Sumário1 Preliminares 1.1 Notas históricas . . . . . 1.2 Relações deequivalência 1 1 7 19 20 24 25 31 33 43 44 46 46 50 52 59 2 Números naturais 2.1 Axiomática dePeano econjuntos infinitos 2.2 Operações comnúmeros naturais . . 2.2.1 Adição denúmeros naturais 2.2.2 Multiplicação denúmeros naturais . 2.3 Relação deordem emN . . . . . . . . . . . . . 3 Números inteiros 3.1 Construção do conjunto dos números inteiros 3.2 Operações emíZ . 3.2.1 Adição denúmeros inteiros 3.2.2 Multiplicação denúmeros inteiros 3.3 Relação de ordem emíZ . . . . . . . . . . 3.4 Conjuntos enumeráveis eaHipótese do Contínuo xv xvi 4 Números racionais 4.1 Construção dos números racionais 4.2 Operações emQ . 4.3 Relação deordem eaenumerabilidade deQ 4.4 Qcomo corpo ordenado . 5 Números reais 5.1 5.2 5.3 5.4 Cortes de Dedekind Relação deordem eoperações comcortes Representação decimal dos números reais f f i. não éenumerável . . . . . . . . . . . . SUMÁRIO 65 66 68 71 76 83 85 88 113 118 123 123 126 127 133 135 139 6 Números complexos 6.1 Construção dos complexos esua aritmética 6.2 te não éordenável . . . . . . . . . . . 6.3 Números algébricos etranscendentes . 6.4 Para alémdos complexos . . . . . . . Referências bibliográficas Índice remissivo 1 Preliminares 1.1 Notas históricas "A matemática partia de verdades evidentes e pros- seguia através de raciocínios cuidadosos para desco- brir verdades escondidas" ([6J, p. 306). A matemática sempre representou uma atividade humana e, em. todas as épocas, mesmo nas mais remotas, a ideia de contar sempre esteve presente. Um clássico exemplo danoção intuitiva decontagem era acorrespondência entre ovelhas deum rebanho epedrinhas contidas empequenos sacos, ou marcas empedaço deosso ou demadeira, ou ainda através denós emcordões, utilizados pelos incas. Muitos anos ainda se passaram até que se iniciasse o desenvolvimento teórico do conceito de número que, embora hoje nos pareça natural, foi lento ecomplexo, envolvendo diversas civilizações. Os registros históricos nos mostram autilização de vários sistemas de numera- ção, por exemplo, os povos babilônios de 2000 a.C., que desenvolveram o sistema 1 denumeração sexagesimal eempregaram oprincípio posicional; os egípcios, quejá usavam sistema decimal (não posicional); os romanos, que fizeram história através do uso simultâneo do princípio da adição edo raro emprego do princípio da subtra- ção; eos gregos antigos, povos que utilizavam diversos sistemas denumeração. Quase quatro mil anos separam asprimeiras manifestações denumeração escrita daconstrução do sistema denumeração posicional decimal que utilizamos, munido do símbolo denominado zero. Esse símbolo foi criado pelos hindus nos primeiros séculos da era cristã. A concepção do zero foi ignorada, durante milênios, por civilizações matematicamente importantes como ados gregos edos egípcios. A invenção do zero foi um passo decisivo para a consolidação do sistema de numeração indo-arábico, devido à sua eficiência e funcionalidade em relação aos demais sistemas de numeração. Como efetuaríamos, por exemplo, amultiplicação 385 x 9.807 usando algarismos romanos? A heterogeneidade detécnicas utilizadas nas representações numéricas não im- pediu, no entanto, que os cientistas da antiguidade pensassem emquestões profun- das eessenciais da matemática. Ummarco importante nahistória dos números edamatemática sedeu no século VI a.c., naEscola Pitagórica. Em seus estudos, os pitagóricos envolviam-se deum certo misticismo, pois acreditavam que existia uma harmonia interna no mundo, governada pelos números naturais. Desde Pitágoras, pensava-se que, dados dois segmentos de reta quaisquer, AB e CD, seria sempre possível encontrar um terceiro segmento EF, contido um número inteiro devezes emAB eumnúmero inteiro devezes emCD. Expressamos essa situação dizendo que EF é um submúltiplo comum deAB eCD ou que AB e 2 Preliminares Cap.l §1.1 Notas históricas 3 CD são comensuráveis. Essa ideia nos permite comparar dois segmentos de reta da seguinte maneira: dados dois segmentos, AB e CD, dizer que a razão AB/CD é o número racional mln, significa que existe um terceiro segmento EF, submúltiplo comum desses dois, satisfazendo: AB ém vezes EF eCD én vezes EF. Énatural imaginarmos que, para dois segmentos AB eCD dados, ésempre pos- sível tomar EF suficientemente pequeno para caber um número inteiro de vezes simultaneamente emAB eemCD. Emoutras palavras, que dois segmentos dereta são sempre comensuráveis, como pensavam os pitagóricos, sendo, portanto, os nú- meros naturais suficientes para expressar arazão entre eles e, de modo mais geral, arelação entre grandezas damesma natureza. O reinado dos números naturais, na concepção pitagórica, foi profundamente abalado por uma descoberta originada no seio da própria comunidade pitagórica e que se deu, emparticular, numa figura geométrica comum e de propriedades apa- rentemente simples, o quadrado. Trata-se da incomensurabilidade entre adiagonal eo lado deumquadrado. De fato, ao considerarmos adiagonal eo lado de umquadrado comensuráveis, teremos, digamos, a diagonal com medida nt e o lado com medida mt. Segue-se, pelo Teorema dePitágoras, que: n 2 t 2 =m 2 t 2 +m 2 t 2 =}n 2 t 2 =2m 2 t 2 =}n 2 =2m 2 , oqueéabsurdo, pois emn 2 háuma quantidade par defatores primos e, em2m 2 , uma quantidade ímpar de fatores primos, emcontradição com auni cidade da decompo- sição deumnúmero natural emfatores primos, como mostra oTeorema Fundamen- tal daAritmética. (Esse teorema, que usamos desde o ensino básico dematemática, está exposto rigorosamente em vários itens da bibliografia, por exemplo, em [5], 4 Preliminares Cap.l I I [14], [18], [25] e [31].) Essa situação só foi contornada através do matemático e astrônomo ligado à Escola de Platão, Eudoxo de Cnidos (408 a.c. - 355 a.C}, que criou a Teoria das Proporções para tratar as grandezas incomensuráveis através da geo- metria (veja [1]), o que, embora genial, contribuiu para adesaceleração do desen- volvimento da aritmética eda álgebra por muitos séculos. ~ ! I I ocoroamento da fundamentação matemática do conceito de número ocorreu somente no final do século XIX, principalmente através dos trabalhos propostos por Richard Dedekind (1831-1916), Georg Cantor (1845-1918) eGiuseppe Peano (1858-1932). Esses estudos foram motivados pelas demandas teóricas que surgiram apartir do volume de conhecimento matemático adquirido apartir do cálculo dife- rencial eintegral deIsaac Newton (1643-1727) eGottfried Leibniz (1646-1716), no século XVII. j a I I É interessante notar corno o processo histórico da conceituação de número as- semelha-se à nossa própria formação desse conceito. Desde crianças, admitimos os números naturais corno fruto do processo de contagem, da mesma forma que a humanidade os admitiu até o século XIX. Aliás, entre os gregos da época de Euclides, números eram os que hoje escrevemos como 2, 3, 4, 5 etc., ou seja, os naturais maiores do que 1. O próprio 1 era concebido corno a unidade básica a partir da qual os números, as quantidades, eramformadas. O zero, corno vimos, foi uma concepção já dos primeiros séculos da era cristã, criada pelos hindus, para a numeração escrita. Para urna criança aprendendo a contar, este ato só faz sentido a partir da quantidade 2, senão, contar o quê? Ela só admite o zero depois de ter ~ I i i li §l.l Notas históricas 5 passado alguns anos experimentando os números "de verdade", isto é, contando e adquirindo experiência, o que se dá no início de sua aprendizagem da numeração escrita. As frações eram admitidas pelos gregos não como números, mas como razão entre números 0,2,3,4 etc.). Damesma forma, os números negativos, inicialmente utilizados para expressar dívidas, débitos e grandezas que são passíveis de serem medidas emsentidos opostos, sóreceberam ostatus denúmeros séculos após serem utilizados na matemática e em suas aplicações. Novamente podemos observar a semelhança comanossa experiência pessoal emmatemática. A existência de grandezas incomensuráveis e a ausência de um tratamento efi- ciente para expressá-Ias, isto é, o desconhecimento de uma fundamentação teórica para o conceito de número real, não impediu o progresso de ramos da matemática do século XVI ao século XIX. No entanto, acomplexidade dessa matemática con- duziu aproblemas para cuja compreensão e solução o entendimento intuitivo não era suficiente. É mais ou menos assim que formamos o nosso conceito de número real: apesar deouvirmos falar denúmeros reais desde oEnsino Fundamental, con- cretamente só trabalhamos com números racionais naquela fase ou, no máximo, manipulamos números que aprendemos achamar de "reais". Isso ocorre aténo En- sino Superior e, mais grave, emnão raras faculdades dematemática, os formandos concluem o seu curso comamesma ideia denúmero real comquenele ingressaram. Os números complexos apareceram no estudo deequações, no século XVI, com o matemático italiano Girolamo Cardano (1501-1576), mas também só adquiriram o status de número a partir de suas representações geométricas, dadas no século XVIII (por K. F.Gauss (1777-1855) eJ .R. Argand (1768-1822», eda suaestrutura 6 Preliminares Cap.l algébrica, apresentada por W. R. Hamilton em 1833, na qual eles eram definidos como pares ordenados de números reais. Estes, por sua vez, foram construídos rigorosamente apartir dos racionais, décadas depois, por R. Dedekind eG. Cantor. Aqui também há umparalelo com anossa educação escolar: supondo conhecidos os reais, não étão complicado concebermos os complexos. No entanto, o conceito rigoroso denúmero real só seaborda numprimeiro curso de análise matemática na universidade. Isso, porém, costuma ser feito deforma axiomática, isto é, oconjunto dos números reais éadmitido por axioma como umcorpo ordenado completo, enão construído apartir dos racionais, como faremos neste livro, adaptando otrabalho de Dedekind. Por fim, os números racionais podem ser construídos rigorosamente a partir dos números inteiros e esses apartir dos naturais. Mas, e os números naturais, os primeiros que são admitidos pela nossa intuição? Assim se perguntaram alguns matemáticos do século XIX, na busca de completar o conceito matematicamente rigoroso de número. Eles podem ser construídos apartir daTeoria dos Conjuntos (veja[17], [30]) oupodem ser apresentados através deaxiomas, como fez G. Peano, em 1889, e como faremos aqui, com as devidas adaptações. Observe que aqui também continua o paralelo com anossa formação matemática escolar, uma vez que o questionamento sobre anatureza dos números naturais é inexistente para a quase totalidade das pessoas que não são diretamente envolvidas commatemática. Assim, aapresentação que faremos nos capítulos seguintes éaquela que os ma- temáticos do século XIX eXX deixaram pronta para nós, possibilitando-nos apre- sentar os conjuntos numéricos numa ordem logicamente coerente, rápida eelegante - naturais, inteiros, racionais, reais e complexos - passando alimpo aconflituosa - §1.2 Relações de equivalência 7 ordem histórica delineada acima. A citação abaixo ilustra bem o movimento pelos fundamentos da matemática que acabamos decomentar: Além da libertação da geometria e da libertação da álgebra, um terceiro movimento matemático prcfun- damente significativo teve lugar no século XIX. Esse terceiro movimento, que se materializou lentamente, tornou-se conhecido como aritmetização da análise. ([1O), p. 609). 1.2 Relações de equivalência oconceito de relação de equivalência permeia grande parte deste livro. Por isso, trataremos dessa questão apartir de agora. Admitiremos a noção intuitiva de conjuntos e, em particular nesta seção, dos conjuntos numéricos e das propriedades básicas de suas operações. Não esqueça- mos que nosso objetivo nos capítulos seguintes é estudar o conceito rigoroso de número, portanto desses conjuntos numéricos. Utilizaremos anotação usual para os conjuntos numéricos: N ={O,1,2, ... }que éo conjunto dos números naturais, Z (conjunto dos números inteiros), Q (conjunto dos números racionais), ]R(conjunto dos números reais) eC (conjunto dos números complexos). SeA ésubconjunto de]R,A+ denota oconjunto dos elementos não negativos deA eA_ o dos elementos não positivos. SeB éum conjunto de números que contém o zero, então B* denota B \ {O}. (O símbolo "\" denota aqui diferença de conjuntos.) 8 Preliminares Cap.l Definição 1.2.1. SejaA umconjunto. O conjunto das partes de A, ou conjunto po- tência de A, denotado por P(A), éo conjunto cujos elementos são os subconjuntos deA. Exemplo 1.2.1. 1. SeA ={a,b}, então P(A) ={0,{a},{b},A}. 2. SeA =0, então P(A) ={0}, pois 0 éo único subconjunto deA. Exercício 1. Descreva P(A) nos seguintes casos: 1. A ={1,2,3}; 4. A =P( {1,2}); 2. A ={0}; 3. A ={1,2,3, ... }; 5. A =P(B), onde B =P( {I}). Definição 1.2.2. Dados um conjunto não vazio A e a, b E A, definimos opar or- denado. (a, b) como sendo o conjunto {{a}, {a, b}} (observe que (a, b) C P(A). Esta definição tem por objetivo tomar preciso matematicamente o conceito de par ordenado que, desde o Ensino Fundamental, admitimos intuitivamente como "umpar de objetos onde aordem temimportância". Com adefinição acima, mostramos, no teorema seguinte, que par ordenado é 'aquilo que concebíamos intuitivamente. Teorema 1.2.1. Sejam A um conjunto e a,b,c,d EA. Temos que: (a,b)=(c,d){:}a=c e b=d. • §l.2 Relações de equivalência 9 1. SeA ={1,2}, então A xA ={(1, 1), (1,2), (2, 1), (2,2)}. Demonstração. Se a =c e b =d, então é claro que (a,b) =(c,d). Reciproca- mente, suponhamos que (a,b) =(c,d), isto é, que {{a}, {a,b}} ={{c}, {c,d}}. Consideremos dois casos: ]0 caso: a =b. Nesta situação, (a, b) =(a, a) ={{a}, {a, a} } ={{a}, {a} } ={{a} }. Assim, nossa hipótese fica {{a}} ={{c}, {c, d} }. Então o conjunto {c, d} é um elemento de { {a} }, logo só pode ser igual a {a}, o que acarreta c =d =a. Como a =b, obte- mos a =c e b =d (todos iguais aa). 2° caso: a = 1 = b. Analisemos então aigualdade {{a} , {a, b} } ={{c}, {c, d} }: Se fosse {a, b} ={c}, teríamos a =b =c, contradizendo ahipótese a =# b. Logo {a, b} ={c, d}, deonde pode-se concluir que c = 1 = d. Daí, oelemento {a} não pode ser {c,d}, logo {a} ={c}, de onde obtemos que a =c. De {a,b} ={c,d}, como b = 1 = a =c = 1 = d, segue que b =d. D Definição 1.2.3. Dado umconjunto A, oproduto cartesiano de A por A, denotado por A xA, éo conjunto detodos os pares ordenados compostos por elementos deA, isto é, A xA ={(x,y) I x,y E A}. Exemplo 1.2.2. 2. SeA =0, então A x A =0. Exercício 2. SeA ={1, 2, 3}, quantos elementos possui A x A? Generalize. Exercício 5. Dados três elementos a.b ec, pertencentes, respectivamente, aos con- juntos A, B e C, definimos a terna ordenada (a,b,c) como sendo o par ordenado ((a,b),c) pertencente a (A x B) x C. 10 Preliminares Cap.l Definição 1.2.4. Dados dois conjuntos A eB, sex E A ey E B então x,y E A UB, e podemos considerar (x,y) como na Definição 1.2.2, isto é, (x,y) ={{x}, {x,y}} C P(A UB). Definimos o produto cartesiano de A por B como sendo o conjunto AxB={(x,y)lxEA e yEB}. Observe queA x B CP (P(A UB) ) (certifique-se deste fato). Exercício 3. A x B éigual aB xA? J ustifique. Exercício 4. Mostre que seA ou B for o conjunto vazio, então A x B =0. 2. Como você definiria oproduto cartesiano detrês conjuntos A, B eC? 1. Mostre que (a,b,c) =(x,y,z) se, esomente se, a =x, b =y ec =z. 3. Como você definiria uma quádrupla ordenada de elementos de um conjunto A? E o produto cartesiano de quatro conjuntos? 4. Generalize. Exercício 6. Uma operação em um conjunto não vazio A é uma função * : A x A --tA. A imagem * ((x,y)) de um par ordenado (x,y) pela função * é usualmente denotada por x * y. Considerando o nosso conceito intuitivo de con- juntos numéricos e de suas "operações aritméticas", pergunta-se: quais das quatro §1.2 Relações de equivalência 11 . e "operações aritméticas fundamentais" são defato operações, no sentido da defini- ção acima, no conjunto dos números naturais? E no conjunto dos inteiros? Mesma pergunta para os racionais, reais ecomplexos. }c to Definição 1.2.5. Uma relação binária R num conjunto A é qualquer subconjunto do produto cartesiano A x A, isto é, R CA x A. Exemplo 1.2.3. SeA ={1,2,3}, então R ={(1, 1), (1,2), (1,3), (3, 1), (3,3)} é uma relação binária emA. Notação: SeR éuma relação binária emA ese(a, b) E R, escrevemos aRb, isto é, (a,b) E R {:} aRb. Lê-se: a está relacionado com b (via R). Assim, no exemplo acima, temos, por exemplo, lR2, mas não temos 2Rl. Uma relação binária emA será chamada simplesmente de relação em A, pois não trataremos derelações quenão sejambinárias. n- o Definição 1.2.6. Uma relação R emA diz-se relação de equivalência sepossuir as seguintes propriedades: to i) reflexiva: aRa, para todo a EA; ii) simétrica: sea, b E A eaRb, então bRa; iii) transitiva: para a, b, c E A, seaRb ebRc, então alce. Exemplo 1.2.4. A relação R do exemplo anterior não éreflexiva nemsimétrica, mas étransitiva (verifique). Logo, R não érelação deequivalência. Exemplo 1.2.6. Se a,b E Z, dizemos que a divide b (ou b é múltiplo de a, ou a é divisor de b) se existir e E Z tal que b =ae. Escrevemos a I b para simbolizar que a divide b. Esta relação de divisibilidade emZ não éuma relação de equivalência, porque não ésimétrica, apesar de ser reflexiva etransitiva (verifiquei). Preliminares Cap.l 12 Exemplo 1.2.5. Consideremos oconjunto A ={a, b, e}. Verifiquemos seasrelações abaixo são relações de equivalência no conjunto A: 1. R ={(a,a), (a,b), (b,e), (a,e), (b,a)}; 2. S={(a,a), (b,b), (e,e), (a,b), (b,a)}. Temos: 1. R não éuma relação deequivalência, pois não éreflexiva: (b, b) ri R. Observe que (e, e) também não está em R e que R também não é simétrica e nem transitiva (verifiquei). 2. S éuma relação de equivalência (verifiquei). No início desta seção, dissemos que admitiríamos nela a noção intuitiva dos conjuntos numéricos edesuas propriedades aritméticas básicas. Ela será necessária no exemplo seguinte e em algumas outras poucas situações desta seção. O leitor não precisa incomodar-se comessa utilização, porque ela sedará apenas atítulo de esclarecer o conceito de relação de equivalência, este, sim, rigorosamente tratado na presente seção. Além disso, nada do que dissermos sobre esses conjuntos aqui servirá de base para as construções rigorosas deles, que são objeto dos capítulos seguintes. L é §1.2 13 Relações de equivalência Se R éuma relação de equivalência e aRb, dizemos que a éR-equivalente a b ou, simplesmente, a éequivalente ab, quando R estiver subentendida no contexto. Exercício 7. SejaA umconjunto. Mostre que: 1. A x A éuma relação deequivalência emA. 2. {(x,x) I x E A} éuma relação de equivalência emA. Esta relação se chama igualdade em A (ou identidade de A), ese denota por "=". Logo (x,x) E =, 'IIx E A, que escrevemos usualmente como x =x, 'IIx E A. 3. Qualquer relação de equivalência emA está compreendida entre as duas dos itens anteriores. Definição 1.2.7. Sejam R uma relação de equivalência numconjunto A ea EA um elemento fixado arbitrariamente. O conjunto a ={x EA I xRa} chama-se classe de equivalência de a pela relação R. Ou seja, a éo conjunto constituído por todos os elementos deA que são equivalentes aa. Exemplo 1.2.7. As classes de equivalência dadas pela relação S do Exemplo 1.2.5 sãoa={a,b}, b={b,a}, e c={c}. 14 Preliminares Cap.l Teorema 1.2.2. Sejam R uma relação de equivalência em um conjunto A e a e b elementos quaisquer de A, então: i) a E a; ii) a =b {:} aRb; iii) a i- b =}anb =0. Demonstração. (i) e (ii) ficam a cargo do leitor como exercício. Mostremos (iii) por contraposição. Suponhamos então que exista c E anb. Então, aRc ecRb. Pela transitividade, aRb e, consequentemente, por (ii), segue que a =b, contrariando a hipótese. A propriedade (iii) acima nos mostra que duas classes de equivalência distintas são disjuntas. Uma conclusão importante do item (ii) desse Teorema 1.2.2é que, dado um elemento arbitrário x daclasse deequivalência a, então x =a, isto é, todo elemento deuma classe deequivalência a temamesma classe deequivalência dea. Dizemos então quea pode ser representada por x, Vx Ea (ou, ainda, quex éumrepresentante dea, Vx E a). , Exemplo 1.2.8. Sejam A =Z e R a relação dada por: aRb quando o resto das divisões dea ede b por 2forem iguais. Por exemplo, (5,21)E R, (6,14)ER, mas (5;8) ~R. Verifique como exercício que R éuma relação de equivalência em Z. Comisso: T ={ ,-3,-1, 1,3,5, }=3 ' ='5 =-7, . "2 ={ ,-4, -2,0,2,4) }=Õ =-2 =6 . o • • . 1 §1.2 Relações de equivalência 15 eb Verifique que só há duas classes de equivalência distintas. Mais precisamente, tem-se 11=O para n par e11=T para n ímpar. Definição 1.2.8. Seja R uma relação de equivalência num conjunto A. O conjunto constituído das classes de equivalência emA pela relação R é denotado por A/R e denominado conjunto quociente deA por R. rii) Assim, A/R ={a I a E A}. Exemplo 1.2.9. SeR éarelação do exemplo anterior, então A/R ={O, T}. um 1. Mostre que ('V érelação deequivalência emZ. Exercício 8. SejaA ={1,2,3}. Determine os elementos deA/(A xA) eA/ =. Exercício 9. Considere a seguinte relação ('V em Z : x ('V y quando os restos das divisões dex ey por 3forem iguais. 