A Bagaceira - José Américo de Almeida.pdf

May 31, 2018 | Author: pauloriva | Category: Nature
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JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA (DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS) A BAGACEIRA Romance Introdução M. CAVALCANTI PROENÇA Ilustrações POTY 37.ª e d i ç ã o (texto da edição crítica) JOSÉ OLYMPIO E D I T O R A © Fundação Casa de José Américo, 1980 Reservam-se os direitos desta edição à EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA. Rua Argentina, 171 - 1 andar - São Cristóvão o 20921-380 - Rio de Janeiro, RJ - República Federativa do Brasil Printed in Brazil I Impresso no Brasil Atendemos pelo Reembolso Postal ISBN 85-03-00231-0 Capa: POTY CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Almeida, José Américo de, 1887-1980. A448b A bagaceira: romance / José Américo de Almeida; introdução M. Cavalcanti Proença; ilustrações Poty. - 37 ed. com texto revisto da a ed. crítica. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. Dados biobibliográficos do autor. Inclui glossário por Ivan Cavalcanti Proença e José Américo de Almeida. 1. Romance brasileiro. I. Poty. 1924-1998. II. Título. CDD - 869.93 CDU-869.0(81)-3 04-0946 A tristeza do povo brasi- leiro é uma licença poética. * A alma semibárbara só é alma pela violência dos instintos. É um livro triste que procura a alegria. ANTES QUE ME FALEM Há muitas formas de dizer a verdade.. Ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não vêem. * O naturalismo foi uma bisbilhotice de tropeiros. * Os grandes abalos morais são como as bexigas: se não matam. Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã. é a tragédia da própria realidade. A paixão só é romântica quando é falsa. Mas deixam a marca ostensiva. imunizam. * Se escapar alguma exaltação sentimental. Inter- pretá-la com uma sobriedade artificial seria tirar-lhe a alma. Talvez a mais persuasiva seja a que tem a aparência de mentira.. . Brasileirismo não é corrup- tela nem solecismo. porque é uma expressão de humanidade. E um problema de moralidade com o preconceito da vingança privada. A língua nacional tem rr e ss finais. mas escrever é disciplinar e construir. * Valem as reticências e as intenções.. Deve ser utilizada sem os plebeísmos que lhe afeiam a formação. E nossa ficção inci- piente não pode competir com os temas cultivados por uma inteligên- cia mais requintada: só interessará por suas revelações. pela originali- dade de seus aspectos despercebidos. O ROMANCISTA 4 .. O ponto é suprimir os lugares-comuns da natureza. A plebe fala errado... Mas a dor é univer- sal.. O regionalismo é o pé-do-fogo da literatura.. * Um romance brasileiro sem paisagem seria como Eva expulsa do paraíso. * O amor aqui é um tudo-nada de concessão lírica ao clima e à ra- ça. a n t e s . d e s s e j e i t o . E foi. e n t r e trabalheiras e ó c i o s . s o b r a n c e a v a o c a m i n h o a p e r - t a d o . p o r sua v e z . p á r a m e s m o . de c a b e ç a d e s c a í d a . p a r a a e s t r a d a revolta. F o r r a v a m . no t r e c h o fronteiro. o r e p a s t o invariável e ou saía de golpe ou ficava a espiar p a r a fora.g r a n d e . sentar-se à m e s a . N u m r e p e n t i n o desenfado. Parecia a poeira l e v a n t a d a . Vivia e l e . A c a s a . apoiou o q u e i x o na m ã o soerguida e entrefechou os o l h o s . c o m i a . n u m alhe- a m e n t o d e enfado o u displicência. N ã o s e d e f r o n t a v a m . a o c o n s t r a n g i m e n t o d o s e n c o n t r o s c a l a d o s o u d a s c o n v e r s a s contrafeitas e e s c a s s a s . assim. n e s s e p o n t o d e c o m u n h ã o familiar. D a g o b e r t o estirou o olhar. c o m o u m a s o m b r a intrusa. q u e é u m a forma de fugir de c a s a .o . mais e m a i s .c h e g a d o .s e .d e . Em v e z de confortar-lhe o a b a n d o n o . C o m o q u e c o b r a r a m e d o a o v a z i o interior. 