideal moral e espiritual. (4) A negação da imortalidade baseada sobre razões cien­ tíficas e a correspondente negação teológica que tem origem na teoria do conhecimento derivada da ciência física podem ser contestadas de várias maneiras. Primei­ ro, observemos que a ciência física e seu método de prova não se aplicam aos fenômenos espirituais. A alma e sua vida estão fora do alcance da ciência física. A psicofísica, ou o estudo dos fatos da consciência com relação ao cérebro e ao sistema nervoso, não tem uma palavra a di­ zer contra a crença na imortalidade. Há um paralelismo entre as atividades do cérebro e as da vida mental. Mas essas nunca se misturam. A lei da continuidade deixa de explicar a conexão entre elas. Segundo, a qualidade da vida em Cristo é a melhor evidência para o próprio cris­ tianismo. É uma vida de comunhão, de companheirismo com Deus. O Espírito de Deus opera sobre o espírito do homem. Sua vida tem uma qualidade eterna. Nas pala­ vras de Jesus, é a "vida eterna". Participa da qualidade da vida de Deus. É progressiva. Nada na vida presente a satisfaz completamente. Move-se sempre para uma vida mais livre e completa. Em terceiro lugar, a ressurreição de Jesus Cristo é o grande fato histórico que coloca todo o assunto do futuro na esfera dos fatos. Assim deixa de ser um assunto meramente especulativo. Se combinarmos o segundo e o terceiro ponto, descobriremos que uma dou­ trina das últimas coisas não só é exigida pela experiência dos cristãos, mas também pelo triunfo do próprio Cristo sobre a morte. Por isso, não é de surpreender que o Novo Testamento tenha dedicado tanto espaço a ensinos acerca dos acontecimentos do reino de Deus no futuro. 2. A segunda pergunta preliminar é: "Quais eram as fontes ensinos escatológicos de Jesus?" Aqui, certamente, reconhecemos a originalidade de Jesus ao dar um caráter moral e espiritual à doutrina das últimas coisas, que o separa imensamente de seus contemporâneos. Mas aqui, como em todos os demais ensinos de Jesus, ele encontrou um ponto de contato vital com sua época. Houve pelo menos duas fontes de onde provêm a forma e o esboço geral de sua doutrina. (1) A primeira que mencionamos é o Antigo Testamento. Não é possível traçar em pormenores esses elementos do Antigo Testamento. Na verdade, não é necessário. Os fatos principais são geralmente reconhecidos. O grande concei­ to fundamental na vida e no ensino do Novo Testamento era o reinado de Deus sobre seu povo Israel. Teve rela­ ções de pacto com eles. Teve um propósito glorioso que queria realizar por meio deles. O quadro do futuro, que foi mostrado pelos profetas do Antigo Testamento à vista do povo, variava com as circunstâncias e as necessidades. Mas há certos aspectos salientes que se apresentaram continuamente, especialmente na história posterior. O primeiro grande ideal para o futuro foi a vinda do reino de Deus aperfeiçoado na terra. Deus há de estabelecer seu domínio entre os homens. O período do reino de Israel sob Davi e Salomão é considerado o período típico do passado. Às vezes o reino de Deus é esboçado sobre Israel. Nos profetas posteriores, a missão de Israel ao mundo e um reino que abrange a todas as nações são vislumbrados grandemente no futuro. Descrições do reino vindouro são às vezes dadas em linguagem altamente poética. Apresentam-se em elementos sobrenaturais. Deus habita com os homens. Jerusalém é o centro do governo (veja Is 2.2) Outro grande acontecimento do futuro é a vinda do "dia do Senhor". Aqui também há muita variação na forma de manifestação. Às vezes é um dia de calamidade, de densas trevas. Em outras ocasiões, é um dia de glória e triunfo. "O dia" parecia a alguns dos profetas que sempre era iminente. Esteve muito próximo, e esteve para sobrevir ao mundo. E, no entanto, em outras ocasiões, parecia no futuro distante. Não era um dia literal de vinte e quatro horas, mas um período de manifestação e poder divino (Is 2.12,17-20; 61.2; Ml 3.2, 3). Outro elemento do esboço do futuro era o juízo. Esse não era tanto o grande dia do juízo final da humanidade, como o juízo de Israel por seus pecados, ou das nações do mundo, ou de ambos. O juízo esteve em conexão com o "dia do Senhor". Jeová castigaria as nações e libertaria Israel. Em outras ocasiões, castiga Israel e, por fim, redime a nação e a estabelece sob seu reinado benéfico (veja Ml 3.2, 3; J12.28-32). Outra grande figura do futuro é o Messias. Há mui­ tas passagens que têm um significado messiânico. Mas aqui também varia a forma de representação. A forma mais constante do esboço é a de um Rei descendente de Davi. E a vara da linhagem de Jessé. Normalmente, é um grande conquistador. Reina na glória. Às vezes Deus reina no reino vindouro. Mas quando o Messias reina, é também o reinado de Deus. O Rei Messiânico é iden­ tificado com Deus. Deus reina nele e por ele. Às vezes, como no capítulos 52 e 53 de Isaías, é representado como que padecendo. Leva o castigo dos pecados do povo. É o Servo de Jeová. É o profeta de Jeová para as nações. Houve muita controvérsia sobre se o Servo sofredor em Isaías é o remanescente justo do povo. Ou um Messias individual. A verdade parece ser que aqui o profeta passa pelos graus costumeiros de experiência, e paulatinamen­ te é guiado à verdade mais elevada. Há passagens que parecem ser mais bem explicadas como se referindo ao "remanescente". Há outras que exigem a aplicação a um indivíduo. O remanescente justo de Israel foi o núcleo do pensamento do profeta. A convicção messiânica era como uma idéia profética fixa, que veio a ajudá-lo. Há algo admirável notável e ousado no capítulo 53 de Isa­ ías, em que uma vítima humana vem a ser uma oferta vicária pelo pecado, possuindo para outros uma eficácia redentora (Is 53.4-11). Em geral, a escatologia do Antigo Testamento refere-se a este mundo. Os acontecimentos descritos deveriam ser verificados na terra, ainda que existam elementos sobre­ naturais misturados em algumas das profecias. Mas jun­ tamente com esse ensino geral, como já vimos, ergueu-se pouco a pouco uma convicção clara da ressurreição. Uma particularidade dessa crença é digna de ênfase especial. Apresenta proeminentemente o caráter da religião do Antigo Testamento. A particularidade é que foi princi­ palmente o produto da experiência religiosa sob a direção do Espírito de Deus. Nos primeiros períodos, a revelação do Antigo Testamento apresenta um povo que participou nas crenças comuns das nações com respeito ao mundo. As crenças gregas e babilônicas, e as de outras nações, concernentes à vida depois da morte eram variadas. As­ sim, do mesmo modo, eram as do Antigo Testamento. Não se negava a existência continuada. Não há ensino no Novo Testamento que justifique a crença no aniquila­ mento ou na transmigração das almas. Mas o Sheol era uma região tenebrosa, onde os homens estavam, todavia, conscientes; mas sem comunicação com os demais. Pen­ sava-se que nesse lugar levava-se uma existência limitada e atenuada. Foi contemplado com dúvidas e receios. Daí a ênfase sobre a vida presente e a comunhão com Deus. Esse é o bem supremo. Sendo assim, a experiência dessa comunhão sob a influência do Espírito de Deus formava a base da convicção da ressurreição. Em outras palavras, a ressurreição foi uma necessidade religiosa. Deus não abandonará seu servo, nem mesmo na morte. O anseio apaixonado de desfrutar da comunhão permanente de Jeová sob o estímulo da prova e padecimentos os conduz à convicção. IsSo é visto de modo especial no caso de Jó. É visto também em vários Salmos. Assim, percebe-se que a doutrina da ressurreição no Antigo Testamento não teve origem nas especulações e argumentos dos filósofos. Não foi uma crença teórica. Originou-se das necessidades prá­ ticas da vida religiosa. Em Isaías e Daniel a ressurreição chega a ser claramente expressa. Não se pode dizer que a doutrina das últimas coisas no Antigo Testamento apresente um quadro completo ou final do futuro. Não apresenta uma ordem definida de acontecimentos que possam ser examinados com exati­ dão. A linguagem é com freqüência figurada e altamen­ te poética. Acontecimentos muito separados são vistos com mais freqüência em sua seqüência moral que em sua relação cronológica. Os cumes das montanhas, bastante separados entre si, são vistos numa perspectiva de modo que parecem estar mais próximos uns dos outros. Há, no entanto, coisas grandes e conspícuas na escatologia do Antigo Testamento. a. Deus está trabalhando na história com um propósito. Está se movendo para uma meta. b. Israel é o instrumento e o meio de sua graça. c. Seu propósito se estende a toda a humanidade. d. Intervirá no juízo e nas bênçãos no devido tempo. e. Enviará um libertador, que executará seu grande propósito. f. Por sua graça, a morte e o sepulcro serão destruídos g. Seu reino eterno triunfará sobre todas as demais forças da terra. Nenhuma nação jamais se igualou a Israel no otimismo. Nenhuma jamais teve uma visão tão gloriosa do futuro. Não só tinha uma crença messiânica; era um povo messiânico. (2) Uma segunda influência que deve ser mencionada em co­ nexão com a doutrina neotestamentária das últimas coisas é a escatologia judaica do período do Novo Testamento. Jesus se situou na atmosfera de uma época que conside­ rava profundamente o problema do futuro de Israel. A esperança messiânica tomou a forma de uma restauração política do estado judaico, e às vezes tomava a forma de uma intervenção apocalíptica de Deus no mundo e o estabelecimento de seu reino eterno. Não cabe em nosso propósito expor esses ensinos como são encontrados na literatura judaica não-canônica. Há muitas e variadas des­ crições do futuro nessa coleção de escritos. Nos livros de Enoque, 1 e 2 Macabeus, Judite, Tobias, Ascensão de Moisés, e em outras várias narrações, são manifestadas as expec­ tativas messiânicas dos Judeus. Os elementos que temos falado no Antigo Testamento são reproduzidos aqui, jun­ tamente com várias adições. Em alguns casos, o futuro é descrito em termos bem extravagantes de prosperidade material. Israel chega a ter todo o poder e toda influência que deseja. A esperança messiânica ao final é realizada. A glória de Jeová é dada ao povo dele. É estabelecido o reino eterno de Deus. Sendo assim, a menção dessa literatura escatológica não-canônica tem o propósito de enfatizar o fato de que as mensagens de Jesus foram dadas a um povo que já sentia vivamente a esperança messiânica. Pressupõem-se formas correntes de crença em muitos de seus ensinos. Deixou de lado muitos elementos de crenças existentes. As purificou e as transformou, mesmo quando aceitou em parte o que continham. Seu uso de todas elas foi livre e autorizado. 3. Nossa terceira pergunta preliminar está relacion com a distinção entre a forma e substância da escatologia do Novo Testamento. "Podemos deixar de lado a forma exterior e reter o conteúdo interior?" Podemos tirar a casca e ficarmos com a poupa? Essa pergunta geral não tem a ver com a exegese que encontramos ao tratarmos da linguagem de Jesus. Alguns sustentam que podemos nos desfazer de todos os elementos da escatologia com exceção de certos grandes ensinamentos centrais e espirituais. Olham com suspeita a ordem de acontecimentos que parecem ser catástrofes e acontecimentos apocalípticos, tais como a segunda vinda, a ressurreição e o juízo. Argumenta-se que esses não devem ser tomados literalmente, senão espiritualmente. A segunda vinda significa em sua essência o triunfo do reino de Deus. A ressurreição significa, realmente, que triunfaremos espiritualmente sobre a morte. O juízo significa que os homens serão recompensados ou castigados conforme seus feitos; não é, portanto, um acontecimento na história. Sustentam que essas verdades espirituais abrangem todo o terreno e satisfazem todas as nossas necessidades quanto ao futuro; que a linguagem em que essas esperanças são manifestadas não devem ser entendidas literalmente, mas como representações pictóricas retiradas na maior parte do pensamento judaico contemporâneo. (1) Refutando essa objeção, podemos dizer de uma vez que temos que conceder que muitos dos acontecimentos do futuro são descritos em termos altamente figurados, nos quais muito do futuro está esboçado. Temos também de confessar que há uma variedade nas descrições do futuro. Há apenas alguma fase do futuro do reino que não seja apresentada em variadas formas. Devemos cuidar espe­ cialmente de não chegar a ficar absortos na ordem dos acontecimentos. Não devemos, por sermos servos sérios de Cristo, usar mal o tempo no esforço para estabelecer programas do futuro. E, certamente, necessitamos evitar o perigo de pensar mais nos aspectos dramáticos dos grandes acontecimentos que na preparação moral e es­ piritual que nos é necessária como cristãos. Certamente, necessitamos dessas admoestações e prevenções a favor de nosso crescimento e utilidade espirituais. (2) Por outro lado, no entanto, não devemos dizer que ne­ nhum dos grandes acontecimentos escatológicos preditos por Jesus e os apóstolos hão de se realizar ao longo da história. Na verdade, se afirmamos que o futuro inteiro do reino deve assim ser entendido, não somente deixamos de lado o que é evidente a todo o que lê sem preocupações o Novo Testamento, mas também, fazendo-o, alteramos a própria natureza do cristianismo, que é uma religião his­ tórica. Consideremos alguns pormenores. A ressurreição de Jesus é uma verdade vitál. Sem ela, o evangelho viria a ser um evangelho diferente. É a garantia e promessa da ressurreição dos crentes. E incompatível com a idéia de que o "sobreviver da morte" é o equivalente espiritual da doutrina da ressurreição. O homem é corpo assim como espírito. A ressurreição conserva a natureza humana em sua integridade. (3) A ressurreição de Jesus também foi uma etapa "apocalípti­ ca" ou "catastrófica" no desenvolvimento do reino. E difícil ver como alguém que aceita a ressurreição de Jesus pode se contentar com um denominado equivalente espiritual que nega a ressurreição dos crentes. Isso é inteiramente distinto do assunto referente a como se dá a ressurreição e qual é a natureza do corpo da ressurreição. Em suma, a ressurreição de Cristo oferece caráter à atual era evangé­ lica. O cristianismo em sua forma completa neotestamentária tem sua origem na ressurreição de Cristo. Os cristãos agora vivem no poder de uma vida ressuscitada baseada na ressurreição de Cristo (Ef 1.19,20). A consumação dos séculos deverá ser também caracterizada pela glória da ressurreição, como será visto em Cristo, a primícia, e como se verá em seu povo em sua vinda. (4) Consideremos o fato da segunda vinda. Propriamente entendida, é o resultado conseqüente de uma religião que começou com uma encarnação e ressurreição históricas. A pessoa de Cristo é o centro da revelação de Deus aos homens. É o centro de nossa fé, esperança e amor. E o centro da história. A pregação do evangelho de Cristo é a tarefa do povo de Cristo. Deus está vivendo com os homens em Cristo e por Cristo. Pois bem, sua volta pessoal à terra certamente não é um conceito que deixa de estar relacionado com todos os fatos acima mencionados. Se a religião de Cristo é uma religião histórica, então a consumação pode ser mais bem expressa em termos de história. A segunda vinda é a inevitável seqüência histórica da primeira vinda. As duas estão indissoluvelmente ligadas. A epístola aos Hebreus expressou esse pensamento com muita clareza (Hb 9.27, 28). (5) A força dessas declarações aparece quando procuramos seriamente compreender o significado de um cristianismo que tenha um princípio histórico, mas sem uma con­ sumação histórica. Se concebermos o futuro de maneira completamente transcendental ou espiritual, distante da terra e da história humana, temos de pensar neste planeta com se estivesse passando à dissolução gradual, e da humanidade, como se estivesse se extinguindo. A esperança de uma ressurreição se acaba. A expectação da volta de Cristo parte do centro das esperanças humanas. Nossa religião, assim, tenderia a tornar-se cada vez mais uma crença especulativa. Retrocederia ao tipo précristão ou filosófico. A especulação da volta de Cristo é o correlativo espiritual da fé naquele que é o Cristo da história. A expectação faz com que nossa fé seja uma unidade conseqüente em si mesma. (6) Consideremos o significado do juízo. Certamente, po­ demos conceber um juízo que seja inteiramente interior e espiritual. Podemos pensar na relação dos homens para com Deus simplesmente como indivíduos e não em suas relações sociais, ou como nações; e de um juízo meramente de indivíduos em sua morte. Mas semelhante idéia certamente deixa fora de consideração muitos elementos da conduta humana e muitas fases do procedimento de Deus com os homens. O fato é que a maneira em que Deus trata o pecado sempre tem um aspecto interior e outro exterior. Nosso corpo reflete os destroços que o pecado produz no espírito. O castigo toma forma na sociedade na degradação das instituições sociais. As nações fracassam e caem quando estão penetradas pela iniqüidade. O próprio cosmos sente a corrupção do pecado. Pois bem, a doutrina do juízo no Novo Testamento simplesmente reconhece essa maneira de operar da lei do pecado, do castigo, da justiça e do galardão em um juízo culminante. O caráter pitoresco das representações no Novo Testamento não implica a negação do grande fato em si. (7) Resumindo: o problema fundamental não é o de uma es­ catologia conseqüente consigo mesma, mas de um cristia­ nismo conseqüente consigo mesmo. O desenvolvimento histórico e cósmico avança em direção paralela ao desen­ volvimento espiritual e interior. A natureza corresponde ao movimento da graça. A ressurreição futura, a segunda vinda de Cristo e o Juízo são pontos de brilhante luz espiritual que iluminam o futuro. Mas estão incluídos no tempo e no espaço. Uma vista do futuro que deixa de lado o lado histórico e cósmico do desenvolvimento deixa no reino um dualismo que destrói a unidade do propósito divino. Isso nos faz retroceder ao princípio que temos indicado em outras conexões. É o de que a unidade reconhecida pela religião cristã não é o que se baseia na continuidade física, nem o do idealismo abstra­ to. É, ao contrário, uma unidade de um propósito divino e redentor. A história humana e as forças cósmicas estão sujeitas ao reinado bondoso de um Deus santo, amoroso e pessoal. 4. A quarta pergunta preliminar refere-se à relação ent presente e o futuro do reino. "Podemos conciliar as declarações de que o reino já existe, com as que o colocam no futuro? Podemos conciliar o princípio do desenvolvimento gradual no reino com os acontecimentos extraordinários que aparecem na escatologia?" Alguns confirmaram que esses dois elementos se contradizem nos evangelhos. É certo qué no ensino de Jesus quanto ao reino é tanto presente como futuro. É presente nas seguintes passagens: Mateus 11.11; 12.28; Lucas 16.16; 17.21. É futuro em Mateus 1.21; 25.34; 36.29; Lucas 21.31. É também claro que no ensino de Jesus o reino é representado, em algumas parábolas, como vindo pouco a pouco. Entre essas encontram-se a da levedura, a da semente de mostarda, a semente que cresce secretamente. Temse argumentado que a idéia de Jesus sofreu uma mudança no transcurso de seu ministério. E que isso explica a diferença entre os aspectos presente e futuro da vinda do reino. A objeção a isso é que ambos os aspectos aparecem no princípio e no fim de seu ministério (Mt 10.23; Mc 8.38; 9.1; Lc 9.27). Se temos de aceitar os ensinamentos de Jesus, teremos de reconhecer a presença desses dois elementos. Um grupo de intérpretes insistiu em que na mente de Jesus os aspectos presentes e progressistas do reino são os mais importantes. Outros afirmaram que os elementos futuros e apocalípticos são centrais, e que os outros elementos são incidentais e secundários. Ambas as classes aparecem na conexão mais estreita. Evidentemente, Jesus as teria em mente sem nenhum sentido de inconseqüência ou contradição. A parábola das virgens e a dos talentos, que segue imediatamente seu grande discurso, mostram isso. Ele havia acabado de falar, no capítulo 24 de Mateus, dos sinâis de sua vinda; de sua repentina aparição em glória, que parecia estar no futuro próximo; e do efeito alarmante nos moradores da terra. No entanto, na última seção desse capítulo, fala do "mau servo" que diz em seu coração "... Meu senhor tarda em vir", e começa a maltratar seus conservos (Mt 24.48,49). Jesus reconheceu assim o elemento de demora em seu regresso. O mesmo se observa em duas outras parábolas. Diz-se das virgens: "E tardando o noivo, cochilaram todas, e dormiram" (Mt 25.5). E na parábola dos talentos, lemos: "... depois de muito tempo veio o senhor daqueles servos, e [prestou] contas com eles" (Mt 25.19). O ponto enfático aqui é que, se temos de encontrar uma interpretação adequada das palavras de Jesus, devemos levar em conta ambos os elementos. Há declarações que parecem ensinar que sua volta se daria logo. Em outras, parece estar muito longe. Devemos, se é possível, achar uma chave que explique a aparente contradição. Porque certamente não havia sentido de contradição na mente do próprio Jesus. A principal dificuldade resulta da linguagem de Jesus, pois ele declarou que aquela geração não passaria até que as coisas previstas aconteçam. Em seu grande discurso em Mateus (caps. 24 e 25), Jesus fala de três grandes acontecimentos: a destruição de Jerusalém, seu regresso e o fim do mundo. Também fala de certos acontecimentos preliminares que indicariam a proximidade desses acontecimentos. As passagens paralelas em Marcos e em Lucas contêm as mesmas características notáveis (Mc 13; Lc 21). Em Mateus 24.34 Jesus diz: "... não passará esta geração sem que todas essas coisas se cumpram". Mas, imediatamente, acrescenta no versículo 36: "Daquele dia e hora, porém, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai". Aqui está uma contradição aparente que não é fácil de ser compreendida. Muitas interpretações foram dadas concernentes à linguagem dessa profecia de Jesus. Alguns têm suposto o seguinte: visto que Jesus não voltou naquela geração, tinha se equivocado. Outros têm suposto que pensava apenas na destruição de Jerusalém e no fim da teocracia judaica, e não que se referia inteiramente a uma volta pessoal. Outros têm suposto que os que escreveram os evangelhos não nos deram um informe que apresente as conexões originais nas quais as palavras foram pronunciadas, por isso não oferecem um resultado claro quando procuramos interpretá-las. Mas não há um método direto e simples para tratar essas passagens? Suponhamos que as narrações, como as temos, estejam substancialmente de acordo com as palavras do Mestre. Então temos de supor que os discípulos foram inquietados pelas mesmas contradições aparentes que nos deixam perplexos. Temos de supor também que Jesus propôs que suas palavras tomassem essa forma. Se, como afirmam alguns, essas narrações não representam as palavras de Jesus, mas os pensamentos