2. Encontre Z/ ('V. 3. Generalize este exercício eo Exemplo 1.2.8. Exercício 10. Seja A o conjunto de todas as pessoas eR arelação emA dada por xRy quando x for mãe dey. 1. R érelação deequivalência? 2. Na sua casa há pessoas para comporem elementos de R? Em caso positivo, descreva esses elementos. 16 Preliminares Cap.l Exercício 11. SejaA como no Exercício 10eS arelação emA dadapor xSy quando x for irmão (irmã) de y ou quando x e y forem amesma pessoa. (Nesses tempos modernos, convém definir, neste contexto restrito, otermo "irmão": x ey são irmãos quando são filhos biológicos do mesmo pai edamesma mãe.) Mostre que S éuma relação deequivalência. Qual éaclasse deequivalência cujo representante évocê? Nasuacasahápessoas paracomporem elementos deS? Emcaso positivo, descreva esses elementos. Qual aclasse de equivalência de cada pessoa que mora em sua casa? O que ocorreria se adefinição de S fosse simplesmente "xSy quando x for irmão (irmã) dey"? Mesmo que apartição deA consista de uma família infinita de subconjuntos de A, arelação R do exercício acima aindaéde equivalência. Observe queumarelação deequivalência R emA determina umapartição deA, a saber, asclasses deequivalência determinadas por R. Reciprocamente, vimos acima queumapartição qualquer deA determina umarelação deequivalência emA. Além disso, as classes de equivalência dessa relação são precisamente os subconjuntos que compõem apartição. Confira! Exercício 12. SejaA um conjunto eA =Al UA2 UA3 ... UA n umapartição finita de A, isto é, uma decomposição deA como união finitade uma família de subcon- juntos deA que são dois adois disjuntos e não vazios. Para x ey E A, definimos aseguinte relação R: xRy quando x ey pertencem ao mesmo elemento dapartição. Em símbolos: xRy {:? existe i E {I, ... ,n} tal que x, y E Ai, Mostre que R é uma relação deequivalência emA. §1.2 Relações de equivalência 17 Exercício 13. Seja A =AI UAz tal que AI nAz = í - 0. Definindo arelação R emA como no exercí cio anterior, ela érelação deequivalência? Exercício 14. Explicite todas asrelações deequivalência no conjunto A ={I, 2, 3}. Exercício 15. SejaA ={x E ZI- 5:Sx:s 1O}. SejamR, S, T eV as relações sobre A definidas por: xRy {:}x Z =i; xSy {:} existe k E N tal quex Z =i+k; xTy {:} existe k E Z tal quex Z =i+k; xll y {:} existe k E Z tal quex - y - 3k =O. Verifique que R, T e V são relações de equivalência, mas S não o é. Determine os respectivos conjuntos quocientes: A/R, A/T eA/V. • . 1 2 Números naturais A ideia denúmero natural sempre esteve associada àideia dequantidade eàneces- sidade decontagem. A formalização do conceito denúmero natural como expressão dequantidade sedá através da Teoria dos Conjuntos. Uma referência clássica para aconstrução dos números naturais via Teoria dos Conjuntos é [17]. Veja também [30]. Uma outra opção de formalização, que adotaremos aqui, é a axiomática, não construtiva. Ela consiste simplesmente em assumir a existência do conjunto dos números naturais (a partir do qual construiremos os demais conjuntos numéricos). Mas o que significa "assumir aexistência do conjunto dos números naturais"? Sig- nifica assumir a existência de um conjunto satisfazendo certos axiomas que são capazes decaracterizar completamente, ede forma rigorosa, anossa ideia intuitiva de conjunto dos números naturais. "Caracterizar completamente" significa que um conjunto obedecendo tais axiomas éuma "cópia" daquilo quejá conhecemos intui- tivamente como conjunto dos números naturais. Mais adiante expressaremos essa semelhança deuma maneira mais precisa. Essa axiomatização do conjunto dos números naturais éuma adaptação para a 19 20 Números naturais Cap.2 simbologia matemática atual daquela que foi apresentada pelo matemático italiano Giuseppe Peano, no final do século XIX. 2.1 Axiomática de Peano e conjuntos infinitos Entre as várias ideias que nos vêmàmente ao pensarmos no conjunto dos números naturais, temos: "esse conjunto começa no zero eprossegue de umemum". Uma outra ideia, menos imediata, da qual já ouvimos falar durante a nossa formação matemática é a do Princípio da Indução Finita. Imagine que um subconjunto A dos números naturais contém o número 5. Suponha que este subconjunto possui também aseguinte propriedade: elecontém osucessor natural dequalquer elemento seu, isto é, sex E A, então x +1E A. Logo, A conterá o6, pois, pelahipótese inicial, contém o 5. Mas então conterá o 7, pois contém o 6. Portanto, por conter o 7, conterá o 8eassimpor diante. Concluímos queA contém oconjunto {5,6, 7,8, ... }. Note, no entanto, que não sabemos seA contém o 4, 03 etc. Se anossa hipótese inicial, 5 E A, fosse substituída por O E A, então poderíamos garantir que A seria igual ao conjunto dos números naturais (pois A já fora inicialmente tomado como subconjunto dos naturais). Os axiomas de Peano são uma apresentação matematicamente rigorosa dessas ideias intuitivas, e seapoiam emconceitos matemáticos quejá conhecemos ou ad- mitimos conhecidos, no caso, o de conjunto ede função. Vamos então aesta apre- sentação: L • • Axiomática de Peano e conjuntos infinitos §2.1 Existe um conjunto N euma função s:N - - - - > N verificando: Ad séinjetora; A2) Existe um elemento em N, que denotaremos por O, echamaremos dezero, que não está na imagem des, isto é, O t i - Im(s). Ant es deenunci armos o 3° eúlt i mo axi oma dePeano, vamos t ent ar perceber que t i po dei dei a est á por t rás da função s. Est e "s" vem da palavra sucessor, de modo quesex E N, s(x) será chamado desucessor de x. Assi m, opri mei ro axi oma nos di z queelement os di ferent es deN possuem sucessores di ferent es, enquant o o segundo axi oma expressa o fat o dequeOnão ésucessor denenhum element o deN. Veremos adi ant e ques(x) éo sucessor nat ural dex que conhecemos i nt ui t i va- ment e, i st o.é, x+ 1. Mas cui dado! Em nosso cont ext o axi omát i co ai nda não defi ni - mos adi ção, enem sabemos o quesi gni fi ca o símbolo "I". Por i sso confi rmaremos essa afi rmação post eri orment e, naProposi ção 2.2.1. Vamos agora ao últ i mo axi oma dePeano. A3) Se um subconjunto X de N satisfizer (i) e (ii) abaixo, então X =N: i ) O E X; i i ) Sek E X, ent ão s(k) E X. N sechama Conjunto dos Números Naturais. O axi oma A2 garant e queN i= - 0, poi s O E N. Além di sso, como s(O) i= - O (poi s O t i - Irn(s) es(O) E Im(s)), ent ão N cont ém pelo menos doi s element os: O es(O). Ai nda est amos um pouco longe do nosso conjunt o i nt ui t i vo dos números nat u- rai s, com seus "i nfi ni t os" element os. Ent ret ant o, observe ques(s(O)) édi ferent e de 21 22 Números naturais Cap.2 o (porque Ori . Im(s) edes ( O ) (poi s s éi njetora (O= 1 = s ( O ) =}s ( O ) = 1 = s ( s ( O ) ) ) ) . Isso acrescenta mai s umelemento emN, asaber, s ( s ( O ) ) . De manei ra análoga, ai magem des ( s ( O ) ) por s também está emN eédi ferente dos elementos O,s(O),s(s(O)),já menci onados. (Veri fi que!) Tomando então sucessores de forma i terada, parece que cada elemento novo é di ferente de todos aqueles anteri ormente obti dos. De fato, i sso ocorre e será pro- vado ri gorosamente na Proposi ção 2.3.6, quando ti vermos à di sposi ção anotação adequada para expressar as estruturas ari tméti ca e de ordem de N. Devi do aesse fato é que consi deramos N i nfi ni to e, de modo geral, defi ni mos conjunto i nfi ni to como segue: Definição 2.1.1. Umconjunto X di z-se infinito quando exi ste uma função i njetora f :N ---t X. Umconjunto édi to finito quando não for i nfi ni to. Ou seja, umconjunto é i nfi ni to quando conti ver um subconjunto Y embi jeção com N, o que também se expressa di zendo que Y éequipo tente aN. Assi m, se consi derarmos por um momento anoção i ntui ti va dos conjuntos Z, (Q, IR eC, éi medi ato que todos eles são i nfi ni tos, conforme comprovaremos ri goro- samente nos capítulos segui ntes. ~á outras defi ni ções de conjuntos i nfi ni tos (portanto, de conjuntos fi ni tos) ob- vi amente equi valentes à que demos aci ma. Vale apena comentar uma delas, que é devi da aCantor, porque ela rompeu com o paradi gma mi lenar grego de que "o todo é sempre mai or do que qualquer uma de suas partes própri as": Um conjunto di z-se i nfi ni to quando exi sti r uma bi jeção entre ele eum subconjunto própri o dele. , . . 2 §2.1 Axiomática de Peano e conjuntos infinitos 23 Assim, o Teorema 2.1.1 adiante nos garantirá, novamente, que N é infinito, pois provaremos que afunção s : N ---t N* éuma bijeção. Admitindo-se anotação usual para os números naturais (veja seção 2.2.1), pode- seprovar ainda que umconjunto X éfinito se, esomente se, elefor vazio ou estiver embijeção com um conjunto do tipo In ={1,2,3, ... ,n}, para algum n E N*. Um tal n, quando existe, é único e chama-se número de elementos de X. Além disso, todo subconjunto deumconjunto finito éfinito, emplena concordância comonosso conceito intuitivo de finitude. Para ademonstração rigorosa dessas afirmações, bem como para mais detalhes so- bre as propriedades deconjuntos finitos einfinitos, veja, por exemplo, os itens [22] e [30] dabibliografia. O axioma A3 acima é conhecido na literatura como o Princípio da Indução Fi- nita, ou Princípio da Indução Matemática, ou Princípio da Indução Completa, ou simplesmente Princípio da Indução. Ele éutilizado como método dedemonstração de teoremas que dizem respeito apropriedades do conjunto dos números naturais, conforme veremos adiante. Sabemos, pelo axioma A2, que O ti. Im(s). Mas o que é Im(s)? O item (ii) do teorema abaixo responde aesta questão: Teorema 2.1.1. Se s : N---t Né afunção sucessor, então, tem-se: i) s(n) = 1 = n, para todo n E N(nenhum número natural é sucessor de si mesmo); ii) Im(s) =N \ {O} (Oé o único número natural que não é sucessor de nenhum número natural). 24 Números naturais Cap.2 Demonstração. i) Seja A o subconjunto de N constituído dos elementos n E N tais que s(n) = 1 = n. Usaremos o Princípio da Indução para mostrarmos que A =N, ou seja, s(n) = 1 = n, V n E N. Temos: OE A, pois s(O) = 1 = Ojá que Orf . Im(s), por A2. V erif iquemos agora que vale aimplicação: k EA:::} s(k) E A. De f ato: k EA {:} s(k) = 1 = k. Aplicando s em ambos os membros de s(k) = 1 = k, obtemos s(s(k)) = 1 = s(k), pois s é injetara. Logo s(k) E A. Pelo Princípio daIndução, A =N. ii) Novamente, usaremos o Princípio daIndução no conjunto A ={O}Ulm(s) (cN): OEA e (kEA= ?s(k) Elm(s)CA). Logo A =N ecomo Orf . Im(s), então Im(s) =N\ {O}. o Denotaremos N \ {O}por N*, conf orme notação introduzida no início daseção 1.2. Todo elemento de N* ésucessor de um único número natural, que se chama seu antecessor. 2.2 Operações com números naturais Nesta seção, def iniremos duas operações sobre o conjunto dos números naturais, que chamaremos de adição (+) e de multiplicação (-). Trata-se de uma primeira f ormalização das operações de mesmo nome que já conhecemos da matemática elementar. L. é • §2.2 Operações com números naturais 25 2.2.1 Adição de números naturais Definição 2.2.1. A adição de dois números naturais, m en, édesignada por m +n edefinida recursivamente do seguinte modo: { m+O = m; m+s(n) =s(m+n). A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário m com O: m+O=m. Ela nos dátambém asoma dem coms(O): m+s(O) =s(m+O) =s(m). Temos ainda: m +s(s(O)) =s(m +s(O)) =s(s(m)) eassim por diante. A formalização desse processo se dá através do Princípio da Indução e nos mostra que a soma m +n está definida para todo par m, n de naturais. De fato, para cada m natural fixado arbitrariamente, definimos o conjunto Sm = {n EN I m+n está definida}. Temos que OE Sm e sek E Sm, então s(k) E Sm, pois m+s(k) =s(m+k). Logo, por A3, Sm =N. Como m éarbitrário, Sm =N, para todo m E N, ou seja, m +n está definida para todo par (m, n) de naturais, o que nos diz que aadição acima definida édefato uma operação emN. Um comentário acerca da definição de adição acima (que se aplica também a outras definições apresentadas de forma recursiva, como a multiplicação de natu- rais, de potências com expoente natural, de composição interada de funções etc): épossível mostrar que existe uma única operação em N, ou seja, uma função * : N x N ---+ N, que possui as propriedades que utilizamos para definir adição, isto é, m*O =me m*s(n) =s(m*n). Esse resultado, bem como resultados similares relativos às outras situações acima mencionadas, são casos particulares de umteo- rema sobrefunções recursivas que optamos por não abordar emdetalhes neste livro, mas que pode ser apreciado emtextos de lógica matemática e de fundamentos da matemática como, por exemplo, nos itens bibliográficos [4], [7], [20] e [26] . Introduzimos agora afamiliar notação para os números naturais, que conhece- mos desde nossa infância. 26 Números naturais Cap.2 Definição 2.2.2. Indicaremos por 1(lê-se "um") o número natural que ésucessor deO,ou seja, 1=s ( O ) . Confirmando o que dissemos antes deenunciar o Axioma Aj, temos: Proposição 2.2.1. Para todo natural m, tem-se s(m) =m +1e s(m) =1+m. Por- tanto, m+ 1=1+m. Demonstração. Para aprimeira igualdade, temos: m +1=m +s(O) =s(m +O) = s(m). Para asegunda igualdade, consideremos oconjunto A ={m E N I s(m) =1+m}. Claramente, O E A, pois s(O) =1=1+O. Sejam E A. Vamos mostrar ques(m) E A. De fato, como s(m) =1+m, temos que s(s(m)) =s(l +m) =1+s(m), isto é, s(m) EA. Assim, pelo Axioma A3, temos A =N. Como era de se esperar, passaremos a adotar a notação indo-arábica (de base dez) para os elementos de N (Maiores detalhes sobre sistemas de numeração serão considerados na seção 5.3.). o .2 teo- o, • §2.2 Operações com números naturais 27 J á temos os símbolos ° e 1=s(O). Definimos: s(1) =2 (lê-se dois); s(2) =3 (lê-se três); s(3) =4 (lê-se quatro); s(4) =5 (lê-se cinco); eassimpor diante. Então, vemos que N contém o conjunto {O,s(O),s(s(O)),s(s(s(O))), ... } ={O,I,2,3, ...}. A questão que se coloca agora é: N contém outros elementos além desses? Se aresposta for negativa, teremos concluído que os axiomas de Peano realmente formalizam anossa ideia intuitiva deconjunto dos números naturais. Teorema 2.2.2. N ={O,1,2,3, ...}. Demonstração. SejaSoconjunto {O,1,2,3, ...}. Naverdade, Sfoi construído como um subconjunto de N que contém o Oe também o sucessor de qualquer elemento nele contido. Pelo Princípio daIndução, S =N. O Note que ° i= 1, mas não sabemos ainda comparar ° com 1, isto é, não formali- zamos ainda aideia intuitiva de que 1é maior do que O. Isso decorrerá apartir da definição deuma relação de ordem emN, que estabeleceremos posteriormente. Ilustraremos agora algumas adições emN, utilizando anotação anterior: 1) 1+1=s(1 ) =2. 2) 2+ 1=s(2) =3. 3) 2+2 =2+s(l) =s(2+ 1) =s(2+s(O)) =s(s(2+0)) =s(s(2)) =s(3) =4. Algumas das propriedades da adição, que admitíamos.como intuitivamente ób- vias, são demonstradas no teorema seguinte combase nos axiomas de Peano enas definições precedentes. Observe aimportância do Princípio daIndução emtodas as demonstrações que se seguem. 28 Números naturais Cap.2 4) 0+2 =O+s(l) =s(O+ 1) =s(l +0) =s(l) =2. (Na terceira igualdade de (4), usamos aProposição 2.2.1.) Antes deestudar mais exemplos, vamos lembrar anotação usual decomposição iterada de funções através da definição seguinte, onde f éuma função de um con- junto X nele próprio eIdx éafunção identidade no conjunto X: f J =Idx e, para n ~ 1, f n =f o(f n-l ). Assim, temos: f I =f , f 2 =f of , f 3 =f o(f of ) etc. A função f n sediz an-ésima iterada de i.emcujo caso também sedizque f f oi iterada n vezes. Exercício 16. Mostre por indução que, para m en naturais, valeaigualdade m +n = sn(m), isto é, somar na m ésomar 1am iteradamente n vezes. Exercício 17. Assumindo conhecido o sistema denumeração decimal indo-arábico (conforme seção 5.3), efetue: 1)3+4 2) 27+12 - §2.2 Operações com números naturais 29 Teorema 2.2.3. Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as afirmações: i) Propriedade associativa da adição: m+ (n+ p) =(m+n) +p. ii) Propriedade comutativa da adição: n +m =m +n. iii) Lei do cancelamento da adição: m+ p =n+ p::::}m =n. Demonstração. Mostraremos (i) eindicaremos umroteiro para ademonstração de (ii) e(iii) nos exercícios aseguir. Fixemos os naturais m en eapliquemos indução sobre p. SejaA(m,n) ={p E NI m+ (n+ p) =(m+n) +p}. Temos, ° E A(m,n)' pois m +(n +O ) =(m +n) +0, pela definição de adição. Mostremos agora que o fato de k pertencer aA(m,n) acarreta que s(k) pertence a A(m,n): m+(n+s(k)) =m+s(n+k) =s(m+(n+k)) =s((m+n)+k) =(m+n)+s(k). Portanto, A(m,n) =N. Como m en são arbitrários, obtemos (i). D A propriedade associativa da adição permite-nos interpretar uma adição de três parcelas a +b +c como sendo a adição (a +b) +c ou a adição a +(b +c). Na verdade, umcuidadoso argumento usando indução permite provar alei associativa generalizada da adição, segundo a qual, para ml,m2, ... ,mk naturais, a expressão ml +mz +...+mk pode ser interpretada como sucessivas adições com os parên- teses em qualquer posição, pois seu valor éindependente dessas posições. As- sim, por exemplo, a adição de naturais a +b +c +d pode ser interpretada como (( a +b) +c) +d ou a +((b +c) +d) etc. (Consulte [9] para uma demonstração A proposição acima permite uma generalização conforme o Exercício 38 no capítulo 3. 30 Números naturais Cap.2 desse fato no contexto mais geral de Teoria dos Grupos. Esse teorema permite aplicar a observação acima a todas as situações neste livro em que ocorrer uma operação associativa, ou seja, nelas valerá também acorrespondente lei associativa generalizada. ) Exercício 18. Mostre que m +O=0+ m, para todo m E N, isto é, Oéumelemento neutro para aoperação de adição emN. Exercício 19. Para provar apropriedade comutativa da adição, fixearbitrariamente m E N econsidere o conjunto Cm = {n E N I n +m =m +n}. Mostre por indução queCm=N. (Sugestão: Use o Exercício 18, apropriedade associativa da adição e aProposição 2.2.1.) Exercício 20. Prove alei do cancelamento da adição. Proposição 2.2.4. Suponha que exista u E Ntal que m+u =m (ou que u+m =m), para todo m E N. Então u =O. Assim, O éo único elemento neutro para a operação de adição (veja o Exercício 18). Demonstração. Para umtal u, temos: O=0+ u =u. o Cap.2 te uma ziativa nto nte ~ão ição =m), ão o no F • §2.2 Operações com números naturais 31 2.2.2 Multiplicação de números naturais Definição 2.2.3. A multiplicação de dois números naturais, men, édesignada por m- n edefinida recursivamente do seguinte modo: { m ·O =O " m - (n+ 1) =~.n+m Como de costume, adotaremos anotação dejustaposição para amultiplicação: m =n i=mn. Observe que na própria definição de multiplicação estão os cemes daproprie- dade distributiva damultiplicação emrelação àadição edapropriedade do elemento neutro multiplicativo, conforme os itens (ai) e (ii) do teorema abaixo. Esta definição nos fornece amultiplicação de um número natural arbitrário m por O. Note no entanto que não étão óbvio que O· m=O. Este fato será considerado no Exercício 24. As propriedades damultiplicação são enunciadas no teorema aseguir. Teorema 2.2.5. Para m, n e p naturais arbitrários, valem as proposições abaixo: i) mn EN, isto é, a multiplicação de fato é uma operação emN; ii) existência do elemento neutro multiplicativo: 1· n =n- 1=n; iii) distributividade: m(n+ p) =mn+rnp e (m+n)p =mp+ np; iv) associatividade: m(np) =(mn)p; De 1) e2), concluímos, por indução, queAm,n =N. o 32 Números naturais Cap.2 v) mn =O ~ m =O ou n =O; vi) comutatividade: nm =mn. Demonstração. Novamente, usa-se o Princípio da Indução para demonstrar todos os seis itens. Demonstraremos os itens (ii) e (iii) e deixaremos os demais para os exercícios seguintes. ii) Mostremos inicialmente que n- 1=n: n- 1=n(O +1) =n . O+n =0+ n =n (Usamos adefinição demultiplicação na segunda eterceira igualdades acima). Mostremos agora, por indução emn, que 1.n =n. Temos: 1.O =O,por definição e, sob ahipótese deque 1.n =n, obtemos: 1· (n +1) =1.n +1=n +1. iii) Sejam m e n naturais fixados arbitrariamente e usemos indução sobre p. Seja Pm,n(P) a afirmação m(n +p) =mn +mp. Mostraremos que o conjunto Am,n ={p E N I Pm,n(P) éverdadeira} éN. Temos: 1) Pm,n(O) éverdadeira: m(n+O) =mn e mn+m·O=mn+O=mn. Logo, m( n +O) =mn +m . O,isto é, Pm,n(O) éverdadeira. 2) Mostremos que Pm,n(k+ 1) pode se obter de Pm,n(k), isto é, que k E Am,n acar- reta k +1E Am,n. Cada igualdade abaixo sejustifica com base em propriedades já estabelecidas (verifique): m(n + (p + 1)) =m( (n +p) + 1) =m(n +p) +m = (mn+mp) +m =mn+ (mp+m) =mn+ (m(p+ 1)). Exercício 21. Demonstre o item (iv) do teorema acima. (Sugestão: use indução sobre p.) . 2 s os e a §2.3 Relação de ordem em N 33 Exercício 22. Mostre queo elemento neutro multiplicativo éúnico, isto é, sep E N é tal que np =n (ou pn =n), para todo n E N, então p =1. Compare com a Proposição 2.2.4. Proposição 2.2.6. Sejam m, n E N tais que m +n =O. Então m =n =O. Demonstração. Suponhamos n = 1 = O. Então n =s(n') =n' +1, para algum n' E N: Temos: 0= m+n =m+ (n' +1) =(m+n') +1=s(m+n'), o queéabsurdo, pois zero não ésucessor denenhum número. Logo, n =O eobte- mos m =m+O =m+n =O,como queríamos. O Exercício 23. Comoauxílio daproposição acima edapropriedade (iii) doTeorema 2.2.5, prove apropriedade (v). (Sugestão: suponha n = I - O,isto é, n =n' +1, para certo n' E N. Conclua quem deve ser O.) Exercício 24. Mostre queO·m =O,para todo m E N. Exercício 25. Demonstre acomutatividade damultiplicação, isto é, mn =nm, para todo par n, m denúmeros naturais. (Sugestão: fixem arbitrariamente euseindução sobre n.) 2.3 Relação de ordem em N A relação de ordem em N nos permitirá comparar os números naturais, formali- zando aideia intuitiva deque O émenor do que 1, que émenor do que 2, eassim por diante. 