5 . a sujeira do c h ã o n u m p é . a g r a v a v a . A p r e s e n ç a do filho r e c é m . situada n u m a colina.v e n t o . OS SALVADOS F i n d o o a l m o ç o — podiam ser 9 h o r a s — D a g o b e r t o M a r ç a u c o r - reu à j a n e l a . s e m sair fora de p o r - t a s . N ã o h á d e s e r t o m a i o r que u m a c a s a d e s e r t a . n ã o lhe modificava e s s a i m p r e s s ã o . p o r c i m a d a s mangueiras m e ã s enfileiradas ladeira a b a i x o . onde a s a l m a s s e m i s t u r a m n u m a intimidade aperitiva. o u . M a s . c o m o um turbante. q u a n d o p á - ra. c o m o u m m o t o r p a r a d o . e n t r e o c e r c a d o e o a ç u d e . engolia. E n t r a v a a f o b a d o . d e b r u ç a d o . c o m o o h o m e m - máquina d e s t a s t e r r a s q u e o u s e agita resistentemente o u . em férias. c o m o se o m o v e s s e u m a g r a n d e c u r i o s i d a d e . sequer. L e v a n t o u o b r a ç o n u m gesto d e q u e m mais p a r e c i a d a r d o q u e p e - dir a b ê n ç ã o . L ú c i o v o l t o u d a c a c h o e i r a c o m a toalha e n r o l a d a n a c a b e ç a . n o a r r a s t ã o d o s m a u s fados. nem condição nenhuma. L ú c i o r e s p o n s a b i l i z a v a a fisiografia p a r a i b a n a p o r e s s e s c h o q u e s rivais. t o r c e n d o a s c a r i n h a s d e c r é p i t a s d e e x . L ú c i o a l m o ç a v a c o m o sentido n o s r e t i r a n t e s . c o m o a s p e c t o t e r r o s o e o fedor d a s c o - vas podres. F a r i s c a v a m o c h e i r o enjoativo do m e l a d o q u e lhes e x a c e r b a v a os e s t ô m a g o s j e j u n o s . Agônica c o n c e n t r a ç ã o de vitalidade faiscante. A n d a v a m d e v a g a r . V i n h a m e s c o t e i r o s . 8 . P e q u e n o s fazendeiros. e r a m o s m a i s insensíveis a o martírio d a s r e t i r a d a s . a s s o m b r a d o s d e s i p r ó p r i o s . U n s olhos e s p a s m ó d i c o s d e p â n i c o . b a r a l h a v a m . e m d e s c a m i - n h o s . A colisão d o s m e i o s pronunciava-se no c o n t a t o d a s migrações p e - riódicas. Párias d a b a g a c e i r a . N a d a m a i s . p o r q u e n ã o sabiam a o n d e iam. Não tinham sexo. A c a d a z o n a c o r r e s p o n d i a m tipos e c o s t u m e s m a r c a d o s . E x p u l - s o s d o seu p a r a í s o p o r e s p a d a s d e fogo. E r a o ê x o d o d a s e c a d e 1898. n u m p a s s o a r r a s t a d o d e q u e m leva a s p e r n a s . c o m o titãs a l q u e b r a d o s .s e n e s s e a n ô n i m o aniquilamento. c o m a s pregas d a súbita velhice. e m p e t i ç ã o d e miséria. Pupilas d o sol d a seca. d e t ã o t r ô p e - gos e t r ê m u l o s . c a r e t e a v a m . .. F u g i a m do sol e o sol guiava-os n e s s e forçado n o m a d i s m o . vítimas d e u m a e m p e r r a d a organização d o trabalho e d e u m a d e p e n d ê n c i a q u e o s d e s u m a n i z a v a . n o a r r e - m e s s o igualitário. cresciam. a o a c a s o . e m vez d e c o m e r e m . O s f a n t a s m a s e s t r o p i a d o s c o m o q u e iam d a n ç a n d o . E s c o n d i a c ô d e a s n o s bolsos p a r a distribuir c o m e l e s . c o m o q u e m lança migalhas a a v e s de arribação. e r a m c o m i d o s pela p r ó p r i a fome n u m a autofagia erosiva. Os sertanejos e r a m malvistos n o s brejos. iam. U m a r e s s u r r e i ç ã o d e cemitérios a n - tigos — e s q u e l e t o s r e d i v i v o s . vivíssimos só no olhar. e m v e z d e ser l e v a d o p o r elas. c o m o se o vento os le- v a n t a s s e . N ã o t i n h a m p r e s s a e m chegar.. Adelgaçados na magreira cômica. M e n o s os hidrópicos — d o e n t e s da a l i m e n t a - ç ã o tóxica — c o m os fardos das barrigas a l a r m a n t e s .v o t o . E . A c a b r o e i r a e s c a r n i n h a metia-os à bulha: — V e m tirar a barriga da miséria. E os b r a ç o s afinados desciam-lhes a o s j o e l h o s . Mais m o r t o s do q u e vivos. nem idade. O s v a q u e i r o s m á s c u l o s . E o n o m e de b r e - j e i r o c r u e l m e n t e pejorativo. V i v o s . c o m o q u e m q u e r