daqueles que escreveram, é difícil darmos conta das chamadas contradições. Se os que escreveram alteraram as palavras de Jesus, nos dariam informações nos mesmos escritos, de maneira que é tão difícil de se harmonizar e se entender? Depois de tudo, é mais fácil tomar as narrações como as palavras originais de Jesus, que as dos próprios discípulos, porque estes teriam evitado as óbvias dificuldades das narrações como nos foram transmitidas. Continuando agora sobre a suposição de que as narrações são substancialmente as palavras de Jesus, nossa interpretação é a seguinte: (1) O próprio Jesus declara desconhecer o dia e a hora de seu regresso. Os homens não sabem; os anjos não sa­ bem. Apenas Deus, o Pai, o sabe. Evidentemente, pois, Deus não queria revelar a cronologia do futuro do rei­ no. Não era seu propósito que conhecêssemos o tempo nem a ordem dos acontecimentos. Há muitas boas razões para semelhante ignorância. Seguramente é melhor que os cristãos permaneçam sem o conhecimento sobre esse ponto. Os esforços feitos para fixar datas sempre condu­ ziram a extravagâncias de uma ou outra espécie. Eles, os homens, tendem a engendrar o fanatismo e a perda do equilíbrio espiritual. (2) Se o dia e a hora do regresso de Cristo, o acontecimen­ to central e determinador do futuro, são desconhecidos, então se dá que toda a cronologia é desconhecida. A ig­ norância, porém, sobre esse ponto não afeta a certeza dos próprios acontecimentos. A destruição de Jerusalém, a segunda vinda e o fim dos séculos fazem parte do pro­ pósito divino. Isso, certamente, é visto na linguagem bem clara da grande profecia. (3) Isto nos conduz à atitude que Jesus assumiu concernente ao futuro em todas as partes da profecia. Aqui podemos obter luz dos profetas do Antigo Testamento e de sua atitude com relação ao futuro. Para eles "o dia do Senhor" com freqüência incluía acontecimentos bem separados. Com freqüência era concebido como iminente, como estando à porta. Para eles o poder de Deus se manifestava em acontecimentos contemporâneos. A história era dinâmica com poderosas possibilidades porque estava sob a direção de Jeová. "O dia do Senhor" foi assim freqüentemente um processo espiritual com grande apogeu, em que Jeová veio com poder. Pois bem, se pensamos em Jesus como semelhante aos profetas a esse respeito, suas grandes declarações relativas ao futuro podem ser entendidas muito mais facilmente. Na mente de Jesus, a visão do futuro foi um quadro unitário do reino vindouro e do poderoso exercício do poder de Deus. Tratou não tanto de acontecimento sepa­ rado, mas do movimento considerado em sua totalidade. Certos grandes acontecimentos foram observados. Esses, porém, estão tão intimamente ligados entre si na cadeia das causas e efeitos morais, que a vinda de um é em parte a vinda de todos. Seu próprio regresso pessoal é o acon­ tecimento supremo. Mas está indissoluvelmente ligado com as coisas que precedem e sucedem. (4) Tendo em mente esse pensamento, não é difícil entender os pontos principais nessa grande profecia de Jesus. O reino vem em três sentidos. Vem em seu princípio. Vem em seu progresso. Vem em sua consumação. Esses são, na realidade, uma só coisa. A consumação está latente no princípio. O princípio é patente na consumação. Jesus vê a consumação em qualquer acontecimento, seja no princípio, no progresso ou no fim. Assim também é com a segunda vinda de Cristo. É o equivalente da vinda do reino. Vem no princípio, na continuação e no fim da era. Os acontecimentos que pertencem à série que está unificada ao redor da segunda vinda são, num sentido real, a vinda do Senhor. A um dizer notável de Jesus que mostra a verdade dessa declaração. Jesus, em Mateus 26.64, ao responder à pergunta do sumo sacerdote, diz: "... vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu". A frase traduzida "em breve" (ap'arti) não significa "depois disso", como se se pensasse em algum tempo futuro. Significa pois, desde o tempo em que Jesus falou as palavras — "desde agora". Quer dizer que a era do poder de Deus, exercido em seu Filho e por ele, começou. O Filho do homem é o que dirige a história "desde agora". Os acontecimentos que seguiram às palavras de Jesus os confirmaram. Sua morte foi uma partida do mundo e certamente sua ressurreição da morte foi um regresso com poder. Naturalmente, não tomou o lugar do grande acontecimento do futuro: a parusia, quando voltará a julgar o mundo (veja At 1.11). O dom do Espírito Santo no dia de pentecostes foi outro grande acontecimento que pertencia à série dos do futuro próximo. A destruição de Jerusalém foi claramente incluída nos acontecimentos próximos descritos em sua grande profecia. Esses acontecimentos eram vindas de Cristo. Foram vistos por homens que ouviram suas palavras e ficaram vivos, segundo sua predição, até o cumprimento. O evangelho de João, de maneira importante suplementa os ensinos dos sinóticos sobre a doutrina das últimas coisas. Mateus, Marcos e Lucas tratam normalmente de acontecimentos. João, geralmente, trata de princípios. Mas João também reconhece os acontecimentos. A volta pessoal de Cristo é ensinada por ele em termos inequívocos (Jo 14.3; 21.22). Não pode haver dúvida quanto ao significado de 21.22, e não é fácil entender 14.3 como outra coisa que um regresso pessoal quando o relacionamos com o v. 2, onde diz: "vou preparar-vos lugar". Sobre esse ponto não há contradição entre os ensinamentos de João e os sinóticos. Permanece como certo, não obstante, que João ressalta a vinda e a obra do Espírito Santo. Isso eqüivale a uma vinda interior espiritual de Cristo. Isso se vê em várias passagens, mas especialmente nos capítulos 14,15 e 16 de seu evangelho. De acordo com isso, João trata de quase todos os elementos da escatologia como princípios espirituais assim como acontecimentos objetivos. Apresenta Jesus dizendo sobre a morte: "E todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá" (Jo 11.26). Referindo-se a si mesmo, também diz: "... quem comer este pão viverá para sempre" (Jo 6.58). A ressurreição é representada também como um princípio espiritual, assim como um acontecimento objetivo: "... vem a hora, e a agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão" (Jo 5.25). Mas em João 5.28,29 acrescentase um ensinamento referente a ressurreição dos bons e dos maus. Da mesma maneira, o juízo é manifestado como um princípio espiritual: "... quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas passou já passou da morte para a vida" (Jo 5.24). No versículo 29 ensina também um juízo que se seguirá à ressurreição. Se, pois, comparamos os ensinamentos dos sinóticos e os do quarto evangelho, concluímos respondendo a pergunta feita no princípio desta seção da seguinte maneira: Primeiramente, a doutrina das últimas coisas inclui acontecimentos e processos na vida moral e espiritual. A escatologia dos evangelhos não pode ser reduzida a acontecimentos excluindo os princípios, nem pode ser reduzida a princípios excluindo os acontecimentos. Ambos aparecem numa união indissolúvel. Segundo, o reino de Deus é tão próximo como distante nas representações dos escritos neotestamentários. Mas não há evidência quanto a quão tão próximos ou distantes estejam os acontecimentos no futuro. Terceiro, o centro da esperança cristã é o regresso de Jesus Cristo. Quarto, o próprio regresso é o acontecimento cuja luz de outros acontecimentos são vistos e pela qual haverão de ser compreendidos. Há muito mais a dizer sob os diferentes tópicos na doutrina das últimas coisas, como veremos. Mas tendo respondido a essas perguntas prelimi­ nares e gerais, podemos prosseguir na consideração de pormeno­ res, isto é, a morte, o estado intermediário, a segunda vinda de Cristo, o juízo e o estado final dos justos e dos ímpíos. C . A morte d o corpo A morte física é a separação da alma e do corpo. No ensino das escrituras está relacionada intimamente com a morte espiritu­ al, na qual a alma do ser humano fica separada de Deus. A Bíblia trata de todas as questões do ponto de vista religioso. Não trata do assunto da morte do ponto de vista da ciência moderna nem do da lei biológica. A morte foi dada como a penalidade para o primeiro pecado. Em primeiro lugar, essa foi uma morte espiri­ tual ou a separação do vínculo de união entre Deus e o homem. Mas também incluía a morte física. Declara-se que os homens são "mortos" em "delitos e pecados" (Ef 2.1). Certamente, isso não significa uma forma de existência isenta de toda atividade. Significa simplesmente uma vida sem uma relação vital com Deus, separada de Deus. A morte do corpo culmina com a vida na terra. Declara-se que a "segunda morte" é o resultado final, quando a separação de Deus chega a ser a expulsão formal de sua presença no juízo final (Ap 20.14). De acordo com o exposto acima, a esperança cristã inclui uma vitória sobre a morte. O apóstolo Paulo condensa todo ensino das escrituras numa declaração ao final de sua grande passagem sobre a ressurreição: "O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Co 15.56, 57). Disso deduzimos: 1) que a morte física era uma parte da pena pelo pecado; 2) que para os que não participam na salvação de Cristo a pena permanece; 3) que no caso do cristão, mesmo que o organismo sofra a alteração que chamamos morte, no entanto já não é morte no sentido penal, é transformada e chega a ser uma vitória espiritual; 4) por último, a vitória sobre a morte nos é assegurada apenas pela ressurreição de Cristo da morte e de sua comunicação de vida a nós. D . Oestado intermediário Sobre o assunto do estado intermediário pouco se obtém com a especulação. Os ensinamentos das escrituras sobre o assunto não são numerosos, mas são claros e suficientes. Deixam muitos problemas sem solução, mas asseguram os pontos principais. Faremos primeiro uma revisão dos ensinamentos do Novo Testamento e logo um resumo dos resultados. A palavra hades, como é empregada no Novo Testamento, eqüivale praticamente à palavra sheol do Antigo Testamento. Significa apenas a morada dos mortos. Hades não é o paraíso; nem é a geena. Pode ser qualquer desses dois, mas não deve ser identificado a qualquer um deles. O uso da palavra hades não diz por si mesmo se o que entra nele desce à miséria ou sobe à felicidade. Pode ir a qualquer direção. Jesus entrou no hades (At 2.31). Assim também o fez o rico da parábola (Lc 16.23). Por isso, o hades é representado no Novo Testamento como uma região separada da vida presente na qual entram todos os mortos. Mas o Novo Testamento vai mais além. Tem ensinamentos positivos referentes ao estado dos mortos. Consideremos alguns dos mais importantes desses ensinamentos em sua relação com o estado dos mortos justos. 1. Os mortos justos Em Mateus 22.32 Jesus diz, referindo-se a Abraão, Isaac e Jacó: "[Deus] não é Deus de mortos, mas de vivos". Declara que Lázaro "foi levado pelos anjos para o seio de Abraão" (Lc 16.22). Também ao ladrão moribundo d iz:"... hoje estarás no paraíso" (Lc 23.43). A pesarosa Marta, Jesus d iz:"... todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá" (Jo 11.26). Em 2 Coríntios 5.1 o apóstolo Paulo declara que "se nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus". Em Filipenses 1.23 diz que tem "desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor". Em Apocalipse 6.9-11 os espíritos despojados de corpo são representados como estando em um estado consciente e clamando a Deus. Dessas passagens retiramos as seguintes conclusões: (1) Ao morrer, o cristão entra diretamente na presença de Cristo e de Deus, não há uma dilatação grande entre o momento da morte e algum tempo futuro. (2) O estado em que existem ali é um estado consciente. Nas passagens citadas, isso aparece de várias maneiras. Em Romanos 8.38 Paulo declara que nada nos separará do amor de Cristo. Quer dizer que nossa relação moral e espiritual com Cristo há de ser contínua. Isso apenas concorda com a idéia de um período indefinido de comunhão interrompida. (3) Os mortos que estão despojados de seu corpo, e que estão desse modo presentes com Cristo, e estão conscientes, também estão em um estado de felicidade e descanso. Paulo declara que aquela vida é muito melhor que a atual, que é cheia de trabalhos. Em Apocalipse 14.13 é mani­ festado que os mortos que morrem no Senhor são "bemaventurados" e que descansam 'dos seus trabalhos". (4) Não há fundamento no ensino do Novo Testamento para o que se conhece por doutrina do "sono da alma". De acordo com esse ensino, as almas dos mortos ficam em um estado inconsciente até a ressurreição do corpo, quando a alma e o corpo voltam a se unir, e a consciência volta ao indivíduo. Contestando, afirmamos, certamente, que as escrituras se referem à morte como um sono em algumas passagens (por exemplo Dn 12.2; Mt 9.24; Jo 11.11 e 1 Ts 5.10). Mas em nenhuma parte se diz que a "alma" dorme. A referência é feita à personalidade como um todo, e a figura do sono deve ser interpretada em harmonia com os ensinamentos gerais que temos apresentado como doutrina uniforme do Novo Testamento. O sono consiste em não estar consciente do que está ao redor. De modo que a morte é um sono no sentido de que os homens se tornam conscientes de novas circunstâncias e que estão separados das da vida atual. Em uma passagem a idéia da morte como um sono e a da comunhão consciente com Cristo são unidas em uma só declaração. Em 1 Tessalonicenses 5.10 o apóstolo refere-se a Cristo como o "que morreu por nós, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele". (5) Os ensinamentos que se apresentam não autorizam a doutrina católica romana do purgatório. Segundo essa doutrina, só os santos aperfeiçoados escapam dos padecimentos do purgatório. Todos os demais cristãos precisam ser purgados e purificados no purgatório, para que se preparem para a próxima etapa. Fazem-se rogos e missas pelos mortos. Assim, essas diminuem a miséria dos que estão no purgatório. Como já vimos, a melhor resposta a esse dogma é o verdadeiro ensino das escrituras. A crença no purgatório é baseada sobre certos dizeres dos pais da igreja e sobre certas perversões de passagens do Novo Testamento, como 1 Coríntios 3.13,14. (6) O estado intermediário não é o estado final dos crentes. Ele é representado como um estado relativamente imperfeito. O apóstolo Paulo o considerava um estado no qual não estaria vestido, mas nu (2 Coríntios 5.3,4). Ansiava pela ressurreição dos mortos (F13.11). Todos os ensinamentos do Novo Testamento sobre a ressurreição e o estado final dos justos mostram que o estado intermediário não é considerado ideal e final. O homem é corpo assim como espírito, e o estado em que está fora do corpo carece necessariamente de um elemento de perfeição humana que lhe será proporcionado na ressurreição. 2. Os mortos injustos Há algumas passagens que lançam luz sobre o estado inter­ mediário dos mortos injustos. Uma delas citada freqüentemente os representa em uma "prisão" (1 Pe 3.19). Essa, no entanto, é uma passagem difícil de interpretar de maneira satisfatória, e pode ser entendida como uma referência aos que estiveram vivos nos dias de Noé, não tendo nada a ver, de forma alguma, com os mortos. Há outras poucas passagens que não são duvidosas sobre o ponto principal. Na parábola do rico e Lázaro, Jesus diz do rico: "No hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e envia-me Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama" (Lc 16.23,24). Devemos certamente re­ conhecer aqui que estamos considerando uma palavra, e que há muitas dificuldades na interpretação. Mas as verdades centrais são que Lázaro estava em um estado de felicidade consciente e o rico em um estado de padecimento consciente. Também em 2 Pedro 2.9 lemos: "... o Senhor [sabe] livrar da tentação os piedosos, e reservar para o dia do juízo os injustos, que já estão sendo casti­ gados". Assim não temos senão breves vislumbres do estado dos maus no período que há entre a morte e o juízo final: mostram, porém, que estão conscientes e que já começaram a sofrer a pena de sua vida iníqua. E . A segunda vinda de Cristo Em uma seção respondemos a algumas das perguntas fundamentais a respeito da segunda vinda de Cristo. Agora completamos o que se dizia ali com as seguintes declarações. 1. O ensino uniforme do Novo Testamento é que a segunda vinda há de ser um regresso exterior, visível e pessoal de Cristo. Aprendemos que esse é o claro ensinamento do próprio Jesus. E igualmente claro nos ensinos do livro dos Atos e nas epístolas. Em Atos 1.11 lemos: "... Esse mesmo Jesus, que dentre vós foi elevado para o céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir". A frase "assim como" (hon tropon) não expressa apenas a certeza da volta de Cristo, mas também o modo. Como subiu visivelmente, assim voltará visivelmente à terra. Em 1 Tessalonicenses 4.16 Paulo diz: "Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus..." Em 2 Pedro 3.3-12 lemos:"... nos últimos dias virão escarnecedores [...] dizendo: Onde está a promessa da sua vinda?" Em Tiago 5.8 lemos: "Sede vós também pacientes; fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima". E em Apocalipse 22.12 a linguagem é: "Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra". Essas passagens poderiam ser multiplicadas em muito se fosse necessário. Servem para mostrar indiscutivelmente que a esperança de uma volta visível e pessoal de Cristo era comum entre os escritores do Novo Testamento. 2 .0 tempo exato da volta pessoal de Cristo não foi revela Jesus declarou que ele mesmo não sabia o dia nem a hora (Mt 24.36; Mc 13.32). Em Atos 1.7 é apresentado admoestando aos discípulos a que não procurassem saber os acontecimentos futuros: "... A vós não compete saber os tempos ou as épocas, que o Pai reservou à sua própria autoridade". No versículo 8 acrescenta que receberiam poder depois da vinda do Espírito Santo e que seriam suas testemunhas até os confins da terra. Evidentemente, Jesus se interessava mais em que seu povo se dedicasse a seus deveres e tarefas práticos, que a conhecer os pormenores do futuro. 3. Repetimos aqui a declaração feita anteriormente de q Jesus reconhecia, nos acontecimentos da história, várias vindas subordinadas em adição à própria segunda vinda em seu aspecto visível e pessoal. Esse princípio é expresso no evangelho de João em sua promessa de vir por meio do Espírito Santo e fazer sua morada nos discípulos. Aparece em termos inequívocos na declaração que está em Mateus 26.64: "... vereis em breve" isto é, "desde agora" desde o tempo presente, "o Filho do homem [...] vindo sobre as nuvens do céu". 4. A atitude dos escritores do Novo Testamento e dos di pulos em geral foi a de uma expectação constante. Só há diferença de opinião sobre esse ponto entre os que interpretam o Novo Tes­ tamento. Para eles, sua vinda sempre foi iminente. Podia acontecer a qualquer momento, mesmo durante a vida da geração que nesse tempo estava na terra. De acordo com algumas passagens, certos acontecimentos deverão precedê-la. A "apostasia" e a aparição do anticristo, ou o homem do pecado, estão entre eles, segundo ma­ nifestado por Paulo em 2 Tessalonicenses 2.1-12. Alguns opinaram que a doutrina da segunda vinda sustentada por Paulo sofreu uma alteração na última parte de sua carreira, mas não há verdadeira contradição entre as primeiras e as últimas opiniões do apóstolo. As variações da ênfase que encontramos em suas epístolas são ex­ plicadas pelas variações nas circunstâncias em que se encontravam seus leitores e a situação que ele desejava satisfazer. Surge a pergunta: Como, pois, temos de explicar essa expec­ tativa uniforme da proximidade da volta de Cristo? Equivocou-se Paulo? Estavam errados os outros apóstolos? Com freqüência, fazse essa inferência. Mas é uma inferência que deixa de lado certos fatores importantes que são exigidos pelas próprias narrações neotestamentárias. Em primeiro lugar, deixa de lado a diferença entre uma atitude mental e espiritual e um ensino dogmático. Os discípulos esperavam a volta a qualquer tempo. Mas não afir­ maram expressamente que Cristo viria durante a vida deles. A inferência de que Paulo se equivocara também deixa de lado as claras admoestações dadas pelo próprio Paulo (2 Ts 2.1,2) e por Pedro (2 Pe 3.3-12) contra a expectativa prematura da volta de Cristo. Em terceiro lugar, deixa de lado o fato de que essa expec­ tativa da proximidade do regresso obedecia a repetidas ordens de Jesus dadas por ele enquanto esteve na terra. Em várias ocasi­ ões, admoestou os discípulos a estarem vigilantes e em constante expectativa (Mt 24.42; 25.13; Mc 13.35-37). Quando comparamos a palavra de Jesus nessas passagens com o que encontramos nos escritos posteriores do Novo Testamento, ficamos impressionados a concordância entre elas. Se os apóstolos, depois da partida de Jesus, tivessem abandonado o pensamento de seu regresso pessoal, não poderíamos entender sua atitude. Nas passagens já mencio­ nadas, a própria ignorância dos discípulos quanto ao tempo da volta e sua incerteza acerca dela foram o motivo de sua exortação a que vigiassem continuamente. 