34 Números naturais Cap.2 Definição 2.3.1. Uma relação binária R emum conjunto não vazio A diz-se uma relação de ordem em A quando satisfizer as condições seguintes, para quaisquer x,y,z E A: i) reflexividade: xRx. ii) antissimetria: sexRy eyRx, então x =y. iii) transitividade: sexRy eyRz, então xRz. Umconjunto não vazio A, munido deumarelação deordem, diz-se umconjunto ordenado. Definiremos agora uma relação de ordem emN através da operação da adição, tomando-o, portanto, umconjunto ordenado. Definição 2.3.2. Dados m,n E N, dizemos que mRn se existir p E N tal que n+ m-s-p. Exemplo 2.3.1. lR3, pois 3=1+2; 2R2, pois 2=2+O. Exercício 26. Mostre que R éuma relação de ordem emN. Definição 2.3.3. Para m,n E N, se mRn, onde R é a relação da definição anterior, ,dizemos que m é menor do que ou igual a n epassaremos aescrever o símbolo ::; no lugar deR: assim, m ::;n significará mRn. (A expressão "m é menor ou igual a n", embora gramaticalmente incorreta, é deuso corrente desde oEnsino Fundamental.) §2.3 Relação de ordem em N 35 Notação: 1. Sem :::;n, mas m i- n, escrevemos m <n edizemos que m é menor do que n. 2. Escrevemos n 2: m corno alternativa am :::;n. Leremos n é maior do que ou igual a m. 3. Escrevemos n >m corno alternativa am <n. Leremos n é maior do que m. Exercício 27. Mostre que, para todo n E N*, n >O.Emparticular, 1>O. Exercício 28. Mostre que s(n) >n, para todo n E N. Proposição 2.3.1. (Lei da Tricotomia) Para quaisquer m, n E N, temos que uma, e apenas uma, das relações seguintes ocorre: i) m <n; ii) m =n; iii) m >n. Demonstração. Mostremos inicialmente que duas dessas relações não podem ocor- rer simultaneamente. Depois, mostraremos que urna delas necessariamente ocorre. Éclaro que (i) e(ii), bemcorno (ii) e(iii), são incompatíveis, por definição. Quanto a (i) e (iii) ocorrendo simultaneamente, teríamos: n =m +p e m =n +p', com p,p' i- O,de onde obtemos: n+O =n =(n+ p') +P =n+ (p' +p). Cancelando n, obtemos p +p' =O.Pela Proposição 2.2.6, segue quep =p' =O, urna contradição. 36 Números naturais Cap.2 Mostremos agora que uma das três relações acontece. Seja m um natural arbi- trário econsideremos o conjunto M ={x E N I x =m oux >m ouX <m}. Vamos provar, por indução sobre x, queM=N. Temos que O E M, pois 0= m ou O#- m. No último caso, pelo Exercício 27, m>O. Mostremos agora que ahipótese k EM acarreta k+ 1EM. Devemos considerar três situações: F)k =m. Neste caso, k+ 1=m+ 1, de onde k+ 1>m e, portanto, k+ 1EM. 2 a ) k >m. Neste caso, existe pE N* tal que k =m+ p. Então k+ 1=(m+ p) + 1=m+(p+l),deondek+l >me,daí,k+l EM. 3 a ) k <m. Neste caso, existe p E N* tal que m =k +p. Como p #- O, então p=p'+I,p' EN. Logo m =k +(p' +1) =k +(1+p') = (k +1) +p', Sep' =O,então m =k+ 1ek+ 1EM. Sep' #- O,então m >k+ 1ek+ 1EM. Assim, pelo Princípio daIndução, M=N. O A lei da tricotomia equivale a dizer que, dados m,n E N, tem-se, necessaria- mente m ~ n ou n ~ m, isto é, dois naturais quaisquer são sempre comparáveis pela relação de ordem acima definida. Por isso, uma relação de ordem que satisfaz àlei da tricotomia échamada de relação de ordem total. No exercício seguinte, você é . convidado aestudar uma relação de ordem emum certo conjunto, que não étotal. Nesses casos, arelação deordem diz-se parcial. Exercício 29. Seja X um conjunto e considere arelação de inclusão entre os sub- conjuntos de P(X). Mostre que essa relação éde ordem em P(X) e que só éde - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~~~- - - - - - - - ~* I ~c - - - - - - §2.3 Relação de ordem em 1 " ; 1 37 ordem total nos casos emqueX for vazio ou unitário. Exercício 30. Mostre que arelação dedesigualdade estrita emN, isto é, <(ou», étransitiva, mas não éreflexiva nem antissimétrica. --~ Teorema 2.3.2. (Compatibilidade da relação de ordem com as operações em N) Sejam a, b e cnaturais quaisquer. São válidas as seguintes implicações: i) a 5 : . b="i>a+c <b+c: ii) a 5 : . b = " i> ac 5 : . bc. Demonstração. (i) a 5 : . b {:} existe p E N tal que b =a +p. Segue daí que: b +c =(a +p) +c = a +(p +c) = a +(c+p) = (a +c) +p deonde obtemos b +c 2: a +c. O Exercício 31. Demonstre (ii) do teorema anterior. Exercício 32. Mostre que vale arecíproca do teorema anterior. Exercício 33. 1 ) Mostre que o teorema anterior vale com <no lugar de 5 : . (ec =í ° no caso (iij), 2) Conclua que o teorema anterior eo item (1 ) acima são válidos, respectivamente, com 2: e >no lugar de 5 : . e «. Teorema 2.3.3. (Lei do cancelamento da multiplicação) Sejam a,b,c E N, com c =í 0, tais que ac =bc. Então a =b. 38 Números naturais Cap.2 Demonstração. Sea >b, teríamos ac >bc pelo exercício anterior, o que contraria asuposição deque ac =bc. O caso a <b éanálogo. Logo, pela lei datricotomia, a =b. D Sabemos que N ={O,s(O),s(s(O)), ... } ={O, 1,2, ...}, isto é, N éformado por ° ,epelos seus sucessivos sucessores. Darelação deordem emN esuas propriedades, decorre que ° <1<2<3<..., ou seja, sea E N, então a <s(a), pois s(a) =a +1. Além disso, não há naturais compreendidos entre a e s(a), qualquer que seja a E N, pois a <r <a +1, acarretaria, pelo teorema anterior, a +1~r <a +1, de onde obtemos (verifique!) a+ 1<a+ 1, uma contradição. Assim, vemos que os axiomas de Peano e suas consequências realmente cum- prem o objetivo de tomar rigoroso o conceito de número natural, reforçando aob- servação feita antes do Teorema 2.2.2. Oteorema seguinte também reflete umfato intuitivamente claro desde o Ensino Fundamental: o de que todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento. Observe quetal propriedade não éverificada no conjunto dos números racionais. Por exemplo, seconsiderarmos o subconjunto dos números racionais positivos, ele Teorema 2.3.4. Sejam a, b E N. Então a <b se, e somente se, a +1~ b. Demonstração. a <b =}b =a +p, para algum p E N, p = 1 = O. Temos: p =s(q) =q +1, para umcerto q E No Então b =a+ p =a+ (q+ 1) =a+ (1+q) =(a+ 1) +q =}b ~ a+ 1. A recíproca éimediata. D w §2.3 Relação de ordem em N 39 não possui ummenor elemento (Por quê?). J áno conjunto dos números inteiros, só possuem elemento mínimo os subconjuntos que são limitados inferiormente, con- forme veremos no capítulo seguinte (Teorema 3.3.3). Formalmente, dizemos que um elemento a de um conjunto ordenado A é um menor elemento de A, se a :S x, para todo x E A. Quando um conjunto ordenado. A admite um menor elemento, este elemento é único (verifique isso!) e étambém chamado de elemento mínimo de A. Ele se denota por minA. De modo similar, define-se maior elemento ou elemento máximo de um conjunto ordenado A, deno- tado por maxA. Teorema 2.3.5. (Princípio da Boa Ordem): Todo subconjunto não vazio de núme- ros naturais possui um menor elemento. Demonstração. Seja S um tal subconjunto de N e consideremos o conjunto M = {n E N I n:S x, \:Ix E S}. Claro que O E M. Como S-#0, tome sE S. Então s+ 1ti. M, pois s+1não émenor ou igual as. Assim, M f= - N. Como O E MeM f= - N, deve existir m E M tal que m +1 r t . M, caso contrário, pelo Princípio de Indução, M deveria ser N. Afirmamos que umtal m éo menor elemento deS, isto é, m =minS. Como mE M, então m :S x, \:Ix E S. Só falta verificar que m E S. Vamos supor o contrário, que m ti. S. Então m <x, \:Ix E S. Pelo teorema anterior, teríamos m +1:S x, \:Ix E S, do que resultaria m +1EM, emcontradição comaescolha dem. Logo m E S, conforme queríamos. D onome "Princípio da Boa O rdem" para o teorema anterior deve-se à íntima 40 Números naturais Cap.2 relação desse teorema com o fato de que dado um número natural arbitrário n, o próximo natural maior do que n está determinado e é n +1, como demonstrado no Teorema 2.3.4, que foi utilizado no último argumento da demonstração acima. Observe que oTeorema 2.3.4 não seaplica, por exemplo, ao conjunto dos números racionais: épossível determinar um número racional imediatamente maior do que 1? Um outro fato que foi utilizado para demonstrar o Princípio daBoa Ordem foi o Princípio daIndução, ou seja, o Princípio daIndução implica no daBoa Ordem. Naverdade, oPrincípio daIndução eodaBoaOrdem são proposições matemáticas equivalentes. Isso significa o seguinte: provamos oPrincípio daBoaOrdem apartir do Princípio daIndução (edos demais axiomas dePeano). Setivéssemos admitido como axioma oPrincípio daBoaOrdem no lugar do Princípio daIndução, oúltimo poderia ter sido demonstrado como teorema (veja [22]). Além disso, obteríamos os mesmos resultados que obtivemos, isto é, o mesmo conjunto de números naturais comas mesmas propriedades. Exercício 34. Sejamx ey números naturais. Mostre que: 1. x +y =1=}x =1ouy =1. 2. Sex i- 0, y i- ° ex +y =2, então x =y =1. 3. xy #- ° =}x::; xy. Exercício 35. Parax, y, z E N, mostre que sex +z <Y +z então x <y. Exercício 36. Parax, y E N ez EN*, mostre que sexz ::;yz então x ::;y. - - - - - - - - - - - - - - - - - - = 2 §2.3 Relação de ordem em N 41 Vamos demonstrar na próxima proposição que o processo de tomar sucessores de forma iterada produz elementos distintos dos anteriormente produzidos. Usare- mos aqui anotação decomposição iterada de funções introduzida na seção 2.2.1. Exercício 37. Seja X um subconjunto de N satisfazendo (i) e (ii) abaixo. Mostre que {a,a+ l,a+2, ... } CX: (i) a E X (ii) n E X =}n +1E X (Sugestão: aplique oPrincípio daIndução ao conjunto Y ={m E N I a +m E X}.) Proposição 2.3.6. Seja s: N-+Na função sucessor. Para cada n 21, tem-se sn(o) = 1 = sk(O), para todo k <n. Demonstração. Seja X ={n E N* I s" (O) = 1 = i(0), 'í/k <n}. Mostremos, usando o Exercício 37, queX =N*. Temos: (i) 1EX, pois s1 (0) =s(O) =1= 1 = O=so(O); (ii) Seja n E X, isto é, sn(o) = 1 = sk(O), para todo k <n. Mostremos que n +1E X, de onde decorrerá, pelo Exercício 37, queX =N*. Aplicando s (injetora) aambos os membros dadesigualdade acima, obtemos: sn+ 1 (O) = 1 = sk+ 1 (O), para todo k <n, oque éomesmo que sn+ 1 (O) = 1 = si(O), para todo l de 1até n. Como também sn+1 (O) = 1 = O =sO(O), concluímos que sn+1 (O) = 1 = si(O), para todo l <n+ 1, o que diz que n+ 1E X, como queríamos. O 3 Números inteiros EmN estão definidas duas operações que denominamos de adição emultiplicação. No Ensino Fundamental, os números inteiros negativos e suas propriedades são introduzidos para dar significado acertas subtrações, do tipo: 3- 5, 8- 13etc. Uma vez introduzidos tais números, são "definidas" as demais operações com eles, como: 3- (-5), (-8) .(-3),8 -;-(-4), (-2? etc. As aspas devem-se ao fato de que tais "definições" são dadas de modo ingênuo, não rigoroso, numa tentativa deestender as operações aritméticas esuas propriedades no conjunto N para o con- junto Z. E éisso mesmo o que está acessível ao estudante do Ensino Fundamental (embora mais se espere de seu professor de matemática, para quem este livro foi escrito). Foi também dessa forma empírica queos números inteiros negativos foram des- cobertos eaplicados naexpressão matemática decertas situações enaresolução de problemas. Do ponto de vista do rigor matemático, apenas admitir aexistência denúmeros inteiros negativos eincorporá-los ao conjunto N não éadequado. Alémdisso, temos emN as operações de adição emultiplicação. A subtração, como aentendemos da 43 44 Números inteiros Cap.3 matemática elementar, não é, arigor, uma operação em N, conforme o Exercício 6. Por essas razões, não seguiremos a linha adotada no Ensino Fundamental. O que faremos éconstruir esses números negativos apartir daestrutura aritmética que temos em N, através das noções básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de equivalência. 3.1 Construção do conjunto dos números inteiros Começaremos definindo uma relação de equivalência no conjunto N x N. Umnú- mero inteiro será então definido como uma classe de equivalência dada por essa relação. O conjunto Z dos números inteiros será portanto o conjunto dessas classes de equivalência. Definiremos duas operações aritméticas emZ emostraremos que Z contém uma cópia algébrica de N, num sentido que precisaremos oportunamen- te. Por fim, definiremos aoperação de subtração emZ que, restrita aelementos da cópia deN emZ, trará significado às operações do tipo 3- 5eàs demais operações comentadas acima. Teorema 3.1.1. A relação t"V em Nx N definida por (a,b) t"V (c,d) quando a +d =b +c é de equivalência. Um comentário antes da demonstração formal: se admitirmos por um mo- mento a nossa noção intuitiva de números inteiros e de subtração, notamos que a +d =b +c {::}a - b =c - d, isto é, dois pares ordenados são equivalentes se- gundo a definição acima, quando a diferença entre suas coordenadas, na mesma ordem, coincidem. §3.1 Construção do conjunto dos números inteiros 45 É esta a forma que os matemáticos do final do século XIX encontraram para iniciar aconstrução do conjunto Z semmencionar subtração, mas trazendo na sua essência o germe dessa operação, tendo como ponto de partida o conjunto Ne suas operações, as noções deproduto cartesiano ederelação deequivalência, como mostra adefinição dada no Teorema 3.1.1. Demonstração. (i) Reftexividade: (a,b) rv (a,b), pois a-s- b =b+a. Assim, areftexividade de rv éherança da comutatividade da adição emN. (ii) Simetria: (a,b) rv (c,d) =? (c,d) rv (a,b). Basta observar que aimplicação acima equivale àimplicação a +d =b +c =? c +b =d +a, que decorre da comutatividade da adição emN. (iii) Transitividade: (a,b) rv (c,d) e (c,d) rv(e,J) =? (a,b) rv(e,J). A verificação dessa propriedade éumexercício para o leitor. o Denotaremos por (a, b) a classe de equivalência do par ordenado (a, b) pela relação r-«, isto é, (a,b) ={(x,y) E Nx NI (x,y) rv(a,b)}. Por exemplo: i) (3,0) ={(3,0),(4,1),(5,2),(6,3), }; ii) (0,3) ={(0,3),(1,4),(2,5),(3,6), }; iii) (5,2) ={(3,0), (4,1), (5,2), (6,3), }. Note que (5,2) =(3,0), o que não éuma surpresa, devido ao Teorema 1.2.2- (ii). 46 Números inteiros Cap.3 Definição 3.1.1. O conjunto quociente N x N/ r-«, constituído pelas classes deequi- valência (a,b), se denota por Z e será chamado de conjunto dos números inteiros. Assim, Z=(Nx N/ rv) ={(a,b) I (a,b) E Nx N}. O símbolo Z temorigem napalavra alemã "zahl", que quer dizer número. 3.2 Operações em Z Definiremos aseguir duas operações emZ, (+)e(.), que denominaremos deadição edemultiplicação, respectivamente. 3.2.1 Adição de números inteiros Conforme observamos após o enunciado do Teorema 3.1.1, permitindo-nos usar, por ummomento, anoção intuitiva de subtração emZ, temos: (a,b) rv (x,y) (que equivale a(a,b) =(x,y)), expressa o fato de que a - b =x- y. Vamos utilizar esta observação como ponto departida parabuscar uma definição rigorosa de adição de inteiros. Vejamos o que deveria ser (a,b) +(c,d). Se (a, b) expressa, emessência, a"diferença" (a - b), e (c, d) expressa (c- d), amatemática elementar nos dá (a - b) +(c - d) =(a +c) - (b +d). Esta última expressão setraduz, no nosso contexto, como aclasse (a +c, b +d). p 3 s. que ta de -d), a --------------~-------------------------~~~~- - ~ §3.2 Operações em Z 47 Passando alimpo, obtemos adefinição formal de adição de inteiros, semmen- cionar subtrações de naturais nem elementos da matemática elementar. Vamos a ela. Definição 3.2.1. Dados (a,b) e (c,d) emZ, definimos asoma (a,b) +(c,d) como sendo ointeiro (a+c,b+d). Ao definirmos objetos que envolvem classes deequivalência, énecessário veri- ficarmos que tais definições não dependem de como representamos as classes. Por exemplo, pela definição acima teríamos que (3,5) +(4,1) =(7,6). No entanto, (2,4) =(3,5) e (3,0) =(4,1), logo deveríamos ter (2,4) +(3,0) também igual a (7,6). Pela definição dada, (2,4) +(3,0) =(5,4) que, felizmente, éigual a (7,6). Mostraremos agora que isso vale em geral, isto é, a definição dada não depende dos representantes das classes de equivalência envolvidas. Diz-se neste caso que a adição está bem definida. Teorema 3.2.1. Se (a,b) =(a',b') e (c,d) =(c',d'), então (a,b) +(c,d) = (a',b') +(c',d'), isto é, a adição de números inteiros está bem definida. Demonstração. Sabemos, do Teorema 1.2.2(ii) que, como (a,b) =(a',b'), então (a,b) " -J (a',b'), isto é, a+b' =b+o', (3.1) Do mesmo modo, como (c,d) =(c',d'), então (c,d) " -J (c',d'), isto é, c+ d' =d+c'· (3.2) Mostremos que os dois segundos membros acima coincidem. Isso equivale a 48 Números inteiros Cap.3 Temos: (a, b) +(c, d) =(a +c,b +d) e (a', b ' ) +(c',d ' ) =(a' +c ' , b' +d'). mostrar que (a+c) +(b ' +d ' ) =(b+d) +(a I +c ' ). Usando (3.1) e (3.2) temos que: (a+c) +(b' +d ' ) =(a+b') +(c+d') =(b+a') +(d+c ' ) =(b+d) +(a' +c ' ), como queríamos. Teorema 3.2.2. A operação de adição em Z é associativa, comutativa, tem (O, O) como elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em N. Além disso, vale a propriedade do elemento oposto (ou simétrico, ou inverso aditivo): dado (a, b) E Z, existe um único (c,d) E Z tal que (a,b) +(c,d) =(0,0). Este (c,d) é o elemento (b,a). Exercício 39. Nas condições do Exercício 38, dizemos que o elemento a de A é inversível para a operação * se existe b E A tal que a * b =b * a =n. Neste caso, b chama-se inverso de a (para a operação *). Mostre que se a éinversível e * é associativa, então seu inverso éúnico (* sediz associativa se (a *b\ *c =a * (b *c), quaisquer que sejam os elementos a, b ec deA. É o que ocorre com as operações definidas nos naturais). Demonstração. Vejaos exercícios aseguir. Exercício 38. Mostre que seumconjunto não vazio A estiver munido deuma ope- ração *, que temelemento neutro, então este elemento neutro éúnico (n éelemento neutro para * quando n * a =a * n =a, para todo a EA). D D .3 §3.2 Operações em Z 49 &E Exercício 40. Nas condições do exercício anterior, tem-se, mais geralmente, o se- guinte: se a é inversível e tem b como inverso e se a *c =n (ou c*a =n), então c=b. Exercício 41. Demonstre que aadição emZ écomutativa, associativa etem (O , O ) como elemento neutro. Exercício 43. Mostre que Z possui apropriedade do elemento oposto. Sua unici- dade éconsequência do Exercício 39. Exercício 42. Demonstre a lei do cancelamento para a adição em Z, isto é, se a,~,yE Z ea+~=y+~,então a=y. Definição 3.2.2. Dado aE Z, o único ~E Z tal que a+~=(O , O ) chama-se simé- trico de a(ou oposto de a, ou inverso aditivo de a). Sua unicidade permite que introduzamos umsímbolo para ele: -a(lê-se "menos a"). Assim, a+(-a) =(0,0). E, como vimos no Teorema 3.2.2, sea=(a,b), então -a=(b,a). A existência eunicidade deoposto deumnúmero inteiro permite que definamos uma terceira operação emZ, denominada subtração. Assim, asubtração a- ~nada mais édo que asoma deacomo simétrico de ~. Definição 3.2.3. A subtração em Z, denotada por (-), é a operação definida da seguinte forma: Sea,~E Z, então: a-~=a+(-~). 50 Números inteiros Cap.3 Proposição 3.2.3. Para a,~,yE Z, vale: i) -(-a) =a; ii} -a+~=~-a; iii) a-(-~)=a+~; iv) -a-~=-(a+~); v) a- (~+y) =a- ~-y; Demonstração. (i)Sea=(a,b), então -( -a)=-(b,a) =(a,b) =a. Outra demonstração deste fato consiste emexplorar apropriedade desimétrico: mostrar que -( -a)=aémostrar que o simétrico de -a éa,o que, por sua vez, significa mostrar que aéo inteiro que somado com -aresulta no neutro (O, O), o que decorre imediatamente dapropriedade comutativa edadefinição de simétrico: -a+a =a+(-a)=(0,0). Definição 3.2.4. Dados ~ e(c, d) emZ, definimos oproduto (a, b) . (c, d) como sendo o inteiro (ac +bd, ad +bc). Exercício 44. Demonstre as propriedades de (ii) a(v) do Teorema 3.2.3 acima. 3.2.2 Multiplicação de números inteiros Com motivações análogas àquelas que consideramos para a definição formal da adição emZ, definimos multiplicação emZ do seguinte modo: o • .3 §3.2 Operações em Z 51 Exercício 45. Faça considerações análogas às que fizemos para a adição para en- tender amotivação da definição acima. Exercício 46. Efetue (3,5) .(10,7). Como no caso da adição, devemos verificar que amultiplicação está bem defi- nida. Dada aanalogia como caso aditivo, deixaremos como exercício para o leitor amaior parte das demonstrações dos teoremas seguintes. Teorema 3.2.4. A multiplicação em Zestá bem definida, isto é, se (a, b) =(a', b') e (c,d) =(c',d'), então (a,b)· (c,d) =(a',b')' (c',d'). o Demonstração. (Cancelamento multiplicativo) Sejam a=(a, b), ~ =(c, d) ey = (e,J) #(O, O) tais que ay=~y,isto é, tae-i-bf.of +be) =tce-s-df.cf +de) o Teorema 3.2.5. A multiplicação em Z é comutativa, associativa, tem (1,0) como neutro multiplicativo e é distributiva em relação à adição. Além disso, vale a pro- priedade do cancelamento multiplicativo, isto é, se a,~, y E Z, com y #(O, O) e ay=~y,então a =~. co: que equivale a ae+bf +cf +de =af +be+ce+df· Usando aaritmética dos naturais nessa igualdade, obtemos: o e(a+d) +f(b+c) =e(b+c) +f(a+d). Como (e,J) #(0,0), então e #f. Suponhamos e >I.semperda de generali- dade, o que equivale a e =f +g, para algum g E N*. Substituindo e por f +g na penúltima igualdade, obtemos: da f(a+d) +g(a+d) +f(b+c) =f(b+c) +g(b+c) +f(a+d). 