5. Há pelo menos duas maneiras pelas quais a expectativa do regresso imediato de Cristo serviu às finalidades do reino de Deus entre os cristãos primitivos. Primeiro, foi um incentivo moral e espiritual do mais alto valor. O período foi de grandes provas e sofrimentos. O pensamento da volta de Cristo com poder foi motivo de grande consolo e os inspirou a viver com zelo e devoção. Sempre que conduzia a formas de conduta extravagantes ou fanáticas, essas foram corrigidas rapidamente pelos apóstolos. A crença serviu aos fins morais e espirituais e à utilização da sobriedade e do santo viver. Em segundo lugar, a expectativa da volta de Cristo deu unidade à fé dos crentes. O Cristo que já tinha vindo, foi o Cristo que voltaria novamente. Se Cristo tivesse abandonado o mundo para sempre depois de sua ascensão do monte das Oliveiras, teria havido um grande vazio no futuro de seus discípulos. Qual há de ser o resultado do esforço cristão? Como há de ser o fim da história? Qual é a força dominante na história do mundo? Perguntas como essas teriam sido deixadas sem resposta satisfatória, teriam ficado separadas da doutrina da segunda vinda. Sua volta em glória foi assim uma verdade que estava unida à sorte de seu povo sobre a terra. Para eles, era sempre o Cristo que, mesmo invisível, cuidava dos seus. Esses mesmos princípios se aplicam aos cristãos da atualidade nas distintas circunstâncias do mundo. Qualquer época de indulgência própria precisa do mesmo incentivo para o santo viver. Os especialistas empregaram na vasta engenhosidade árduos labores ao tratar desse elemento da religião de Cristo, como está revelado no Novo Testamento. Mas com freqüência tem havido uma falta notável de discernimento espiritual e de simpatia para com o caráter da fé cristã. Jesus Cristo, como o revelador de Deus e o redentor dos homens, preenche o horizonte da vida cristã, o horizonte do futuro assim como do presente e do passado. O todo da vida pessoal em sua relação com Deus e para com a história tem de ser construído em termos de relação pessoal com o próprio Cristo. F . A questão sobre o m ilênio Existe uma concordância geral entre os intérpretes de que o Novo Testamento ensina um regresso visível e pessoal de Cristo. No entanto, tem havido uma divisão desde o princípio da história cristã sobre a questão do reino de mil anos dos santos de Cristo sobre a terra. Esse período é conhecido como "milênio". A passagem que faz referência específica a ele é Apocalipse 20.1-6. A discussão entre os pré-milenistas e os pós-milenistas é sobre se a segunda vinda de Cristo será antes do princípio do período de mil anos ou depois de terminado esse período. Será impossível tratar dessa controvérsia de maneira adequada. Contudo, podemos indicar os principais pontos e as considerações a favor e contra as respectivas opiniões, e em seguida tirarmos conclusões próprias. Os pré-milenistas sustentam que o regresso de Cristo se dará antes do milênio. O esboço geral dessa crença é o seguinte: (1) Quando Cristo voltar, o mundo em geral estará sobre o poder da maldade. O anticristo terá domínio entre os homens (Mt 24.24, 29, 30). (2) Em sua vinda, Cristo terá uma vitória notável sobre os inimigos e destruirá o anticristo (2 Ts 2.8; Jd 14, 15). (3) Os cristãos vivos serão arrebatados para encontrar ao Senhor no ar (1 Ts 4.17). (4) Haverá uma ressurreição, no princípio do período do milênio, dos mortos em Cristo. Essa é conhecida como a primeira ressurreição (Ap 20.4-6). (5) Então haverá um juízo preliminar das nações vivas, e os santos ressuscitados reinarão com Cristo mil anos (Ap 20.4; Mt 25.31-46). (6) Ao final dos mil anos haverá um novo período de flagrante maldade, porque Satanás, que antes estava preso, será solto (Ap 20.7-10). (7) Em seguida se dará a ressurreição dos maus, e depois terá lugar o juízo final e as sentenças eternas (Ap 20.12-15). Há muitos pormenores que não são indicados no esboço que acabamos de apresentar. É preciso dizer também que os pré-milenistas não estão de acordo entre si acerca de todos os pormenores. Mas os traços principais são substancialmente como indicamos. Há muitas passagens nas escrituras que são citadas como provas. As principais são as palavras de Cristo nos capítulos 24 e 25 de Mateus, e as seções correspondentes em Marcos e Lucas; as passagens em 1 Tessalonicenses 4.13-18 e 2 Tessalonicenses 2.12; a linguagem de Paulo em 1 Coríntios 15.20-24; e Apocalipse 20.1-6. Juntamente com essas são citadas muitas passagens do Novo Tes­ tamento e várias profecias do Antigo Testamento. Fizemos breves referências sobre os pontos anteriores, mas a impressão total é mui­ to mais forte a favor da doutrina pré-milenista quando as grandes passagens a que nos referimos são lidas em sua totalidade. A doutrina pós-milenista também sustenta que haverá um período de mil anos durante os quais o cristianismo triunfará sobre a terra. Esse período de mil anos será o resultado da extensão gradual do evangelho e suas conquistas em todos os campos da vida humana. Ao final desse período, o conflito do bem e do mal será renovado por uma época depois da qual Cristo voltará em pessoa. Então se dará a ressurreição dos justos e dos injustos. Essa será seguida do juízo final e das sentenças eternas. Para apoiar a doutrina pós-milenista são citadas muitas passagens em que a ressurreição de bons e maus parece ocorrer ao mesmo tempo; isso representa íntima conexão com a segunda vinda de Cristo por um lado e o juízo final por outro. O mesmo período de mil anos que precede a esses acontecimentos deriva da passagem que está no Apocalipse 20.1-10. Oferecemos alguns pormenores da interpretação. Mateus 16.27 relaciona a explicação "a cada um segundo as suas obras" com a vinda de Cristo na "glória de seu Pai". Assim também em Mateus 25.31-33 Cristo vem e se assenta no trono de sua glória e julga todas as nações. Em João 5.28,29 declara-se que "vem a hora" em que os que estão nos sepulcros, tanto justos como injustos, serão levantados para serem julgados. Em 2 Tessalonicenses 1.6-10 Cristo é representado como vindo "em chama de fogo", castigando aos maus com eterna destruição diante da face do Senhor. Em 2 Pedro 3.7-10, também o "dia do Senhor" está intimamente relacionado com o juízo dos homens injustos e a destruição da terra com fogo. Em Apocalipse 20.11-15 há um quadro do juízo final, no qual todos os homens aparecem juntos e as sentenças eternas são pronunciadas. 1. Objeções às duas teorias Damos agora um resumo das objeções principais a cada um desses sistemas de interpretação, como são apresentadas pelos que advogam em prol do sistema oposto. Os pós-milenaristas objetam à doutrina pré-milenista por várias razões. (1) Apóiam-se principalmente na passagem de Apocalipse 20.1-10, que pertence à escritura mais poética e figura­ da de todo o Novo Testamento. Além disso, a passagem não afirma que todos os mortos em Jesus se levantarão e reinarão com ele, mas somente os mártires que "foram degolados por causa do testemunho de Jesus". Também, argumenta-se que a "primeira ressurreição" pode se refe­ rir aqui à ressurreição espiritual, que aparece com muita freqüência nos dizeres de Jesus, de João e de Paulo; as­ sim, infere-se que toda a passagem pode ser uma repre­ sentação simbólica do triunfo dos princípios espirituais durante um longo período. (2) Objeta-se também que a doutrina pré-milenista deixa de lado todas aquelas passagens em que se declara que a ressurreição e o juízo dos justos e injustos ocorrem simultaneamente. (3) Assim também deixa de lado as numerosas parábolas e outras passagens em que o progresso do reino sobre a terra é representado como verificando-se gradualmente, e não por repentinas catástrofes. Como o dr. J. B. Thomas expressou: "O reino do céu é semelhante a um grão de mostarda, e não como uma caixa de nitroglicerina". (4) Argumenta-se também contra o pré-milenismo que im­ plica dificuldades insuperáveis com respeito à nature­ za do reino de Cristo. Os santos ressuscitados vivem e reinam sobre a terra juntamente com as gerações que nascem e passam a vida natural de maneira comum. Assim, são introduzidos alguns elementos incongruentes e contraditórios. (5) A doutrina tende a uma obra superficial na qual susten­ ta que o evangelho há de ser pregado meramente como "testemunho" a toda as nações antes que venha Cristo. A frase é bíblica, mas seu significado como uma procla­ mação arrabatadora, simplesmente é negado. (6) A doutrina tende ao pessimismo ao ensinar a crença de que o mundo se tornará cada vez pior até a volta do Senhor. Assim é destruído o motivo que inspira a realizar o mais alto esforço. (7) Tende a por demasiada ênfase sobre uma só verdade, com as conseqüências inevitáveis de se dar pouca ênfase a outras verdades; e a outra conseqüência, há de tornar esse assunto um motivo de divisão entre os cristãos, e às vezes conduz a uma tendência, à extravagância e ao fanatismo. Os pré-milenistas também objetam vigorosamente à doutri­ na pós-milenista por vários motivos. (1) Deixa de lado o significado claro e óbvio de Apocalipse 20.1-10, assim como as outras passagens que foram citadas a favor da doutrina pré-milenista — duas ressurreições e dois juízos. (2) Ignora aquelas passagens que mostram que a maldade estará florescendo ainda sobre a terra quando Cristo voltar. (3) Elimina o ensino referente ao anticristo. A passagem em 2 Tessalonicenses 2.1-11 mostra que o mal paulatinamente chega a seu ápice no anticristo e proíbe o conceito de um período de mil anos do triunfo do evangelho antes da vinda de Cristo. (4) Deixa também de lado passagens que representam o pro­ gresso do reino por meio de certos acontecimentos extra­ ordinários, tais como 1 Tessalonicenses 5.1-3, a parábola das virgens, e outras várias passagens. (5) Deixa também de considerar um grande número de profecias do Antigo Testamento que se referem a um reino glorioso de Cristo sobre a terra, abrangendo a restauração de Israel e outros resultados importantes. (6) Deixa de lado a distinção entre o juízo das nações em Mateus 25.31-46, e o juízo final do grande trono branco em Apocalipse 20.11-15. (7) Por último, argumenta-se, que a doutrina pós-milenista não dá nenhum lugar à atitude espiritual do cristão para a expectativa neotestamentária do regresso de Cristo. Porque se aquele regresso se difere até o fim de um período de mil anos, inevitavelmente desaparecerá da experiência viva dos crentes como um fator potente na vida e na devoção. Aqui as opiniões se chocam fortemente. O pós-milenista afirma que a opinião oposta compromete a veracidade de Deus, porque incitou a expectativa constante de um acontecimento que ele sabia desde o princípio não se daria por mil e novecentos anos. O pré-milenista responde que a sabedoria de Deus é comprometida ainda mais pela ordem de esperar constantemente a vinda de Cristo, unido ao ensino de que mil anos de triunfo evangélico deve precedê-la. 2. Conclusão Há numerosos pontos subordinados da controvérsia que não mencionamos na revisão anterior. Mas os pontos principais foram indicados. Podemos agora manifestar nossa própria conclusão. Da seguinte maneira: Primeiro, a passagem em Apocalipse 20.1-10 foi tratada como muito importante por ambos os lados na controvérsia sobre o milênio. Tomando-se literalmente em todos os pormenores, parece ensinar em parte, sem dúvida, a teoria pré-milenista. Mas limita o número de santos que reina com Cristo, somente mártires. Também se apresenta uma dúvida quanto ao lugar do reinado de mil anos. Em nenhuma parte da visão (v. 4-10) é dito que esses santos mártires reinam com Cristo sobre esta terra por mil anos. Quem vê não diz onde ocorre. Em todas as partes do livro do Apocalipse, João passa livremente do céu à terra e da terra ao céu. As visões são simbólicas no mais alto grau em combinação com elementos que são também literais. É pelo menos arriscado fazer com que uma só passagem determine a interpretação de uma grande série de passagens que não são simbólicas nem altamente figuradas em sua forma. No entanto, ambas as escolas fazem isso. O milênio é o assunto central. Tudo depende deste. Segundo, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento ensinam o triunfo final do reino de Cristo sobre a terra. É possível apenas que alguma coisa seja mais clara que essa, mesmo no livro do Apocalipse. Todas as partes da visão movem-se gradualmente através dos conflitos para o resultado final, a descida da cidade de Deus a esta terra. Mas não se encontrou ainda nenhum sistema de interpretação que possa decifrar com êxito todos os pormenores. A mensagem do livro é o triunfo final. Inspirados por essa esperança e visão podemos enfrentar nossas tarefas como cristãos. Terceiro, tanto a teoria pré-milenista como a pós-milenista possuem muitos problemas insolúveis. O pós-milenista certamente tem uma tarefa impossível quando procura encontrar um lugar em seu conceito do futuro para a atitude neotestamentária de constante expectação da vinda de Cristo. O pré-milenista sobrecarrega tanto seu programa do futuro, que pode titubear sob o peso da carga. Ambos fazem com que uma grande massa de passagens literais estejam subordinadas e sejam tributárias de uma só passagem num contexto simbólico, em um livro que é altamente figurado. Quarto, um só acontecimento ocupa o lugar central na visão do futuro em todas as partes do Novo Testamento, desde Mateus até o Apocalipse. Esse acontecimento é a segunda vinda de Cristo. Tudo o mais está subordinado e é tributário daquele. Lado a lado com ele, há descrições de crescimento gradual e de repentinas catástrofes no reino vindouro. Há vindas nos acontecimentos históricos, e a única grande vinda. Há grandes demoras e grandes padecimentos, e há triunfos gloriosos e repentinos. Não há dúvida alguma de que haverá ao menos uma ressurreição, um juízo e um reino eterno. Não há clara garantia de que deve haver mil anos de perfeita piedade sobre a terra antes que Cristo volte. Não há clara certeza de que reinará literalmente sobre a terra com todos os santos ressuscitados mil anos antes do juízo final. Em quinto lugar, segue-se que os cristãos devem cultivar a atitude neotestamentária da expectação. Devemos estar sempre esperando a vinda do Senhor porque ele o mandou, e porque o amamos e confiamos nele, porque o futuro seria vazio sem ele. Ele é a chave que abre para nós as coisas ocultas dos séculos vindouros. Mas não devemos nos deixar absorver em cálculos e especulações apocalípticas. Não devemos estar tão seguros do programa do futuro não revelado, que comecemos a maltratar nossos conservos porque eles não aceitam nossa interpretação particular (Mt 24.49). Não devemos procurar fixar datas nem insistir muito sobre os programas detalhados. Devemos ser fiéis em todo detalhe do dever. Devemos sempre vigiar contra a tentação e rogar a Deus que nos dê forças divinas. Devemos cultivar uma paixão pela justiça, individual e social. Devemos trabalhar enquanto é dia, sabendo que vem a noite, quando nenhum homem pode trabalhar. Devemos estar tão ansiosos da vinda de nosso Senhor, que vindo ele amanhã não nos surpreendamos. Devemos nos manter tão refreados, que se sua vinda fosse atrasada mil ou dez mil anos não nos decepcionemos. E nosso coração deveria estar sempre cheio de alegria pela perspectiva de sua vinda e o triunfo seguro de seu reino. G . A ressurreição A ressurreição do corpo é um tópico essencial na doutrina neotestamentária das últimas coisas. Já vimos como chegou a ser KQQ claramente reconhecido nos períodos posteriores da revelação do Antigo Testamento (Is 26.19; Ez 37.1-14; Jó 14.12.15; Dn 12.2). Em seguida faremos uma breve apresentação das passagens neotestamentárias. O ensino mais explícito de Jesus é em resposta aos saduceus que negam a ressurreição do corpo. Isso aparece em todos os evan­ gelhos sinóticos (Mt 22.23-33; Mc 12.18-27; Lc 20.27-40). Logo Jesus diz aos que lhe perguntavam "quanto à ressurreição dos mortos" que estavam em erro, pois não conheciam "as escrituras nem o poder de Deus". Então cita Êxodo 3.6. Deus diz: "Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó". Em seguida, Jesus acrescenta: "Ora, ele não é Deus de mortos, mas de vivos". Outras passagens mostram claramente a doutrina da ressurreição, tais como Mateus 8.11; Lucas 13.28,29. No quarto evangelho percebe-se o mesmo ensino. Ali se ensina a ressurreição espiritual, junto com declarações explícitas acerca da ressurreição do corpo. Passagens notáveis são 11.23-26, em que Jesus declara a Marta que ele é "a ressurreição e a vida", e 5.25-29, em que Jesus prediz a ressurreição dos justos e dos injustos: "... porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição de vida, e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo". No livro de Atos a doutrina da ressurreição de Jesus está estabelecida em toda as partes como um fato fundamental do evangelho, e junto com ela está a doutrina da ressurreição dos homens em geral (At 1.3; 2.30-33; 17.18; 22.7-9; 24.15). Na última passagem o apóstolo Paulo anuncia explicitamente a ressurreição "tantos dos justos como dos injustos". Comumente nas muitas passagens de suas epístolas, ao tratar da ressurreição, Paulo está falando dos crentes. Mas não há evidência convincente de que, como afirmaram alguns, ele teria negado a ressurreição dos in­ justos. Toda a evidência que temos indica o oposto. Nas epístolas, a ressurreição ocupa bastante espaço nos ensi­ nos de Paulo. É discutida em diferentes aspectos e se pressupõe em toda sua exposição da vida espiritual em Cristo. Só nos é preciso apresentar os principais pontos de sua doutrina. A ressurreição de Cristo é a pedra angular de seu ensino. Cristo foi "declarado" como o Filho de Deus com poder pela ressurreição dentre os mor­ tos" (Rm 1.4). A ressurreição de Cristo é a base da esperança cristã e a garantia da ressurreição de todos os que estão em Cristo. O capítulo 15 de 1 Coríntios está dedicado a esse grande tema. Paulo também declara repetidas vezes que todos os crentes estão agora vivendo uma vida ressuscitada no sentido espiritual da palavra (Ef 2.5,6; Cl 2.20; 3.4). Em Romanos 8.11 declara que o fato de que o Espírito Santo habita atualmente nos crentes é a garantia de sua ressurreição. A presente ressurreição espiritual e o levantamento futuro do corpo são concebidos como um procedimento conti­ nuado. Em harmonia com isso, fala de alcançar a "ressurreição dentre os mortos" por meio de sacrifício e lutas espirituais. Em Romanos 8.19-24 Paulo declara que a própria natureza, isto é, a criação à parte do homem, participará da glória da ressurreição. A natureza geme e espera a ressurreição, "a redenção do nosso corpo" (Rm 8.23). Em harmonia com essa doutrina da ressurreição nos quatro evangelhos, em Atos e nas epístolas de Paulo, está o ensino dos outros livros do Novo Testamento. Consideremos depois duas perguntas acerca da ressurreição, uma quanto ao espírito, a outra quanto ao corpo. A primeira é esta: Não podemos interpretar o ensino do Novo Testamento como uma maneira viva e figurada de declarar simplesmente a vida continuada do espírito, ou o que queremos dizer normalmente com a imortalidade da alma? A resposta tem de ser uma negação decisiva. A crença comum dos judeus quando Cristo falou proíbe essa interpretação. A diferença entre os fariseus e os saduceus era clara. Os primeiros afirmavam e os outros negavam a ressurreição. A afirmação de Cristo sobre o assunto não poderia ter significado meramente a continuada existência espiritual da alma. Paulo refuta aos que afirmam que "a ressurreição é já passada" (2 Tm 2.18), mostrando assim que o corpo, e não apenas o espírito, tinha parte na ressurreição segundo 1 Coríntios 15.44. Ao dizer isso, só pode se referir a um corpo adaptado ao espírito em um estado aperfeiçoado, um corpo que seria um instrumento perfeito do espírito. Em geral, podemos acrescentar que não há base alguma no Novo Testamento para o conceito da filosofia grega, que tendia a menosprezar o corpo por ser feito de matéria, e a insistir simplesmente sobre uma vida incorpórea do espírito no futuro. A natureza humana, como um todo, em seus dois aspectos, como são o corpo e o espírito, é o conceito bíblico da verdadeira vida. A segunda questão está relacionada com o corpo. Como é o corpo ressuscitado? Passa por quais alterações? O corpo morre e é sepultado; ou é queimado; ou é lançado no mar. Suas partículas são disseminadas em todas as direções. Volta a reaparecer na ve­ getação ou em outras formas materiais. Nossos corpos se alteram continuamente mesmo antes da morte. Todo o tempo estamos nos desfazendo do velho corpo e formando um novo pelos pro­ cedimentos da vida. Por esses fatos, torna-se claro que o corpo da ressurreição não é idêntico nas partículas materiais com o corpo atual, ou com o corpo que é depositado no sepulcro. Como então temos de conceber o corpo da ressurreição? Cria Deus um corpo inteiramente novo? Ou constrói o espírito do homem um novo corpo para ele depois da morte? Ou possuímos semelhante corpo dentro do corpo atual? Aqui estamos em terreno especulativo. As escrituras exibem um refreamento e reserva normais nesse assunto. Não há afirma­ ções que sejam negadas por algumas das dificuldades sugeridas. Não há ninguém que dissipe toda nossa ignorância. Um brilhante raio de luz penetra o véu e vemos o suficiente para nos assegurar e nos consolar, mas não temos nenhuma vista geral do mundo futuro. A discussão de Paulo no capítulo 15 de 1 Coríntios traz as seguintes afirmações: (1) o novo corpo será um "corpo espiritual" como contrastado com o corpo presente natural e perecível. Será perfeitamente adaptado às necessidades de nosso espírito. Nosso espírito estará perfeitamente revestido. (2) Esse corpo espiritual será bem diferente do corpo atual. Contrasta o "simples grão" de trigo que é semeado, com o talo de trigo que sai dele. O ponto de contraste está entre a mortalidade e a corrupção do corpo como o conhecemos agora e a imortalidade e a glória do corpo ressuscitado. O corpo ressuscitado de Cristo com seu poder para efetuar movimentos rápidos desaparecendo e voltando a aparecer, isento das leis comuns do tempo e do espaço, sugere a natureza do contraste. (3) E, no entanto, há uma conexão entre o velho e o novo corpo. "Semeia-se", "é ressuscitado". Qual é a conexão, não sabemos. 1. Resumo do ensino do Novo Testamento O que foi dito acerca da ressurreição passaremos a resumir nas seguintes afirmações gerais, baseados sobre uma correlação e comparação das passagens pertinentes do Novo Testamento. Primeiro, a ressurreição de Cristo é o fato histórico que determina todas as declarações doutrinais acerca da ressurreição. A religião cristã em sua forma atual começou a ser uma força regeneradora e recriadora quando Jesus se levantou da morte. O primeiro evangelho se relacionou com Jesus e com a ressurreição. Em segundo lugar, a ressurreição dos corpos dos crentes veio a ser um artigo de fé dos cristãos primitivos pela dupla razão de que Jesus teria ressuscitado, e de que, como o Senhor ressuscitado teria manifestado seu poder na experiência de seus discípulos. A esperança da ressurreição chegou assim a uma crença que não podia ser separada das outras. Não podia ser deixada de lado sem trazer prejuízo vital a todo sistema de fatos e forças a que pertencia. Em terceiro lugar, a ressurreição presente e espiritual era considerada fato preliminar à ressurreição final do corpo. As duas estiveram sujeitas em uma unidade indissolúvel. O Espírito Santo já teria tornado os crentes vivos em Cristo. O ápice de sua obra divina seria manifestada em corpos ressuscitados e glorificados. Quarto, para o apóstolo Paulo a combinação desses dois pensamentos, a presente ressurreição espiritual e a do corpo mais tarde, conduz ao pensamento da ressurreição do corpo como coisa que deveria ser alcançada. Em Filipenses 3.7-16 declara que sofre a perda de todas as coisas para "ganhar a Cristo", e seja "achado nele", "para conhecê-lo, e o poder da sua ressurreição", participando "dos seus sofrimentos, conformando-me a ele na sua morte, para ver se de algum modo posso chegar à ressurreição dentre os mortos". Certamente, não temos de entender que o apóstolo duvidava da ressurreição do corpo; nem que ele esperava ganhá-la por seus méritos. Simplesmente está pensando na ressurreição do corpo como o último passo em um processo moral e espiritual. A união mística com Cristo, a atual vida de ressurreição, tem seu próprio alvo, que é a ressurreição do corpo. Para Paulo, o poder que operava nele tem de ser entendido como se movendo para um fim que está em harmonia consigo mesmo. Assim, a ressurreição do corpo esteve implícita, por assim dizer, na lógica da vida em Cristo. A experiência exige a ressurreição como seu fruto e meta. Quinto, a ressurreição do corpo esteve implícita na primeira criação. "Se há corpo animal [natural]", diz o apóstolo, "há também corpo espiritual. Assim também está escrito: O primeiro homem, Adão, tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, senão o animal; depois o espiritual. O primeiro homem, sendo da terra, é terreno; o segundo homem é do céu [...] E, assim como trouxemos a imagem do terreno, traremos também a imagem do celestial" (1 Co 15.44-49). Nessa passagem, parece evidente que Paulo pensa na primeira criação como um grau em um plano que se adianta para um fim mais elevado. O pensamento de Deus não se realizou plenamente na criação de um corpo perecível para um ser imortal. Um organismo espiritual era exigido para um espírito divinamente dotado. Em Cristo, o novo cabeça da humanidade, é alcançado um novo nível tanto para o corpo como para o espírito. Por meio dele, o homem participa agora da vida de ressurreição em seu espírito. Para corresponder a isso, terá em seu devido tempo um corpo que possua as mesmas qualidades. Então a nova criação em Cristo corresponderá em ambos os aspectos com a primeira criação em Adão. Em sexto lugar, a própria natureza física está relacionada intimamente com a esperança na ressurreição dos cristãos. A passagem de Romanos 8.19-25 declara que a "ardente expectativa" da criação aguardava a manifestação dos filhos de Deus; que "a criação ficou sujeita à vaidade"; e isso "não por sua vontade"; que essa sujeição foi "na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus"; e também que o alvo ao qual se dirige é "nossa adoção, a saber, a redenção do nosso corpo". Essas palavras sugerem que há um ajuste defeituoso entre os filhos de Deus e o mundo de Deus. O verdadeiro fim da natureza está embargado por causa dessa falta de harmonia que se deve ao pecado. E como se a própria natureza desejasse chegar a ser o instrumento completo e idôneo para a promoção e o bem-estar dos filhos de Deus; como se protestasse contra a atual situação anormal; como se procurasse penetrar no futuro com "ardente expectativa" da glória vindoura. Aqui, em sua doutrina, o apóstolo ultrapassa toda forma de dualismo em sua perspectiva do futuro. A natureza e o espírito não são elementos irreconciliáveis no mundo finito. Em ambos será realizado o propósito da graça que tem Deus, um propósito que não pode ser expresso em termos inferiores à "liberdade da glória dos filhos de Deus". H . Ojuízo As declarações do Novo Testamento com respeito ao juízo final podem ser agrupadas sob os seguintes tópicos: O fato, o juiz, os súditos, o propósito e a necessidade do juízo final. 1. Quanto ao próprio fato não precisamos dizer muito, visto que esse aparece em conexão com cada um dos outros pontos. O princípio do juízo corre através das escrituras desde o princípio até o fim. As primeiras seções do Antigo Testamento, bem como todas as partes do Novo, mostram isto em termos inequívocos. O grande juízo final toma sua forma definida na revelação em Jesus Cristo. É essa que agora vamos considerar. 2. O juiz. No ensino de Cristo e dos apóstolos, Deus é, na­ turalmente, o juiz final; contudo, é Deus em Cristo. Em Mateus 25.32-46 Jesus prediz que ele, o Filho do homem, virá em sua glória, e todos os anjos com ele; que se assentará no trono de sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele; e que os separará como o pastor separa as ovelhas dos bodes. Atos 17.31 declara que Deus determinou um dia no qual julgará ao mundo habitado em justiça, por um varão a quem designou, "e disso tem dado certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos". Em Romanos 2.16 Paulo declara que Deus designou um dia no qual julgará os segredos dos homens "por Cristo Jesus". Em 2 Coríntios 5.10 é declarado que todos teremos que comparecer ante o tribunal de Cristo. (Veja também Hb 9.27, 28; Ap 20.12; Jo 5.22-27; Mt 19.28; Lc 22.28-30; Ap 3.21.) A idoneidade de Cristo para ser o juiz final dos homens resulta em sua dupla relação: com relação a Deus e com relação aos homens. Deus está agora tratando com os homens nele e por meio dele. Os homens chegam a Deus por meio dele. Ele é o caminho, a verdade e a vida para os homens. O que Deus exige dos homens e o que Deus tem vontade de dar aos homens é expresso com suma clareza por meio dele. O Deus invisível e eterno adota assim o modo histórico de manifestação de si mesmo, de sua graça, de sua santidade e de seu poder. Convém pois que o ápice de seu plano encontre expressão na pessoa de seu Filho. Do mesmo modo, Cristo é "o Filho do homem", como João informa. É por isso que ele é o juiz dos homens (Jo 5.27). Como homem, Cristo conhece os homens. Ele foi tentado de todo modo, como são tentados todos os homens, mas sem pecado (Hb 4.15). Assim possui o conhecimento e a empatia exigidos para as decisões eqüitativas e justas a respeito dos homens. 3. Os súditos. Todos os homens deverão ser julgados. passagens que sugerem também que até os anjos maus serão julgados. Em Apocalipse 20.12 declara-se que os mortos, "grandes e pequenos", estão "em pé diante de trono". Todos são julgados (veja também 2 Pe 2.4-9; Jd 6). 4.0 propósito. O propósito do juízo final não é o descobrimen do caráter, mas sua manifestação. Como Paulo expressa: "Porque é necessário que todos nós sejamos manifestos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez por meio do corpo, segundo o que praticou, o bem ou o mal" (2 Co 5.10). Assim também em Romanos 2.5,6 é dito que os homens entesouram a "ira" para si "no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras". Terão de dar conta "de toda palavra fútil" que tiverem falado (Mt 12.36). Também "... nada há encoberto, que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser conhecido" (Lc 12.2). De tudo isso podemos manifestar o propósito da seguinte maneira: julgar significa, literalmente, diferenciar, e disso provém a idéia de separar. No juízo, Deus diferencia entre os justos e os injustos, e separa uns dos outros. Mas isso é feito simplesmente para descobrir ou tornar manifesto o que previamente existia no princípio. Os atos praticados no corpo são tomados como o critério do juízo porque os atos revelam ou manifestam o caráter. Certamente, entende-se que o estado interior é levado em conta. Nada está encoberto para Deus. A união dos homens pela fé em Cristo será um fato primordial que será reconhecido. O grande "ato" a verdadeira "obra de Deus", é que os homens creiam em Cristo (Jo 6.29). Nenhuma outra obra significa tanto como essa. É a obra-mãe, o princípio radical de todas as outras obras. Todas as obras boas que Deus aprova são em séu princípio o resultado dessa. Mas essa não é uma boa obra meritória que compra a salvação. É o dom da graça de Deus. E todas as obras que resultam dela, resultam da própria graça. Os cristãos, pois, não são salvos por obras, mas pela graça por meio da fé. São recompensados segundo o uso que fazem da graça manifestada em obras. 5. A necessidade do juízo. Há aqueles que objetam a id de um juízo final. Eles supõem que os quadros bíblicos do último dia têm por objetivo simplesmente impressionar a imaginação e manifestar vivamente um princípio que deverá ser reconhecido como operando continuamente através de todos os períodos da história. "A história do mundo é o juízo do mundo", segundo um ditado de Schiller. Respondendo a isso podemos dizer que o princípio do juízo está em operação constante. Em um sentido real, a lei moral opera a força de modo inevitável. Sua ação, porém, não é segundo a maneira da lei física. A liberdade humana e o pecado complicaram grandemente o mecanismo da ordem moral, se é permitido usar tal frase. Os corpos se atraem por uma lei física. As alterações químicas procedem de maneira que podem ser expressas por termos exatos. A matéria, a energia e o movimento são invariáveis e sem o desassossego de seus movimentos sob as condições dadas. Se a mente do homem pudesse compreender o universo físico em todo o seu significado como meramente físico e distinto das ações dos seres livres e morais, e se pudesse fazer os cálculos necessários, também poderia predizer desde agora a condição exata em que estará dentro de mil anos. Isso é porque a lei natural rege em todas as formas da matéria. Mas na região das personalidades livres e morais nenhuma certeza semelhante é possível. As vontades humanas são centro de nova iniciativa. Originam novas energias na ordem social. Como más que são costumam produzir muitas complexidades e formas de injustiça. Só outra vontade, e que essa seja divina, pode reajustar essas relações perturbadas e anormais. O juízo final é a expressão cristã desse fato. Podemos dizer, pois, que o juízo é a finalidade exigida pelo reino de Deus em todos os seus aspectos. Vejamos: (1) O juízo é a finalidade para a consciência. A idéia de um dia de juízo resultou do curso da história na vida religiosa nos homens, à medida que o sentido moral se aprofun­ dou. Na religião de Israel alcançou sua mais elevada for­ ma pré-cristã. A consciência no homem é o testemunho da imanente lei moral do universo. Seus veredictos na conduta comum implicam nos veredictos finais daquele que plantou a natureza moral em nós. A consciência é o vislumbre moral que a alma obtém do futuro. O mal agir está acompanhado de um olhar para o futuro pelo qual se vê um juízo horrendo (Hb 10.27). A lei moral escrita em nossa natureza é uma cópia da lei eterna escrita na natureza de Deus. Essa lei imanente em nós implica o juízo. O dia do juízo significa somente que o que está implícito se tornará explícito. (2) O juízo é também uma finalidade para a história. O que opera na consciência do indivíduo opera também na cons­ ciência da humanidade. Os crimes das nações se apresen­ tam tão claramente à luz da consciência como o fazem os crimes dos indivíduos. Os prejuízos que sofrem os ino­ centes quando o poder rege em lugar do direito enchem as páginas de uma grande parte da história humana. A influência póstuma é uma grande parte do poder moral do homem. Sua obra não está acabada quando ele morre, seus feitos vivem depois dele, e viverão na história até que se inaugure a nova ordem que há de seguir ao juízo. A herança e a solidariedade são forças que se deve levar em conta nas sentenças finais dos indivíduos. Do mes­ mo modo, também, a escolha que algumas corporações fazem por baixos ideais e regras imorais, e as liberdades que possuem devem ser aplicadas como princípios de juízo ao tratar com homens em grupos sociais. O lento progresso do ideal moral na história indica o auge que cristalizará as forças que contendem do bem e do mal e efetuará sua separação final. Isso é claro na experiência humana comum. É mais claro ha experiência cristã. No Apocalipse, os santos redimidos são representados como reivindicando a vingança de Deus sobre os malfeitores. Talvez essa exigência moral entre no caráter em sua forma aperfeiçoada, o que não acontece agora. É pedido a nós que perdoemos, e não nos vinguemos. Não há contradi­ ção aqui. Mas os santos aperfeiçoados participam mais completamente da reação divina contra o pecado. Todas as naturezas moralmente vigorosas participam dessa qua­ lidade em grande medida. Uma contemplação da história como um todo a aprofunda em tudo. Um apogeu que efetuará um juízo adequado parece muito adequado. (3) O juízo é uma finalidade para a religião teísta do mundo. Se Deus é uma pessoa; se está em relações morais com os homens; e os homens são personalidades morais em relação com Deus; se, enfim, vivemos em um universo de liberdade e obrigação, a vindicação de seu modo de conduzir-se com os homens faz necessário um juízo final de todos os assuntos. Não estaria de acordo com seu caráter desatender o desejo que a alma humana tem de entender algo do universo moral. O panteísmo nos reduz ao nível das coisas. Somos, segundo ele, fenômenos passageiros, como as plantas e as flores, o produto de uma substância eterna, ou força sem dignidade moral. Mas o teísmo nos põe sobre um pedestal mais elevado. Reflitamos a inteligência eterna e os anseios morais. Pois bem, se a filosofia generaliza os fatos nus apresen­ tados em qualquer dado momento, nos dá um dualismo ou um pluralismo de forças que contendem, sempre estão lutando entre si por domínio. Semelhante generalização destrona a Deus. Mas se reconhecemos o propósito do sentido moral em nós, na experiência cristã, na história e na religião teísta do mundo, esperamos uma solução mais elevada. A teologia implica juízo. Podemos ilustrálo com os princípios do progresso e da unidade na lite­ ratura e na arte em geral. O reino de Deus é como um grande drama. Avança para um apogeu. Todas as linhas do desenvolvimento, que aparentemente estão soltas, são lentamente reunidas e entrelaçadas. A unidade do todo é vista apenas no resultado final. Sem o apogeu, o drama não tem significado. E o mero movimento sem progres­ so. O livro do Apocalipse, ainda que obscuro de certo modo, é, não obstante, a expressão dramática no reino moral. E é uma expressão que não pode se equivocar. O mal toma muitas formas. Subjugado em uma forma, volta em outra. A besta, o falso profeta, a mulher má, a cidade má, aparecem de tempos em tempos. O fim é a vitória, a derrota do mal, o juízo e a separação entre os bons e os maus, a descida da nova Jerusalém, a habitação de Deus com os homens. Em conclusão, pois, afirmamos que no reino de Deus o juízo opera constantemente como um princípio imanente no progresso da história. Expressa-se em um processo gradual. Mas também se expressa em acontecimentos extraordinários e grande apogeu. Em ambos os aspectos, o juízo está em íntima concordância com a natureza do homem, e o curso da história em outros aspectos. O processo lento, seguido da repentina revolução; o princípio, a subida para a meta, o apogeu, e logo um novo princípio, uma nova subida, um novo apogeu. Esses são processos conhecidos na história. O juízo final é a expressão bíblica desse princípio no reino moral. I. O s estados finais: o céu A revelação do Novo Testamento com referência ao céu e ao inferno é notável por algumas coisas. Uma das quais é sua reserva e moderação. Nenhuma resposta se dá às muitas perguntas curiosas que a natureza humana faz. Outra é o caráter simbólico das representações. Empregam-se muitas expressões figuradas que são bastante claras no princípio implicado, mas não são claras quanto à significado do princípio aplicado aos pormenores da vida e da conduta. A revelação é também notável por suas qualidades morais e espirituais, que lhe refletem em todas as representações, e pela ausência total da apelação à nossa natureza baixa e egoísta. Consideremos, em primeiro lugar, a revelação quanto ao céu. Pode-se resumir nas duas idéias de meio ambiente e caráter, os aspectos exteriores e os interiores. Consideremos esses pela ordem. Quanto ao meio ambiente em que se encontraram os redimi­ dos, a linguagem pode expressar apenas sua beleza e glória. Em muitas das profecias do Antigo Testamento, há belas descrições de uma era futura quando a natureza há de ser renovada e há de ter um novo céu e uma nova terra nos quais habitará a justiça (Is 65.17; 66.22). Vimos como Paulo expressa esse pensamento em seu ensino referente à afinidade da natureza com as lutas do homem e a sua final renovação, em harmonia com a ressurreição e a gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8.18-25). No livro do Apocalipse há a mais bela de todas as representações do céu, sob o símbolo da Nova Jerusalém, a cidade de Deus que desce do céu à terra (Ap 21.1; 22.5). O fundamento dessa cidade é "um novo céu e uma nova terra" (21.1). Disso podemos deduzir com mais ou menos certeza as seguintes inferências: em primeiro lugar, o céu será um lugar, e não meramente um estado interno. Isso é fortemente confirmado pelo fato de que Cristo tem um corpo ressuscitado e glorificado, e que nós também teremos corpos semelhantes ao dele; e por suas palavras em João 14.2: "... vou preparar-vos lugar". Segundo, in­ ferimos, com menos certeza, que essa terra pode ser o lugar final dos redimidos. Até onde a escritura lança luz sobre a localidade do céu, parece indicar isso. Os mansos "herdarão a terra" (Mt 5.5). A cidade celestial desce á terra. Um futuro interminável de atividade e crescimento exigirá amplo espaço para nossos potenciais. Muito possivelmente o universo físico, como um todo, será nossa herança. Mas aqui precisamos falar com prudência porque não há decla­ ração explícita para nos guiar. Em terceiro lugar, inferimos que a morada exterior dos filhos de Deus estará perfeitamente adap­ tada a seu caráter aperfeiçoado. Todos os símbolos empregados para descrever o aspecto exterior são ricos em sugestões morais. O ouro e as pedras preciosas sugerem valores morais; as vestiduras brancas sugerem a pureza; as folhas sugerem a sanidade; a água simboliza a vida; as colunas no templo sugerem a estabilidade do caráter; as coroas simbolizam a vitória; a luz sugere a presença de Deus; uma cidade sugere uma ordem social ideal; esses e outros muitos símbolos fazem ressaltar todas as fases da perfeição moral. Para dar ênfase a isso, é excluída qualquer coisa "impura", ou todos os que praticam "abominação ou mentira" (Ap 21.27). O aspecto interior do céu é apresentado em formas q satisfazem todos os desejos e lutas humanas pelas coisas mais elevadas e melhores. A natureza do homem como redimido, como um digno filho de Deus, é satisfeita. Podemos agrupar esses ensinamentos sob os seguintes tópicos: O céu como alívio, como prêmio, como realização, como apreciação e como crescimento interminável. 1.0 céu é representado como um alívio de todas as condiçõ desagradáveis e duras da vida. Todo pesar, lágrimas e dor, toda pena e padecimento, toda obscuridade e morte passarão. Em certas passagens de delicada ternura Deus é representado expulsando todas estas coisas:"... e Deus mesmo estará com eles. Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor..." (Ap 21.3,4). Esse é o aspecto negativo do céu. Seu desígnio é o de representar o cumprimento do destino humano liberto de todas as condições que fazem com que a vida seja difícil de suportar. Mas esse alívio vem pelo mistério direto de Deus de maneira que faz indizivelmente a gratidão e inspira amor e devoção. 2. O céu é uma recompensa. Esse é o lado positivo do cé Em várias passagens do livro do Apocalipse surge a idéia da re­ compensa. Assim também em algumas passagens dos evangelhos e das epístolas. O galardão será de acordo com as obras. Disso se segue que nem todos os galardões serão iguais. Na parábola do nobre que deixou dez minas com três servos (Lc 19.12-27) apren­ demos que o galardão corresponde à fidelidade e ao trabalho. Os galardões foram cinco cidades e dez cidades no caso de dois servos. E o homem que guardou sua mina no lenço foi privado do que tinha. Também na parábola dos talentos (Mt 25.14-30) os prêmios correspondem aos dons naturais de habilidade. Isto se faz claro nas palavras "a cada um segundo a sua capacidade" (v. 15). Do mesmo modo, na parábola dos trabalhadores e dos denários (Mt 20.1-16), os prêmios são conforme a oportunidade. Os servos da décima primeira hora recebem uma soma igual à que recebem os outros. Apenas a falta de oportunidade os im­ pedem de fazer um serviço igual ao dos demais. Assim também 1 Coríntios 3.14,15 Paulo representa a alguns como salvos "como que pelo fogo" porque não fazem serviço fiel. O princípio dos graus ao recompensar e castigar está estabelecido claramente no ensino do Novo Testamento. Nos capítulos 2 e 3 do Apocalipse os galardões do céu são manifestados de formas diferentes. Todos são prometidos aos vitoriosos: "A quem vencer". Entre essas pro­ messas vemos as seguintes: "comer da árvore da vida" (Ap 2.7); vitória sobre a "segunda morte" (2.11); o privilégio de comer do "maná escondido" (2.17); "autoridade sobre as nações" (2.26); será "vestido de vestes brancas" (3.5); será feito "coluna no templo" de Deus" (3.12); se assentará com Cristo sobre seu trono (3.21). As recompensas são manifestadas de várias formas, de acordo com as várias formas da luta humana. 3. O céu é uma realização. Isso significa o cumprimento todas as atividades e aspirações do espírito que não foram ante­ riormente realizadas, absoluto domínio satisfatório, em alguém, de todas as capacidades de relações espirituais. A vida frustrada e contrariada, que era, não obstante, moral e espiritualmente vi­ toriosa, realiza suas aspirações. A "pedra branca" que Cristo dá, o que tem escrito sobre si "um novo nome [...] o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe" indica provavelmente a plena realização da personalidade (Ap 2.17). O nome anterior não cor­ responde ao novo caráter. Assim também tem sua completa realização todas as formas de aspiração: a plenitude do conhecimento (1 Co 13.8-10); o serviço ideal (Ap 22.3,4); o culto ideal (Ap 21.22); a perfeita comunhão com Deus (Ap 21.3); o perfeito companheirismo em uma sociedade ideal (Hb 12.22, 23; Ap 7.4-11); a santidade do caráter realizada (Ap 3.5; 21.27); tem-se a plenitude de vida (Mt 25.46); há associação e companheirismo com Jesus Cristo (Jo 14.3; Ap 3.21; 5.12; 13 e 7.17). Cristo é representado como a figura central nos quadros no céu. Suas relações conosco como redentor o unirá conosco para sempre por meio de vínculos sumamente íntimos de união e companheirismo. 4. O céu é uma estima. Se buscarmos as qualidades mais características do céu, uma das mais centrais e importantes é a estima. Certamente isso quer dizer o amor. Mas é um aspecto particular do amor que justifica a ênfase. Jesus disse que o que recebesse a um profeta no nome de profeta receberia o galardão de profeta (Mt 10.41). Não quer dizer o galardão que o profeta dá, mas o que o profeta receberá. A estima de um profeta levanta alguém a um nível profético, faz com que alguém seja potencial­ mente um profeta. Assim também um serviço feito em nome de um discípulo manifesta estima do caráter do discípulo, e será premiado conforme isso. As palavras de Cristo na cena do juízo causaram surpresa nos discípulos. Eles avaliaram o serviço que haviam feito menos que o próprio Mestre, porque ele apreciava a qualidade moral deles muito mais que eles (Mt 25.37-40). Ao dar as boas-vindas aos seus, não há palavras para culpá-los ou repre­ endê-los. Ele conhece o motivo deles. Sendo fiéis, ele os aceita pelo que procuraram ser e fazer, não apenas pelo que efetuaram. O mesmo pode ser dito em contrapartida. No céu, entoam o cântico de Moisés e do Cordeiro. Estimam a Cristo como digno de todo louvor e honra (Ap 5.9-12). As coroas são postas sobre as frontes dos vencedores. Mas os vencedores lançam suas coroas aos pés daquele que as deu (Ap 4.10,11). Disso, podemos dizer que os galardões do céu estarão ao nível de nossas estimas espirituais. Quanto mais alto for o grau das coisas que estimamos e valoriza­ mos, mais alto será nosso lugar na escala do valor moral. 