52 Números inteiros Cap.3 Usando o cancelamento aditivo emN, vem: g(a+d) =g(b+c). Como g E N*, segue do cancelamento multiplicativo em N que a +d =b +c, ou seja, (a, b) = (c, d). Ou, como queríamos, a=~. D Exercício 47. Mostre que (O, O) . a=(O, O), para todo aE Z. Exercício 48. Mostre que sea,~E Z ea~=(O, O), então a=(O, O) ou ~=(O, O). (Sugestão: use o exercício anterior eo cancelamento multiplicativo.) Exercício 49. Mostre quesea,~E Z, então (-a)~=-a~=a( -~) e(-a)( -~) = a~. Exercício 50. Demonstre apropriedade distributiva da multiplicação em relação à subtração: u-(~- y) =a·~- c y. 3.3 Relação de ordem em Z Como emN, vamos comparar os elementos de Z através deumarelação de ordem. Com motivações análogas àquelas que precederam as definições de adição ede multiplicação, temos aseguinte definição: . Definição 3.3.1. Dados os inteiros (a,b) e (c,d), escrevemos (a,b) ::s; (c,d) (lê-se (a,b) é menor do que ou igual a (c,d), quando a+â : b+ c. Os símbolos ~, >e<definem-se deforma análoga àquefizemos paraarelação deordem emN. Como nos casos da adição e da multiplicação, verifica-se que a relação que acabamos deintroduzir está bemdefinida. Certifique-se desse fato. Os símbolos de = • • • • • • .3 §3.3 Relação de ordem em Z 53 o desigualdade utilizados para arelação deordememZ sãoos mesmos queutilizamos para arelação de ordem emN, mas ocontexto deixará claro que ordem está sendo considerada. Além disso, oTeorema 3.3.2 adiante nos mostrará que esta diferença decontextos éprovisória, uma vez que aordem emZ será uma extensão da ordem emN. Teorema 3.3.1. A relaçõo «: definida acima é uma relação de ordem em Z, ou seja, é reflexiva, antissimétrica e transitiva. Além disso, essa relação é compatível com as operações em Z, isto é, para a, ~,"(E Z arbitrários, vale: iii) (Lei da Tricotomia): Apenas uma das situações seguintes ocorre: a=(0,0) ou a<(0,0) ou a>(0,0). Demonstração. O leitor deve demonstrar como exercício que ::::;é uma relação de ordem, bemcomo os itens (i) e(iii) . Demonstraremos (ii): Ponhamos a=(a,b), ~ =(c,d) e't=(e,J). A hipótese sereescreve: a +d ::::; b +c ef ::::; e. Logo, existem p, q E N tais que b+c=a+d+p (3.3) e e=f+q (3.4) _ I l I I l I h . 1 54 Números inteiros Cap.3 De (3.3), obtemos: be+ce=ae+de+pe e bf+cf=af+df+pf. Segue que ae+de+ pe+bf +cf =af +df +pf +be+ce. (3.5) De (3.4), obtemos: »e=rt+m. (3.6) Assim, (3.6) em(3.5) fornece: ae+de+ pf +pq+bf +cf =af +df +pf +be+ce. Segue daí que ae+de+bf +cf:::; af +df +be+ce, que equivale aa:'(:::; ~y. O Exercício 51. Mostre que, para a,~EZ, apenas uma das situações seguintes ocorre: a=~ou a<~ou a>~. Exercício 52. Mostre que sea,~E Z, a:::;~ey<(O, O), então ay~~y. Definição 3.3.2. Dado (a, b) E Z, dizemos que: i) (a,b) épositivo quando (a,b) >(0,0); ii) (a,b) énão negativo quando (a,b) ~ (0,0); iii) (a,b) énegativo quando (a,b) <(0,0); iv) (a,b) énão positivo quando (a,b) :::;(0,0). Observe que (a,b) ~ (0,0) significa a+O ~ b+O, isto é, a ~ b. Analogamente, temos: (a,b) >(0,0) {:}a> b, (a,b) :::;(0,0) {:}a:::;b e (a,b) <(0,0) {:}a <b. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ •• a_ - - - - - - - = §3.3 Relação de ordem em Z Essa observação está de acordo com a ideia de que a classe de equivalência (a, b) representa a "diferença a - b". Tomaremos essa ideia precisa mais adiante, ao final das observações após o próximo teorema. Observe ainda que se (a, b) épositivo, como a >b, então existe m E N* tal que a =b +m. Esta igualdade equivale a (a,b) =(m,O). Analogamente, se (a,b) <(0,0), então existe mE N* tal que (a,b) =(O,m). Essas observações eatricotomia emZ nos dizem que: Z = {(O,m) I m E N*} U {(O,O)}U {(m, O) I m E N*}, sendo aunião disjunta. Utilizaremos as seguintes notações (conforme início da Seção 1.2): Z~={(O,m)lmEN*}, Z_=Z~U{(O,O)}, Z~ = {(m,O) 1m E N*} e Z+ = Z~U{(O,O)}. Note ainda que o conjunto dos números inteiros não negativos, Z+, está em bijeção comN. Esta bijeção ébastante especial porque mostra que Z+ éuma "cópia algébrica" de N, no sentido dado pelo teorema seguinte. Teorema 3.3.2. Seja f : N - Z dada por f(m) =(m, O). Então f é injetara e valem as seguintes propriedades: i) f(m+n) =f(m) +f(n); ii) f(mn) =f(m) . f(n); iii) Se m ~ n, então f(m) ~ f(n). Exercício 53. Demonstre o teorema acima. 55 56 Números inteiros Cap.3 o conjunto J(N) =Z+ tem, pelo teorema acima, amesma estrutura algébrica que N. Por exemplo: 3+5=8, emN, corresponde, viaJ, a(3, O ) +(5, O ) =(8,õ) em Z. Do mesmo modo, 3·5 =15corresponde, via J, a (3,0)· (5,0) =(15,0). Finalmente, arelação 3:::;5sepreserva, viaJ, como (3, O ) :::; (5, O ), oque confirma nosso comentário do início desta seção de que a ordem em Z é uma extensão da ordem emN. Assim, do ponto de vista das operações aritméticas edaordenação, Z+éindis- tinguível de N. Embora, no nosso contexto, N não seja um subconjunto de Z, sua cópia algébrica Z+o é. A função J : N --+ Z acima chama-se imersão de N emZ. Esta imersão mostra ainda que Z éinfinito, conforme já comentado no Capítulo 2. O bserve ainda que, sem E N, o simétrico de (m,O) é (O,m). Logo, seidentifi- carmos (m,O) comm através deJ, obtemos: -m =-(m,O) =(O,m). O btemos então, sob aidentificação deN comZ+, viaJ, que: z={-mim E N*}U {O }U N* ={... ,-m, ...,-2,-I,O ,I,2, ... .m, ... }, como no Ensino Fundamental. A partir de agora, passaremos aadotar esta identificação e, então, considerar N um subconjunto de Z. Sob tal identificação, obtemos: a - b =(a,O) - (b,O) =(a,O) +(-(b,O)) =(a,O) +((O,b)) =(a,b), conforme anunciado no início deste capítulo. Exercício 54. Efetue emZ: 1) 3- 5; 6) 3·5; 2) 8-13; 7)(-3)·5; 3) 13- 8; 8)3·(-5); 4)3-(-5); 5)-3+(-5); 9) (-3) .(-5). Relação de ordem em Z §3.3 57 Exercício 55. Mostre que, para x,y E Z, temos: 1. sex >O ey >O, então xy >O; 2. sex <O ey <O, então xy >O; 3. sex <O ey >O então xy <O. Exercício 56. Mostre que os itens (i) e (ii) do Teorema 3.3.1 continuam válidos comarelação "<" no lugar de ":::;"(e'Y>O no caso (ii)). Mostraremos a seguir, à semelhança de N, que o conjunto Z ébem ordenado. Antes, porém, algumas definições. Definição 3.3.3. SejaX umsubconjunto não vazio deZ. Dizemos queX élimitado inferiormente seexiste aEZ tal que a:::; x, para todo x EX. Umtal asechama cota inferior de X. Analogamente, definimos subconjunto de Z limitado superiormente ecota superior dele. Exemplo 3.3.1. O elemento O é cota inferior para N CZ. Da mesma forma, -1 o é, bem como qualquer inteiro negativo. Exercício 57. Mostre que N não admite cota superior emZ. Teorema 3.3.3. (Princípio da Boa Ordem para Z) Seja X CZnão vazio e limitado inferiormente. Então Xpossui elemento mínimo. Demonstração. Seja a uma cota inferior deX, isto é, a: : : ; x, VxE X. Considere o conjunto X' ={x - a I x EX}. Claramente, X' C N (identificado com Z+) e, pelo Princípio da Boa Ordem em N, o conjunto X' possui elemento mínimo, digamos, m', 58 Números inteiros Capo 3 Assim, m' E X' em' :S y, 'íly E X'. Como m' E X', m' éda forma m - a, para algum m E X. Afirmamos que m =m' +a é elemento mínimo de X. Só falta verificar que m :S x, 'ílx EX, mas isso equivale a m - a :S x - a, V x EX, ou seja, m' :S y, 'íly E X', que éverdade pela definição dem', Logo, m éo elemento mínimo deX. Corolário 3.3.4. Seja x E Z tal que O <x :S 1. Então x =1. Demonstração. Seja A ={y E Z I O <y :S I}o Tem-se: A i= 0 (pois 1 E A) eA élimitado inferiormente por O. Pelo Princípio da Boa Ordem, A possui elemento mínimo, digamos, m. Suponhamos que m <1. Assim O <m <1, deonde segue que O <m 2 <m <1, o que implica m 2 E A, contrariando a minimalidade de m. Assim, m =1eA ={I}, Corolário 3.3.5. Sejam n,x E Z tais que n <x :S n +1. Então x =n +1. Exercício 58. Prove o Corolário 3.3.5. Compare o teorema acima e seus corolários com seus correspondentes em N: Teorema 2.3.4 eTeorema 2.3.5. Para finalizar esta seção, vamos definir o conceito de módulo ou valor absoluto de umnúmero inteiro. -Definição 3.3.4. Seja x E Z. Definimos o valor absoluto de x (ou módulo de x), denotado por I xl,como sendo: { x, se I xl= -x, se x~O; x -c O. o o §3.4 Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo 59 Exemplo 3.3.2. 1 - 3 1 =1 3 1 =3 ; 1 0 1 =O. o Exercício 59. Mostre que: 1) Mostre que I xl ~ 0, 'r/x E Z eque I xl =° se, esomente se, x =O. 2) l. xyl =I xllyl, 'r/x,y E Z. 3) Para n E N*, tem-se: I xl =n se, esomente se, x =n oux =-no Boa Definição 3.3.5. Umelemento x E Zdiz-se inversível seexiste y E Ztal que.xy =1 (conforme definição geral dada noExercício 39). Note que oelemento ° não éinversível emZ. do Proposição 3.3.6. Os únicos elementos inversíveis de Z são 1e -1. o Demonstração. Sejax E Z* inversível ey E Z tal que.xy =1. Segue que 1=l. xyl = I xllyl· Como I xl ~ 0, I yl ~ ° e I xl l yl =1, então I xl >° e I yl >0, edaí resulta que, I xl ~ 1e I yl ~ 1. Multiplicando ambos os membros daúltima desigualdade por I xl , obtemos: 1=I xl l yl ~ I xl ~ 1, deonde segue que I xl =1. Portanto, x =1oux =- 1 , como queríamos provar. O 3.4 Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo Exercício 60. Exiba duas funções injetoras deN emZ diferentes da imersão. oexercício seguinte exibe uma bijeção entre N e Z, o que fornece uma outra demonstração, via definição de Cantor (conforme Seção 2.1), de que Z éinfinito. 60 Números inteiros Cap.3 Exercício 61. Mostre que ébijetora afunção a: Z --+ N definida como segue: a(n) ={2n - 1, -2n , se n>O se n: : ; O Os conjuntos para os quais existe uma bijeção entre eles e N são notáveis em matemática e são denominados conjuntos enumeráveis. Qualquer bijeção de N em um conjunto enumerável A chama-se uma enumeração para A, segundo aqual o primeiro elemento deA éaimagem do 1, o segundo éaimagem do 2, eassim por diante (aimagem do O éozero-ésimo elemento de A.). Assim, oexercício acima nos diz que Z éenumerável e apresenta ainversa dabijeção acomo uma enumeração para Z. Mostraremos nos capítulos seguintes que Q, surpreendentemente, também éenumerável, mas ]ReC não o são. Exercício 62. Explicite aenumeração a-I :N --+ Z para Z, onde aéabijeção do exercício anterior. Qual éo quinto número inteiro segundo essa enumeração? E o décimo? E o elemento deordem 483? Exercício 63. Mostre que não há umaenumeração a:N --+ Z, para Z, que respeite arelação de ordem emZ. Como vimos no Capítulo 2, Cantor rompeu com o paradigma grego de que "o .todo ésempre maior do que qualquer uma de suas partes próprias", exatamente ao caracterizar conjuntos infinitos como aqueles que podem ser colocados embijeção com uma parte própria sua. Por outro lado, seus estudos generalizaram para con- juntos infinitos o fato elementar conhecido para conjuntos finitos de que o número de elementos de um conjunto ésempre menor do que o número de elementos das §3.4 Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo 61 partes desse conjunto. Dado umconjunto finito X, denotamos por 11(X ) o número deelementos deX, conforme definido na seção 2.1. Exercício 64. Mostre, usando indução (ou algum argumento de contagem), que se l1(X ) =n, então l1(P(X )) =2 n . 1 Cantor generalizou para conjuntos infinitos aproposição contida no exercício' acima ao provar que seX éinfinito, então nenhuma função injetora deX emP(X ) poderá ser sobrejetora (veja o último teorema deste capítulo). Uma injeção bas- tante natural deX em P(X ) éx ~ {x}. Intuitivamente, o tipo de infinito de P(X ) éestritamente maior do que o tipo deinfinito deX. Expressamos esse fato dizendo que a cardinalidade de P(X ) é maior do que a cardinalidade de X. Tomando agora P(P(X )) edenotando ainda por 11(X ) acardinalidade do conjunto infinito X, que é, grosso modo, o tipo de infinito de X, obtemos que l1(P(X )) <l1(P(P(X ))). Continuando tomando partes de conjuntos das partes sucessivamente, chegamos aos infinitos tipos de infinito de Cantor (na verdade, esse processo nos dá uma quantidade enumerável de cardinalidades). Cantor debruçou-se sobre essas ques- tões, tomando-as rigorosas matematicamente através de sua aritmética transfinita, estudada nos bons textossobre Teoria dos Conjuntos, como [17] e [30]. Valeapena aqui mencionar umpequeno trecho sobre o trabalho de Cantor, que adaptamos daexcelente referência sobre História daMatemática [27]: "O grandioso einovador trabalho de Cantor, para aconsolidação dos fundamentos da matemática, fora desprezado, por anos, por grande parte da comunidade mate- mática daépoca, especialmente pela influência negativa deLeopold Kronecker, um dos antigos professores de Cantor na Universidade de Berlim. Cantor conseguiu publicar seu primeiro grande artigo sobre sua Teoria dos Conjuntos após meses da ) ) I - 62 Números inteiros Cap.3 data de sua aprovação. O atraso se deu deliberadamente por Kronecker, um dos editores do jornal ao qual Cantor submeteu o artigo. Esse atraso deveu-se à cen- sura acadêmica e, principalmente, à inveja profissional do velho professor. É de Kronecker afamosa frase - Deus fez os naturais; o resto é coisa dos homens -, na qual ele acreditava piamente. Para Kronecker, números negativos, frações, números complexos imaginários e, especialmente, números irracionais, eram afonte detoda adesarmonia emmatemática, o que reflete, obviamente, uma visão diametralmente oposta àde Cantor. Kronecker usou suainfluência eposição acadêmica superior à deCantor para abafar as 'heresias' cantorianas." Consideremos agora acadeia crescente de cardinalidades l1(N) <l1(P(N)) <l1(P(P(N))) <.... Essa cadeia começa comacardinalidade deN que, pela Definição 2.1.1 deconjunto infinito, pode ser considerada amenor cardinalidade infinita. Uma pergunta natural éaseguinte: hácardinalidades intermediárias entre duas con- secutivas dessa cadeia? Curiosamente, o fato éque não setemresposta aessa per- gunta, no seguinte sentido: não hácomo provar que aresposta éafirmativa ou nega- tivacombase nos fundamentos damatemática dados pela Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel. Isso foi estabelecido pelo matemático americano Paul J . Cohen (1934-2007). A suposição dequearesposta énegativa denomina-se Hipótese Gene- ralizada do Contínuo. O matemático austríaco naturalizado americano Kurt Godel (1906-1978) provou que a Hipótese Generalizada do Contínuo não é contraditó- ria com os outros axiomas daTeoria dos Conjuntos (de Zermelo-Fraenkel), o que quer dizer que não obtemos contradições extras namatemática obtida ao adicionar aHipótese Generalizada do Contínuo aos demais axiomas daTeoria dos Conjuntos. /' ~ Teorema 3.4.1. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Nenhuma função f : X --+ P(X) pode ser sobrejetora. §3.4 Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo 63 otermo "Generalizada", naexpressão acima, deve-se ao fato deque aHipótese do Contínuo (semo termo "Generalizada") diz respeito àprimeira desigualdade na cadeia acima. Trata-se dasuposição dequenão hácardinalidades intermediárias en- tre ade N eade P(N). Este caso particular énotável porque, como provaremos no Capítulo 5, 11(lR) >11(N), oque diz ser lR não enumerável. Alémdisso, provaret;n0s naProposição 5.4 quel1(lR) = l1(P(N)), ou seja, lR eP(N) são equipotentes. (Veja, por exemplo, [30] ou [17] para maiores considerações sobre aTeoria dos Conjuntos eaaritmética transfinita deCantor.) Assim, assumindo a Hipótese do Contínuo, concluímos que, no imenso e ma- tematicamente rico universo existente entre N e lR, onde, como veremos, moram os números racionais, irracionais, transcendentes e algébricos reais, não são obti- das cardinalidades distintas das desses dois conjuntos, isto é, qualquer subconjunto infinito delR, ou éequipotente aN (enumerável), ou éequipotente aR, Para concluir este capítulo, vamos demonstrar o teorema de Cantor que, em certo sentido, generaliza oExercício 3.4, como havíamos comentado. Demonstração. Para cada x E X, f(x) é um subconjunto de X. Seja A ={x EX I x ~ f(x)}. Mostraremos que A ~ Im(f). Suponhamos o contrário, isto é, queexiste a EX tal quef(a) =A. Agora, ou a EA ou a EX\A. No primeiro caso, pela definição deA, devemos ter a ~ f(a). Mas f(a) =A, uma contradição. No segundo caso, devemos ter a E f(a) =A, outra contradição. Segue, então, que A ~ Im(f). O ----~----~--------~------------------------------ 4 Números racionais No Ensino Fundamental, aprendemos que um número racional é a "razão" entre dois números inteiros. Assim, por exemplo, o número ~éa"razão" entre 3e5. O termo "razão" naquele contexto significa "divisão". Dessa forma, ~éomesmo que 3 : 5, que temo mesmo resultado que adivisão 6 : 10, o qual seescreve como 0,6. No nosso contexto, os termos "razão", "divisão" e mesmo "fração" devem ser definidos combase no quejá temos, isto é, o conjunto dos números inteiros e suas propriedades algébricas. Notemos que emZ estão definidas apenas as operações de adição, de multiplicação easubtração, que éumcaso particular da adição: a - h é, por definição, a+ (-h), onde =b éo simétrico deh. Poderíamos tentar definir adivisão de modo análogo à definição de subtração, ou seja, a: h =a.b:", onde h-Ié o inverso multiplicativo de h, isto é, o número que multiplicado por h resulta no neutro multiplicativo 1 (do mesmo modo que o simétrico de h é o número =b, que somado a h resulta no neutro aditivo O). O problema é que os únicos elementos inversíveis de Z são o 1e o -1, conforme a Proposição 3.3.6, logo, não faz sentido a definição de divisão acima, dentro dos propósitos deuma definição rigorosa denúmero racional. 65 66 Números racionais Cap.4 Para chegarmos àtal definição, novamente trabalharemos como conceito dere- lação de equivalência, do mesmo modo que o utilizamos para definir um número inteiro apartir do conceito denúmero natural. Acompanhe asemelhança do desen- volvimento aseguir como realizado naconstrução de Z apartir de N o 4.1 Construção dos números racionais Consideremos o conjunto Z x Z* ={(a, b) I a E Z e b E Z*}. Definamos nele a relação: (a,b) rv (e,d) quando ad =be. Teorema 4.1.1. A relação acima éde equivalência. Demonstração. A prova de que rv tem as propriedades reflexiva e simétrica fica como exercício. Quanto àpropriedade transitiva, se (a,b) r- ...; (e,d) e (e,d) r- ...; (e,j), então queremos mostrar que (a,b) rv (e,j), isto é, se ad =be e ef =de, então af =be. Multiplicando ambos os membros daprimeira igualdade acima por f e da segunda igualdade por b, obtemos adf =bef e bef =bde, de onde segue que adf =bde. Cancelando o fator d f. O, obtemos o que queríamos. O Épor causa deste último detalhe dademonstração quepartimos deZ x Z* enão de Zx Z. Exercício 65. Faça uma observação análoga àfeita após o Teorema 3.1.1para en- tender amotivação do ponto departida para aconstrução de Q. Exemplo 4.1.1. Temos: a) (1,2) r- ...; (2,4) r- ...; (- 31,- 62); b) (5,1) rv(-10,-2). .4 §4.1 Construção dos números racionais 67 Definição 4.1.1. Dado (a,b) E Z x Z*, denotamos por ~(que se lê "a sobre b") a classe de equivalência do par (a, b) pela relação rvacima. Assim, ~={(x,y) E Z x Z* I (x,y) rv(a,b)}. 1 Exemplo 4.1.2. 2 : ={(x,y) E Z x Z* I (x,y) f"V (1,2)} ={(x,y) E Z x Z* 12x =y}. . 1 1 1 Assim, temos: (1,2) E 2; (-31, -62) E 2; (2,5) rt 2· Exemplo 4.1.3. ~ ={(x,y) EZ x 1:.*I (x,y) f"V (5, I)} ={(x,y) EZ x Z* I x =5y}. 5 5 5 Logo, obtemos: (5,1) E 1; (-10,-2) E 1; (2,5) rt 1· Teorema 4.1.2. (Propriedade fundamental das frações) Se (a, b) e (c, d) são ele- a c mentos de Zx Z*, então b =d se, e somente se, ad =bc. Demonstração. Temos, pelo Teorema 1.2.2- (ii): a a c b =d {: } (a,b) rv(c,d) {:} ad =bc, e provando oresultado. D Temos agora um significado preciso para o símbolo defração ~. Trata-se de uma classe deequivalência comrespeito àrelação deequivalência que acabamos de introduzir. Definição 4.1.2. Denotamos por Q, e denominamos conjunto dos números racio- nais, o conjunto quociente de Z x Z* pela relação de equivalência r--, isto é, como no Ensino Fundamental. 68 Números racionais Cap.4 4.2 OperaçõesemQ Vamos agora definir duas operações emQ, dotando-o, portanto, de uma estrutura algébrica que estudaremos posteriormente. No Ensino Fundamental aprendemos que Z C Q. É claro que do nosso ponto de vista atual isso não faz sentido, pois os elementos de Q são classes de equivalência de pares de inteiros, logo de natureza diferente da dos números inteiros. No entanto, veremos que existe uma aplicação injetora de Z emQ que "preserva" as operações aritméticas e, dessa forma, permite que aimagem de Z emQpor essa aplicação sejauma cópia algébrica de Z emQ. Assim, do ponto devista daálgebra, poderemos considerar Z como umsubconjunto de Q. Note aanalogia comaimersão de N emZ. A definição aseguir temmotivações análogas àquelas dadas paradefinir as ope- rações emZ eo leitor éconvidado ainvestigá-Ias. Definição 4.2.1. Sejam ~e ~ números racionais, isto é, elementos de Q. Defini- mos as operações chamadas deadição edemultiplicação, respectivamente, por: a c ad+bc b+d = bd a c ac bd' e b d a c a c Denotaremos -. - também por - - b d b d Exemplo 4.2.1. Temos: 1 5 1·3+2·5 13 1) 2:+3= 2·3 =6 2) !.~=~=~. 2 3 2·3 6 §4.2 Operações em Q 69 26 13 12 6 . 4) ~. ~=2·5 =10 =~. 4 3 4·3 12 6 os Note que obtivemos osmesmos resultados nos dois pares deexemplos acima, o quenão deve causar surpresa, pois ~=~,pelo Teorema 4.1.2. Entretanto, devemos , verificar que as definições acima mantêm sempre esta coerência, isto é, se ~=~, , " , , c c a c a c ac ac e d d" então -,;+d =b' +d' e -';' d b" d' . Isso seexpressa nos termos do teorema seguinte. Teorema 4.2.1. As operações em Q, acima, estão bem definidas. Demonstração. Temos, por hipótese, que ab' =ba' e ci =de'. Faremos a de- monstração referente àadição edeixaremos como exercício para oleitor areferente àmultiplicação. Temos: a c ad+bc - '; +d =bd Queremos provar que as duas somas são iguais, ou seja, que (ad+bc)b'i =(a'i +b'c')bd, isto é, adb'i +bcb'i =a'ibd+ bcbd, ou, (ab')(di) +(bb')(ci) =(a' b) (di) +(bb') (c'd), o que segue imediatamente da hipótese acima. O ~- 70 Números racionais Cap.4 Teorema 4.2.2. O conjunto Q, munido das operações acima, tem as propriedades O algébricas de Z, onde o elemento neutro aditivo é 1e o neutro multiplieativo é 1,. . a O. e ac 1., l' Alem dISSO,dado um raezonal b - = I l'existe d em Q tal que b . d =l'IStOe, O todo elemento não nulo de Q (ou seja, diferente do neutro aditivo 1)possui inverso multiplieativo. Demonstração. Devemos mostrar que, para elementos arbitrários r,s,t E Q, vale: 1. r+s =s+r; 2. (r+s) +t =r+ (s+t); O 3 r+- =r . 1 ' 4. Existe r' tal quer +r' =~; 5. rs =sr; 6. (rs)t =r(st); 1 7. r' l =r; 8. Ser - = I ~ , exister" tal querr' =~; 9. r(s+t) =rs+- rt, Mostraremos apenas (1). A demonstração dos demais itens éumexercício para o leitor. Sejam r =~es =~,onde a,e E Z eb,d E Z*. Temos: ad+be eb+da r +s = bd e s +r = db Relação de ordem e a enumerabilidade de Q 71 §4.3 A igualdade r +s =s+r segue então da comutatividade da adição eda multi- plicação emZ. o Os elementos r' er" tais que r +r' =~e rr' =~são únicos (lembre o Exer- cício 39) edenotam-se por -r er-i, chamados de simétrico einverso de r, respeç- tivamente. Exercício 66. Enuncie edemonstre umaproposição análoga àProposição 3.2.3para números racionais. Faça o mesmo para os Exercícios 49 e 50. Note que os fatos demonstrados nesses exercícios dependem apenas das propriedades das operações em Z e em Q, logo são válidos em qualquer estrutura algébrica cujas operações possuem propriedades semelhantes às daadição edamultiplicação nesses dois con- juntos numéricos. -a a a - -a Exercício 67. Para (a,b) E Z x Z*, mostre que: b=-b =-b =--b' Tendo em vista o exercício acima, podemos considerar que se ~E Q, então b pode ser tomado positivo. Usaremos este fato para definir uma relação de ordem emQ. 4.3 Relação de ordem e a enumerabilidade de Q Definição 4.3.1. Sejam ~e ~números racionais comb, d >O. Escrevemos ~<~ quando ad ::;bc edizemos que ~émenor do que ou igual a ~. Valeaqui aobservação notacional análoga àquela feita após aDefinição 3.3.1. 72 Números racionais Cap.4 Teorema 4.3.1. A relação ::;, introdurida acima, está bem definida e é uma relação de ordem em Q. Demonstração. Exercício. o Exercício 68. (Compatibilidade da ordem com as operações em Q) Mostre que, para a, ~,'Y E Q, vale: 1. sea::;~,então a+'Y ::; ~ +'Y ; o _ 2. sea ::; ~ e'Y~ l'entao a'Y::; ~'Y; O _ 3. sea ::; ~ e'Y ::; l'entao a'Y ~ ~'Y. Exercício 69. Mostre que, ~<~ ~ a- d <b- c (b, d >O). Notação: como no caso de Z, adotamos anotação: Q*, Q_ , Q+, Q~eQ~, comos significados usuais. Teorema 4.3.2. (Lei da Tricotomia em Q) Dados r,sE Q, uma, e apenas uma, das situações seguintes ocorre: ou r =s, ou r <s, ou s <r. a c Demonstração. Escrevendo r =b es =d' com b,d >O,comparemos os inteiros ad ebc. Pela Lei daTricotomia emZ, ou ad =bc, emcujo caso ocorre r =s, ou ad <bc, emcujo caso ocorre r <s, ou ad >bc, emcujo caso ocorre s <r. Além disso, avalidade deuma das afirmações excluiu avalidade das outras duas. O n Definamos agorauma função i : Z - Q por i(n) =l'para todo n E Z. Esta éa função de que falamos anteriormente, que "imerge" Z emQ. .3 Relação de ordem e a enumerabilidade de Q 73 Teorema 4.3.3. A função i : Z1- - - + Q, acima definida, é injetara. Além disso, ela preserva as operações e a relação de ordem de Zem Q no seguinte sentido: 1. i(m+n) =i(m) +i(n); 2. i(mn) =i(m) . i(n); 3. se m ~ n, então i(m) ~ i(n). Demonstração . .) M . »Ó» • .().() n mIl 1 ostremos que 1 emjetora: 1 n =1 m - <=? i=1- <=? n . = .m - <=? n =m. ii) Mostremos que i preserva aestrutura algébrica de Z: n m 1·n+m·1 n+m i(n)+i(m) =- +- = =- - =i(n+m)· 1 1 1·1 1 ' n m n=m nm i(n) ·i(m) =i·1 =~ =- 1 =i(nm). iii) Fica acargo do leitor demonstrar que i preserva arelação deordem. O Assim, o conjunto i(Z) ={iI n E Z} éuma cópia algébrica de Z emQ. Essa imersão de Z emQtambém mostra que Qéinfinito, já que Z contém uma cópia de N. Naverdade, Qéenumerável, emostrar isso éoobjetivo dos exercícios seguintes. x\ (UnENAn) =nnEN (X \An) e X \ (nnENAn) =UnEN (X \An). (Lembramos que UnENAn ={x E U I xE An, para algum n E N}eque nnENAn ={x E U I x E An, para todo n E N}.) Exercício 70. SejamX umsubconjunto deumuniverso U eAn, n E N, uma família de subconjuntos de U. Mostre que: 74 Cap.4 Números racionais Lema 4.3.4. Todo subconjunto infinito de Né enumerável. Demonstração. SejaX umsubconjunto infinito deNexo seu menor elemento (que existe, devido ao Princípio da Boa Ordem). Como X é infinito, o conjunto Yo = X \ {xo} énão vazio. Seja agora Xl omenor elemento deYo. Obtidos XO,XI,X2, ... ,Xn (n E N) da forma acima, obtemos xn+ Icomo sendo o menor elemento de Yn = X \ {XO,XI,X2, ... ,xn}, que existe, pois Yn é não vazio, para todo n natural, caso contrário, X seria finito (re1embre as caracterizações deconjuntos finitos einfinitos mencionadas no Capítulo 2). Afirmamos que X ={XO,XI,X2,""Xn",,} ={xo}U{xo,xt}U{XO,XI ,X2}U··· =UnENAn, onde A, ={XO,XI,X2, ... ,Xn}. De fato, pelo exercício anterior, temos: X \ (UnENAn) = nnEN (X \An) = nnENYn' Assim, se existisse x E X \ (UnENAn), esse x também seria elemento de nnENYn e, como tal, deveria ser maior do que xo, por estar emYo, deveria ser maior do que Xl (que émaior do que xo), por estar em YI e, assim sucessivamente, X deveria ser maior do que Xn, para todo n EN. Dessa forma, o conjunto infinito X = {XO,XI ,X2, ... ,Xn, ... } estaria contido no conjunto fi- nito Ix ={I , 2, 3, ... ,x} eseria, portanto, finito, uma contradição. O No que segue, utilizaremos livremente o Teorema Fundamental da Aritmética, que pode ser demonstrado apartir das propriedades de Z que estudamos no capí- tulo anterior. Como mencionamos no Capítulo 1, esse teorema encontra-se exposto em vários itens da bibliografia. Ele diz essencialmente aquilo que já conhecemos intuitivamente desde o ensino básico de matemática. Seu enunciado é o seguinte: todo número natural maior do que 1pode ser expresso como produto de números §4.3 Relação de ordem e a enumerabilidade de Q 75 primos. Além disso, essa fato ração é única, a menos da ordem dos fatores. Lembremos ainda que número natural primo é todo número natural maior do que 1que só admite como divisores os triviais: elepróprio eo 1. Exercício 71. Expresse o número 60 como um produto de números naturais de várias formas distintas, sendo uma delas aquela dada pelo Teorema Fundamental da Aritmética. a Lema 4.3.5. Todo número racional positivo b ' (a, b >O), pode ser escrito, de modo m único, como uma fração irredutivel, isto é, naforma -, onde m e n são relativa- n mente primos, isto é, não possuem fatores primos em comum. Demonstração. Considere as decomposições emfatores primos de a ede b, dadas pelo Teorema Fundamental da Aritmética. Seja k o produto de todos os fatores a ka' primos comuns aa eab, demodo que b =kb'' Pela propriedade fundamental das , frações, obtemos ~=:', onde a' eb' são relativamente primos. Sehouvesse uma , fração irredutível ~ igual a :', a propriedade fundamental das frações nos daria a' . d =b' . c, o que, pela unicidade da decomposição emfatores primos, obrigaria d aconter os fatores primos de b' evice-versa, o mesmo ocorrendo para a' ec, ou seja, a' =c eb' =d. o Proposição 4.3.6. Q~é enumerável. Demonstração. Consideremos os números racionais escritos na forma irredutível, dada no Lema anterior. Seja f: Q~---+ N dada por f(m) =2 m . 3 n . Novamente, n o Teorema Fundamental da Aritmética e a unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada pela proposição acima, mostram que f éinjetora etem Daí segue o que queríamos provar. D 76 Números racionais Cap.4 como imagem um subconjunto infinito de N, que é, pelo Lema 4.3.4, enumerável. Exercício 72. Usando um argumento similar àquele empregado no Exercício 61, mostre que aunião de dois conjuntos enumeráveis éenumerável. Conclua, usando indução, que aunião deuma farrulia finita deconjuntos enumeráveis éenumerável. Exercício 73. Mostre que aunião de umconjunto finito comumconjunto enume- rável éenumerável. Teorema 4.3.7. Qé enumerável. Demonstração. Basta escrever Q como Q:" U{O}UQ~ e aplicar os resultados acima. D 4.4 Q como corpo ordenado oconjunto dos números racionais está munido das duas operações, adição e mul- tiplicação, estudadas acima. Podemos definir apartir dessas operações, mais duas, asubtração e a divisão, simbolizadas por "-" e ":", respectivamente, da seguinte forma: ser,s E Q, define-se r-s =r+ (-s) (como emíZ ) e, ses =I =- 0, r: s=r·s-I. (Estritamente falando, a divisão não seria uma operação em Q, uma vez que seu . domínio não éQx Q, mas simQ x Q*.) Exercício 74. Mostre que se a,b E z, com b =I =- 0, então i:~=~.Assim, se identificarmos íZ comsua cópia i(íZ ) emQ, aigualdade acima seescreve a: b =~. Compare como que aprendemos no Ensino Fundamental. .4 Q como corpo ordenado 77 , ac C ° ac ad, Exercício 75. Mostre que seb ' d EQ, com d = 1 =l'então b : d =bc· (E usual, nos I . d ' . d afb a c d textos eementares ematemática, a otar-se anotação -/ para - b : - , que esten e c d d anotação mencionada no exercício anterior.) Exercício 76. Admitindo aidentificação de Z com i(Z) mostre que, para r,s racio- nais arbitrários, vale: 1. sers =0, então s =° ou r =O; 2. se r >° es >0, então rs >O; 3. ser >° es <0, então rs <O; 4. ser <° es <0, então rs >O; 5. ser >0, então r- 1 >O; 6. ser <s, então r <(r+s).2- 1 <s; Exercício 77. Mostre que Qnão é bem ordenado, isto é, existem emQ subconjun- tos não vazios, limitados inferiormentes que não possuem elemento mínimo. Apesar de Q não ser bem ordenado como Z (e N), Q possui todas as proprie- dades aritméticas de Z, alémdapropriedade de que todo elemento não nulo possui inverso, conforme o Teorema 4.2.2. Na linguagem algébrica, qualquer conjunto munido de duas operações, usualmente denotadas por +e ., compropriedades arit- méticas análogas àsdeQ, chama-se corpo. Se, alémdisso, umcorpo estiver munido deuma relação deordemcompatível comsuas operações aritméticas, eleéchamado 78 Números racionais Cap.4 de corpo ordenado. Assim, Q éumexemplo de corpo ordenado. Há muitos exem- plos de corpos, ordenados ou não ordenados, que são estudados emdisciplinas da área de álgebra abstrata. Veremos nos capítulos seguintes que ]Re C são corpos, ordenado enão ordenado respectivamente. Adotaremos a seguinte notação para os elementos de um corpo ordenado arbi- trário K: continuaremos denotando por ° epor 1o neutro aditivo eo neutro multi- plicativo deK, respectivamente, e, para a umnatural maior do que 1, denotaremos também por a o elemento 1+1+ +1(a vezes) deK. Assim, seu simétrico, -a, será - (1+1+...+1) =-1 - 1 - 1. O contexto encarrega-se dedeixar claro se o elemento 5, por exemplo, refere-se ao natural 5ou ao 5 E K. Exercício 78. Seja K umcorpo ordenado, cujos elementos neutros aditivo emulti- plicativo são respectivamente representados por ° e 1earelação deordem denotada por~. Mostre que: 1. se° =1, então K possui umsó elemento; 2. x 2 ~ 0, para todo x E K; 3. se 1= 1 = 0 , então 1>0> -1; 4. se 1= 1 = 0, então K contém urna cópia de N, de Z edeQeé, portanto, infinito. Exercício 79. SejaK corno noexercício anterior, com° = 1 = 1. Mostre que aaplicação i: Q--+K dada por iC E ) =a- b- i , (a,b) E Z x Z*, éurna irnersão deQemK que preserva aordem, isto é, itemasmesmas propriedades daimersão deZ emQ dadas pelo Teorema 4.3.3. Assim, todo corpo ordenado contém urna cópia algébrica de Q. L, Ql como corpo ordenado .4 79 Exercício 80. Seja K como no exercício anterior. O corpo de frações de K é, por definição, o corpo K' obtido deK do mesmo modo que obtivemos Q apartir de Z. Por isso, Q também échamado corpo de frações de Z. Mostre que aimersão natural deK emK', dada por i(n) =~ésobrejetora, portanto, bijetora. Ou seja, o próprio 1 K' éuma cópia al gébrica de K. Sob tal identificação, adota-se, para a, b E K, com b : : I - 0, notação anál oga às estudadas nos Exercícios 74 e75, para oproduto a- s:', anotação de divisão a : b eadefração ~. No que segue, os termos "l imitado superiormente, inferiormente, cota superior, inferior, el emento máximo emínimo" têm significado anál ogo àquel es já definidos na seção 3.3. no contexto denúmeros inteiros. Exercício 81. Cl aramente, emN não há el emento máximo (por quê?). No entanto, considerado como um subconjunto deij~ poderia ocorrer del e ser um subconjunto l imitado superiormente por um número racional não inteiro (número fracionário). Mostre que isso não pode ocorrer. Exercício 82. Mostre que emQ não há el emento máximo nemmínimo. O Exercício 81 mostra que N é il imitado superiormente em Q. Curiosamente, há corpos ordenados emque asua cópia denaturais él imitada superiormente (veja um exempl o em [22]). Os corpos ordenados para os quais sua cópia de naturais é il imitada superiormente chamam-se corpos arquimedianos. 80 Números racionais Cap.4 Exercício 83. Mostre que, emum corpo ordenado K f. 0, as seguintes afirmações são equivalentes: 1. K éarquimediano; 2. para todo par a, b deelementos deK, coma f. 0, existe n E N tal que na >b; 3. dado a> ° emK, existe n E N (C K) tal que n- 1 <a. Exercício 84. Conclua, dos exercícios anteriores, que Qé arquimediano e, como consequência, não é bem ordenado (conforme afirmação feita antes do Teorema 2.3.5). Exercício 85. (Desigualdade de Bemoulli) Mostre, usando indução, aseguinte pro- posição, que é utilizada em várias demonstrações: seja K um corpo ordenado ex umelemento não nulo emaior do que -1emK. Para todo natural n maior do que 1, tem-se (1+x)n >1+nx. Nos exercícios seguintes, deve-se usar aidentificação de Z com i(Z) e, obvia- mente, as propriedades aritméticas deQ. Exercício 86. Mostre que, sea, b, c, dEZ, com, b, d f. 0, então ~=~se, esomente se, existe k E Q*, tal que c =ak ed =bk. Exercício 87. Resolva, emQ, ainequação 2x-5 x-I-S --<--. 7 --6 6t. .4 Q como corpo ordenado 81 Lembremos do Ensino Fundamental que, emexpressões aritméticas onde estão indicadas várias operações, convenciona-se a seguinte hierarquia na execução das operações: efetuam-se primeiro as multiplicações edivisões para depois efetuar as adições esubtrações. ~+(-8):(-4)- ~.(-i)+(-2? Exercício 88. Interprete o significado de cada termo racional na expressão abaixo esimplifique-a: Exercício 89. Admitindo o Teorema Fundamental da Aritmética, mostre que: 1. aequação x 2 =2não temsolução emQ; 2. idem para as equações x 2 =10, x 3 =25, x 3 =20 ex 6 =50; 3. generalize. Exercício 90. Admitindo conhecidas as propriedades elementares das funções ex- ponenciais e logarítmicas, mostre que lOX=15 não tem solução em Q, isto é, loglO15ti:. Q. (No Exemplo 5.2.4, definiremos rigorosamente aexpressão loglO15.) 83 5 Números reais oconceito de número real éumdos mais profundos da matemática e, como vimos nas notas históricas, remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um quadrado. A construção desse conceito passou por Eudoxo (século IV a.C"), com sua teoria das proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só foi concretizada no século XIX, como vimos na Seção 1.1. Os matemáticos alemães, Cantor e Dedekind, construíram os números reais a partir dos racionais por métodos diferentes, respectivamente conhecidos por Classes de Equivalência de Sequências de Cauchy epor Cortes de Dedekind. Oúltimo, queapresentaremos aqui, inspirou-se naTeoria das Proporções deEudoxo. (Para aconstrução via sequências de Cauchy, o leitor poderá consultar [3] e[18].) No Ensino Fundamental, os números reais são geralmente introduzidos de uma maneira umtanto empírica eseu estudo não costuma ir alémde algumas operações algébricas elementares. Basicamente, o que sediz nesse nível sobre os números re- ais éo seguinte: admite-se que acada ponto deuma reta está associado umnúmero real. Há pontos que não correspondem anúmeros racionais (o que é fácil de veri- 84 Números reais Cap.5 ficar, usando adiagonal de um quadrado de lado 1). A esses pontos sem abscissa racional correspondem os números chamados irracionais. Outra forma deintroduzi- los éaseguinte: admite-se ou, emalguns casos, demonstra-se que arepresentação decimal dos números racionais éperiódica e, reciprocamente, toda representação decimal periódica corresponde à de um número racional. Conclui-se por definir número irracional como sendo aqueles (cuja existência é admitida) que possuem representação decimal não periódica. Ao conjunto constituído pelos racionais eir- racionais dá-se o nome de conjunto dos números reais. Note que, em ambas as abordagens, somos conduzidos aadmitir aexistência de números não racionais: no primeiro caso, para dotar todo ponto da reta de uma abscissa e, no segundo, para conceber qualquer desenvolvimento decimal como número (no caso, os não perió- dicos). Emambos os casos, no entanto, raramente setoca nanatureza desses novos números. Uma dessas raras abordagens pode ser encontrada em[22], onde oestudo daincomensurabilidade de segmentos dereta éaviadeacesso para aintrodução do conceito elementar denúmero irracional. Em linhas gerais, o que faremos é construir rigorosamente os números reais, tendo como ponto de partida o conjunto dos números racionais com suas propri- edades algébricas e aritméticas, de modo análogo às construções anteriores (ado- taremos o roteiro apresentado no clássico [28]). Definimos a noção de "corte", devida a Dedekind. Consideraremos o conjunto constituído de todos os cortes e nele definiremos duas operações, adição emultiplicação, e uma relação de ordem. Mostraremos que este conjunto possui aspropriedades aritméticas deQ emais uma importante propriedade que Q não possui: ade ser completo, num sentido a ser definido posteriormente . . . . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~- - - - - - - - - - - - ~- - . - - §5.1 Cortes de Dedekind 85 este conjunto de cortes chamaremos de conjunto dos números reais, que será .:2:;n;:!do por IRe, como nos casos já estudados, veremos que IRcontém uma cópia ~.~-,,-," adeQ. Vamos aos detalhes. 5.1 Cortes de Dedekind Definição 5.1.1. Umconjunto adenúmeros racionais diz-se umcorte sesatisfizer as seguintes condições: ii) ser E aes <r (s racional), então s E a; iii) emanão existe elemento máximo. Exercício 91. Mostre que: 1. o conjunto { x E Q I x <~}éumcorte; 2. o conjunto { x E Q I x >~}não éumcorte; 3. o conjunto { x E QI x :s; ~} não éumcorte; 4. o conjunto { x E QI - 3 <x <~}não éumcorte; 5. Q \ {O} não éumcorte; 6. {1 , 4 , ~}não éumcorte. obrigaria r apertencer aa,uma contradição. D 86 Números reais Cap.5 Proposição 5.1.1. Sejam aum corte e r E Q. Então, r é cota superior de ase, e somente se, r E Q \ a. Demonstração. Se r é cota superior de a, então r não pode pertencer a a, caso contrário r seria elemento máximo de a" contradizendo o item (iii) da definição de corte. Reciprocamente, se r E Q\ a, então r é cota superior de a, pois, caso contrário, haveria s E atal que r <s, o que, pelo item (ii) da definição de corte, Proposição 5.1.2. Se r E Q e a={x E Q I x <r}, então aé um corte e r éa menor cota superior de a. Demonstração. Oleitor verifica como exercício que asatisfaz ascondições (i) e(ii) da Definição 5.1.1. Quanto a(iii), basta observar que ses E a, então s <s; r <r s+r lf1\ s+r . , I . e, como -2- E » e - então -2- E a. Assim, s não e eemento máxímo de a. Esse argumento também mostra que r éamenor cota superior de a. D Definição 5.1.2. Os cortes do tipo da proposição anterior são denominados cortes racionais eserepresentam por r", Exercício 92. Mostre que todo corte que possui cota superior mínima éracional. Mostraremos a seguir que há cortes que não possuem cota superior mínima, logo que não são racionais. Teorema 5.1.3. Seja a={x E Q+ I x 2 <2}U Q~. Então aé um corte que não é racional. -.1 Cortes de Dedekind 87 Demonstração. O leitor verifica as condições (i) e (ii) da Definição 5.1.1 como exercício. Quanto àcondição (iii), devemos provar que sex E a,então existe y E a comy >x. Isso éóbvio sex ::;O. Suponhamos então x >Ocomx 2 <2. Para encon- trar umy nas condições acima, basta encontrar h E Q + tal que (x + h)2 <2 e pôr y =x + h. Trabalhemos esta condição: temos x 2 + 2xh + h 2 <2. A resolução dessa inequação em h conduziria a expressões indesejáveis no presente contexto. Não perdemos generalidade sebuscarmos h <1. Obtemos: x 2 + 2xh + h 2 <~+ 2xh + h 2-x 2 (pois h <1), que ficamenor do que 2setomarmos h <-- (que faz sentido pois 2x+ 1 x >O). Como aexpressão 22- x 2 épositiva, tomando h <min{I, 2- x 2 }, h E Q + x+l 2x+l ey =x+h, obtemos l =(x+hf <2, isto é, y E aey >x. A existência deumtal h égarantida pelo fato deQ ser arquimediano, conforme Exercício 84. Mostramos, então, que aéumcorte. Verifiquemos agora que anão possui cota superior mínima. Observe primeira- mente que os racionais que não pertencem a asão os positivos que têm quadrado ;:::2. Sabemos que não existe racional cujo quadrado é2. Logo y E Q \ ase, e somente se, y >O e l >2. Sabemos, da Proposição 5.1.1, que todo elemento y de Q\ aé maior que qualquer elemento x E a. Vamos então mostrar que dado y E Q\ a, existe Z E Q\ acom z <y, de onde decorre o que queríamos provar. Novamente, busquemos h racional positivo tal que (y - h) 2 >2efaçamos z =y - h. Não perdemos generalidade sesupusermos h <1. A condição (y - hf >2 equivale al - 2hy+h 2 >2 oul -h(2y - h) >2 ou h <l -2 ,já que 2y - h> O (pois y >1e h <1). Como h >O, então l -2 é ~-h ~-h maior do que y22~2. Assim, tomando h <min{1, l2~2} emQ + , oqueépossível 88 Números reais Cap.5 pois Qéarquimediano, obtemos: (y - h)2 =y2 - 2hy +h 2 >y2 - 2yl 2~2 +h 2 = 2+h 2 >2. O Notação. Denotaremos por C o conjunto de todos os cortes. 