5. O céu é um crescimento interminável. Paulo declara que agora conhecemos em parte mas então conheceremos como somos conhecidos (1 Co 13.12). Roga para que os cristãos sejam fortalecidos para "compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento" (Ef 3.18,19). Conclui com a oração de que sejam "cheios até a inteira plenitude de Deus" (v. 19). Esse modelo de conhecimento exige crescimentos sem limites. A natureza da mente e do espírito implica uma capacidade que sempre deve ser ampliada. A atividade mental é impossível sem certo grau de ampliação. De outro modo vem a ser, sob a lei do hábito, uma espécie de instinto, o qual chega a ser automático e tende a rebaixar-se ao nível dos animais. A graça abre todas as partes de nossa natureza e intensifica todo anseio que temos das realidades mais elevadas. Alguns objetaram à idéia do crescimento sem fim no céu, alegando que é inconseqüente com a perfeição moral. Argumen­ tam que um ser perfeito não pode ser mais perfeito. E um erro, pois, pensar no céu como um lugar de crescimento ilimitado. A resposta é que a objeção equivoca-se quanto à natureza da per­ feição moral. A verdadeira perfeição moral não é estática. Não é uma aquisição que de repente se completa e chega a ser fixada e final como um cristal. Inclui, sim, a liberdade do pecado, e a conformidade espontânea à lei eterna da retidão. A imagem de Cristo está reproduzida na alma. O redentor habita nela perfei­ tamente por meio do Espírito Santo. Contudo, nunca chega a ser imóvel e fixa. Desenvolve-se e amplia-se. O verdadeiro ideal dos seres espirituais e pessoais é o de uma vida que seja sempre ativa, no entanto, sempre descansando na atividade; que esteja sempre satisfeita e abençoada, e sempre aspirante; que sempre faz aquisi­ ções, e sempre espera outras maiores (Rm 8.24). A esperança é um elemento permanente da vida redimida e isto implica crescimento e aprimoramento sem fim. (1) Os estados finais: o inferno Podemos resumir os ensinos bíblicos quanto ao inferno em quatro declarações gerais: a. O inferno é a negação ou ausência na alma de tudo o que significa o céu. Assim como o céu é o desfrutar de todo bom desejo, assim o inferno é a frustração de todo desejo semelhante. O céu é o cumprimento do amor. O inferno é o cumprimento do egoísmo. O céu é o fruto maduro da vida regenerada que foi criada novamente em Cristo. O inferno é o reverso de tudo o que está implicado na experiência cristã. Assim como as causas morais e espirituais come­ çam a operar pela fé, as quais ao final produzem os elementos essenciais do céu, assim também as causas morais e espirituais operam na alma por meio da incredulidade, para produzir os elemen­ tos essenciais do inferno. A alma do homem está constituída para a obediência à lei moral. Está feita para a comunhão com Deus. Está modelada com o intento de que seja reta. A fé é a única relação normal do homem com Deus. Sendo assim, a incredulidade separa os homens de Deus, destrói a comunhão, paralisa o poder exigido para a obediência e produz antagonismo entre a alma e Deus, e entre a alma e o universo de Deus. O homem ímpio encontra-se assim na estranha situação de estar no universo de Deus, e, no entanto, não é Deus nem servo de Deus. Não há modo de naturalizá-lo na região onde deve viver. O resultado é uma grande guerra sem quartel entre ele e Deus e todas as forças do mundo de Deus. O resultado moral e espiritual é o inferno. É o único resultado racional da incredulidade e do pecado. b. As verdades espirituais implicadas na doutrina do inferno encontram expressão em muitas passagens das escrituras. Na maior parte são expressões figu­ radas e simbólicas e devem ser assim interpretadas. Mas isso não dá a entender que a doutrina bíblica tem a ver somente com estado espiritual. Os cor­ pos ressuscitados dos maus proíbem isso. Não há dúvida de que o estado interior e espiritual sejam fundamentais. Mas o exterior e o interior estão de acordo aqui, assim como no ensino acerca do céu. Há também passagens literais; e podemos estar seguros de que as figuras empregadas naquelas passagens, em vez de expressar demais, expres­ sam pouco da realidade do inferno. As figuras da linguagem usadas aqui não anulam o espantoso destino dos maus. Vejamos alguns ensinos do Novo Testamento. O Antigo Testamento não tem doutrina desenvolvida do inferno. Só os vagos princípios ali são encontrados. Em Mateus 25.41 Jesus diz aos maus "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos". Pa­ rece dar a entender que os homens se condenam a sofrer no lugar preparado não para eles, mas para outros. Num sentido verdadeiro, o homem faz seu inferno. Em outra passagem, Jesus fala dos padecimentos dos perdidos no inferno: "onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga" (Mc 9.48). Em outra passagem, diz que os maus são lançados "nas trevas exteriores" (Mt 8.12). Paulo descreve os maus como padecendo a "ira" de Deus (Rm 2.5). Em Apo­ calipse 21.8 o estado final dos maus é descrito como a "segunda morte," explicada como significando ter sua parte "no lago ardente de fogo e enxofre". c. A terceira declaração é que, assim como há graus nas recompensas dos justos, assim também há graus no castigo dos injustos. O juiz de toda a terra fará justiça. Não devemos ter dúvidas sobre esse ponto. O grau de luz que os homens possuem; o grau de felicidade àquela luz; o uso das oportunidades e poderes de que desfrutam; as circunstâncias que condicionaram a vida deles; em resumo, todo fato que se relaciona com a culpabilidade e a respon­ sabilidade humanas será considerado. Dá-se então que nem todos os maus sofrerão o mesmo grau de castigo. A doutrina dos graus nas recompensas e castigos é uma das doutrinas mais claramente reveladas nas escrituras. Temos visto em sua apli­ cação às recompensas dos justos. É igualmente clara quanto aos castigos dos injustos. Em Lucas 12.47,48 lemos: "O servo o que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites; mas o que não a soube, e fez coisas que mereciam castigo, com poucos açoites será castigado". Um dos discursos mais impressionantes e solenes de Jesus encontra-se em Mateus 11.21-24, em que prenun­ cia os ais contra Corazim, Betsaida e Cafarnaum, porque pecaram contra a luz. Declara que no dia do juízo será mais tolerável para Tiro e Sidom, e ainda para Sodoma, que para essas cidades. A res­ ponsabilidade e o castigo vêm de acordo com a luz e a verdade. Em Romanos 4.15 Paulo diz: "... onde não há lei também não há transgressão". Aqui está manifestando mais um princípio que descreve o estado atual do homem. Por esse motivo, diz-se em outra parte que os homens "... mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência..." (Rm 2.15). Da mesma forma es­ creve: "Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão"-(Rm 2.12). No versículo 6 do mesmo capítulo refere-se a Deus, "que retribuirá a cada um segundo as suas obras". d. Em quarto lugar, a condenação dos pecadores, seja qual for o seu grau de culpabilidade, é interminável. Em Marcos 3.29 Jesus declara que o pecado contra o Espírito Santo não tem perdão para sempre porque, como ele acrescenta, o que o faz é réu de um "pecado eterno". As expressões "onde o seu verme não morre" e "o fogo não se apaga" mostram a mesma verdade. Da mesma forma, o contraste entre o destino dos maus e o dos justos no juízo mostra que a continuidade de um corresponde com a de outro. É "castigo eterno" em um caso, e "vida eterna" no outro (Mt 25.46). J. Teorias que negam a punição eterna Duas teorias que foram promulgadas no passado e perduram até hoje negam o aspecto interminável do castigo futuro. Uma é o aniquilacionismo; a outra, o restauracionismo. Consideremo-las nessa ordem. 1. Aniquilacionismo O aniquilacionismo sustenta que a alma do homem não é naturalmente imortal. Chega a ser imortal apenas mediante a união com Cristo por meio da fé e por receber a vida divina concedida pelo Espírito Santo. Também é conhecida como "teoria da imortalidade condicional". Separada da vida divina recebida com a união com Cristo, a alma, por causa do pecado que nela habita, paulatinamente se deteriora e, cedo ou tarde, deixa de existir. É aniquilada. A teoria foi sustentada de várias maneiras. Uma é que na morte a alma deixa de existir. Outra é que com a concretização do dom de Cristo na oferta da salvação, os homens chegam a ser responsáveis de maneira nova por sua desobediência, e que são guardados em existência até o dia do juízo, quando serão lançados no lago de fogo e enxofre. Uma terceira forma da teoria coloca a extinção do ser no futuro distante, depois do juízo, dando assim tempo para que se sofra o pleno castigo dos pecados. Os principais argumentos bíblicos citados a favor da teoria são as passagens que se referem ao castigo dos maus mediante tais palavras como morte, destruição, perdição, abolição, perecimento e a palavra perdido. (As palavras são phtheiro, apollumi, katargeomai, thanatos, e termos análogos.) Não é necessário citar todas as passagens de que dependem os que aceitam a doutrina de aniquilação. Em 2 Tessalonicenses 1.9 Paulo refere-se ao castigo que vem sobre os iníquos dizendo: "os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder" (veja também 2 Pe 3.7). Essa passagem representa de maneira geral o gênero de ensinos bíblicos que são citados para apoiar a teoria. Afirma-se que "perdição" aqui significa aniquilação. Passagens semelhantes usam as outras palavras a que fizemos referência: extinção, destruição, perecimento, morte. Sendo assim, não se nega que se não houvesse outro ensino geral da Bíblia para refutar essa opinião, e se o significado dessas palavras exigisse que as definíssemos como "aniquilação", haveria bom fundamento para a opinião. Mas nenhuma dessas afirmações podem ser provadas. Tomemos a palavra "destruir" em outra passagem. "Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá..." (1 Co 3.17). Pode isso, por qualquer gênero de construção, significar "Se alguém aniquilasse o santuário de Deus, Deus o aniquilaria?". Consideremos também a palavra "perdido". Jesus se refere às "ovelhas perdidas da casa de Israel", em Mateus 10.6. Pode ele se referir às ovelhas "aniquiladas?" A resposta, pois, à doutrina da aniquilação é a seguinte: (1) Fornecer um significado a determinadas palavras em certas passagens da escritura, que por nenhuma possibi­ lidade deve ser aplicada a elas em outras passagens. Isso é certo com relação a cada uma das palavras que foram citadas para apoiar a teoria da aniquilação. A morte nas escrituras significa a ausência da comunhão com Deus. A perdição significa o estado moral que resulta dessa separação de Deus e da sua santidade. "Destruir" quer dizer vencer ou tornar inoperante. Nas passagens citadas significam castigo, uma forma de desterro da presença de Deus. Quando Paulo se refere ao tempo quando a morte será destruída ou abolida, quer dizer que será inoperante como poder no reino de Deus. A Palavra "perdido" significa separado de Deus sem poder para se restaurar. Em nenhuma passagem, uma dessas palavras significa aniquilar, quando se refere ao futuro dos ímpios. (2) Os ensinos do Antigo Testamento se opõem ao aniqui­ lacionismo. No Antigo Testamento, os mortos não são aniquilados. Estão no sheol, a região dos mortos. Vivem ali uma vaga existência. Todavia, estão conscientes. Não deixam de existir. É muito claro, pelo que já vimos, que a idéia da aniquilação da alma, da morte, é alheia ao Antigo Testamento. (3) O ensino bastante explícito do Novo Testamento, relativo ao destino dos ímpios, refuta a teoria do aniquilacionismo. As frases empregadas o proíbem: "onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga" (Mt 9.48). "... de dia e de noite serão atormentados pelos séculos dos séculos" (Ap 20.10). Essas e outras passagens semelhantes são fatais para a teoria. (4) A idéia da aniquilação também é um conceito metafísico que é alheio tanto ao Antigo como ao Novo Testamento. É duvidoso se qualquer passagem das escrituras pode ser citada em alguma conexão que seja favorável a idéia. Os escritores bíblicos trataram todos os assuntos desse ponto de vista religioso. Todas as teorias especulativas relativas às partes que compõem a alma e a possibilidade de sua desintegração ou sua redução a nada são alheias às escrituras. O aniquilacionismo é um produto da especulação metafísica, não do ensino bíblico. (5) A aniquilação é contrária a todas as considerações racio­ nais e morais que favorecem a imortalidade da alma. A crença comum da humanidade, os desejos e insinuações dentro do homem de ter uma vida mais ampla; em suma, todos os argumentos que foram apresentados a favor da imortalidade natural são opostos ao conceito da imorta­ lidade condicional. (6) A doutrina da aniquilação altera radicalmente nosso conceito da dignidade e grandeza da natureza humana. As escrituras ensinam, e os homens acreditaram, que o homem é feito à imagem de Deus, uma personalidade moral e espiritual; que essa natureza o coloca acima do nível dos animais e lhe dá uma existência natural e imortal. A doutrina da aniquilação rouba essa dignidade e degrada o homem ao nível das feras. Isso é certo sob qualquer aspecto do processo da aniquilação. Tal idéia é concebida como o resultado do poder desintegrador do próprio pecado; ou como o resultado da obra da lei da evolução que também sustenta a sobrevivência do melhor e a destruição do pior; ou como o ato imediato de Deus por causa da culpabilidade do pecado. A primeira idéia não é fiel aos fatos. O pecado não destrói a alma. O pecado crescente, com freqüência, está acompanhado do poder crescente para pecar. A segunda opinião implica uma idéia mais baixa do homem que é a que a Bíblia ensina. A terceira opinião implica que Deus deixa de tratar o pecador como um ser moral, com quem ele trata sobre princípios morais, mas que, na verdade, se vale apenas da onipotência para exterminar alguém que se recusou a obedecê-lo. (7) A doutrina da aniquilação torna difícil de entender a encarnação. Como podemos pensar que Cristo entrasse em uma forma de vida na encarnação, a qual estava em si mesma destinada a perecer? Veio redimir a humanidade ou reconstituí-la? Não há evidência no Novo Testamento de que reconstituísse a natureza humana. Recriou moral e espiritualmente à sua imagem. Não fez do homem um novo gênero de criatura, ainda que o fez uma nova criatura pela graça divina. Em conclusão, não deixamos de apreciar os problemas morais e espirituais que a doutrina da aniquilação quer satisfazer. Todos os homens foram oprimidos pelas perguntas que se relacionam com o destino dos maus na vida futura. Mas a lealdade aos interesses mais elevados nos proíbe permitir que nosso desejo ou nosso protesto contra uma conclusão dada seja convertido em uma doutrina que não tem melhor apoio do que uma vaga especulação metafísica. 2. O restauracionismo Outra teoria acerca do estado futuro é conhecida por "restauracionismo". Foi sustentada de várias maneiras. Uma é que a própria morte produz uma alteração de caráter, que resulta a favor da salvação de todos. Atualmente, essa forma da teoria é raramente defendida por alguns. Outra sustenta que o evangelho é pregado aos espíritos despojados de seu corpo, que morrem sem ouvir o evangelho, e que assim lhes é dada a oportunidade de se arrependerem e voltarem a Deus, e que essa segunda oportunidade acaba no juízo, quando os destinos finais são pronunciados. Uma terceira forma estende a segunda oportunidade até um futuro indefinido. Sustenta que o padecimento e a perda operarão para que os homens se voltem de seus pecados; ou, de outro modo, que Deus se valerá de formas de persuasão mais fortes que as que foram usadas nesta vida. Aqui também existe divergência de opinião. Alguns opinam que como resultado dessa oportunidade estendida alguns serão salvos, ao passo que outros persistirão no pecado e se perderão. Os universalistas, por outra parte, sustentam que no final todos os indivíduos serão salvos. Para apoiar essa teoria, empregaram-se dois gêneros de argumentos. O primeiro cita em seu apoio um número considerável de passagens bíblicas. O segundo edifica-se sobre deduções acerca da natureza de Deus, do homem e do reino moral. (1) Notamos em primeiro lugar as passagens das escrituras. Aqui não procuramos tratar dessas completamente. As mais pertinentes e importantes cumprirão o nosso pro­ pósito. Argumenta-se que a palavra "eterno" (aionios) não significa duração eterna em afirmações que se referem à retribuição futura (Mt 25.41). Significa, ao contrário, au­ sência da qualidade da vida eterna ou divina. Também em João 12.32 Jesus declara: "E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim" indicando que todos os homens serão salvos. Paulo também diz em 1 Coríntios 15.22: "Pois como eu Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados". Isso é tomado como significando a salvação universal. Em 1 Timóteo 2.4, Deus, nosso salvador, é referido da seguinte forma: "o qual deseja que todos os homens sejam salvos e che­ guem ao pleno conhecimento da verdade"; em 1 Timóteo 4.10: "... temos posto nossa esperança no Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem". Há também um grupo de grandes passagens nas epístolas aos Filipenses, Efésios e Colossenses que são citadas em apoio à doutrina do restauracionismo. Em Filipenses 2.9-11 faz-se referência à exaltação de Cristo: "para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai". Em Efésios 1.10 declara-se que o propósito de Deus é o de "fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra". E em Colossenses 1.20 Paulo declara que agradou ao Pai que "por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus". Há também duas passagens em 1 Pedro que, segundo alguns têm suposto, ensinam a doutrina do ministério de Cristo no hades. Em 1 Pedro 3.18-20 o apóstolo refere-se a Cristo nestes termos: "Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca..." Assim também em 1 Pedro 4.6 faz-se referência à pregação do evangelho "aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito". Respondendo à interpretação que os restauracionistas fazem das passagens citadas acima, temos de considerar o seguinte: Admite-se que a palavra grega aionios, traduzida "eterno", às vezes tem um significado modificado no Novo Testamento, especialmente nos escritos de João como em João 17.3, "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste". Mas esse não é o significado original ou inclusivo, mas mais um significado derivado que se originou mais tarde na história da palavra. Uma qualidade da "vida eterna" é que nunca termina; isso, combinado com sua qualidade divina, a faz "vida eterna". Assim, o sentido qualitativo não exclui, mas, ao contrário, exige o quantitativo. Significa duração sem fim. Em 2 Coríntios 4.18 o eterno ou duradouro é contrastado com o temporal ou o transitório. Em Mateus 25.46 o interminável relacionado ao "castigo" e à "vida" é expresso pelo mesmo termo. Por isso, não há modo possível de excluir a idéia do interminável da significado da palavra. A passagem em João 12.32 não representa a Jesus como declarando que salvará a todos os homens, mas que os "atrairá". O contexto mostra que Jesus tinha em mente os inquiridores gregos, e a interpretação mais natural é que atrairia não só a judeus, mas também a gregos, quando estivesse levantado sobre a cruz. Em 1 Coríntios 15.22 a palavra "todos" na declaração de Paulo provavelmente refere-se somente à classe da qual está falando, crentes em Cristo. O significado é que a relação entre Adão e seus descendentes é análoga à que existe entre Cristo e seus discípulos. Em todo caso pode apenas significar, para os homens em geral, mais que o serem feitos vivos na ressurreição. Paulo está discutindo a ressurreição, não a recepção da vida de Cristo por meio da fé. As duas passagens em 1 Timóteo 2.4 e 4.10 expressam a boa vontade de Deus para com a humanidade. A von­ tade ou o desejo de Deus estende-se a todos. Mas a boa vontade dos homens para com o evangelho condiciona sua realização. Na segunda passagem, Paulo diz que o "Deus vivo [...] é o salvador de todos os homens, espe­ cialmente dos que crêem". Com isso, mostra que o desejo universal de Deus está condicionado pela fé do homem. Isso está em harmonia com o ensino uniforme do Novo Testamento. As três passagens citadas em Filipenses, Efésios e Co­ lossenses referem-se mais ao universo como um todo do que aos indivíduos. Apresentam aspectos diferentes da obra de Cristo em seu resultado final. Suplementam-se uma à outra, e juntas respondem algumas perguntas que naturalmente se suscitam no pensamento cristão acerca das últimas coisas. Em Filipenses declara-se que Cristo é o Senhor universal. A ele se dobrará todo joelho de todas as coisas que estão no céu, na terra e debaixo da terra. Não terá rival em autoridade e poder. Todavia, em um sentido amplo e geral, a referência é a "coisas" não a pessoas. Em Efésios é representado como o vínculo unificador de todas as coisas. Deus resume sob um tópico, ou recapitula todas as coisas nele. As partes do universo são concebidas como espalhadas. Ele as reúne. Assim todas as coisas são resu­ midas ou postas sob um só cabeça: Jesus. Em Colossenses faz-se a mesma referência geral. Mas aqui está represen­ tado como o Mediador, por meio do qual a obra universal de reconciliação é verificada. Mas novamente a referência é geral, tudo o que está em desordem será restaurado à ordem. A ordem que resulta, em todas as partes, será con­ forme a vontade de Deus para aquelas partes. Tudo isso há de ser efetuado por Jesus e sua cruz. As passagens na de 1 Pedro não podem ser tratadas de modo mais extenso. Foi objeto de diferenças de opiniões irreconciliáveis. Em geral, os homens as interpretam segundo suas preocupações. A linguagem é tão obscura e complicada que uma exegese satisfatória é quase impossível. Mas entre as muitas interpretações de 1 Pedro 3.18-20, a que explica como uma referência à atividade préencarnada de Cristo admoestando pecadores no tempo de Noé parece ser a mais natural. A outra passagem parece se referir aos cristãos que morreram, aos quais o evangelho foi pregado durante sua vida terrena. Ao concluir essa resposta à interpretação que dão os restauracionistas ao Novo Testamento, duas ou três declarações gerais devem ser feitas. Uma é que no caso de todas as passagens citadas a interpretação está em conflito direto com outros muitos ensinamentos explícitos do Novo Testamento. As palavras de Jesus em Mateus 25.46 a contradizem expressamente. Também, deve ser observado que nenhuma das passagens contém um apoio definido é indubitável a favor da doutrina dos restauracionistas. O resultado é obtido por inferência, não pela aceitação de um significado claro. Se não houvesse outro ensino neotestamentário sobre o assunto, essas inferências poderiam parecer válidas. Mas introduzem contradições sérias de Paulo feitas por ele mesmo, assim como de outros escritores neotestamentários. E por último, algumas das passagens, se se exige que ensinem a salvação de todos os homens individuais, necessariamente incluiriam também o diabo e os anjos maus. A linguagem é sumamente abrangente. Facilmente pode ser entendida como temos interpretado, mas uma idéia completamente alheia aos escritores bíblicos é introduzida, se o diabo e seus anjos precisarem ser incluídos entre os redimidos. (2) O segundo argumento geral a favor do restauracionismo está baseado sobre a inferência da natureza de Deus, do homem e do reino moral. Vejamos primeiro a inferência da natureza de Deus. É dito que Deus é amor e que o amor nunca pode estar contente enquanto alguém está perdido; que Deus é paternal para com todos e que seu impulso para aben­ çoar o conduzirá a achar um modo de salvar os homens, mesmo do tormento futuro. Também se argumenta que o castigo é meramente corretivo, e não há nele elemento vindicatório ou meramente retributivo. Também se argu­ mentou que o castigo eterno do pecado finito é injusto. Dessa forma, a natureza de Deus e do castigo proíbem o padecimento eterno. O argumento também se baseia em uma inferência da natureza do homem. O homem é livre. Sua vontade nunca chega a estar fixa de maneira tal que seja invariável. A liberdade vem a ser assim uma vontade indeterminada. Se isso é assim, dá-se que o caráter não se cristaliza ne­ cessariamente de modo que a vontade não possa, por meio de uma nova escolha, alterá-lo. Deduz-se que os padecimentos futuros certamente conduzirão os homens a fazer uma nova eleição de Deus e da santidade. Uma inferência semelhante é tirada da natureza racional do homem. É um ser razoável. Não deixará de responder favoravelmente à retidão e à verdade quando lhe forem apresentadas. É eternamente irracional que o homem persista no pecado. Precisa seguir-se que o novo co­ nhecimento que os homens adquirirão no futuro, e a nova persuasão que um Deus amoroso empregará, seguramente o conduzirão ao arrependimento. Outra inferência é deduzida da natureza do reino de Deus. É dito que o inferno eterno implica um dualismo, ou seja, uma contradição moral incoerente com a administração de seu reino por um Deus santo e amoroso; e que o interesse da unidade, o Deus soberano, só deve achar maneiras de abolir o inferno. Respondendo a esse argumento, consideremos bre­ vemente alguns dos pormenores e, em seguida, apresen­ tamos algumas considerações mais gerais na resposta. Primeiro, contestando a inferência deduzida do amor de Deus e seu impulso eterno para abençoar, não de­ vemos deixar de lado as representações uniformes do Novo Testamento de que um elemento do problema é sempre a atitude do homem para o apelo da graça de Deus. Não nos é permitido tomar o amor de Deus como o fator único e absoluto e deduzir conclusões só disso. O aspecto invariável do amor de Deus é naturalmente uma grande verdade. Mas não devemos pensar nele como se fosse somente outro nome para designar a onipotência de Deus. O resultado de seu amor com relação aos ho­ mens está condicionado pela atitude dos homens para como esse amor. Trata conosco como com seres morais, responsáveis e livres. Essa declaração contém também a resposta à afirmação de que o castigo nunca é retributivo, mas sempre é corretivo e nada mais. Há um elemento re­ tributivo no castigo, como já temos visto neste livro. Mas, assumindo, por um momento, que não é senão corretivo, não se dá que sempre resultará eficaz. Conforme isso, de acordo com a outra doutrina, o homem, como um ser livre e pessoal, poderia para sempre resistir o padecimento corretivo. A disciplina corretiva não é uma cura infalível da vontade perversa. Todos nós temos visto muitos casos em que fracassou. Quanto à injustiça de um castigo infinito por um pecado finito, trata-se de uma afirmação incorreta do fato. Os pecadores seguem pecando na vida vindoura; o castigo simplesmente anda junto com o pecado. Se o pecado cessasse, o castigo cessaria. O castigo, pois, para os pecadores incorrigíveis não se dá do fato de um pecado finito e terreno, mas da existência sem fim e imortal do pecador. Quanto ao argumento baseado sobre a natureza volitiva e racional, respondemos que em ambos os aspectos a idéia é errônea. A vontade não é tão indeterminada como o argumento afirma. É a expressão do caráter. O caráter tende sempre a fixar-se. Os atos são cumulativos em seu efeito sobre o caráter. De outro modo, o caráter, ou a estabilidade da natureza moral, seria impossível. Todo ato seria absolutamente um novo princípio e também um fim. Não haveria nenhum ganho moral que pudéssemos reter. A vida seria uma fadiga em seu esforço moral. Sob essa teoria da vontade, os redimidos também estariam sempre em perigo de uma nova queda. O céu não seria mais seguro que o inferno, porque o caráter seria inca­ paz de ser instável. Um homem nunca poderia chegar a ser uma coluna no templo de Deus segundo a promessa (Ap 3.12). A dedução da natureza racional do homem é também enganosa. O homem é um ser racional. Mas não segue sempre a luz que tem. Com freqüência a razão está convencida, ao passo a vontade segue resistindo. Assim também, com freqüência, a razão está convencida muito tempo depois de que a vontade perdeu a disposição ou propósito para escolher o bem. A inferência de que um inferno eterno seja incon­ seqüente com o reinado de Deus, e de que envolve um dualismo irreconciliável com seu reino, é de valor bas­ tante duvidoso. O mal certamente existe agora em formas muito graves. No entanto, não assumimos por isso uma contradição irreconciliável com o governo de Deus. O que é agora, pode durar para sempre. Em suma, o problema do mal é um problema atual. Certamente é difícil. Só podemos entendê-lo em parte. Lançamos nosso navio de especulação em um mar muito duvidoso se prejulgamos o futuro por uma aparente contradição, quando a mesma contradição aparente nos defronta dia a dia. Há várias considerações gerais que agora apresentamos em resposta à teoria da restauração. a. A primeira é prestarmos atenção no ensino do próprio Cristo. Nenhuma outra voz falou jamais com tal autoridade como a que ele possuía com relação ao estado final. E no entanto, ele é completamente explícito e claro nesse assunto supremo. A linguagem que emprega, como já declaramos, mostra o aspecto irrevogável que serão os destinos dos justos e dos injustos na vida futura. A parábola do rico e Lázaro, se não houvesse outra palavra de Cristo, esclarece o ponto de que há abismo intransponível, fixo entre duas classes, após a morte. Devemos ser firmes ao seguir a Cristo nesse assunto tão importante. O teor geral do Novo Testamento concorda com sua palavra. Que não percamos isso de vista. b. A questão de um inferno eterno é no final uma questão de liberdade humana. Deus não pode tornar felizes os homens maus. Devem renunciar a maldade mediante o livre-arbítrio. A felicidade completa é o fruto da perfeição moral. E a perfeição não pode ser imposta à força aos homens. Tem de ser escolhida. A graça de Deus pode ajudar os homens e o faz. Mas não pode compeli-los. A capacidade dos homens para resistir a Deus é praticamente sem limites. Podemos, certamente, supor que Deus não pode ficar contente na presença do padecimento eterno, e que tem de encontrar meios de vencer a rebelião do homem; em resumo, que tem de abolir o inferno. Mas então se nos apresenta alternativa pior. Temos que assumir que a liberdade do homem foi sempre meramente aparente e nunca real; e a capacidade do homem para determinar a si mesmo e dirigir a si mesmo foi uma ilusão. Assim acabam a dignidade e a grandeza moral da natureza humana. Simplesmente somos joguetes nas mãos da onipotência, em lugar de sermos seres livres e pessoais em relações morais com a Pessoa infinita. O que parecia a vista de Deus a qualidade suprema de nossa obediência, foi nossa livre eleição dele e de seu serviço. Mas agora isso resulta ser não nosso próprio ato, mas o ato compulsório de Deus em nós e sobre nós. Já não somos homens, mas coisas. Deus, dessa forma, sacrificaria nossa liberdade e dignidades morais nos altares de seu individualismo, isto é, devido a não poder suportar ver o inferno. A existência do inferno envolve um sacrifício eterno de parte de Deus. Mas isso significa somente que Deus é amor eterno. Se os homens hão de ser deixados livres, a possibilidade de que exista um inferno eterno sempre fica até que os homens sejam confirmados na santidade. O problema final, pois, não é "Por que Deus permite o inferno?" É, ao contrário, este: "Por que fez os homens livres?" Certamente, os pecadores que chegam a ser incorrigíveis, no sentido mais elevado, não são livres. Mas sua liberdade é verdadeira, não obstante isso. A mais alta liberdade inclui três elementos: a determinação de si mesmo, a direção de si mesmo e a realização de si mesmo. Todos os homens têm o primeiro e segundo elementos. Só os redimidos em Cristo têm o terceiro. A realização de si mesmo significa encontrar seu destino em Jesus Cristo. Significa alcançar por completo o ideal de Deus para a vida. Essa é a mais elevada liberdade. Os homens que desobedecem, determinam-se por si mesmos, e dirigem a si mesmos. Mas aqui se detêm. Pervertem o fim de seu ser. O inferno é o monumento que constroem para seu egoísmo e desobediência. c. A natureza do pecado reforça a mesma verdade. O caráter tende a se tornar fixo. Recobra ímpeto. Leva consigo a vontade como parte de si mesmo. No entanto, é a expressão de atos repetidos da vontade. O pensamento se torna propósito, e o propósito se torna ato, e o ato se torna hábito, e o hábito se torna caráter, e o caráter se torna destino. O pecado imperdoável significa provavelmente que as potencialidades morais da alma estão esgotadas. O caráter chegou a estar fixo no mal, aderiu-se a ele. Jesus viu isso com intuição divina e o declarou. Todas as almas morais e sensíveis estão profundamente interessadas no problema do destino moral dos homens. Ninguém que toma alguma apreciação dos resultados da vida pode ser indiferente ao assunto, e contudo é muito possível adotar uma atitude que possa ser perniciosa para os mais elevados interesses da humanidade. Os homens pecadores anseiam encontrar um meio para escapar das conseqüências da prática do mal. Facilmente põem uma interpretação carnal em qualquer forma de liberação, manifestada em formas externas. Alguns dos que ensinam o restauracionismo, de modo a procurar defender o caráter moral, favorecem diretamente os egoístas e carnais. Suas teorias, de modo geral, nascem de um desejo que pode ser digno em si mesmo, mas se edificam sobre fundamentos impotentes. Se não podemos seguir a Cristo nisso, em que poderemos segui-lo? Concluímos com dois ou três fatos que dão alívio quando contemplamos o mundo dos castigos futuros. Os cristãos na atualidade, com unanimidade prática, sus­ tentam que as crianças que morrem na infância se salvam. Isso representa a terceira parte da humanidade. Referimo-nos também ao fato de que há graus de castigo. Os homens não hão de ser castigados igualmente, ainda que todo o castigo futuro será in­ terminável. Mas de uma coisa podemos estar seguros: Deus é absolutamente justo e amoroso. Com freqüência esquecemos disso ao pensar no futuro. Esquecemos que há uma diferença nos castigos, e imaginamos que todos estão sofrendo o mesmo castigo. Juntamente com isso, imaginamos que Deus arbitrariamente lança os homens no inferno. Ambas as idéias são errôneas. Deus nunca se apartará da perfeita retidão e justiça em seu tratamento com os pecadores. Podemos deixar os resultados com ele. Mas tudo quanto sabemos da vida futura lança sobre nós a obrigação de trabalhar com zelo e fervor para a vinda de seu reino eterno com seus prêmios eternos. índice remissivo A Adolescência: importância de, em conversação; e regeneração, 8788,120,477-478 Adoção: o ato de deus na reden­ ção; um fruto da fé; definida, 15, 79, 203, 334, 400, 490, 501, 506507, 589 Afeto: 305,477 Agnosticismo: nega o conheci­ mento da realidade última; não está de acordo com a experiên­ cia; nega a revelação; despreza­ do pela obra do amor santo; faz com que o finito e o infinito se excluam mutuamente; a teoria de Sanday da encarnação é uma forma de; justificação teórica de; quanto à Trindade, 142-143,181, 225,243, 252,254,256,263,269 Alma e espírito: 21, 23, 26, 29-31, 39,48-49,51,62,64,74,82,88-89, 96,98,107,110,115,118,122,128, 135, 139, 159, 165, 173-175, 184, 201, 216, 227, 239, 245-246, 326328, 333-336, 355, 373, 380-382, 421-423, 437, 439, 458, 460-461, 464-465, 467, 469, 471, 473-476, 478-479, 481-482, 484-486, 490, 494, 498, 500, 505, 509-510, 522523, 533, 548, 551, 568, 570, 585, 588, 593-594, 601-602, 605, 607608, 620 Almas: origem de, 13,49,334-336, 458,495,509, 555,570, 620 Alcott, Bronson: 415 Ambiente: 167, 277, 330, 343, 383384,415,429,478,596 Amor: não ensinado pela teolo­ gia natural; a Deus como Pai, impulso moral a; à santidade, Deus é, relação de; completa personalidade de Deus; mo­ Animismo: 59 bilidade de amor redentor ; auge de atributos divinos, e Anselmo: 171,389,418 santidade; definido; lugar de, entre atributos de Deus; e sobe­ Antigo Testamento: fonte de teo­ rania; operando na pena; mo­ logia; em relação ao novo; como tivo de propiciação; e serviço, fonte de histórias de nascimen­ 8,27,40,42-43,45,61,68,80,83, to nos evangelhos; história de 91-92, 99-100, 109, 117, 123,130, relação preliminar, 18, 48, 74, 133, 135, 154, 165, 182-183, 190, 127, 129-134, 184, 187-191, 193, 196, 210, 212, 215, 218, 220, 222195, 199, 205, 207, 257-260, 291225, 232, 234-236, 238, 241, 243, 292, 296-297, 300, 302, 328, 333, 252-253, 264-265, 269, 272, 275, 340,354,356,368,370,372,385279, 283-284, 291-295, 297, 299386, 413, 430, 441, 451, 457, 465, 307, 311-319, 322, 329, 340-342, 472, 488, 501, 519, 535, 548-549, 351, 359, 361, 363, 370, 378, 383, 552, 554-556, 564, 569, 577, 580, 386, 389-395, 397-399, 406, 409590, 596, 603, 607 410, 414-419, 421, 423-425, 428429, 435, 437-438, 443, 445, 447, Arrependimento: fé e atitude do 468-470, 475, 477, 486, 490-491, homem na redenção; necessida­ 497, 499, 503-504, 514, 516, 520de de; não mera reforma; defi­ 521, 528, 530, 533, 539-540, 544, nida; em mensagem evangélica; 546-547, 559, 570, 598, 600, 602, impossível para crianças; pro­ 615-616, 619 duzido por propiciação; dom de Deus; e ordem de salvação; Amigo: divino, 84-86,91,371,513, e batismo, 39,78,81-83,89,92,94, 543 123, 202, 204, 213, 315, 350, 369, 371, 383-384, 390-392, 419, 426, Antepassados: culto de, 128, 336, 433-435, 446, 449-450, 462-465, 342 473,480,494, 503,509,540, 615 Anjo do Pacto: 355-356 Anjos: realidade de; filhos de Deus; entre os redimidos, 13, 315, 352-357, 400, 446, 501, 544, 563-564, 569, 590-591, 603, 614 Antinomismo e santificação: 531 Apocalíptico: ordem de aconte­ cimentos; cálculos e especula­ ções, 557-558,583-584 Apolinaristas: 227 Apologético: como se relaciona com o método deste livro; li­ mitações de; ajudado pela defi­ nição de religião; e a definição de Deus, 23 Apóstolos: meios de revelação; crença de,70,180, 184,189,195, 206, 222,275, 558,574-575,590 Argumento moral para a existên­ cia de Deus, 174 Argumento cosmológico para a existência de Deus, 163-164, 175 Argumento ontológico para a existência de Deus, 171 Argumento teleológico para a existência de Deus, 166,176 Arianos: 227 Arminianismo: 7,539 Ascensão de Cristo: 13,238,452 Asceticismo: 524 Astronomia: 233 Atributos de Deus: conflito supos­ to entre, Agostinho, 13,14,271, 273, 281, 290, 311-312, 314, 316, 319,392,424 B Batismo: de Jesus; do Espírito; de criança; e de regeneração; como símbolo, 201-202, 226, 238, 258259, 267, 452-453, 471, 480-481, 531 Belzebu: 354 Benevolência: 315, 520 Bênção: segundo, Bérgson, 26,98, 100,127,160, 306, 404, 412, 430, 437, 441, 447, 489, 491, 501, 506, 508,537 Bíblia: fonte de teologia; autorida­ de da; ponto de contato entre ela e a psicologia; fonte literária de revelação; uma inspiração; a procura da verdade; satisfaz todos os requisitos da vida religiosa; infalibilidade da, 8, 18-19, 26-29, 53, 58, 64, 74, 106, 185-186, 188-190, 194, 196-199, 260, 296, 308, 310, 350, 354, 361, 426,436,441,444,448,451,456, 458,465,486,510, 524, 543,568, 606, 608 Biologia: 138,233,308,327,367,445 Blewett: 248 Bowne: 248 Bramanismo (veja hinduísmo, 179) Brown, W . A.: 353 Budismo: 136,179,486 Bushnell: 422 C Calvinismo: 7, 21,428,539 Campbell, Mcleod: 392-393 Cânon da escritura: 194 Carne: a, como o lugar do peca­ do, 26,206,208,215,237,249,257, 303, 328, 360, 371-373, 399-400, 404, 406-407, 457-458, 477, 508, 511, 522,524-525, 611 Causalidade: em filosofia de per­ sonalismo; física e livre, 27,103, 115, 138, 149, 151, 164, 168, 210, 216, 229, 245, 247, 321, 329, 346, 414,469 Castigo: teorias do; eterno; teorias que o negam; em vista do res- tauracionalismo, 296, 305, 314, 317, 376, 378, 381, 389-390, 394, 414, 503, 550, 554, 560, 603-607, 612, 615-617, 621 Ceia do Senhor: 455 Certeza (e convicção): gênero de; exigido na vida religiosa; resul­ tado do conhecimento cristão, graus de; objeções à certeza cristã religiosamente condicio­ nada, 12,29,51-52, 61-62, 67, 78, 94-95,101-105,110-111,113, 246, 542, 564, 573, 583, 590,593,597 Calcedônia: 228 Ciência: exige apaixonadamente a realidade; desinteressada; de acordo com a escritura; físicas; tende a idéia mesquinha de ver­ dade, leis contrastadas com a te­ ologia; campo de; façanhas em, nota de providência; nunca se eleva a uma causa espiritual; e conhecimento por fé; e imorta­ lidade, 7,12,17,26-27,32,36,38, 41, 43-45, 51, 53, 76, 85, 94, 103, 105,107,109-110,114-117,119,122, 126, 138, 142, 144, 149, 153, 160, 163-164, 169, 179, 194, 197-198, 216, 219, 221, 229, 246, 256, 277, 308, 310, 321-322, 326-328, 341, 346-349, 353, 374, 448, 469-470, 486,539,547,549,551,568 Ciências: em escala ascendente, 8,24,30, 33,44, 62,114-115,138, 308 Céu: 15,238-239,251, 313,318, 371, 376, 426, 550, 563, 566, 573-574, 579,582,588, 596-603, 613, 617 Cipriano: 571 Clark, W . N.: 272 Clemente: 19 Comte: 30-31 Comissão: Grande, 239, 259, 306, 362,431 Companheiro: o grande (supre­ mo), 91,160,382 Compaixão: 305,363 Complacência: 305,489 Consciência: natural e regenerada, 11,31,35,39,46, 62-63, 75, 77-80, 82-94, 96-100, 102, 118, 120-122, 126,135,140,143-148,153,156-157, 162,164-165,174,176,179,181-182, 188,192,195,202-203,213,216-219, 223-224, 228, 233-234, 236-241, 243, 249, 253-255, 266, 274, 277, 313-314, 324-325, 329-330, 342, 363-365, 377, 381-383, 388, 392, 396, 404-407, 410, 412, 417, 420Conhecimento: limitações de; obe­ diência órgão de; definição de; fontes de, religioso; postuladas fundamentais de; resultado de experiência cristã; a certeza al­ cançada pelo cristão e outras formas de; agnosticismo, e li­ mitações de; por experiência; fé uma forma de; regeneração e problema de, 9, 11-12, 20, 24, 26-29, 32, 34, 42, 44-45, 47, 49, 51-55, 57-65, 67-69, 71, 73-74, 76, 80-81,91,94-97,100-101,105-106, 108-110,113-117,119-123,125,127, 129, 131, 133, 135, 137-139, 141151, 153, 155, 157-161, 163, 165, 167, 169, 171, 173-177, 180-182, 184, 200, 203, 210-212, 218-220, 225, 229-230, 241-242, 246-247, 255-256, 261, 268, 271, 278-280, 286-289, 291, 293, 303, 307-310, 329, 331, 361, 381, 457, 462, 466, 468-469, 482, 486-487, 508, 542, 547,551,564,591,599-600, 610 Consagração: dedicação a Deus, 521,525, 537 Conservação: do universo, 118, 144,166, 216,329, 339 Conversão: princípio de experiên­ cia cristã; das crianças; classes de; falsas; consciência em, ener­ gia divina; ideal ético; de Paulo; por iniciativa divina; definida; e batismo; experiência renova­ da de, 20, 37, 80, 86-88, 93-94, 105,108, 119, 121, 123, 205, 246, 434, 452, 473-474, 477, 480, 494, 509, 543 Convicção: de pecado, 36, 72, 89, 92, 102, 126, 147, 156, 162, 164, 177, 201, 215, 231, 240, 266, 275, 340, 351, 382, 423, 437, 447, 453, 458-461,548-549, 554-555 Coração: endurecimento do, 14,20, 23,31,38,52,70,89,94,106,124, 136,164, 212, 215, 218, 224, 232, 238, 242, 254, 279, 294, 304, 317, 319, 351, 366, 369-370, 372, 376, 391, 406, 424, 426,442, 448-450, 453-454, 461, 465, 471, 475, 477, 479, 482, 487, 507-510, 520, 523, 527-528, 530, 535, 541, 545, 562, 583 Credos: como fontes de conhe­ cimento religioso; doutrina da Trindade, 27,50,63, 74,101,211, 217, 249 Crença exagerada: 33-34,49,64,67, 72,82,102,121,124,126-127,131, 167,173,179,212,216-217,225,267, 324, 331-334, 343, 353-354, 360361, 398, 420, 467-468, 496, 510, Criação: doutrina de; Cristo meio de; e redenção; expressão de santo amor; esferas de; defini­ da; imediata, de almas, 13, 42, 52, 75, 79, 92,125,133, 148, 150, .152-153, 181, 207, 211, 222, 224, 232-233, 237-238, 253, 265, 269, 271-272, 278, 282, 289, 308, 321327, 329, 331-333, 335-337, 339340, 346-347, 350-351, 354, 361, 363-365, 367, 374, 398, 406, 427, 476,485,585,588-589 Crianças: 366, 384, 461, 471, 480, 505, 536, 621 Critério: racionalista de verdade, 19, 106, 115, 229-230, 269, 371, 592 Cristão: o, ideal ético de; estado futuro do, 12, 24, 26, 28-29, 3536,38,48-49,51-52,61,63,72,76, 80,88-89,93-97,99-104,107,109110, 113, 115, 117, 119, 121-125, 127, 129, 131-133, 135, 137, 139, 141, 143, 145, 147, 149, 151, 153, 155, 157, 159-165, 167, 169, 171, 173, 175, 177, 184, 197, 200, 206, 208, 215-217, 229, 243, 246-248, 252, 256, 260-261, 265, 272-273, 280, 322, 334, 345, 349, 352, 359, 388, 396, 415-416, 423, 447, 465, 469, 474, 486, 490-491, 510, 522- Culto: meio de graça, 60,128,160, 231, 269,456,515,529, 599 Cristianismo: como religião; es­ sência de; poder na alma; dá boas-vindas à ciência para re­ alidade; combina origem obje­ tiva e experiência subjetiva; em contraste com o misticismo; re­ ligião missionária; não necessita de demonstração matemática; aperfeiçoa todos os elementos em outras religiões; religião de lei; não um judaísmo formal, 7, 17,19-20, 23-25, 32-33, 35-36,48, 63,65,70-71,73-74,122-128,132133,136-137,157,160-161,199,211, 215, 217, 221, 229, 234, 242, 246, 256, 267, 269, 325, 334-335, 343, 350, 367, 386, 388, 390, 392, 396397, 442, 454, 457, 467, 470-471, 478, 481-483, 486-487, 491, 495, 497, 506, 526, 530-531, 535, 538, 558-559,577 Cristologia: de Paulo, 205 Cruz, a: em relação à ética; em relação à encarnação, centro do conceito cristão; e a obra do Espírito; e teoria da influên­ cia moral; ato de Cristo sobre, princípio de um procedimento vital, 125,239,241,247,258,392, 402, 406-407, 409, 416-417, 419, 422-424,452,461,546, 612-613 D Decálogo: 269,342 Despojamento divino: 13, 232 Deísmo: 243, 539 Denney: 203 Depravação total: 375 Descartes: 102,171 Desígnio: argumento do, 61,166170,185,514, 598 Dia do Senhor: 553,564-565,578 Deus: Ciência de; soberania de; conhecimento direto de; ex­ periência redentora de; como pessoa; juízos de valor; amor e justiça; argumento por existên­ cia de; como Pai, Filho e Espíri­ to; fontes de conhecimento de; revelado em Cristo de maneira única; conhecimento triplo de; paternidade de (veja "paterni­ dade de Deus"); imagem de um homem (veja "homem'); desejo de; procura intelectual de; con­ ceito antropomórfico de; cren- ça em, necessária à teoria ética; idéia de, em religiões étnicas e no judaísmo; como caráter mo­ ral; providência de; imanência