5.2 Relação de ordem e operações com cortes Definiremos em C duas operações, "+"e ".", euma relação de ordem. Começare- mos pela relação de ordem, pois ela será indispensável na definição da multiplica- ção. Definição 5.2.1. Sejam a,~E C. Dizemos que aé menor do que ~ e escrevemos a<~quando ~\ a#0. Valem aqui as observações notacionais para desigualdades análogas às feitas após as Definições 3.3.1 e4.3.1. Exemplo 5.2.1. 1) 4* > (~) *, pois 2 E 4* \ (~) *; 2) 1*>0*,POiS~E1*\0*; 3) (- 3)* <0*, pois - 1E 0* \ (- 3)*; 4) Seaéo corte do Teorema 5.1.3, então a<2*, pois ~~E 2* \ a. Definição 5.2.2. SeaE C ea>0*, achama-se corte positivo. Sea<0*, aédito corte negativo. Se a:2: 0*, achama-se corte não negativo esea~O*,·a chama-se não positivo. Relação de ordem e operações com cortes 89 'cio 93. Mostre que, para a, ~E C, valem as equivalências: l'eorema 5.2.1. (Tricotomia) Para a, ~E C, temos que uma e apenas uma das pos- sibilidades a seguir ocorre. ou ou Demonstração. É claro que a=~exclui as outras duas possibilidades, pela defi- ição de igualdade de conjuntos. De modo análogo, as possibilidades a <~ou a>~claramente excluem a=~,pelo exercício precedente. Mostremos que as desigualdades também se excluem mutuamente. Suponhamos o contrário, isto é, que a<~ea>~ocorram simultaneamente. Então, existem r E ~\ aes E a\ ~. De r E ~es rt ~ resulta r <s, edes E aer ~ aresulta s <r, contradizendo alei da tricotomia emQ. Concluímos que no máximo uma das três possibilidades ocorre. Para mostrar que uma delas necessariamente ocorre, temos que a=~ou a#- ~. Se a=~,nada há aprovar. Suponhamos a#-~. Então a\ ~#-0 ou ~\ a#-0 (pois, caso contrário, a=~).No primeiro caso, ~<ae, no segundo caso, a<~. O Teorema 5.2.2. A relação c: é uma relação de ordem em C. Demonstração. A prova da retlexividade e da antissimetria de ::; ficam acargo do leitor. Quanto àtransitividade, ela segue do Exercício 93 e do fato da inclusão de conjuntos ser transitiva. O 90 Números reais Cap.5 Vamos agora à definição das operações de adição e de multiplicação em C. Comecemos como teorema aseguir. Teorema 5.2.3. Sejam a,~E C. Se y ={r +s I r E ae s E ~}, então y E C. Demonstração. Mostremos que y satisfaz as três condições daDefinição 5.1.1. (i) É claro que y = 1 = 0. Sejam t E Q\ ae u E Q\~. Como t >r, Vr E aeu> s, Vs E ~,então t +u >r+s, Vr E a, Vs E ~,isto é, t +u rf . y, logo y=l=Q. (ii) Sejam r E ye s <r (s racional). Mostremos que s E y; r édo tipo p +q, com p E ae q E~. Então, de s <p+q, podemos escrever s =r+« com q' <q e, portanto, q' E ~. Logo, s =p +q', comp E aeq' E ~, isto é, s E y. (iii) Vamos mostrar que emy não há elemento máximo, isto é, ser E y,existe s E y coms >r. Temos: r =p+q, comp E aeq E~. Como existe p' E acomp' >p, oracional s =p' +q E ye émaior do que r. O Definição 5.2.3. Para a,~E C, definimos a+~como sendo o corte do teorema anterior, ou seja, a+~= {r+slrEaesE~}' Exercício 94. Mostre que sep,q E Q,então p* +q* =(p+q)*. Prove também que p* :::;q* se, esomente se, p <q. Teorema 5.2.4. A adição em C é comutativa, associativa e tem 0* como elemento neutro. Demonstração. A comutatividade e aassociatividade são herdadas das proprieda- des análogas daadição emQ. O leitor deveprovar esses fatos como exercício. Para mostrar que a+0* =a,V aE C, vamos verificar as duas inclusões: a+0* c ae portanto, ele pertence 0*. Assim, r E a+0* ea ca+0*. D Relação de ordem e operações com cortes 91 = u tO". Seja r E a+O*. Então r =p+q, comp E a e q E 0*, isto é, q <O. --..ssi:m.,r <p E a e, portanto, r E a. Logo, a +0* ca. Seja agora r E a. To- o s E a coms >r, podemos expressar r como r =s +(r - s), onde r - s <O ercício 95. Mostre que sesE Qer E Q~, então {s +mr I m E N} não élimitado riormente emQ (relembre o Exercício 81). Para mostrar que todo corte tem simétrico (inverso aditivo), comecemos com lema. Lema 5.2.5. Sejam aE C e r E Q~. Então existem números racionais p e q tais que p E a, q ti- a, q não é cota superior mínima de a e q - p =r. Demonstração. Tomemos s arbitrário emaeconsideremos asequência s, s+r, s+2r, s+3r, ... , s+nr, .... Como essa sequência não é limitada superiormente (Exercício 95), aé limitado superiormente e s E a, então existe um único inteiro m 2:: O tal que s+mr E ae s+ (m+ l)r ti- a(prove esta afirmação através do Princípio da Boa Ordem). Se s+(m +l)r não for cota superior mínima dea, tome p =s+mr eq =s+(m +1)r. Se s+(m +r1)r for a cota superior mínima de a, tome p =s+mr +~e q =s+ (m+ l)r+ 2. D Teorema 5.2.6. Seja aE C. Existe um único ~ E C tal que a+~=0*. Como nos casos dos inteiros e racionais, tal ~ denota-se por -ae se chama simétrico (ou inverso aditivo) de a. 92 Números reais Cap.5 Demonstração. A demonstração da unicidade do simétrico em qualquer estrutura algébrica que possua uma adição associativa e com elemento neutro é sempre a mesma, conforme oExercício 39. A título de exercício, vamos refazê-Ia neste caso particular: suponhamos a+~l =a+ ~2 =0*. (Lembre-se deque aadição decortes écomutativa.) Obtemos: ~2 =~2+0* =~2+(a+ ~I) =(~2 +a) +~l =0*+~l =~l. A demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da situação con- siderada. Para se ter uma ideia de como construir o simétrico de a, consideremos inicialmente umcaso particular simples, digamos, a =3*. É de seesperar que seu simétrico, -(3*), seja (-3)*. Temos: 3*={r EQlI r <3} , (-3)* ={sEQlI s<-3} e 3*+(-3)* ={r+s EQl I sE 3*esE (-3)*}. Para verificar se3*+(-3)* é0*, verifiquemos as duas inclusões pertinentes: 3*+(-3)* C 0*evice-versa. Seja tE 3*+(-3)*. Então t =r+s, onde r <3 e s <-3. Logo, t =r+s < 3+(-3) =O,portanto tE 0*. Seja agora tE 0*, ou seja, t <O. Para fixar as ideias, tomemos t =-2. Como expressar o -2 como uma soma r+s comr <3es <-3? Pelo Lema 5.2.5,existem r E 3*e r' r: J . 3*com r' = f . 3(=cota superior mínima de 3*), tais que r' - r =2, ou ainda, -2=r+ (-r'). Como r' >3,então -r' <-3, ou seja, -r' E (-3)*. Tentemos utilizar as ideias desse caso particular no caso geral. Dado aE C, o candidato a -aé o conjunto obtido pelos negativos dos elementos que estão fora de a, com exceção da eventual cota superior mínima de a. Mais precisamente, seja ~={pE QlI -p r: J . a e -p não é cota superior mínima de a}. (Observe que (-3)* ={p E Qll-p r: J . 3*e -p não écota superior mínima de 3*}. No caso geral, • ~ . .~------~------------- que t =r+ (_ri), comr E ae -r' E ~, ou seja, tE a+~. D §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 93 não temos necessariamente cortes racionais e, então, o símbolo (-a)*pode não fazer sentido.) Mostremos que ~éumcorte eque a+~=0*. Verifiquemos as três condições dadefinição de corte: (i) e (ii) ficam acargo do leitor. Quanto a(iii), sejar E ~. Queremos encontrar s >r emB. Como -r écotasuperior de amas não émínima, então existe t E Q, -t <-r tal que -[ écotasuperior de ae, portanto, -t ti. a. Sejas =r~t. Temos: -t <-s <-r de modo que -s écotasuperior de amas não émínima, logo s E ~es >r, como queríamos. Vamos verificar agoraque a+~=0*. Sejat E a+~. Então t =r +s, com r E ae s E~. Como + S fi a, então -s >r, de modo que O>r+s =t, ou seja, t E 0*. Reciprocamente, suponhamos t E 0*, isto é, t <O. Sejam r E ae ri ti. a (ri não sendo cotasuperior mínimade a), tais que ri - r =-t (Lema5.2.5). Segue Definição 5.2.4. Como no caso de Z e Q, definimos asubtração em C por Exercício 96. Encontre o simétrico do corte ado Teorema5.1.3. Proposição 5.2.7. Para a, ~,'YE C, vale: i) -(-a) =a; ii) -a+~=~- a; iv) -a- ~=-(a+~); 94 Números reais Cap.5 v) a- (~+y) =a- ~- y; Demonstração. Como nas proposições análogas para os casos de Z e de Q, a de- monstração éestritamente algébrica. isto é. apenas utiliza aspropriedades daadição edeelemento simétrico, que são as mesmas nas duas situações enapresente. Con- firme este fato realizando você ademonstração desta proposição. D Teorema 5.2.8. (Compatibilidade da relação de ordem com a adição) Sejam a,~,yE Ctais que a:::;~. EntãoU7-f< ~-1. Demonstração. «<~{::}a t =r +s com r Eaes Et. a+yc ~+'Y. Portamo a~-!'< o Exercício 93.) Seja t E a+y, isto é, ._então r E ~et =r +s E ~+y, ou seja, D Exercício 97. SelaaE C. ~.l~ a>0, então -a:::; O. Definiremos lizados ~ em C, seguindo os mesmos passos rea- propriedades. Embora o tratamento da pouco mais complicado, ele segue bem de perto o tnIIaIIleIIID e 2S óe;.xtícs;:2ÇÕeS para o caso da adição. Por essa razão, omitiremos amaioria delzs...~~2S como exercício para o leitor interessado. Pela nossa deânicão &2,.--5r;io o Exercício 94 mostra que, por exemplo, 3* +5* =8*. Gostaríamos dedefinir multiplicação demodo que 3* ·5* =15*. Uma primeira tentativa seria transferir adefinição deadição para ocaso damul- tiplicação do seguinte modo: 3*·5* ={pq I p E 3* e q E 5*}. No entanto,' não obteríamos 15* como resultado pois o racional (-10) . (-5) =50 é elemento do conjunto acima e não é elemento de 15*. Aliás, o conjunto acima sequer é um corte! (Por quê?) Relação de ordem e operações com cortes 95 Vemos, então, que atransferência direta do caso aditivo não funciona bem. No entanto, alguns ajustes conduzem àdefinição satisfatória. Teorema 5.2.9. Para a,~E C com a~0* e ~ ~ 0*, seja y=Q~U{r E QI r =pq, com p E a q E ~ p 2': O e q ~ O}. Então, y é um corte e y ~O. Exercício 98. Demonstre oTeorema 5.2.9. Definição 5.2.5. Se a,~E C e a~0*, ~~0*, definimos o produto a· ~(ou a~) como sendo o corte y do teorema anterior. Para definir produto de cortes que contêm fatores negativos, começamos com a noção de valor absoluto de um corte, similar àDefinição 3.3.4 de módulo de um número inteiro. Definição 5.2.6. Dado aE C, definimos o valor absoluto de a(ou omódulo de a), representado por lal, do seguinte modo: 1"1={ a, -a, sea~0*; sea<0*. 96 Números reais Cap.5 Exercício 99. Mostre que, para qualquer aE C, tem-se: 1) lal 2 :: 0*; 2) lal=0* se, esomente se, a=0*; 3) lal=I-ai. Definição 5.2.7. Sea,~E C, definimos: -(lall~l), se a~=~-(lall~I), se lall~l, se a::;0*,~2 :: 0*; a2 :: 0*,~::; 0*; a<O*,~<0*. Proposição 5.2.10. Para a,~E C, temos (-a)~=a(-~) =-a~e (-a)( -~) = a~. Demonstração. A demonstração das duas primeiras igualdades ésubdividida em casos, todos tratados de maneira similar. A terceira igualdade éconsequência das duas anteriores, usando regras de sinais dadas na Proposição 5.2 .7. Demonstrare- mos apenas aigualdade (-a)~=-a~para o caso a2 :: Oe ~2 :: Oedeixaremos as demais como exercício para o leitor. Nesse caso, por definição demultiplicação, já que -a::;O,temos: (-a)~=-(I-all~1) =-([-( -a)]~) =-(a~). Analogamente, verificamos que a(-~) =-(a~). ---~---------------~~------- 5.2 Relação de ordem e operações com cortes 97 Teorema 5.2.11. A multiplicação de cortes é comutativa, associativa, tem 1*como elemento neutro e, se a,~,rE C, vale: i) a(~+r) =a~+ar(distributividade); ii) a.O*=0*; iii) se a :::;~e r;:::0*, então ar:::;~r; iv) se a :::;~e r<0*, então «t>~r; v) se af. 0*em C, existe um único ~ E C tal que a~=1*. Esse corte chama-se inverso de ae é denotado por a-I. . Demonstração. Conforme já comentado, as demonstrações das propriedades da multiplicação decortes são similares porém mais complicadas do que as da adição. Para ilustrar, demonstraremos (i) e deixaremos os demais itens como exercícios para o leitor interessado. A estrutura da demonstração é a seguinte: a distributivi- dade será inicialmente demonstrada para a, ~ermaiores ou iguais a O. Os demais casos são consequências desse e das propriedades já estudadas, principalmente as regras de sinais. Assim, suponhamos a ~,r;:::O. Caracterizaremos os elementos dos conjuntos de racionais A =a(~+r) eB =a~+ar emostraremos queA =B. Temos: e A =a(~+r) =Q~U{r E QIr =pq, com O:::; p E a e O:::; q E ~+r}· 98 Números reais Cap.5 Como O: s; q E ~+y, então O: s; q =y +Z, comy E ~ez E y. Logo, os elementos de A ou são racionais negativos, ou são daforma: r =py +pz, comO: s; p E a, y E ~, Z Ey eO: s; Y +z. Por outro lado, temos: a~=Q:' U {r' E Q I r =PT. com O : s; P' E ae O : s; Y' E ~} , ay =Q:' U{r" E Q I r: =p ..z:.. com O: s; P" E a e O: s; Z" E y} e B =a~ +ar ={s -;-r E Q I s E a~ e t E ay} . Assim, os elementos deB são deuma formas seguintes: a) a+b, coma,b E Q~; b) a +P" Z", coma E Q~, O<P" E a eO<z: E y, c) p'Y ' +b, comb E Q~, O<t: E aeO <}- E~; d) P'Y' +p=z», comO: s; tr E a, O<rE 13, o : s; P" E a eO : s; Z" E't- Devemos provar que qualquer elemento deA éde uma das formas presentes emB evice- versa. Vamos verificar que asegunda forma presente emA éelemento de B eos elementos deB da forma (d) estão emA. As demais verificações ficampara o leitor. Assim, consideremos um elemento deA da forma py +pz; com O: s; P E a, y E ~, z E ye O: s; Y +z. Novamente, há subcasos aconsiderar: sey eZ são maiores ou iguais aO, éclaro quepy - pz E B. Sey <OeZ 2 : : O, então py +pz =a +pz, com a:S; O,que éda forma (b) ou (d) de B. Os demais subcasos também são deixados para reflexão do leitor. Concluímos queA C B. Tomemos agora um elemento de B da forma (d): p'Y ' +p=z», com O: s; P' E a, §5.2 99 Relação de ordem e operações com cortes o ~ Y' E ~,O ~ P" E aeO ~ Z" E "(. Suponhamos p ~ v: Temos: P'Y' +P"z" =P'Y' +P'z" - P'z" +p"Z" =p'(y' - z-) - z"(p' - p"). O primeiro so- mando daúltimaexpressão éelemento deA eo segundo éumracional não positivo. Como A éumcorte, essaexpressão éumelemento deA. Assim, B C A. Dessa forma, concluímos ademonstração dadistributividade parao caso em que (X, ~ e"(são maiores ou iguais aO. Conforme comentado no início destademonstra- ção, os demais casos são consequências desse edas demais propriedades aritméticas já estudadas. Analisemos o caso emque emque a<O e ~,r ~O. Temos: a(~+r) =-(Iall~+rl) =-[C-a)(~+r)] =-[C-a)~+(-a)y]=-[-a~ - ar]= a~+ar.Paraas duas últimas igualdades, usamos aproposição anterior. Os demais casos são tratados deformasimilar, usando-se as informações adicionais seguintes, ficando os detalhes, mais umavez, como uminstrutivo exercício parao leitor: 1. Se ~ ersão menores ou iguais aO, então ~+r= -(I~I +Irl); 2. Se ~ ~ r~O ea~O, então, temos: a~=a(~-r+r) =a(~- r)+ar,de onde segue que a(~- r)=a~- ar. o Exercício 100. Mostre, usando (v) do teorema anterior, que a~=0* se, esomente se, a=0* ou ~ =0*. Exercício 101. Sep, q E Ql, mostre que p* . q* =(pq)*. Proposição 5.2.12. Se aE C, temos que r E ase, e somente se, r" <a. Demonstração. Se r E a, como r ~ r", então r" <a. Reciprocamente, se r" <a, existe s E a\ r", Temos então que s ~ r es E a.Logo, r E a. o 100 Números reais Cap.5 Teorema 5.2.13. Se a,~E C e a<~' então existe um corte racional r" tal que a<r' <~. Demonstração. ]O caso: aé um corte racional, digamos, a=s", Como a<~' existe r E ~\ a(r racional), com r >s. (Caso contrário, ~\ a={s}, isto é, ~= aU {s}, contrariando a condição (iii) da definição de corte.) De r E ~e r tJ . r", obtemos r' <~.Como s <r; então a=s" <r", 2° caso: anão éum corte racional. Como a<~,existe r E ~\ a(r racional). De r E ~\ r", obtemos r" <~.Como r écota superior de aeanão écorte racional, então r não écota superior mínima deae, daí, existe sE r" \ a,ou seja, a<r" . O Temos, então, C munido deduas operações euma relação deordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Assim, resgatando alinguagem algébrica introduzidana Seção 4.4., C é, como Q, umcorpo ordenado. Emparticular, define- se também adivisão em C e adota-se anotação de fração ~' conforme Exercícios 74 e75. Além disso, aaplicação j:Q ~ C dada por j(r) =r" éinjetora epreserva adição, multiplicação eordem, conforme os Exercícios 94 e 101. Mais uma vez, obtivemos uma cópia algébrica de umconjunto emoutro, desta vez, j(Q) é uma cópia de Qem C, sendo j(Q) precisamente o conjunto dos cor- tes racionais. O Teorema 5.1.3 mostra que há em C cortes não racionais. Assim, C\j(Q) = I (/ J • •• §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 101 Definição 5.2.8. O conjunto C dos cortes será, a partir de agora, denominado de conjunto dos números reais e denotado por IR. Os cortes racionais serão identifi- cados, via ainjeção j, com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado número irracional. Notação: aidentificação de j(tQ) com tQ nos permite escrever tQ C IR. O conjunto IR\ tQ representa o conjunto dos números irracionais. Exercício 102. Levando emconsideração as observações acima, esclareça emque contexto cada uma das afirmações seguintes pode ser considerada verdadeira ou falsa: 1. umnúmero real éumconjunto denúmeros racionais; 2. todo número racional éreal. Os resultados seguintes mostram que, apesar da semelhança entre as proprieda- des aritméticas e de ordem entre tQ e IR,há uma importante propriedade de IRque tQ não possui, ada completude. Teorema 5.2.14. (Dedekind) Sejam A e B subconjuntos de IRtais que: i) iR =AUB; ii)AnB=0; iii) A = 1 = 0e B = 1 = 0; iv) se aE A e ~ E B, então a<~. Nessas condições existe um, e apenas um, número real "f tal que a :::; "f: : : ; ~, para todo a EA e para todo ~ EB. Demonstração. Unicidade: suponhamos que existam dois números "fI e "f2, com "fI <"f2 nas condições do enunciado. Consideremos "f3 tal que "fI <"f3 <"f2, o que é 102· Números reais Ca~.5 possível pelo Teorema 5.2.13 (ou por um argumento análogo ao realizado no item 6 do Exercício 76). De "(3 <"(2 resulta "(3 E A, pois ~~"(2(> "(3), para todo ~E B eA UB =R Analogamente, de"(1 <"(3, resulta "(3 E B. Obtemos então "(3 E A nB, uma contradição. Existência: seja"(={r EQ I r E a, para algum a EA}. Mostremos que"(é umcorte nas condições requeridas. i) 0= I " ( = I Q: adesigualdade 0= I 'tresulta imediatamente deA = 1 0 . Paramostrar que "(= I Q, tomemos ~EB. Seja s rJ .~umracional. Como a c ~, 'liaEA, então s rJ .a, 'liaE A, deonde resulta s rJ .y. ii) Ser E"(es<r, então sE"(:temos que r E a para algum a EA e, como s<r. então s E adeonde segue que s Ey. iii) Se r E "(, então existe s >r comsE "(: temos que r E a para algum a EA e. como aéumcorte, existe s >r ema, logo s E"(. Assim, "(éumnúmero real etemos que a::;"(,'liaEA, pois, pela definição de "(,sabemos que aC"(,vo. EA. Mostremos agora que "(::; ~, V~E B. Suponhamos que exista ~E B com ~<y. Neste caso, existe umracional r E "(\~. Por pertencer a"(,r éumelemento dealgum aE A e, não sendo elemento de ~, obtemos ~<a, contrariando ahipótese (iv). O Neste teorema está aessência dagrande diferença entre Q eI R, conforme olei deve verificar no exercício seguinte. B. o §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 103 Observe ainda que seo conjunto A do Teorema 5.2.14 não contiver y, então ele éum corte em IR,no sentido da Definição 5.1.1 de corte emQ. A diferença entre ambas as situações é que em Q não se tem necessariamente, como no Teorema 5.2.14 para os números reais, umelemento como y. Essas lacunas éque geram os cortes (números) irracionais. Como tais lacunas não ocorrem em IR, então cortes emIRnão geram elementos novos. Adotaremos ausual notação para intervalos de números reais, que são os sub- conjuntos deIRdos seguintes tipos, onde a eb são reais coma <b: 1.]a,b[={xEIRla<x<b}; 2. [a,b[= {x E IRI a:::;;x <b}; Exercício 103. Considere os seguintes subconjuntos de Q: A ={x EQ+ I x 2 <2}UQ~ e B ={x EQ+ I x 2 >2}. Mostre queA eB satisfazem as hipóteses do teorema anterior, comQ emlugar de IR,mas que não existe r E Q satisfazendo s :::;;r, VsEA er:::;; t, vt EB. Note que o teorema e o exercício anteriores nos dizem, informalmente, que emIRnão há "lacunas", mas em Q, há. Por esta razão, dizemos que IRpossui a propriedade da completude ou que IRécompleto. Corolário 5.2.15. Nas condições do teorema anterior, ou existe em A um número máximo, ou, em B, um número mínimo. Demonstração. Seja y como no teorema anterior. Então y está emA ou emB, pela hipótese (i) e, por (ii), emapenas umdesses conjuntos. Sey E A, então y éelemento máximo deA e, sey E B, Yéelemento mínimo de 104 Números reais Cap.5 3.]a,b] ={x E l R .1 a <x:::; b}; 4. [a,b] ={x E l R .1 a :::; x:::; b}; S.]a, +00[={x E l R .1 x >a} e, anal ogamente, para os interval os: [a,+oo[; ]-oo,a[; ]-oo,a] e ]-oo,+oo[=R A interpretação geométrica que adotamos intuitivamente para o conjunto dos números reais desde o Ensino Fundamental , através de uma "reta", étomada rigo- rosa comoestudo axiomático dageometria eucl idiana pl ana, que não faremos aqui, o que não nos impedirá de continuar usando nossa intuição. O próximo teorema édeimportância fundamental na anál ise matemática. Del e decorrem os famosos Teorema do Val or Intermediário eo Teorema de Weierstrass. O primeiro diz que toda função f contínua, definida numinterval o fechado [ a , b ] , a val ores reais, assume todos os val ores entre f( a ) ef( b ). O segundo diz que uma tal função assume um val or máximo eum val or mínimo nesse interval o. Desses dois teoremas, decorrem todos os demais teoremas do Cál cul o Diferencial eIntegral de funções reais aval ores reais, incl uindo oTeorema Fundamental do Cál cul o. Comecemos comal gumas definições: ii) De modo anál ogo, define-se subconjunto de l R . limitado inferiormente ecota inferior. Definição 5.2.9. i) Seja A um subconjunto de R Dizemos que A é limitado superiormente se existe k E l R . tal que k ~ x, '\Ix EA. Umtal k diz-se cota superior de A (como já definido para subconjuntos de íl, conforme aDefinição 3.3.3). iii) A diz-se limitado sefor l imitado superiormente el imitado inferiormente. §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 105 iv) Suponhamos que A seja limitado superiormente e que exista uma cota su- perior de A, digamos s, que seja mínima (no sentido de que qualquer cota superior deA seja maior ou igual as). Neste caso s diz-se supremo de A eé denotado por supA. v) De modo análogo, define-se ínfimo de A (para conjuntos A limitados infe- riormente), denotado por infA, como sendo uma cota inferior máxima para o conjuntoA. Exemplo 5.2.2. 