de; vista teística cristã prova de; existência de, necessidade á realização de si mesmo de par­ te do homem; pode comunicar com o homem; representado como vingativo; crescimento de idéia de; relações de Cristo a; Cristo é; não esgotado em criação; unidade e a Trindade; precisa de um objeto de amor; eternamente ético; de nosso Senhor Jesus Cristo; definição de, atributos de; e personali­ dade de; amor de; verdade de; como Criador; método de; em criação oportunidade de, em queda do homem; reação de; contra do pecado; imanente na raça por encarnação; atributos de, na propiciação, desenvolvi­ mento do propósito da graça de; limitados "por fins morais, não parcial em sua graça, e o endurecimento do coração, e o Espírito Santo; bondade de, e arrependimento; e o ato de fé, e regeneração; e santidade; e perseverança; em Cristo, o juiz final, natureza de, e o restauracionismo; e a liberdade do homem, 7-8,11-14,17-27, 29-33, 36-45, 47-55, 57-65, 67-71, 73-74, 76-83, 85-89, 91-93, 95-101, 103- 106, 108-110, 113-116, 119, 121124, 126-136, 143, 146, 148, 150157, 159-177, 179-196, 198-203, 205-227, 229, 231-235, 237-249, 251-266, 268-269, 271-319, 321332, 334-336, 339-357, 359-360, 362-373, 376-386, 388-414, 417459, 461-479, 481-485, 487-512, 514-517, 519-523, 527-530, 532, 535, 538-547, 549, 551-557, 559561, 564-570, 573, 575-576, 581586, 589-595, 597-600, 602-604, 606-621 Discípulos: idéias de, acerca do batismo, 40-41, 70, 73, 184-186, 201, 205, 213, 217, 232, 294, 385386, 392, 415, 432-433, 436, 444, 452-453, 466, 479-480, 517, 563, 573-575,587, 600, 612 Dispensações: 282 Divórcio: lei do Antigo Testamen­ to, 190,529 Docetas: 226-227 Dons carismáticos: 258 Dodds, Marcus: 197 Dorner: 127,129,241,493 Dualismo: 152, 242, 254, 280, 324, 372,561,589,595, 615, 617 E Ebionistas: 227 Idade: média, 64,238,327,353,470, 536 Educação e regeneração: 5,26,106, 139, 185, 190, 232, 236, 412, 437, 477, 506,542 Empatia definida: 283, 304, 391, 414,437,514, 591 Encarnação: revelação feita por Deus de si mesmo; não per­ turbação abrupta da natureza; necessária; divisão completa Egoísmo: como essência de peca­ de si mesmo de parte de Deus; feito possível por criação do do, 368-369, 602,620 homem; limitação divina de si mesma; psicologia de; entrada Eleição: de Israel; iniciativa de Deus em condições humanas; objeem salvação, de indivíduos e ções a; afirmada ser incapaz de famílias; e fé prevista; definida; se pensar; e significação do uni­ razão de; não para parcialidade; aumentar esfera de salvação; verso; e a mente subconsciente; para propósito estratégico; obe a Trindade; não uma mudança em propósito de Deus; amor de jeções a, 14,21,52,193,216, 306, Deus nela, fez que Cristo fosse 427, 429, 431-435, 437-441, 443um da raça; e graça para todos; 449,523,538,615,619 e necessidade de meios de gra­ Elementos: sobrenatural no Novo ça; e aniquilamento, 42,70,191, 214, 219-220, 222-223, 232-235, Testamento, 9,12,14,17-18, 23237-247, 251, 253, 263, 266, 283, 24,29,34,37,39-41,47-49,57,59302-304, 313, 316, 343, 347, 367, 60,63,68,72-73,77,80-82,88-90, 391-392, 400-402, 405, 419, 431, 94, 97-99,105,110,119,122,128, 447,450,457,559,609 130-131, 133-134, 136, 141, 145, 147-149, 158, 162, 168, 186-187, 200, 205, 218, 220, 226, 228-229, Escatologia: indispensável à reli­ 233, 236, 239, 241, 248, 253-255, gião; no ideal do reino de Deus; discutida detalhadamente; do 265, 272, 310, 312, 324, 327, 330, Antigo Testamento; do Novo 336, 350, 356, 361, 365, 367, 374, Testamento; cronologia de, duvi­ 382, 385, 387, 390, 396-398, 401, dosa, 131,545,554-557,561,567 407-408, 437, 463, 466-467, 478, Escravidão: e o ideal Cristão, 193, 371,381,400,491, 506, 529 Escritas: apresentam a religião como forma de conhecimento; indispensável à teologia cristã; interdependência de experiên­ cia e; princípio formal de teo­ logia; autoridade; comparadas com outra literatura; aplicação de modelos falsos a, 195, 396 Espaço: em pensamentos filosófi­ cos, 20, 37, 50, 65, 148, 152, 172, 200-201, 209, 225, 234, 239, 276, 278-279, 284-286, 353, 398, 552, 561,585, 587,597 Esperança: convicção de, pelo Es­ pírito, 775, 80, 91, 99, 125, 131, 155,199, 275, 317, 378, 382, 424425, 435, 461, 469, 485, 489-490, 492-493, 522, 528, 548-550, 556557, 559-560, 567-568, 573, 582, 585,587,589, 601,610 Espinosa: 325 Espírito: e matéria; definido; e cor­ po, 13-14,20-23,26,28,39,42,47, 49, 51-52, 54, 59, 64, 70-71, 74-75, 79, 83, 86, 88-89, 92, 95, 99-101, 103, 106, 115, 122, 130, 132-133, 135-136, 144-145, 152, 159, 161, 163,167,170,185-187,189,195-196, 198, 200, 204-207, 209, 213, 215, 219-221, 226-227, 231, 245-246, 257-269,271-272,274,277,279-280, 284, 289, 294-295, 318, 321, 325, 328, 331-332, 334, 336, 339, 345, 352, 356, 360, 365, 371, 373, 376, 380, 382, 384, 386, 388, 396-397, 402, 404, 406-407, 410, 412, 426, 430, 436-437, 448, 451-456, 458462, 469, 474-482, 484, 492, 496, 499, 506-508, 511-512, 514-515, 517, 521-523, 525-528, 530-531, 533-534, 540, 542, 545-546, 551, 554-555, 558, 560, 566, 572-574, 585-589,599-601,605,611 Espírito: Santo; guia de escritores bíblicos; obra de, em crentes; contínua a obra redentora de Cristo; necessidade de, em es­ tudo teológico; completa idéia de Deus; obra de, em revelação; dom de Cristo; a Trindade; rela­ ção de, a Jesus; uma pessoa; le­ vantou a Cristo da morte; com­ pleto procedimento da imanência divina; intercessão de; obra pessoal de, em salvação; e Deus; e Cristo, em relação ao homem; em regeneração, e santificação, 13-14,20,22,39,47,52, 70-71,74, 79, 83, 89,100-101,103,106,122, 132, 135-136, 185-187, 189, 196, 198, 204-206, 209, 213, 226, 231, 257-261, 263, 265-267, 269, 271272, 294-295, 318, 334, 382, 384, 386, 406-407, 426, 436-437, 451- 456, 458-461, 474, 476, 478-480, 484, 492, 508, 511, 514, 521, 523, 526, 528, 530, 534, 540, 542, 546, 566,573-574,585,588,601,605 Estado: o, em conceito do cristia­ nismo, 11, 15, 32, 34, 77, 79, 82, 89,91,92,93,94,96,98,106,124, 203, 227, 233, 240, 246, 252, 254, 289, 305, 307, 314, 330, 333, 335, 364, 366, 368, 372, 374, 375, 383, 395, 409, 420, 421, 450, 455, 457, 484, 489, 493, 495, 497, 500, 501, 502, 505, 506, 507, 510, 519, 521, 523, 529, 530, 533, 556, 568, 569, 570, 571, 572, 586, 592, 597, 602, 603, 604,607, 609, 618 Estado intermediário: discutido; não o estado final de crentes, 15,568-569,571 Eterno: significação da palavra em teologia, 32, 40, 48, 68-69, 126, 134, 136, 154-155, 159, 174, 207, 210-211,214-215,217,221,224-225, 232, 234, 240, 243-244, 246, 249, 252-254, 258, 264, 300-301, 316, 333-334, 341-342, 350, 356, 359, 364-365, 393, 402, 428-429, 433, 447, 452, 461, 508-509, 522, 526, 538, 545-546, 556-557, 583, 591, 603,605,610,612,615-619,621 Eternidade: definida, 31,221,234, 251,278,282,285,325 Éticas: relação para à experiência cristã; nas religiões inferiores; e a personalidade de Deus; base de, 189,243,252, 367, 373,497 Eucken, prof.: 245 Eutiquianos: 227-228 Evolução: suposta chave para sig­ nificação do mundo; e utilitarismo; argumento do designo; e doutrina de criação; cristã, salvação por; e regeneração; e o estado de filho espiritual, 88, 92, 124, 127, 166, 169, 210, 327, 365,478,506, 608 Evangelho: relações evangélicas; carga de; resposta humana para; adaptação de; chamado ao arre­ pendimento e fé; universalidade de, 8-9,23,27,36,40-41,43,48,55, 66-67, 71-73, 77-78, 85-86, 88-89, 98,100,106,123,184,197,202-203, 206-208, 212, 217, 230, 256, 267, 271, 304, 307, 333, 346, 364-367, 371, 376, 381, 383-384, 386-387, 390, 396-398, 411-412, 423, 431432, 434-437, 439-443, 446, 448, 450, 452, 456, 458-459, 464, 466, 470-472, 474-475, 478-484, 487489, 491, 495, 497, 499, 507, 510512, 526, 529-531, 545, 550, 558559, 566-567, 574, 577, 579-580, 584,587,609,611,613-614 Exílio: 193,441 Existência própria: 12,24,77,30-31, 49-50,61-62,65,108-109,139-140, 146, 148, 150, 153-154, 158-160, 163, 166, 170-176, 182, 207, 219, 222, 262, 273-274, 280-282, 289, 323-324, 331-333, 335, 353-354, 418, 515, 548, 554-555, 568, 585, 605, 607-608, 617, 619 Experiência cristã: e doutrina; de­ finida; relacionada a fatos ob­ jetivos; evangelhos e Epístolas; trata maiores realidades; neces­ sária para entender teologia; suposições da forma de argu­ mento; análise de; unidade sin­ tética de; aspectos psicológicos de; ajuste de relações entre o homem e Deus; variedades de; elementos indispensáveis em, origina o conhecimento em; envolve mais elevado concei­ to de Deus; relação de, a ética; eleva idéia ética; religião com­ parativa; em relação á filosofia; poder redentor de Cristo em; e a pessoa de Cristo; e a Trin­ dade; e doutrina de criação; e providência divina; solução do problema de pecado por; pro­ piciação fundamental em; e o princípio de substituição em, regeneração; e justificação; e aperfeiçoamento; e imortalida­ de, 9,11-12,14,17-19,21-25,27-35, 37-41,44,46-47,49-52,57-58,62, 64, 74-75, 77-89, 91-111, 113-115, 119-121, 123-126, 136-141, 143149, 151, 158-160, 162-165, 171, 173-177, 180, 182-184, 188, 203, 205, 210-213, 215-218, 225-226, 229-232, 238-239, 242, 246-247, 249, 251, 253, 256, 261, 265, 268, 271, 277, 286, 294, 321-322, 325326, 330-331, 334, 340, 342, 345, 352, 359, 361, 365, 381-382, 387, 390-391, 396, 405, 407, 414, 416, 422-423, 438, 448, 454, 461-462, 469-470, 479, 482, 486-487, 490, 494, 496, 498, 516, 534, 536, 539, 542, 546-547, 549-551, 554-555, 581, 587-588, 594-595, 602 Eu, o: desenvolvimento do; luta e fracasso do natural; renúncia do, 84-85, 88-90, 92-93, 98, 125, 130,154, 172, 215, 219, 238, 275, 291, 299, 355, 369, 382, 402, 406, 416, 430, 432-433, 435, 449-450, 458-459, 461, 476, 497, 510, 514, 525, 533,540,584,610 F Fé: ascensão intelectual; necessi­ dade fundamental; arrepen­ dimento, atitude do homem na redenção; não necessita de prova matemática; justificação por; vínculo entre o homem e Deus; artigos de; e o nascimen­ to de uma de virgem; subjetivo; como órgão de conhecimento; e conhecimento; e doutrina; e motivo do universo; justificação por, no ensina de Paulo; elei­ ção prevista; falta de, pecado supremo; e ordem de salvação; definida, e batismo; condição de salvação; filhos por; e santi­ ficação, 4,12,20,26-29,31,34-35, 39-40, 45, 47-48, 55, 57, 60, 6367,76,78,82-83,89,92-94,99-102, 106,110, 116, 185, 198, 205, 212, 215, 217, 221, 229-230, 243, 248250, 275, 297, 310, 326, 349-350, 352-353, 366, 373, 382, 384, 403, 406, 411-412, 420-421, 431-433, 443, 453, 455-456, 458, 460-462, 465-473, 475, 480-484, 486-491, 494-500, 502-504, 506-512, 514, 516-517, 523-524, 526, 529, 537, 541, 545, 547, 559-560, 575-576, 587, 592, 602, 605, 612-613 Fenômeno típico: 89,125,127,141, 170,195,216, 219,238,332,410 Fetichismo: 59 Fidelidade definida: 307-308 Filologia: comparada, 343 Filosofia: de Kant; em relação à experiência cristã; originem di­ ferentes tipos de; argumentos de história de; confirma méto­ do de Jesus; e regeneração, 137 Filosofia examinada: 29-30 Filo: 208,252 Físicas: 8,24,30,33,45,62,97,103, 114-115, 157, 164, 196, 287, 321, 341-343,347,414,509, 525,530 Fisiologia: 343 Futuro: necessidade de doutrina de, 91, 130-131, 192, 196, 198, 239-240, 250, 258, 285, 385, 423, 527-528, 546-548, 550-553, 555558, 560-562, 564-567, 570, 573, 575-576, 582-583, 585-586, 589, 593, 597, 605-607, 609-610, 615, 618, 621 G Filho de Deus: características e bênçãos do, 206, 208, 222, 231, 239, 241, 254, 367, 423, 511, 540, 545,567,585 Geena: 569 Glorificação: 433,490-491 Gnósticos: 65, 227, 325 Governo civil: 529 Gordon, A. J.: 537 H Habilidade ou inabilidade: natu­ ral e moral, 54,257,282-283,290, 330, 362, 365, 373, 375-376, 382, 439,454,524, 598 Graça: não ensinada por teologia natural; revelada em o Cristo; Hades: 70, 569, 572, 611 revelada no despojamento de Cristo; definida por contraste; Haering, Teodoro: 39 oportunidade de, em queda do homem; e a consciência do peca­ do; método pessoal de; obra de, Harnack: 422 em salvação; o Espírito Santo e meio de; necessidade de meio, Hegel: 325 de; correlativa de fé; obra cul­ minante de; e pecado; e per­ Hegelianismo: 244 severança, 29, 39, 44, 47, 49, 61, 64,68,74,79,82,88,96,123,125, Herança: 330, 336, 342, 343, 374, 136, 190, 192, 196, 198, 212-213, 375, 378, 383, 508, 594,597 216, 221, 223-224, 234-235, 238, 240, 243, 261, 271, 275, 280, 293, Hesíodo: 128 301, 305, 309, 322, 346, 349, 351352, 359, 363-364, 367, 376, 381, Homem: natureza de, faz ne­ 384, 390, 403,410, 419,425, 430cessária a teologia; combina 440, 443-446, 450-451, 455-459, razão, vontade e sentindo; e 462, 464, 468-473, 478, 481, 483, natureza; em relação com a re­ 488-494, 498, 500, 505-506, 509, alidade objetiva; leva a imagem 515-517, 523-524, 526-527, 531, divina;inteira natureza espiritu­ 538-542, 546, 549, 556, 561, 589, al de, despertada na redenção, 591-592, 601, 609, 616, 618 incorrigivelmente religioso; a Bíblia e a vida intelectual; apro­ Grécia: 129,344,442 ximação de, Deus diretamente; criação de; ponto culminando Grócio, Hugo: 389,418 de natureza; oportunidade de, Guerra: e o espírito cristão, 60,531, na queda; salvação de; fim de 602 propiciação; e método pessoal de graça; com relação a Espírito Santo; incuravelmente religio­ so; em arrependimento; rea­ lidade de pecado; e a paterni­ dade divina; a natureza de, e o restauracionismo, 8,13-14,17-20, 25,27,29-32,34,36,38,41-43,45, 47,49,51-52, 55, 57-58, 61-63, 68, 70,75-79,81-83,85-86,88-96,99100, 102, 104-106, 108-110, 116125, 127-130, 133-137, 139-140, 143-145,147-165,167-172,174-177, 180-185, 191, 194, 196-201, 203205, 208, 210, 212, 214-216, 218227, 229, 232-233, 237-239, 241250, 252, 257, 262-263, 265-269, 275-280, 284, 288, 290, 294-296, 298-301, 303, 308-310, 312, 321335, 337, 339-344, 346, 348-350, 353, 355, 360-383, 386, 388-391, 393, 395-396, 398, 400-401, 404407, 409-411, 413-414, 417-419, 421-422, 424, 427, 431, 434-440, 444, 446-447, 454, 456, 458-459, 461-467, 470-473, 475-479, 481482, 484-487, 489, 491-494, 496500, 503-506, 510, 512, 521-522, 525-526, 529, 534-536, 538-539, 541-542, 545-551, 558, 565-566, 568, 571, 574, 583, 585-586, 588594, 596-598, 602-605, 608-610, 613, 615-617,619 Homero: 128 Idealismo: faz que o princípio filo­ sófico seja essência de religião; criticado; e a teoria de causali­ dade; resultado de esforço inte­ lectual; e ensino trinitário; e a doutrina da criação; e a imorta­ lidade, 59,141,145-149,164,171, 246-247,268,324, 332,548, 561 Idealista: 169, 219, 325, 361 Idiomas: origem comum de, 343 Idolatria: 231,369-370 Igreja Católica: exige fé implícita; e vida por sacramentos; ensina­ mento de, acerca de justificação, 64,471 Igreja, a: por Cristo, crentes identi­ ficados com; meio de salvação; e o reino, 8,70,98,135,206,209, 213, 217, 386, 398, 436-437, 452, 456,464, 510,512,526, 528, 571 Iluminação: distinto de inspira­ ção, 186-187 Imaginação: 73,123,421,436,592 Impecabilidade de Jesus: 67, 200, 202, 204, 217, 229, 240, 331, 401, 535,537 Incondicional: como termo teoló­ gico, 212, 280-281 Imanência divina: e transcendên­ cia; doutrina exagerada de; se eleva a um novo nível na hu­ manidade; da Trindade; propi­ ciação, 14,133,152,181-182,223, 237,284, 339,365, 367,405-406 Imensidão definida: 177,285 Imortalidade: uma razoável; e ciên­ cia física; e escatologia; inferida de religião natural; e pensamen­ to moderno; negada; argumento por; idéia vaga de; necessidade de doutrina de; condicional, 32, 91,115,131,161,182,245,325,331334, 337, 361, 457, 486, 547-549, 551,585,587,605,608 Imutabilidade definida: 234-235, 281-284, 350 índia: 128-129 Inferno: discutiu detalhadamen­ te; e liberdade moral, 356, 371, 596,601-603,615-621 Inspiração: teorias de, 27,186-188, 190,193,220,513 Intelectualismo: falso, 21 Intercessão: de Cristo; e Espírito Santo, 14, 69,426,546 Interpretação: espiritual, 22, 25, 30,43,45,47-48,53,64,100,132, 140, 155, 157, 180, 187, 190, 199, 210-211, 225, 237, 256, 367, 387, 396, 413, 431, 466, 487, 502, 540, 562, 564, 572, 578, 582-583, 585, 611-612, 614, 620 Intuição e argumento pela exis­ tência de Deus: 54,96,173,176, 215-216,353,620 Ira de Deus: 202,283,296,372,377, 380, 382, 392, 394, 403, 409-410, 421,463,503,591, 603 Islamismo: 136 Israel: 129-132, 180, 184, 188, 190, 193-194, 220, 292-293, 297, 300, 302, 305-307, 340, 342, 344, 347, 356, 369,430, 434, 444-445, 458, 464, 473, 501-502, 520, 535, 548, 552-554,556-557,581, 593, 606 J James, William: 5,85,121,246-247 Jesus Cristo: revelação histórica de Deus; relação de, à experiência cristã; divindade de; religião de, real, autônoma, livre; juízos de valor; em experiência cristã; meios de comunhão com Deus; impecabilidade de; o redentor dos homens; supra-histórico; sobrenatural, não eliminado do Novo Testamento; obra propiciatória de; pecador e meta mo­ ral; revelação objetiva; idéia de revelação; revelação única de Deus; e Antigo Testamento; revelação suprema de Deus; doutrina de pessoas de; chave a doutrina; elementos huma­ nos e divinos; preexistência de; vida de, continuada com vida de Deus; graus de ascensão de; vistas de, em pensamento mo­ derno; teorias opostas de; reve­ lado por sua obra; preexistência de e a Trindade; relação natural e espiritual de, à raça humana; obra salvadora de; personifica­ ção de ideal moral; intercessão de; o Espírito Santo; meio su­ premo de graça; convicção pelo Espírito; e o ato de fé; doutri­ na de, e regeneração; meio de bênção; união com; e doutrina de últimas coisas; pregação de, acerca do futuro; segunda vin­ da de; o Juiz final; central em representação do céu; atividade pré-encarnada de; e em restau­ racionismo, 12-13, 19-20, 22-23, 25,28-29,33,38-41,44,46,48-49, 51-52,55,60,64-68,70-74, 77-78, 92-93, 95, 98, 103, 122, 124-126, 133-135, 160, 180, 184-185, 189190, 192-193, 195-196, 198-215, 217, 219-224, 227, 229-230, 232- 235, 237-240, 245-251, 253-256, 258-259, 261, 265-267, 271-275, 277, 279, 281, 283, 285, 287, 289, 291, 293-295, 297, 299-303, 305, 307, 309, 311-313, 315-319, 323, 333-334, 340, 345-346, 352-354, 356, 364, 366-367, 370-373, 380, 382, 385,390, 396,398,400,402406, 412, 424, 426, 429, 431-435, 444, 452, 457, 460-461, 466, 471, 475, 479, 482, 488-489, 501-502, 508, 510-512, 520-521, 524, 526, 528, 530, 539-540, 544-545, 551552, 556-559, 561-569, 572-573, 575-576, 578-579, 584, 587, 590, 599-600, 603-604, 606, 610-614, 620 João: teologia de, 18, 66, 200-203, 207-208, 210, 230, 249, 251, 267, 293-294, 297, 300, 302, 307, 313, 316, 356-357, 368, 380, 397-398, 400, 402, 413, 425, 437, 451, 457, 460-461, 475, 484, 502, 507-508, 510-511, 517, 522-523, 535, 539, 566-567, 574, 578-579, 582, 591, 597, 610, 612 Judaísmo: 127, 129-131, 133, 412, 420,470,495-497 Juiz supremo: 85-86, 91 Juízo, o: retorno de Cristo para; convicção de, pelo Espírito; e convicção de pecado; o dia do Senhor; olhado com suspeitas; discutido detalhadamente; o princípio de, 15, 32-33,115,131, 229, 255, 258, 315, 372, 398, 410, 419, 437, 460-461, 534, 553, 556557, 560-561, 567-568, 572, 577579, 581, 583-584, 590-596, 604606, 610 Juízos de valor: teoria de; em re­ ligião; e a pessoa de Cristo, 32, 580 Justiça: impulso para, de propicia­ ção; convicção de, pelo Espíri­ to; definido; entre atributos de Deus; e convicção de pecado; ordem; em sentido de pureza, 33,42,109,132,134-135,139,154, 196, 202, 218-219, 225, 258, 283, 292, 294-299, 311-319, 333, 342, 362, 364, 369-370, 377-378, 382, 384, 389, 391-392, 394-396, 398, 403-404, 408-409, 413, 420-421, 424-425, 428,430, 437,445, 460461, 467, 473, 486-489, 493, 495, 516, 520-523, 527, 530, 532, 560, 583,590,596, 603, 621 Justificação: por fé, princípio mate­ rial da Reforma; em relação ao perdão divino; necessidade de; não de justiça; obtida por pro­ piciação, por fé, no ensino de Paulo; e regeneração; definida; e experiência cristã; objeção à doutrina de; e santificação, 487 Kant, Immanuel: filosofia de, 24, 142,153,174-175,256,285 L Lee, G. F.: 317 Legalismo: judaico, escrito de Pau­ lo, 125,412,420,493,498-499 Liberdade: moral, 7,21,26, 42, 78, 90,94,99,105,115,145,147,154, 161-162, 174, 221, 224, 247, 253, 274, 289, 321, 325, 329-331, 339, 342, 346, 350-351, 362, 367, 371, 387, 389, 416, 434, 438-441, 446447, 455, 489, 491, 499, 507, 529, 532, 538, 540, 543, 589, 592, 594, 597, 601,615, 618-620 Logos: 17, 208, 227, 232, 252, 356, 365 M Mackintosh, H. R.: 203 Mal: fase suposta do procedimen­ to de desenvolvimento, 77, 82, 88,90,120,154,171,173-174,213, 216, 280, 283, 290, 295-296, 298, 314, 325, 329-330, 342, 352, 355- 356, 360-362, 364-365, 369-370, 372, 376, 381, 415, 420, 433, 439, 449, 464-465, 476, 478, 485-486, 502, 529-531, 533, 558, 577, 580, 584, 591,593-595, 617-618, 620 Maniqueus: 227 Matéria: e Deus; e espírito; sem qualidade moral, 7,10, 30,115, 118, 140-141, 144-147, 149, 152, 161-163, 167, 182, 218, 224, 227, 245, 274, 321, 323-325, 328, 332, 346, 360, 372,524, 586, 592-593 Maurice, F. B.: 393 Mente e cérebro não convertíveis; e subconsciente: de regene­ ração; afirmado ser chave da encarnação; e obra do Espírito Santo, 25, 33, 41, 48, 51-52, 77, 82, 85, 94, 96,102,116,122,139, 141, 143-144, 146, 165, 168, 171173, 184-187, 203, 210, 221, 225, 227, 229, 235-236, 251, 260-261, 264, 278-279, 285-287, 291, 308, 311, 324, 327, 332, 341, 360, 370, 372, 395, 397, 404, 421, 439, 463, 475-477, 480, 503-504, 521, 524, 527-528, 562,565,592, 600, 612 Messias: o Cristo como, 131-132, 201, 205, 210, 231, 241, 249, 258, 385-386, 553-554 Metafísicas: sem licença; em fi­ losofia de Comte, e teologia, e a Trindade, 22, 30, 50, 101, 269, 482.515 Milagre: continuado; em nature­ za e homem, 221, 246, 248, 346, 349 Milagres: em ciência física; do Novo Testamento; de uso tem­ porário; de Jesus; e obra do Es­ pírito; e redenção; lugar de, em providência, 24-25,43,193,204205, 248, 250, 258, 283, 344-347, 350, 385-386,483 Milenista: o assunto relativo a, 576 Misericórdia definida: 124, 293, 305,314-316,448-450, 572 Missões: descobrem unidade de raça; paixão de, e união com Cristo, 343,516-517 Misticismo: examinado; formas de; da vida prática, 31-32, 119, 455.515 Monofisitas: 227-228 Monoteísmo: 130, 133, 226, 232, 242,260 Moralidade: modelo supremo de; a experiência é exigida para realização de; crescimento de formas de; e substituição, 145, 153,189, 373,415,550 Mortos: os justos, estado dos; os injustos, estado dos, 204-205, 217, 333, 372, 380, 403, 521, 567572, 577-578, 584-585, 588, 590591, 607, 611 Morte: de Cristo; ético-mística; castigo de pecado; conquista de, e união com Cristo; como um sonho; ausência de comu­ nhão Deus, 15, 39-40,46, 69-70, 95, 125, 134, 167, 190, 200, 236, 239, 241-242, 246, 249, 258, 302, 331-334, 350, 369, 373, 379-393, 395, 397-398, 400-414, 416, 418, 422,425,428,450,452,454,458, 461, 468, 475, 484, 493, 507-508, 516-517, 526, 531-532, 544, 546, 548-549, 552, 554-558, 560, 566568, 570-572, 586-588, 598-599, 603,605-607, 609, 618 N Nascimento de virgem: 65 ção mental do homem; e Deus; encontra clímax no homem; e o sobrenatural; problema do sentido de; e regeneração; e os movimentos de graça; falta de harmonia em, devido ao peca­ do, 17-18,25,27,30-32,34,41-44, 46-47,49-51,57-58,61-62,64,6869, 74-79, 81-83, 85-86,88, 91-93, 95-96, 98-99, 101-105, 109-110, 114-123, 126, 128-129, 132-134, 138, 140, 143-146, 148, 151-155, 158-162, 164-165, 167-172, 174, 176-177, 182-184, 197, 200, 203204, 211-213, 218-219, 222-228, 233, 236-238, 241-242, 246-248, 252-255, 263-266, 272-274, 277280, 282-283, 287-290, 293, 295, 298-300, 305, 307-316, 321-323, 325-326, 328-332, 335-336, 339, 341-342, 344-349, 351, 353, 360361, 363-364, 368, 372, 375-378, 386, 390-391, 393, 395-396, 399, 404-405, 408, 410, 418-419, 422, 427-428, 450, 456-459, 462-463, 465, 467, 469-471, 475, 481-485, 492, 494, 498, 506-509, 513-515, 524-526, 531, 534, 538, 550, 558559, 561, 585-587, 589, 593, 596597, 600-601, 608-610, 614-615, 617,619-620 Nazaré: 68,73,199 Natureza: e o homem; uma uni­ dade objetiva real; interpretada pelo personalismo; acordo en­ tre constituição de, e constitui­ Necessidade: regra de; de propiciação, 8,11,27,30,33-35,41-43, 51,54,60,77-79,81-82,89,91,102, 116, 118, 124, 157, 163, 165, 167169, 172-173, 176-177, 182, 185, 191-192, 196, 198, 209, 215, 219221, 223-224, 231, 238-239, 253, 261-263, 288, 293, 303, 313, 323, 325, 335, 345, 347, 365-367, 373, 376, 385, 391-392, 395, 406, 418, 422, 438, 441, 447, 451, 456-458, 466-467, 473, 475, 490-492, 494, 498-499, 502, 504, 543, 555, 590, 592 Neo-hegelianismo: 244 357, 364-365, 368, 370, 379, 384, 386-389, 394-397, 407, 411, 413, 420-421, 426, 432, 448, 451, 462463, 466-469, 471-472, 474-476, 479-480, 487-488, 491, 496, 504, 507, 512-513, 516, 519-520, 524, 527-530, 535-536, 538-539, 542, 547, 552, 554, 556-558, 560, 569571, 573-576, 578, 582, 585-587, 590, 596, 599, 603, 607, 609, 612, 614, 616, 618 O Nestorianos: 227,237 Nicéia: 227 Novo Testamento: fonte de teolo­ gia; e fonte do conhecimento do Cristo histórico; milagres de; não influenciado por religiões étnicas; em relação ao Antigo; objeto de; idéia de crença em; representação de Jesus e o Jesus sobrenatural; completa a histó­ ria da revelação, 7, 9,18-20, 23, 25,40,47-48,50,64-65,69,72-74, 79, 83, 97, 101, 107-108, 123-124, 130-131, 135, 161, 180, 184, 186, 189-191, 199-200, 205, 208-209, 211-213, 217, 226, 228-232, 234, 238, 249-252, 256, 258-260, 262, 273, 280, 282-283, 292-294, 296297, 299-302, 305-306, 313, 318, 328, 333, 340, 343, 351-354, 356Obras e salvação: 41, 95, 182-183, 185, 206, 225, 260, 263, 335, 356, 398, 432-434, 443, 468, 471-472, 489-490, 492, 497, 499, 511, 513, 522,578, 591-592,598, 604 Obediência: órgão de conheci­ mento; de Cristo, 17, 54, 80, 8283,99,106,110,191,202,211,219, 235, 240, 386, 391, 401-402, 404, 408, 411, 468, 472-473, 529, 531, 546, 602, 619 Onipotência: fonte de teologia; limitada pela liberdade moral dos homens, 130, 235,282, 289290, 318, 439, 446, 459, 609, 616, 619 Onipresença definida: 235, 278, 282,284 Onisciência definida: 235, 282, 286,289,307,311 Opiniões universais: modernos, 12-13, 29, 73, 139-140, 142, 162, 171, 180, 235, 244, 246, 250, 269, 273,313, 323, 574,576,581, 613 Oração: instinto de; propósito de Deus; e fé; pelos mortos, 85,99, 156, 208, 213, 283, 350-352, 355, 392, 419, 426, 433, 438-439, 447, 470, 526-527, 546, 600 Ordenanças: as, meio de salvação, 436,454,456, 510 Origem de Cristo: 65 P Paulo: teologia de, 4, 18, 20, 66, 71-73, 93, 126-127, 185, 190-191, 196, 200, 205-207, 210, 219, 230, 239, 249, 251, 259, 280, 295, 297, 302, 307, 313, 334, 351-352, 357, 363, 368, 372-374, 379-380, 396, 404, 406-407, 412, 416, 420, 423, 431-433, 435, 437, 442-444, 468, 470-473, 475, 477, 479, 487, 489, 495-499, 501-502, 505, 507, 510, 521, 524, 531-532, 534, 536, 539541, 544, 546, 568-571, 573-574, 577, 579, 584-586, 588, 590-591, 596, 598, 600, 603-604, 606-607, 610-614 Pacto: entre Deus e Israel; violação de; pecado de; com de relação com Adão; o novo, 132, 302, 355-356, 369, 398, 475, 520-522, 535,552 Panteísmo: males de; nega necessi­ dade de perdão; ensina a absor­ ção no Todo; na índia; tendên­ cia das religiões pagãs a; e per­ sonalismo; deixa de distinguir entre o Bem e o mau; cancela conceito de verdade; nega pos­ sibilidade de revelação; reduz todo o milagre; e doutrina de criação;idealístico; e obra do Es­ pírito; e regeneração; teoria de desespero e união com Cristo; e perseverança; e imortalidade; e ou juízo final; 32,129,133,152, 154, 156, 280, 339, 361, 481, 485, 514,538,548,595 Paraíso: 569 Parusia: 566 Patriotismo: 530 Pecado: e consciência de delito: sentido de indignidade; Cristo participante; não meramente subjetivo, 13-14,18,39-40,42,46, 52,67,77-82,85-86,88-89,92,94, 98-99,106,123,126-127,132,134, 156-157, 159, 165, 192, 194, 202, 204, 209, 212-214, 222-224, 238, 240, 258, 283, 297, 307, 314, 317, 331, 335-336, 342-343, 346, 350, 352, 356, 359-384, 389-390, 392, 394, 398, 401-406, 408-413, 418423, 426, 433, 437, 439-441, 443, 446, 449-450, 453-456, 458-461, 463-466, 468, 472-474, 476-477, 480-481, 485, 491-494, 498-501, 503, 505-507, 509, 515-516, 521523, 525-526, 531-535, 537, 546, 554, 560, 568, 574, 589, 591-592, 594, 601-602, 604-605, 608, 610, 615-617, 620 Pedagogia divina: 190 Pensamento moderno: 114, 174, 244-248,547 Penitência: 493 Pentecostes: batismo do Espírito, 70, 258,267,406,452,479,566 Perdão: enunciado por Cristo, necessidade espiritual do, não para os não arrependidos, pela morte de Cristo, repetido, 67, 78-79, 81, 88, 98, 103, 124, 213, 314-315, 382, 390-391, 398-399, 419-420, 437, 465, 494, 500, 508, 525,528, 605 Perfeição: contrastada com a impecabilidade original, 54, 135, 171, 233-234, 239, 275, 286, 290, 292, 294, 299, 303, 312-314, 318, Perfeccionismo: 537 Perseverança: e regeneração, fruto de fé, justificação, definida, 15, 484,490,494,515,537-539,543 Pessoa: na Trindade, 28, 33, 52, 64-65, 67-69, 72-73, 79, 89, 93, 99, 101, 122, 128, 133, 148-149, 151, 154, 156-157, 161, 192, 200, 204-205, 208-211, 213, 218-219, 222, 224, 226-231, 233, 240-241, 250-256, 260, 266, 268, 274-275, 277, 309, 311, 318-319, 328, 342, 348, 356,373,377,381, 386,388, 407,428,446,477,480,483,528, 549, 559, 577, 591, 594, 619 Personalidade: interpretação do universo, e limitação, único meio adequado para revelar a Deus, humana, elementos de, transição, faz com que o homem seja superior à natureza, coroa, a revelação de Deus, envolve liberdade múltipla, de Deus, substituição, 27,30,32-33,41,46, 68,76-77,79,81,87,90-93,98-100, 104, 108-109, 115, 128, 141, 145, 147, 149-154, 156, 161, 170-172, 176, 182, 185, 196, 218-219, 224, 228, 233, 237, 241, 243-244, 247, 253-255, 259-260, 262-263, 265, 268, 275-277, 279, 309, 311, 321, 324-325, 330, 334, 342, 346-347, 349, 361, 395, 414-417, 455, 477, 486,507,514,549,570,599,608 Personalismo: filosofia do, manifes­ tada e defendida, apóia o concei­ to de verdade, e teísmo cristão, e sistemas monísticos em geral, e a teoria de causalidade, 12, 141, 148-156,160-162,164,248 Personalistas: 245 Pessimismo: 485-486, 579 Pluralismo: 244,485-486,595 Politeísmo: 128-129 Pós-milenismo: 576 Presciência: 288,459 Predestinação: 342,427,538, 540 Preordenação: e liberdade huma­ na, e salvação, 341,433 Preexistência : de Cristo, 12, 209, 229-231,243,251-252,262,335 Pré-milenismo: 579 Presença real: 40,43,58,64,70,99, 103, 117, 121-122, 152-153, 166, 168-169, 183, 188, 191, 196, 198199, 204, 226, 248, 259, 317, 336, 341, 352, 354, 367, 382, 398, 407, 426, 433, 455, 469, 487, 516, 545, 562,568, 570,597, 607, 619 Provação: segunda, 609-610 Procedência: do espírito, 451-452 Profeta, Cristo como: 130-131,185, 292, 385,444,483, 554,595, 600 Profetas: meio de revelação, sen­ tido moral nas mensagens dos, e escatologia, 129-130,184,188189, 193-195, 199, 220, 257, 275, 292, 306, 333, 342, 369, 430-431, 441, 444, 457, 520, 552-553, 564565 Propiciação: pela morte de Cristo, revelação de Deus por si mesmo, encontra clímax no ensino cris­ tão, e significação do universo, exercício de amor na, e univer­ salismo, discutido, falácias, ex­ posição de doutrina bíblica de, e a imanência divina, elementos vitais na, referência para Deus e para o homem, dinamismo na experiência, atributos de Deus na, extensão de, e soberania, li­ mitada, e graça mundial, base de justificação, 14, 39, 42, 69-70, 132, 192, 245-247, 303-304, 313, 316-318, 382, 385-403, 405-410, 412-413, 416-425, 428-429, 431, 450,488,497,508,516,546 Protestantismo e a Bíblia: 27 Providência: relacionada com a ex­ periência cristã, no desenvolvi­ mento da história, tempropósito, discussão da, e a lei física, espe­ cial, e salvação, 13,37,52,131,214, 271, 339-341, 343-345, 347, 349, 351-353,355,357,427,442,447 Prova antropológica da existência de Deus: 170 Provas bíblicas: 50-51 Psicologia: reconhece obediência como órgão de conhecimen­ to, ponto de contato entre, e a Bíblia, e experiência cristã, e escatologia, campo de, e provi­ dência divina, de encarnação, e termos pessoais em religião, e unidade da raça, 8,12,31,47,55, 58, 62-63, 74, 77, 84-85, 89, 106, 118-121, 125, 131, 138, 140, 156, 159-160, 184, 186, 216, 235, 253254,275,298, 332, 343,499 Punição: e delito; segundo luz; graus de, 15, 305, 403, 409, 421422,463-464, 605 Química: 233, 349 R Racionalismo: como princípio na história do universo, 125, 198, 251 Razão: une a teologia, e fé, fator interno de conhecimento, abs­ trato, na descoberta da verdade, e os atos da vida cristã, pura, verdades inexplicáveis a, ima­ nente em todas as partes, ape­ lação da graça à, 17-18, 30-31, 34, 42, 46, 57-58, 61-62, 76, 8586, 93, 96,109-110,119,124,140, 142, 146-148, 150, 159, 164-165, 169, 171-177, 182-183, 203, 208, 216, 232, 244, 247, 252, 263-264, 271, 277, 281-282, 304, 310, 316, 321, 323, 329, 331, 334, 336-337, 340, 342, 348, 364-365,412,436, 438, 440, 443-444, 457, 460, 483, 490,526,587, 617 Raciocínio: dedutivo, 24,62,76,93, 99,102,159,169,173-174,179,183, 200,211, 286,383,498, 502, 538 Realização própria: 126 Recompensas: no céu, e castigos, 54, 342,547,550-551,599,603-604 Reconciliação: ensino cristão, propiciação como, por Cristo como Purgatório, 493, 571 Q Queda do homem, a: 117,356-357, 361-364,369, 501,617 mediador, 26, 99, 132, 135, 165, 213, 382, 387, 407, 422, 500, 546, 613 Redenção: propósito da religião, crescimento de idéia de, culmi­ na, em Cristo, e argumento pela existência de Deus, propiciação, e eleição, 28, 38, 60, 69, 79, 89, 91,98,110,124,127,130,132,159, 165, 173-174, 176, 184, 193, 210, 212, 216-217, 219, 224, 232-235, 242, 271, 304, 348, 359, 369, 373, 387, 389, 398, 400, 406, 427, 439, 467-468, 470, 488, 499, 505, 516, 545, 585, 589 Reforma: lema da, princípio ma­ terial da, 7,27,47, 378 Regeneração: na experiência cristã, obra do Espírito Santo, possibi­ lidade de, mente subconsciente e, consciência cristã em, agente divino em, pelo espírito, uma obra de graça e, instantânea, batismal, e ordem de salvação, definida, em suas maiores re­ lações, e estado espiritual de filho, e santificação, 15, 19, 37, 78-79, 81-82, 86, 89, 98, 106,118, 122-123, 245, 247, 253, 407, 434, 440, 453, 455, 462, 474-486, 490, 494, 496, 500, 502, 506-507, 509, 523 Reincidência: 474 Reino de Deus: e sentido central do evangelho, definido, meta de atividade de Cristo, e pro­ vidência, adiantamento pelos milagres, como constituído, tradições de Cristo, de relações humanas, e o ideal social, e as últimas coisas, vinda do, expec­ tativa da volta de Cristo, exige juízo, e restauracionismo, 36,48, 123, 131, 135, 159, 213, 366, 386, 447, 475, 527-528, 530, 547, 552, 557,567,575,593,595,607,615 Religião comparada: 12, 126-127, 130,133,136,156,216,275 Religião: e teologia, um ato valor universal, não há de separar-se da vida prática, valor-juizo em, experiência de Deus, comunhão entre Deus e o homem, pagã, base objetiva de, prepara para o estudo de teologia, definida, psicologia da, definida como sentimento de dependência ab­ soluta, patologia da, resultados de estudo científico da, agnosticismo, natural, variedade de formas da, 11-12, 17-23, 25-39, 41-49, 51-55, 57-60, 62-64, 74, 77, 82-83, 89, 96, 102, 104-110, 114128, 130-131, 133, 135-137, 142, 156, 158-160, 162, 165, 179, 182183, 194, 198, 215-217, 221, 223226, 230, 234, 237, 244-245, 247248, 250, 253, 262, 266, 268, 271, 275, 310, 321, 327, 334, 348, 350, 366, 370, 386, 388, 396, 412, 443, 448, 455-456, 465, 470, 482-483, 486, 491-492, 496-497, 510, 519, 545, 547-548, 550, 554, 558-561, 576, 587,593-595 Religião cristã (veja "cristianis­ mo"). 15,25,46,69,71-72,193,204-206, 209, 217, 231, 239, 249, 333, 347, 373, 406, 410-411, 460, 513, 517, 526,531, 533,546, 549, 551, 554555, 557-561, 566-568, 570-572, 577-579, 583-589, 597, 612 Revelação: probabilidade e fases da, baseada no ato objetivo, necessidade de propósito de, clímax de; em Cristo, fonte ob­ Ressurreição: e imortalidade, ética jetiva de conhecimento cristão, mística, Cristo é a, e santifica­ adiantamento da, um sistema ção, necessidade religiosa, vis­ articulado, resposta aos an­ ta com suspeitas, verdade vital, seios humanos, atos e teorias dos bons e dos maus, discutida de, conteúdo da, história da, detalhadamente, do corpo, 15, sinais bíblicos, encontra con­ 25, 46, 69, 71-72, 193, 204-206, sumação em Cristo, e regene­ 209, 217, 231, 239, 249, 333, 347, ração, 11-12,20,29,33,37-43,48, 373, 406, 410-411, 460, 513, 517, 50-52,59-60,64,68-69,73-74,79, 526, 531, 533, 546,549, 551, 55483, 95, 97,100,102,106-108,110, 555, 557-561, 566-568, 570-572, 114, 129-132, 134-135, 151, 157, 577-579,583-589,597, 612 160, 163, 173, 179-199, 201, 203, 205, 207, 209, 211-213, 217-222, Restauracionismo: 605, 609, 611, 225, 233-234, 242-243, 249, 254, 614, 620 257, 261, 266, 268, 271, 273, 291, 299-300, 304, 310, 313, 318, 334, Ressurreição: de Cristo, testemu­ 340, 342,344, 347, 356, 365, 372, nha sua deidade, relacionada 382, 398, 429-430, 456-457, 466, com a origem do cristianismo, 472, 482-484, 545, 554, 559, 584, culminação da atividade reden­ 590-591, 596 tora, lugar da, no cristianismo primitivo, ato mais notável de libertação, preliminar à pre­ Rei, Cristo como: 48,131,199,204, 322, 366, 385-386, 459, 553, 580, gação do evangelho, prova de 595 que era Messias, no evangelho de Paulo, na teoria de Schleiermacher, e a ressurreição geral, Ritschl: 8, 33, 246-247, 255-256 Ritschlianismo: 225 Ritschlianos: 174 Roma: 344 Royce, prof.: 245, 247 470-473, 480, 484, 487, 489-493, 495-496, 498, 500, 511, 515, 523, 532, 537-539, 541, 543, 545-546, 568,592,605,609-610,614 Sanday, prof. William: 206, 253, 255 Santidade: definida, entre atribu­ tos divinos, e soberania, 183, 235, 258, 279, 283, 290-295, 312313, 323, 330, 341, 362, 395, 401, 404,406,408,466,497,508,520521, 534-535, 591, 599, 607, 615, 619 Santificação: Cristo como, e rege­ neração, um fruto de fé, pro­ cedimento sujeito a variações, definida, e união com Cristo, e salvação, e o ideal moral, idéias errôneas acerca da, 519 Satanás: 354,356-357,362,371,388389,410,577 Schleiermacher: 8,19,89,165,249 Sermão da montanha: 124, 189, 475, 501,521 Sheol: 333,555,569,607 Servo sofredor: 554 Sinagoga: 442 Socinius, Lélio, Fausto: 389-390 S Sabedoria de Deus: 8,19, 61,135, 139, 141-142, 162, 168, 192, 200, 209, 219, 238-239, 257, 278-279, 283, 290, 308-311, 370, 466-467, 516,581 Sacerdote: Cristo como, 201, 385, 400,508, 565 Sacramentos: 436, 455, 493, 510, 514 Sacrifício: definido, Cristo como, 234, 266, 303-304, 360, 385-386, 393, 413, 447, 452, 493, 521, 536, 585, 619 Salvação de indivíduos: princípios de, ordem de, obras e, de crian­ ças, por caráter, 14-15,18, 20, 32, 39,41,50-52,64,69,77-78,108,127, 183-184,205,209,212-214,234,246, 249,251,271,306-307,355,364-365, 367, 371, 376, 382, 384, 386-387, 391-392, 394, 398-402, 406, 412, 420, 425, 427-443, 445-447, 449452, 458-459, 462, 465-466, 468, Soberania: divina, no sistema pes­ soal, inexplicável para a razão, não de mera vontade, e provi­ dência, e liberdade moral, e sal­ vação, manifestação de graça, 8, 14, 21, 244, 289, 318, 340-342, 424, 427-429, 432, 438, 440, 445, 447,449,455 Solidariedade: 304, 343-344, 374375,378,383, 594 Strong, A. H.: 272 Substituição: idéia de, em sacri­ fícios judaicos, princípio de apropriação, discutida, formas de altar, 132, 393-394, 410-411, 413-417,422 Sono da alma, doutrina do: 570 suficiente à história, relação da verdade, aproximadamente re­ lacionada a outros campos da ciência, fonte de, princípios mo­ rais e formais de, e vida, como unificado, método bíblico de, qualidades pessoais necessá­ rias para seu estudo, natural, e metafísica, 5, 7-11, 15, 17-25, 27, 29,31,33-39,41,43-55,57-58,6165,68,142,160,162-163,179,205, 220, 242, 256, 271-273, 310, 318, 321, 366, 375, 381, 401, 427, 448, 469,473,493,532,545,595 Teoria governamental de propiciação: 389-390 Teoria de influência moral de propiciação: 390 Teorias kenóticas: 235 Sofrimento de Deus: e providên­ cia, não espetacular, de Cristo, e união com Cristo, alívio de, no céu, 352,414 T Tentação de Jesus: teísmo e o juízo final, 201-202,239,258,330,423, 455, 517, 526, 572, 583 Teologia: e religião, definida como tratada aqui, precisa voltar a se manifestar, necessidade de, não Teoria sociniana de propiciação: 389-390 Tertuliano: 571 Tempo de pensamento filosófico: 384 Tipologia: 131 Traducianismo: 336 Transcendência e imanência: 133, 152,182, 221,339,405 Tricotomia: 227 Trindade: lugar da, no sistema te­ ológico, na experiência cristã, doutrina da, desenvolve-se a medida que se aperfeiçoa a idéia de religião, acusação de triteísmo, e o Espírito Santo, valor re­ ligioso de doutrina da, e religião pagã, e o Anjo do Pacto, falsida­ des sobre a, 13, 49-50, 101, 242, 244, 257, 259-265, 267-269, 276, 280,318,356,394 Trindades, pagãs: 267-268 Triteísmo: 242,260 U Unidade de raça: 342 Unitarianos: 390 Universalismo: 306, 384 Universalistas: 609-610 Universo: conhecimento do, não satisfatório, sugestões de per­ sonalidade em, interpretação racional de, um universo im­ pessoal, baseado na razão, no­ ção deísta, Cristo em relação com, interpretação de, e Deus, criação de, física e espiritual, história racional e religiosa do, 9,23-24,26,30,32,41,44,51, 75, 78, 95-96, 100,108-110,118,129, 133, 137, 140, 144, 147, 150-152, 154-158, 162-166, 168-169, 171172, 174-175, 181, 183, 196, 207, 211, 218-219, 223-224, 238, 245246, 250, 263, 265, 269, 271-272, 279-280, 284, 286, 289-290, 321326, 328, 332, 339-342, 348, 351, 353, 359, 363-364, 367, 383, 469, 485,509, 592-595, 597,602, 613 Utilitarismo: 124 V Valores religiosos: teoria de, idéia de, exagerada, e a Trindade, 3133,102,127,133,136-137,143,161, 216, 225, 264, 339,422,498,597 Variedades da experiência religio­ sa: 87-88,119,121,169, 247, 343 Vinda segunda: olhada com sus­ peitas, seqüência histórica da primeira, e as predições de Je­ sus, discutida detalhadamen­ te, imanente, central no futuro, 557-559, 561-562, 572, 574, 582583 Verdade: relação com teologia, como se descobre, realidade 225, 227, 230, 253, 263, 267, 305, objetiva em, definida, 7-9, 11, 19, 21-22, 24-25, 27-30, 32, 34-37, 309, 312-313, 323, 326, 331, 334, 39-40,43-51,53-55,60,62,64,68344, 346, 370-371, 382, 393, 396, 70, 73-76, 84, 86, 96, 99-100, 102, 400, 407, 417, 431, 441, 445-446, 105-110,113-118,120,123-125,128, 462, 465, 470, 479, 492, 497, 501, 135-140,144,153,155-157,159,162519, 527, 531, 541, 543, 545, 552, 164,173,177,181,183-187,189,191561,568, 586, 595, 608, 618-619 194,198-199,208,216-217,219-220, 224-225,229-230,233,241-245,247, Vontade: livre arbítrio, efeito de, 251,253,255-257,261-262,265-267, na vontade de outros, de Cristo, 269,274-275,277,283,286,291-295, possibilidade de iniciativa por, 297,306-311,316,318-319,340,349, de Deus, uma causa organiza­ 353, 356, 361, 364-365, 367-368, dora, do homem, e graça irresis­ 370-371, 375-376, 378-379, 383, tível, e o homem velho, deter385, 387-388, 390-393, 396, 398, minativa de caráter, 37, 40, 54, 400-402, 405-406, 411, 413, 41558-60,76-77,79-80,83,86-87,89418, 420, 422, 425-427, 429, 43290,99,102,108-109,119-120,123, 434, 436, 438, 440-442, 445-446, 125,130,140-141,144-145,147-149, 453-457, 461, 464-467, 471-472, 164-165, 172, 195, 203, 213, 218, 474, 476-481, 483, 489, 494-495, 220, 228, 233, 237, 243-244, 247, 497, 500, 503-505, 508-514, 522, 253, 264, 272-275, 277, 282, 295, 524, 526, 530-531, 535-536, 538, 298-299, 301, 304-305, 311, 315, 541-542, 550, 552, 554, 558, 565, 318, 323-324, 329-330, 346, 355, 575, 580, 590, 604-605, 609-611, 360-361, 364, 367, 369, 372, 375615-616,620 378, 395, 398, 401-402, 415, 428429, 432, 434-437, 439-440, 442, Vida religiosa: esforços para redu446, 454-455, 463-464, 466-468, zi-la, 51 470, 476-477, 479, 481, 499, 514, 516-517, 522-523, 525, 537, 541Virgem Maria: 65 544, 546, 548, 550, 589, 591, 593, 604,612-613,615-617, 620 Visão: 5,8,32,79,217,262,314,389, 493,556, 565, 582 Vista (perspectiva) deísta do uni­ verso: 7,12, 24-25, 29-32, 36,41, 51, 53, 61, 63, 71-72, 78, 86,124, 131, 137, 180, 182, 197, 205, 209, Z Zeloso: significação no Antigo Testamento. 130, 293, 302,340 Esta obra foi composta nas fontes Palatino corpo 12/15,4, Haettenschweiler corpo 14/15,4 e Grotesque MT corpos 40/40 e 12/14, foi impressa pela Imprensa da Fé sobre papel Off-Set 63/m2 e capa dura. São Paulo, Brasil, verão de 2005 A RE L I GI Ã O CRISTÃ na s u a e x p r e s s ã o d o u t r i n á r i a A Religião Cristã na sua expressão doutrinária nos apresenta a teologia como qualquer outra ciência: se estiver viva, progride. Mas diferentemente das outras ciências a sua base de sustentação é Cristo e o Novo Testamento o que significa que estes são a causa desse constante crescimento. O objeto da religião não cresce, mas o assunto nunca atinge o estágio final nesta vida. A verdade não muda, mas apreendemos a verdade com crescente clareza. Assim, nenhum dos fatos essenciais da vida espiritual do homem foi destruído por qualquer desenvolvimento em tem pos recentes. Os m étodos m udaram . Novas questões surgiram . Velhas questões assum iram novas form as. Novas afirm ativas da verdade são necessárias. M as Cristo permanece o m esm o "ontem , e hoje, e eternamente". O evangelho permanece. Os melhores m étodos históricos e críticos do estudo da Bíblia nos deram uma visão mais clara de Cristo e da sua doutrina. O evangelho de Cristo, não em uma form a atenuada tão reduzida de difícil reconhecimento, mas com todos os seus elementos vitais intactos, está hoje no mundo moderno, e nada tem a temer de qualquer forma de estudo sensato. Edgar Young Mullins, nasceu em 5 janeiro de 1860. Estudou no Seminário Batista do Sul(EUA). Em 1899 foi chamado para se tornar presidente deste seminário. Foi urn brilhante professor e escritor além de ter uma habilidade administrativa extraordinária que juntamente com sua atitude firme e conciliadora serviram para ganhar a confiança da liderança da denominação tornando-se presidente da Convençãô Batista do Sul dos Estados Unidos em 1899. Entre suas obras podemos destacar: porque o cristianismo é verdadeiro? (1905); Os axiomas de Religião (1908) entre outras. Mullins faleceu em 23 de novembro de 1928. IS BN 85-89320-67-7 9 3 2 0 6 7 2 > categoria: teologia


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