1. Seja A ={I, ~, ~, ..., ~, ... } ={~I n E N*}. Temos: A é limitado, supA =1einfA =O. Observe que supA EA, mas infA ti. A. 2. A ={x E ]R.I x ~ O}. A élimitado inferiormente, mas não élimitado supe- riormente. Seu ínfimo éO. Exercício 104. Mostre que umsubconjunto não vazio deR admite, no máximo, um supremo. Teorema 5.2.16. Se X C ]R.é um conjunto não vazio e limitado superiormente, então existe supX. Demonstração. Definamos A ={aE]R.I a<x, para algum x E X}, isto é, A éo conjunto constituído precisamente pelos números reais quenão são cotas superiores deX. Seja B =]R.\ A, isto é, B éo conjunto constituído pelas cotas superiores de X. Vamos verificar queA eB satisfazem as condições do Teorema 5.2.14. 106 Números reais Cap.5 As condições (i) e (ii) são claramente válidas. Quanto a(iii), temos que, sendo X = I 0, existe x EX e, portanto, qualquer a<x éelemento deA, logo A = I 0. Ainda, como X élimitado superiormente, B = I 0. Para verificar (iv), sejam aE A e ~E B. Assim, existe x E X tal que a<x. Como ~~x, obtemos ~>a. Pelo corolário 5.2.15, ouA possui máximo, ouB possui mínimo. Vamos mostrar que aprimeira alternativa não pode ocorrer, deonde decorrerá queB possui mínimo, que éatese do teorema. Tomemos, então, aarbitrário emA. Existe x E X tal que a<x. Consideremos a' tal que a <a' <x. Como a' <x, então a' E A e é maior do que a, ou seja, nenhum elemento deA émaior do que os demais, como queríamos verificar. O oteorema seguinte mostra que IR,como Q, éumcorpo arquimediano (reveja o Exercício 83). Teorema 5.2.17. O conjunto N dos naturais é ilimitado em IR. Demonstração. Suponhamos N limitado superiormente em IRe seja a=sup N. Assim, a~n, para todo n E N. Como n +1E N, para todo n E N, então n +1:::;a, para todo n E N, de onde obtemos a-I como cota superior para n E N, menor do que o sup N, uma contradição. O Exemplo 5.2.3. Como uma aplicação do que acabamos de estudar, vamos mostrar que existe umúnico número real positivo cujo quadrado é2, isto é, aequação x 2 =2 temuma única solução real positiva (quejá sabemos não ser racional). Tal solução se denota por V2. Como a 2 =(_a)2, para todo aE IR, então -V2 também é solução daequação acima (enão há outras soluções! Por quê?). Cap.5 sendo - da, <x. os ao é ------------------------------~-------~ §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 107 SejaX ={X E I R ~I X 2 <2}. É claro queX #- 0. X élimitado superiormente, por exemplo, pelo número 3. De fato, 3 >x >O equivale a3 2 >x 2 , que éverdadeira parax E X, pois, paraesses números, x 2 <2. Pelo teorema anterior, X possui supremo, digamos, s. Mostremos que s2=2, por exclusão dos casos s2<2es2>2, deonde seguirá aafirmação. Suponhamos s2 <2. Como I R éarquimediano , podemos argumentar como na demonstração doTeorema 5.1.3, etomarmos h real positivo menor doquernin{I , 2- s2}. 2s+ 1 Obtemos: (S+h)2 =s2+2sh+h 2 <s2+2sh+h = 2-s 2 s2+h(2s +1) <s2+2s+1. (2s +1) =2, isto é, (s+h)2 <2; logo s+h E X, contradizendo o fato deque s écotasuperior de X. Suponhamos agora s2>2. Como nademonstração do Teorema 5.1.3, setomar- .. I . {2-s2} mos h real POSitI VOta que O <h <mm 1, ~ ,obtemos: 2-s 2 (s-h)2 =s2 - 2sh+h 2 >s2 -2s-- +h 2 =2+h 2 >2 2s isto é, (s- h)2 >2, logo s- h> x, \/x E X; contradizendo o fato de s ser amenor cotasuperior deX. Está provado o que queríamos. Antes de prosseguirmos, precisamos lembrar dadefinição de potência de base real eexpoente inteiro. Definição 5.2.10. Seja a E I R e n E N. Definimos apotência a" recursivamente como sendo 1, se n =O e, para n >1, como sendo a . a n - 1 . Finalmente, se a #- O, 108 Números reais Cap.5 definimos a- n como sendo (a- 1 ) n . Exercício 105. Sea eb são reais en , m inteiros positivos, mostre, por indução, que: 1. (ab) n =an ·b n ; 2. an a m =a n + m . , 3. (an ) m =a n m . Demon stração. SejaA ={x E lR~I x" <a}. Mostremos, como no exemplo ante- rior, que A énão vazio e élimitado superiormente, portanto, admite supremo. De fato, aexpressão a~ 1é, obviamente positiva emenor do que ambos, 1ea. Assim, (a~ l) n <a~ 1<a, logo, a~ 1E A e, portanto, A énão vazio. Como cota superior para A, tem-se o número a +1. De fato, a +1 >x, para todo x E A, equivale a (a +L)" >x", para todo x E A (verifique essa equivalência). A última desigualdade éverdadeira, como resulta de: ~ <a <a +1<(a +l )", para todo x E A (para a última desigualdade, use adesigualdade de Bernoulli: (1+a) n >1+n a >1+a) . Concluímos que a +1écota superior deA. Seja então a=sup A. Mostraremos, como no exemplo anterior, que a n =a, por exclusão dos casos a n <a e a n >a. Estenda as propriedades anteriores para n , m E Z, lembrando que, para expoentes negativos, abase deve ser não nula. Seguindo os mesmos passos do Exemplo 5.2.3, provaremos, mais geralmente, o seguinte fato: Teorema 5.2.18. Seja a um real positivo e n >O n atural. Existe um ún ico n úmero real positivo que é solução da equação x" =a. §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 109 o Suponhamos inicialmente a n <a. Vamos mostrar que existe h positivo emenor do que 1tal que (a+h)n <a, contrariando ofato de que aécota superior deA. A análise dodesenvolvimento daexpressão (a+h)nmostrará aexistência deumtal h. Trata-se dochamado desenvolvimento do binômio de Newton (Veja [18] para uma demonstração desse desenvolvimento usando indução), segundo oqual tem-se., (a+h)n =a n + G)an-1h+ G)a n - 2 h2+ ... +(n~l)ahn-l +h n . Como O<h <1, aexpressão acima ficamenor doque a n +h [G)a n - 1 +(~)an-2 +... +1J =a n +h [(a+l )" - anJ. a=o" Para que essa expressão fique menor do que a, deve-se ter h <( ) , a+1»<or oque épossível porque, sendo a última expressão positiva, basta tomar h como sendoelavezes Í. (VejaoExercício 76.6 eestenda-o para IR.ouuseofatodequeIR.é arquimediano.) Suponhamos agora a n >a ebusquemos k positivo emenor doque 1tal que a- k ainda satisfaça (a- k)n >a, deonde segue que a- k écota superior deA menor do que sup A, umabsurdo. Temos, novamente, pela fórmula dobinômio deNewton: (a-kt a n _ (~)an-lk+ (;)an-2k2+ +(-lt(:)a~ a n _ k [ (~) a n - 1 _ (;) a n - 2 k 2 + ~(_1)n (:)~-l] > a n _ k [ (~) a n - 1 +(;) a n - 2 k 2 + +(:)~-l] > a n - k [ (~) a n - 1 +(;) «': 2 + +(:) 1 a n -k[(a+ l)"- c"], (5.1) 110 Cap.5 Números reais a,n-a que fica maior do que a se k <( ) . Pelas mesmas razões ao final do a,+1»<or primeiro caso, umtal k real existe. Concluímos, como queríamos, que a,n deve ser igual aa. A demonstração da unicidade deuma tal solução positiva éumexercício para o leitor (use afatoração: XZ - yn =(x _ y) . (X Z- I +XZ-2y+XZ-3y2 +...+x2yn-l +xyn-2 +yn-l )). O Definição 5.2.11. Dado um número real positivo a, o único número real positivo que ésolução daequação x" =a, estabelecido pelo teorema anterior, chama-se raiz n-ésima de a eédenotado por yraoupor a*. A raiz n-ésima dea permite que sede- finaexpoente racional do seguinte modo: sem en sãointeiros positivos, a!f! =(a * )m e, como para expoentes inteiros, a-!f! =(a-I)!f!. O tratamento de expoentes irra- cionais é considerado de forma rigorosa no estudo de funções exponenciais reais, o que costuma ser feito nos cursos de Cálculo Diferencial eI ntegral ou de Análise Matemática. Exercício 106. Sea eb são reais positivos, n inteiro positivo er, s racionais positi- vos, mostre que: 1 I 1 1. (ab ) ri =a ri . b ri; 2. ar aS=a r + s . , 3. (arr =a rs ; 4. (ab Y =a'b ". Exercício 107. Como auxílio das propriedades acima, mostre que sea >1emI R e r >s >O emQ, então ar >a', §5.2 Relação de ordem e operações com cortes 111 Exercício 108. Mostre que sea ElR.~er EQ~, então a >1se, esomente sear> 1. Exemplo 5.2.4. Utilizando os resultados contidos nos exercícios acima, mostrare- mos agora que o conjunto A ={ x E Q~110X <15} énão vazio, limitado supe- riormente e que seu supremo, digamos, s, éum número irracional. Esse supremo denota-se por 10glO15. No exercício seguinte, atribuiremos, demaneira natural, um significado a IO", segundo oqual teremos IO' =15. Vamos aos detalhes. Claro que A énão vazio, pois 1E A. Mostremos que A élimitado superiormente por 2. De fato, as desigualdades 2 >x >O equivalem, pelo Exercício 107, a 10 2 >IOX >1, que éverdadeira para todo x E A, pois, para tais x , IOX <15 <10 2 . Seja s =sup A. Vamos mostrar que s ti: . Qdo seguinte modo: sob ahipótese des pertencer aQ, l O" não poderá ser menor, nem maior e nem igual a 15. J á sabemos, do Exercício 90, que IOX não pode ser 15 para nenhum expoente racional x . Excluiremos, umaum, os outros dois casos. i) Suponhamos l O' <15. Vamos encontrar h E Q~tal que lO s + h <15, deonde de- correrá que s +h E A, contrariando s =sup A. A condição exigida sobre h equivale a io- <15· lO- s , este último, maior do que 1, digamos, 1+u, u >O. Busquemos umh da forma!, n E N, demodo que 1 <10~<1+u, o que, pelo Exercício 107, n equivale a 1 <10 <(1 +u)n. Mas, pela Desigualdade deBemoulli (veja Exercício 85), (1+u)n >1+nu, que, por ser u >0, fica arbitrariamente grande, para n ade- quadamente grande. Umtal n produz oh =! que desejamos. n ii) A suposição de que l O" >15 édescartada de modo análogo ao caso que acaba- mos deestudar eo leitor deve trabalhá-Ia como exercício. Exercício 109. SejamA es =10glO15, como no exemplo anterior. Definimos IO' como sendo o supremo do conjunto { I O X I x E A }. Mostre que lO s =15. 112 Números reais Cap.5 15. Exercício 110. Com argumentos análogos aos utilizados no exercício e exemplo anteriores, defina 10g815e 8 10g g 15 de modo que essa última expressão seja igual a Exercício 111. Generalize as ideias contidas nos exercícios anteriores para definir log, a, para b e a reais positivos, com b = j = . 1. Além disso, se log, a for irracional, defina, para c real positivo, clogba, demodo que blogba sejaigual aa. Exercício 112. SejamA eB subconjuntos não vazios deIR,limitados superiormente. Definimos A +B corno sendo o conjunto {x +y I x EA e y EB}. Mostre queA +B é limitado superiormente e que sup (A+B) =sup A +sup B. Enuncie e prove resultado análogo paraA eB não vazios elimitados inferiormente. Exercício 113. Explicite os cortes correspondentes aos seguintes números reais: 1)3 2)-~ 3)y3 4)V'3 5)V2+y3 6)V2J 8 7)log21O 8)log28 Exercício 114. Demonstre as afirmações seguintes: 1. asornaeoproduto de dois números irracionais pode ser racional; 2. asoma deumirracional comumracional éirracional. Exercício 115. Écomum vermos nos livros de matemática, nos mais variados ní- veis, exercícios comos enunciados seguintes: 1: mostre que aequação x 2 =2não admite solução racional; 2. mostre que v'2 ti:. Q; 3. mostre que v'2 éirracional. Esperando-se que o leitor resolva rigorosamente esses exercícios, diga que con- teúdo matemático ele deverá utilizar para demonstrar cada umdeles. Cap.S §S.3 Representação decimal dos números reais 113 anplo igual a oTeorema 5.1.3 eo Exemplo 5.2.4 expressam, no presente contexto, o fato de que há conjuntos não vazios de racionais, limitados superiormente, que não admi- tem supremo racional, por exemplo, A ={x E Q+I x 2 <2} (conforme o item 3do Exercício 116 abaixo). No entanto, pelo Teorema 5.2.16, A tem supremo, se con- siderado como subconjunto de IR, asaber, v'2 (o que seprova de modo similar ao exemplo anterior, como cuidado de, através do Teorema 5.2.13, tomar h racional). Exercício 116. Mostre que: 1. todo subconjunto não vazio dereais, limitado inferiormente, possui ínfimo; 2. seX eY são subconjuntos não vazios limitados deIReseX CY, então infY :S infX esupX:S supY; 3. o conjunto A ={x E Q+I x 2 <2} não possui supremo emQ. 5.3 Representação decimal dos números reais No Capítulo 2, dissemos que utilizaríamos o sistema de numeração indo-arábico para representar os números naturais, portanto os inteiros e racionais escritos na forma de fração. Esse sistema édito posicional de base dez por razões conhecidas desde oensino básico dematemática. Naverdade, qualquer número natural b maior do que 1pode ser abase deumsistema posicional paraarepresentação dos números inteiros, demodo análogo ao sistema decimal (consulte [18] paraumademonstração rigorosa desse fato). Por exemplo, o sistema binário (base dois) éde fundamental importância emcomputação. Claro que o sistema decimal se consolidou ao longo 114 Números reais Cap.5 danossa história devido às dez peças denossa ferramenta mais antiga decontagem: os dedos das mãos. Certamente, se tivéssemos três dedos em cada mão, nosso números reais naforma 1,7; -3,43; 3,14159 ...; 0,7777... etc. sistema denumeração seria, naturalmente, o debase seis. Assumindo conhecida arepresentação dos inteiros embase dez, vamos estudar a representação decimal dos números reais, isto é, em que se baseia a escrita de Exercício 117. Dado umnúmero real não negativo a,mostre queexiste umnúmero natural máximo, no, queémenor doqueouigual aa.Mostre ainda queO ::; a- no < 1. (Sugestão: considere o conjunto dos números naturais maiores do que ae use o Princípio daBoa Ordem.) No teorema a seguir, estudaremos a representação decimal dos números reais não negativos menores do que 1, apartir daqual arepresentação decimal dos demais números reais será automática, como aUXI1iodo exercício acima edo sinal "-". Teorema 5.3.1. (Representação decimal dos números reais) i) A cada número real a, não negativo e menor do que 1, corresponde uma única sequência de dígitos (nk)kEN*, satisfazendo: a) O <nk <9,para todo k E N*; jJ) (nk)kEN*não possui infinitos dígitos consecutivos iguais a 9; e nl nk c) definindo, para cada k E N*, Sk como a soma 10+...+10 k ' a será o supremo do conjunto S={Sk I k E N*}. ii) Reciprocamente, a cada sequência de dígitos (nk)kEN*, satisfazendo (a) e (b) acima, e definindo Sk como em (c), corresponde um único número real a, não t .:: - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ §5.3 Representação decimal dos números reais 115 negativo e menor do que 1, que é o supremo do conjunto limitado superiormente Demonstração. i) Dado a como no enunciado, sejanl omaior natural tal que ~~:::; a. Observe dois fatos importantes neste ponto: que umtal nl existe eque O :::; nl :::; 9. Prove ambos! S nl . A • ( O O O ) S nl . e 10 =a, associamos a a a sequencia nl, , , .... e 10 <a, seja n2 o ., 1 1 nl n: N 1" f O maior numero natura ta que 10+10 2 :::; a. ovamente, ta n: existe esatis az :::; n2 :::; 9, caso contrário contradir-se-ia aforma comque nl fora tomado (verifique). S nl nz . A • ( O O O ) S nl n: e 10+10 2 =a, associamos aa asequencia n1, na. , , .... e 10+10 2 < . . nl n2 n3 a, tomamos n3 como omaior natural satisfazendo 10+10 2 +10 3 :::; a, que, como nos casos anteriores, satisfaz O :::; n3 :::; 9. Obtidos, dessa forma, nl,n2, ... ,nk-l, obtemos nk como o maior inteiro tal que nl nk . f d . O 9 10+...+10k :::; a, comnk satis azen o, necessanamente, :::;nk:::; . Aa, associamos asequência (nk)kEN* determinada na construção acima. O fato de que esta sequência não possui infinitos noves consecutivos será esta- ([ccs:~remos agora S e Sk como na primeira parte do teorema e verifiquemos (1=sup Si, a écota superior de S, por construção. Seja ~um real --::::::::=:=: :::~)fdo que a. Mostremos que ~não pode ser cota superior de S. Como .t:::;:;=:::zdlan'O (Teorema 5.2.17), existe k E N tal que l~k <a -~. Temos: --- <(1-~, deonde segue que ~<Sbcomo queríamos. ~::::::::I1X:2~nte, dada uma sequência (nk)kEN*, (O:::; nk :::; 9), para todo k, como ~i:'.:lIooooExercício 123 acima, construímos os conjuntos Sk e S do enunciado. S élimitado superiormente I" ,.99 9 l(Ví'E pe asene geométrica 10+10 2 +...+lO k +...,que converge para eja xer- 116 Números reais Cap.S cícios 119e 120adiante e, também, [11] para maiores detalhes sobre séries numé- ricas). Assim, a=sup S éo número real associado àsequência (nk)kEN*. O Definição 5.3.1. i) Dado umnúmero real a, comO::; a <1, seja (nk)kEN* asequên- cia de dígitos correspondente a a, seminfinitos noves consecutivos, construída na primeira parte do teorema acima. A representação decimal de ase define como sendo aexpressão 0,n1n2n3n4 .... Senk i= ° en[ =0, para todo 1 >k, convenciona- serepresentar 0, n1n2n3n4 ... por 0, n1n2n3n4 ... nk> que será dita representação de- cimal finita de a. ii) Se a 2 ': 1, seja no o maior natural que é menor do que ou igual a a, dado no Exercício 117. Seja 0,n1n2n3n4 ... nk ... a representação decimal de a- no de- finida em (i). Definimos a representação decimal de acomo sendo a expressão nO,n1n2n3n4···nk···· iii) Se a<0, definimos sua representação decimal como sendo -r, onde r é a representação decimal de -a. Exercício 118. Escreva arepresentação decimal dos seguintes números reais: ;;:;2 Ao dí . , 'I 2 3 3 20 4 3 1. Y'" (comtres ígitos apos avirgu a); . 5; . 3; . -4· Exercício 119. Determine o número real cuja representação decimal é: 1. 0,4444 ... (Utilize aqui o fato de que asérie geométrica E;:'=1aq", com a> ° e° <q <1, converge para 1~q. Isso significa que o conjunto { a +aq +aq2 +...+aq" I k E N} possui supremo 1~q.); 2. -2,121212 ...; 3. 1,3121212...; §5.3 Representação decimal dos números reais 117 4. -3,7. Nossas representações decimais não consideram, então, expressões cominfini- tos noves consecutivos, como 0,99999 ..., 2,79999 ... etc. Épossível, no entanto, atribuir aelas um significado similar ao das expressões seminfinitos noves conse- cutivos. Abordemos inicialmente aexpressão 0,99999 .... Estendendo o que vimos para representações seminfinitos noves sucessivos, onúmero real aaela associado deve ser osupremo do conjunto S={Sk I k E N*}, onde s, =:0 +1~2 +... +l~k' que é, conforme vimos na demonstração do teorema anterior, o número real 1. Por outro lado, a representação decimal de 1é, pela definição acima, 1,00000..., que convencionamos representar pelo próprio símbolo 1. Consequentemente, conside- rando expressões cominfinitos noves consecutivos como representações decimais, tem-se como resultado que elas representam também números reais comrepresen- tação decimal finita e, reciprocamente, qualquer representação decimal finita, di- ferente da do número O, admite uma representação decimal com infinitos noves consecutivos nos termos acima. Confirme essas afirmações no exercício seguinte. Exercício 120. Mostre que arepresentação decimal 2,79999 ... também representa onúmero (representado por) 2,8. Qual arepresentação decimal cominfinitos noves de0,47? E de 2,99? Generalize. Os três últimos exercícios apontam para o fato de que representações decimais finitas ou periódicas (aquelas que contêm a repetição sucessiva de um bloco de dígitos) correspondem anúmeros racionais. (Prove isso como exercício.) Reciprocamente, pode-se provar que todo número racional possui representação decimal finita ou periódica. (Para uma demonstração rigorosa desse fato, consulte, 118 Números reais Cap.5 5.4 ~ não é enumerável por exemplo, [11]. Veja também os dois exercícios seguintes.) Assim, representa- ções como O,101001000100001... e4, 1234567891011 ... correspondem anúmeros irracionais. Exercício 121. Mostre que uma fração irredutível possui representação decimal finita se, esomente se, seu denominador for divisor deuma potência de 10. Exercício 122. Explique porque 1possui representação decimal periódica. Idem 8 4 para TI e 7· Exercício 123. Dado um real a, não negativo e menor do que 1, mostre que a sequência associada aa, construída naprimeira parte do Teorema 5.3.1, não conduz ainfinitos noves sucessivos. A representação decimal dos números reais permite demonstrar que ]R não é enu- merável. Éo que faremos aseguir. Exercício 124. Como auxílio do Lema 4.3.4, mostre que todo subconjunto infinito deumconjunto enumerável éenumerável. Lema 5.4.1. O intervalo I =]0, 1[não é enumerável. Demonstração. Mostraremos que, qualquer que seja a enumeração estabelecida para elementos de I, sempre existirá um elemento de I não considerado na dada enumeração. Em outras palavras: qualquer subconjunto enumerável de Ié dife- rente de I,de onde obteremos que Inão pode ser enumerável. De fato, seja I' um 5 §5.4 I R não éenumerável 119 conjunto enumerável constituído de elementos de Ique, portanto, pode ser escrito na forma I' ={XO,XI,X2, "'}' onde, para cada n E N, xn representa aimagem de n por uma certa bijeção de N emI'. Vamos representar cada elemento deI' pela sua representação decimal dada acima, seminfinitos noves consecutivos, edispô-I as na forma deuma "matriz infinita", assim: Xo =0,XOOXOl X02 .. · Xl =O,XlOXllX12 ... X2 =O,X20X2IX22 .. · Vamos construir agora umnúmero real X EI, diferente detodos os elementos de I' através da seguinte representação decimal: O,aoala2a3"" onde, para cada n E N, o dígito decimal a.; dessa representação é diferente de 9, de ° e do dígito decimal Xnn da representação deXn. Pela correspondência bijetora estabelecida acima entre números reais e representações decimais sem infinitos noves, a representação de- cimal O,aoala2a3a4 ... corresponde aumúnico número real deI que édiferente de todos os elementos deI', como queríamos. Este belo esimples argumento também sedeve aCantor e, por razões óbvias, chama-se método diagonal de Cantor. D Teorema 5.4.2. O conjunto dos números reais é não enumerável. Demonstração. O subconjunto I de lR , dado no lema anterior énão enumerável e, portanto, pelo Exercício 124, lR não pode ser enumerável. D Cap.5 120 Números reais Os resultados seguintes exibem bijeções entre o intervalo Ido lema anterior e subconjuntos notáveis de IRe de IRx IRx ... x IR(n fatores, n ~ 2), que se denota por IR n . Geometricamente, esse fato mostra, emparticular, que o segmento de reta aberto que representa Iéequipotente auma reta (que representa IR), ao plano (que representa IR 2 ), eao espaço tridimensional (que representa IR3). Exercício 125. Mostre que a função j : IR---+ Idada por j(x) =!(1 +l:lxl) é bijetora. No exercício seguinte, considere, para os números do domínio da função, a representação decimal cominfinitos noves consecutivos, emvez dedecimais exatas. Seja J =[0,1] ={x E IRI ° <x <1}. Exercício 126. Usando arepresentação decimal dos números reais, mostre que a função j: J ---+ J x J (=J2), dada por j(0,aoala2a3a4 ... ) = (0,aoa2a4a6ag··· , 0,ala3asa7a9···) ésobrejetora. Exiba uma sobrejeção deJ so- bre J3. Generalize. Proposição 5.4.3. Existe uma bijeção entre [0,1] e [O, l]" (n ~ 2). Exercício 127. Exiba uma sobrejeção de J2 sobre J. Exiba uma sobrejeção de r sobre J, n ~ 3. O importante Teorema de Schrõder-Bernstein (veja [17], [30]) afirma que seA e B são conjuntos e existem sobrejeções j :A ---+ B e g : B ---+ A, então A e B são êquipotentes, isto é, existe uma bijeção entre esses conjuntos. (A mesma conclusão éobtida seconsiderarmos f eg funções injetoras ao invés de sobrejetoras.) Utilize este resultado eos exercícios anteriores para concluir aproposição seguinte. e §5.4 ]R não éenumerável 121 Exercício 128. Mostre queafunção f :J O,l[~Ja,b[ dada por f(x) =a +(b - a)x é bijetora. Assim, qualquer intervalo aberto éequipotente ao intervalo J O,1[. Lema 5.4.4. Um intervalo do tipo [a, bJ é equipotente ao intervalo do tipo [a, b[. Demonstração. Pelo exercício anterior, Ja,b[ énão enumerável, logo o são o.sin- tervalos do enunciado. SejaA ={aI, a2, ... } umsubconjunto enumerável de [a, b[. Considere afunção f de[a,bJ em [a,b[ dada por f(x) =x, sex E [a,b[\A, f(an) = an+I, para n E N* ef(b) =aI. Tal função ébijetora (certifique-se dessefato). O Exercício 129. Mostre queos intervalos Ja, b[ e[a, bJ são equipotentes. Em parti- cular o são os intervalos IeJ dos exercícios anteriores. Usando os resultados anteriores elembrando que a composição debijeções é uma bijeção, demonstre aproposição aseguir. Proposição 5.4.5. Qualquer intervalo de números reais (por menor que seja sua amplitude) é equipotente a IR n , para todo n ~ 1. Proposição 5.4.6. Os conjuntos IRe P(N) são equipotentes. Demonstração. Novamente, utilizaremos o Teorema deSchrõder-Bernstein acima mencionado, juntamente com outros resultados já provados, da seguinte forma: mostraremos queexiste uma função injetora <p: IR~ P(Q) euma função injetora f: P(N) ~ IR. Como QeN são equipotentes, assim o serão os conjuntos P(Q) e P(N), isto é, existeuma bijeção "': P(Q) ~ P(N). A função g =",o<p: IR~ P(N) será, portanto, injetora. Das injetividades def edeg, concluímos pelo Teorema de Schrôder-Bernstein, a tese da proposição. Vamos então às definições das funções 122 Números reais Cap.5 injetoras < p ef acima mencionadas. Definimos < p : IR- - - - - + P(Q) do seguinte modo: a cada a E IR, <p(a) ={x E QI x < a}. Mostremos que < p éinjetora. De fato, sejam a e b reais com a < b. Pelo Teorema 5.2.13, existe um número racional r EJa,b[. Como r E <p(b) \ <p(a), então <p(b) = I <p(a). Para definirmos f :P(N) - - - - - + IR, seja A E P(N) e consideremos afunção carac- terística de A, X A : N - - - - - + {O,I}, dada por X A(n ) =1, se n E A, e X A(n ) =0, se n EN\ A. Observe que existe uma função característica para cada subconjunto de N e, vice- versa, acada função X : N - - - - - + {O,I}, corresponde o subconjunto de N que éapré- imagem de 1, isto é, o conjunto {n E N I x(n ) =I}. Dessa forma, elas ca- racterizam os subconjuntos deN, daí seu nome. Como auxílio dessa função carac- terística, definimos f(A) como sendo onúmero real cuja representação decimal será 0 ,X A(0 )X A(1 )X A(2 )X A(3 ) .... O leitor deve verificar que f éinjetora, isto é, seA = I B, então os números reais de representações decimais 0, X A (O )X A (l )X A (2 )X A (3) ... e 0 ,X B(0 )X B(1 )X B(2 )X B(3 ) ... são diferentes. (Observe ainda que os números re- ais quepossuem asrepresentações decimais definidas acima pertencem ao intervalo [ O, bJ .) o 6 : a Números complexos No Ensino Médio, os números complexos são introduzidos a partir da chamada "unidade imaginária", i, com a propriedade de que i 2 =-1. Eles são definidos, então, como expressões da forma a +bi, onde a, b E IR, sujeitas às regras opera- cionais conhecidas dos números reais. Assim, por exemplo, (3+5i) . (7- 2i) = 21-6i+35i -lOi 2 =21+29i+ 10=31+29i. Ou seja, manipulam-se tais expres- sões como expressões algébricas reais, sob acondição extra deque i 2 =-1. Novamente, do ponto de vista do rigor matemático, énecessário justificar cui- dadosamente aorigem deumtal número i. 6.1 Construção dos complexos e sua aritmética A construção rigorosa dos números complexos a partir dos números reais é mais simples do que todas as construções que realizamos até agora. No Ensino Médio, aprendemos que dois números complexos, a +bi e c+di, são iguais apenas quando a =c eb =d, oque nos lembra aigualdade entre os pares ordenados (a, b) e(c, d). Éeste oponto departida para aconstrução dos complexos. 123 124 Números complexos Cap.6 Lembramos ainda, do Ensino Médio, que: (a+bi)+(c+di) =(a,c)+(b+d)i eque (a+bi)· (c+di) =(ac- bd) +(ad +bc)i. Se admitíssemos um número complexo como sendo um par ordenado de nú- meros reais, portanto, semmencionar o símbolo i, poderíamos definir as operações acima do seguinte modo: (a,b) +(c,d) =(a+c,b+d) e (a,b)· (c,d) =(ac-bd,ad+bc)· Formalmente, então, temos adefinição aseguir: Definição 6.1.1. Consideremos o conjunto IRx IR=IR 2 enele definamos aadição e amultiplicação como acima. O conjunto IR 2 , dotado com essas operações, será denominado conjunto dos números complexos edenotado por te . Teorema 6.1.1. As operações em te têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são comutativas, associativas e têm elemento neutro: (0,0) para a adição e (1,0) para a multiplicação. Além disso, dado (a,b) E te , seu simétrico existe, -(a,b), e é (-a,-b) e, se (a,b) #- (0,0), seu inverso existe, (a,b)-l, e é ( a -b) a 2 +b 2 ' a 2 +b 2 . Finalmente, a multiplicação é distributiva em relação à adi- ção. Demonstração. Exercício. o Exercício 130. Encontre o inverso de (~, - 2) . §6.1 Construção dos complexos e sua aritmética 125 Vamos agora imergir lRemte de forma natural. Observe inicialmente que um número complexo arbitrário (a, b) pode ser escrito como (a, b) =(a, O)+(b, 0)(0,1), ou seja, utilizando-se apenas pares ordenados comsegunda coordenada nula, (a, O) e (b,O), eo número complexo especial (0,1). Considere agora aseguinte função: k: lR--+ te , dada por k(x) =(x,O). Teorema 6.1.2. A função k acima é injetora e preserva as operações de adição e de multiplicação, isto é, k(x +y) =k(x) +k(y) e k(xy) =k(x) . k(y). Em particular, te é não enumerável. Demonstração. Exercício. D De modo similar aos casos estudados anteriormente, aqui também temos em te uma cópia algébrica de lR, k(lR ), o que nos permite identificar lRcom k(lR ) e, portanto, considerar lRC te . Admitindo essa identificação e adotando o símbolo i para o número complexo (0,1), a expressão para (a,b), que é igual a (a,O) +(b,O)(O, 1), pode ser escrita como a +bi, como fazíamos no Ensino Médio. Note ainda que P =(0,1)2 =(-1, O),que seidentifica como real -1! Sob anotação acima, os complexos do tipo a +bi, com b = I = - 0, chamam-se nú- meros imaginários, e, se além disso, a =0, obtemos os imaginários puros. Essas denominações têmsua origem na resistência histórica emse admitir os complexos como números. Observe que o termo "imaginários" vemno sentido de contraposi- ção a"reais". Números complexos Cap.6 126 6.2 C não é ordenável Observe que aspropriedades aritméticas de<C , dadas no Teorema 6.1.1, são as mes- mas que as de I R (que são as mesmas que as de Q). Conforme mencionado no Capítulo 4, umconjunto, munido de duas operações que podemos continuar deno- tando por +e " possuindo essas propriedades aritméticas chama-se corpo. Apesar dessas semelhanças, há grandes diferenças entre os três corpos, Q, I R e <C . Os corpos QeI R , como já tínhamos visto, são dotados deuma relação deordem compatível com as suas operações e são, portanto, ambos ordenados, sendo I R um corpo ordenado completo eQ umcorpo ordenado não completo. No exercício seguinte, pede-se para demonstrar que é impossível dotar <C de uma relação de ordem compatível com as suas operações aritméticas. Intuitiva- mente, não temos como dizer se3émaior ou menor do que 3i ou do que 2+i, por exemplo. Dessa forma, te é um corpo não ordenável. No entanto, te possui uma importante propriedade algébrica que I R e Q não têm: o Teorema Fundamental da Álgebra, cuja demonstração foi atese de doutoramento de Gauss, afirma que todo polinômio não constante comcoeficientes complexos admite uma raiz em<C . (Para uma demonstração algébrica deste teorema, veja [9] e, para umelegante argumento elementar, veja [24].) Exercício 131. Como aUXIllOdo Exercício 78, mostre que <C não é um corpo orde- hável. Exercício 132. Com o auxílio do Teorema Fundamental daÁlgebra edo Teorema de D'Alembert (veja [24]), mostre que todo polinômio de grau n, comcoeficientes complexos, possui exatamente n raízes, contadas comsuas multiplicidades. 6 §6.3 Números algébricos e transcendentes 127 Devido ao Teorema Fundamental da Álgebra, C diz-se um corpo algebrica- mente fechado. Notemos ainda que Z não é corpo, pois seus únicos elementos inversíveis são 1e -1,conforme aProposição 3.3.6. No entanto, Z possui todas as outras propriedades de corpo, além deuma relação de ordem que satisfaz o Princí- pio da Boa Ordem. Na linguagem algébrica, Z diz-se um domínio de integridade bem ordenado. Finalmente, N não possui nemapropriedade do elemento simétrico. As equações do tipo anXL+an-I XL-I +... +aO=0, onde os coeficientes são núme- ros inteiros, são de grande importância emálgebra edenominam-se equações algé- bricas. Suas soluções complexas, conforme exercício acima, chamam-se números algébricos, sobre os quais háuma ampla erica teoria (veja [29]). Os números reais que não podem ser obtidos como soluções de uma equação algébrica denominam- se números transcendentes. Assim, os números transcendentes são os reais que não são algébricos. Dessa forma, o conjunto dos números reais também é aunião disjunta do conjunto dos números transcendentes com o conjunto dos números al- gébricos reais. (Em contextos mais gerais, qualquer número complexo que não é algébrico denomina-se também transcendente, mas, para simplificar anomeclatura, reservaremos esse termo para os números reais que não são algébricos.) Exercício 133. Mostre queos números "j2, i, 1+i e- ~são algébricos. Mostre que todo número racional éalgébrico, embora, obviamente, existam números algébricos irracionais eaté imaginários. Pode-se provar que as famosas constantes 1t e e são números irracionais trans- e 6.3 Números algébricos e transcendentes 128 Números complexos Cap.6 cendentes (veja [12]). Ocurioso éque, numcerto sentido, háemlR."mais" números transcendentes do que algébricos. Mais precisamente, temos a seguinte situação: o conjunto dos números algébricos é enumerável (conforme provaremos adiante), logo o será o conjunto dos algébricos reais. O conjunto lR.énão enumerável (con- forme Teorema 5.4.2), portanto oconjunto dos números transcendentes não pode ser enumerável, senão lR.o seria, como união de dois conjuntos enumeráveis (lembre- se do Exercício 72). Vamos então aos passos para aprova da enumerabilidade do conjunto dos números algébricos. Primeiramente, observe que em um polinômio de grau n, ao +alx 1 +a2x2 + ... +a.x", o que importa são seus coeficientes, e não o nome da indeterminada x, que poderia ser y, t, etc. Assim, um tal polinômio identifica-se naturalmente e univocamente comasequência quase nula (ao,al,a2, ... ,an,O,O,O... ) constituída de seus coeficientes. A expressão "quase nula" deve-se ao fato de que asequência em questão contém apenas umnúmero finito determos não nulos. E, claro, vice-versa, cada tal sequência determina, demodo único, umpolinômio daforma acima. Precisaremos agora dos fatos estabelecidos nos exercícios elemas seguintes. Exercício 134. Comumargumento análogo ao utilizado para provar que Qéenu- merável, prove que o produto cartesiano N x N éenumerável. Lema 6.3.1. Oproduto cartesiano de dois conjuntos enumeráveis é enumerável. Demonstração. Sejam A e B dois conjuntos enumeráveis ef :A -----+ N, g : B -----+ N bijeções. Definimos h: A x B -----+ N x N por h(x,y) =(j(x),g(y)). A aplicação h é injetora (verifique) e tem como imagem um subconjunto infinito do conjunto ; : : z: z .6 s ), ill- ser do Números algébricos e transcendentes 129 §6.3 enumerável N X N, logo, pelo exercício acima epelo Exercício 124, A x B é enu- merável. o Exercício 135. Mostre, por indução, que oproduto cartesiano de umnúmero finito de conjuntos enumeráveis éenumerável. Lema 6.3.2. Seja (En)nEN uma família enumerável de conjuntos enumeráveis. A união E =UnEN En é enumerável. Demonstração. Para cada j E N, denotamos os elementos de Ej por {ejO,ejI,ej2, ... }. Obtemos uma tabela "infinita" como aspecto: As setas na figura sugerem uma enumeração desses símbolos. Como, dentre eles, podem ocorrer repetições deelementos deE, E pode ser considerado umsub- conjunto infinito desses símbolos que é, pelo Exercício 124, enumerável. O Observe quepoderíamos provar que oproduto cartesiano dedois conjuntos enu- Números complexos Cap.6 130 meráveis, A eB, éenumerável, como consequência do lema anterior, bastando para isso expressar A x B como UaEA ( {a} x B). Exercício 136. Mostre que aunião enumerável deconjuntos finitos éfinita ou enu- merável. Teorema 6.3.3. O conjunto dos números algébricos é enumerável. Demonstração. Para cada n ~ 1, sejaPn o conjunto detodos os polinômios degrau n com coeficientes inteiros. Cada um desses polinômios identifica-se com uma (n+l)-upla denúmeros inteiros (ao,a}, a2,··· ,an), constituída pelos seus coeficien- tes. Essa (n+1)-upla éumelemento do produto cartesiano Z x Z x ... x Z ((n +1) fatores), que é enumerável, pelo Exercício 135. Por isso, Pn é enumerável. Seja Pn ={po, p}, ... } uma enumeração para Pn. Cada polinômio p j de Pn possui, no máximo, n raízes complexas distintas, que compõem um conjunto finito, digamos, R]. Assim, o conjunto deraízes obtidas dos membros deP; é~ =UjENRj, que é, pelo exercício anterior, enumerável. O conjunto dos números algébricos éprecisa- mente aunião (enumerável) de todos esses conjuntos enumeráveis, ~, que é, pelo Lema 6.3.2, enumerável. O O teorema anterior mostra que os "responsáveis" pela não enumerabilidade de IRsão os números transcendentes. A demonstração desse fato, construída acima, ilustra umtipo de argumentação tipicamente matemática, que consiste emprovar- seaexistência de objetos (infinitos deles, no caso presente) semconstruir qualquer um deles. De fato, provamos que o conjunto dos números transcendentes é infi- nito não enumerável, mas não apresentamos mais nenhum elemento desse conjunto §6.3 Números algébricos e transcendentes 131 alémde1t ee! Os exercícios seguinte apresentam concretamente mais infinidade de transcendentes apartir deumtranscendente dado. Exercício 137. Sejam t umnúmero transcendente en umnatural positivo. Mostre que nt étranscendente. (Sugestão: suponha que nt fosse raiz deumpolinômio com coeficientes inteiros e deduza que t também o seria.) Verifique que nt mantém-se transcendente mesmo sen for umracional não nulo qualquer. Exercício 138. Nos cursos mais avançados de álgebra e de teoria dos números, prova-se que o conjunto jl dos números algébricos éfechado para as operações de adição e de multiplicação (subtração e divisão) usuais de números complexos. Além disso, comessas operações, jl éumcorpo (umsubcorpo de C), denominado corpo dos números algébricos (veja, por exemplo, [9], [14], [29]). Use esse fato para mostrar que: i) Set étranscendente ea algébrico real não nulo, então ta étranscendente; ii) Set étranscendente ea algébrico real, então t +a étranscendente; iii) Verifique que o conjunto dos números transcendentes não éumcorpo. Tam- bémnão écorpo o conjunto dos números irracionais. Exercício 139. Utilize umargumento análogo ao utilizado no Lema 6.3.2 para pro- duzir outra demonstração de que Ql éenumerável (veja o Teorema 4.3.7). Trabalhe na tabela de símbolos fracionários seguinte: 132 Números complexos Cap.6 ~7 § / ~7 ~/ ~7 0 0 ! / i / t / ! / ! / o : / : / ~/ : / ~/ o 1/ 2 / '/ 4/ ' 0 0 0 Tendo em vista as imersões que estudamos nos capítulos anteriores, podemos dizer que NcZcQcI RcC. Exercício 140. Construa um diagrama de conjuntos, cujo universo é o conjunto dos números complexos, destacando nele os subconjuntos dos números naturais, inteiros, racionais, reais, inteiros negativos, fracionários, irracionais, imaginários, algébricos, algébricos reais etranscendentes. Exercício 141. Assumindo aHipótese do Contínuo (veja Capítulo 3), mostre que o conjunto dos números irracionais é equipotente a I R.Idem para o conjunto dos números transcendentes. 6 §6.4 Para além dos complexos 133 Mostraremos no exercício seguinte que ofato demonstrado no exercício anterior éindependente daHipótese do Contínuo. Precisamos daproposição seguinte. Proposição 6.3.4. Os conjuntos IR\ Ne IRsão equipotentes. Demonstração. Os argumentos são similares aos utilizados nos Exercícios 129 e 61. Considere a função f :IR---+ IR\ N que é a identidade emIR\ Z, e estabelece uma bijeção entre Z do domínio e Z~ do contradomínio, análoga à construída no Exercício 61. Essa função ébijetora (certifique-se desse fato). D Exercício 142. Generalizando aproposição precedente, mostre que seA éumsub- conjunto enumerável de umconjunto não enumerável X, então X\A éequipotente aX. Conclua que os conjuntos do exercício anterior são equipotentes aIR. Exercício 143. Mostre que IReCC são equipotentes. 6.4 Para além dos complexos Uma pergunta natural, neste ponto, seria: os conjuntos numéricos param por aí? Ou seja, <C pode ser imerso propriamente em algum outro conjunto de números? A resposta é sim! Por exemplo, CC pode ser imerso no anel dos quatérnios de Ha- milton (veja [9], [14]) que, no entanto, não temmais aestrutura algébrica de corpo porque amultiplicação deixa de ser comutativa. Os quatémios são hoje utilizados emrobótica, computação gráfica eemoutras áreas daciência. Por sua vez, os qua- térnios podem ser imersos nos octônios, no qual amultiplicação não émais associa- tiva. Os octônios têmimportantes aplicações emramos da física como relatividade 134 Números complexos Cap.6 especial e teoria das cordas, além de se relacionarem com outras estruturas mate- máticas como os chamados grupos de Lie excepcionais. Esse processo de imersão em conjuntos maiores pode prosseguir ad infinitum através da chamada Constru- ção de Cayley-Dickson (veja [2]). Um resultado algébrico fundamental, devido a Frobenius (1848-1917), garante, no entanto, que as únicas álgebras com divisão de dimensão finita sobre o corpo dos reais são os reais, os complexos, os quatémios e os octônios (veja [32]). Namatemática eemsuas aplicações, as estruturas decorpo ordenado completo dos reais e de corpo algebricamente fechado dos complexos são importantes por várias razões, emespecial, por serem os corpos de escalares dos espaços vetoriais presentes emmuitas áreas da matemática. Por outro lado, o fechamento algébrico de C o toma autossuficiente para abrigar as raízes de qualquer polinômio comcoe- ficientes complexos, sobre o que há uma vasta teoria algébrica e analítica, além de serem esses os polinômios que advêm damaioria das aplicações. Numa outra via, há o estudo abstrato de outros tipos de corpos. De um modo mais geral, o estudo de conjuntos munidos de uma ou duas operações possuindo certas propriedades é objeto da álgebra abstrata, que, na atualidade, desempenha um papel teórico e aplicado, importante também em outras áreas da ciência e em tecnologia. .IISBM