voltar. M e n i n o t a s . E r a m os retirantes. de m ã o s abanando. o l h a n d o p a r a t r á s . n ã o c o n v o c a v a m a s derradeiras energias n u m arranque selvagem. Vem c o m e r m i n h a f a r i n h a . . nas mais grotescas atitu- des da miséria. a o s t o m - b o s . . E s s a diversidade criava g r u p o s sociais q u e a c a r r e t a v a m os confli- t o s de s e n t i m e n t o s . o rebotalho e r r a n t e ia atulhar as feiras. E ficava a espiar a c a s a do e n g e n h o c o m o u m a grande e s s a a r m a d a n o n e g r u m e d o teto velho. C h e g a v a m mastigando em s e c o . a matula e s - petral detinha-se e s p e r a n ç o s a . D a g o b e r t o o l h a v a por olhar. goravam seus sonhos de redenção. p a r a enganar a fome. D a g o b e r t o despercebia-se do desfile m a c a b r o .s e o s j o e l h o s . Desafo- gava a fazenda da s u p e r p o p u l a ç ã o imprestável. P o r q u e tem a b o c a g r a n d e . Os s e n h o r e s de enge- nho. lavavam c o m lágrimas a s c a r a s p o e n t a s . De q u a n d o em q u a n d o . Limitavam-se a fitar os olhos terríveis nos seus ofensores. A seca infundia-lhe um sentimento contrastante. refaziam-se d a d e p r e c i a ç ã o d o s t e m p o s nor- mais à c u s t a da desgraça periódica. O feitor alvitrava a admissão d o s retirantes: — Paga-se p o u c o mais ou n a d a . indiferente a e s s a tragédia viva. c o m o se es- tivessem engolindo golfadas de ó d i o . E. Alguns faziam m e n ç ã o de subir. . na mobilidade incerta. numa marcha esquecida. . de déu em d é u . d e u m a avidez vã. D o b r a v a m . Outros ronronavam. E n a s terras c o p i o s a s . M a s logo d e s a n d a v a m . malignar as cidades. Genufletiam moí- dos de fadiga. um magote vingava o socalco. N ã o se c a r p i a m . sem u m a queixa. N e m . E s c o r r a ç a d o s . H o m e n s d o s e r t ã o . sequer. Estrugia a t r o v a repulsiva: E u n ã o vou n a s u a c a s a . o b c e c a d o s n a mentalidade d a s r e a ç õ e s c r u e n - t a s . consignada à caridade pública. desengonçando-se. c o m o se estivessem realizando um destino irre- mediável. Você n ã o venha na m i n h a . não c o m o p e d i n c h õ e s . À vista do b u e i r o fumegante q u e sujava o céu estivo. A seca r e p r e s e n t a v a a valorização da safra. retrocediam. a r q u e j a n t e s . 9 . que lhes d e n e g a v a m as p r o m e s s a s vistoria- das. M a s D a g o b e r t o e s c a r m e n t a v a a c o n v e r g ê n c i a molesta. A história das s e c a s era u m a história de passividades. p e r a n t e o o u r o que frondejava. Crise d a s uniões r e t a r d a t á r i a s . surdira u m t o q u e e s t r a n h o n a m o n o t o n i a d a v e r d u r a . As péta- las á u r e a s . M a s . logo. A m o r q u e sabe a frutos a p o d r e c i d o s . c o m o um b a n h o de o u r o na folhagem. A m o r — pólvora q u e se a c a b a c o m a primeira e x - plosão. H a v i a coisa de 18 a n o s . E. cerrava-se-lhe o c o r a ç ã o . . A m a t a fronteira. E r a c o m o o c a m i n h e i r o que. um beijo fulgurante do sol em á r v o r e favorita. . Parecia-lhe q u e o sol ti- nha b a i x a d o sobre a selva fulva. N e s s a m a n h ã luminosa a m a t a resplandecia c o m uma orgia de d e - s a b r o c h o e m sua p o m p a a u r i v e r d e . E r a u m a inquietação seródia. . N u m p e r í o d o de vida em q u e o h o m e m realiza o que s o n h o u . Se duvidar.d ' a r c o a s - soberbou a flora. E s e m i c e r r o u . A solidão entretinha intimidades desiguais. estuga o p a s s o p a r a chegar a n t e s de anoite- cer. D a g o b e r t o inquietava-se. 10 . talvez. p o r u m a j u r a indiscreta: — M a s eu n ã o e n c o n t r o o u t r a mulher a s s i m . Dir-se-ia um r a m o amarelido à torreira da e s t a ç ã o . Mas. à noite. S e m a p e r c e p ç ã o da paisagem. c o m o a saudade do q u e se não gozou. . fatigado da j o r n a d a . Admitia o feitor em suas confidencias: — Qual o q u ê ! O s e n h o r e n c r u o u . E r a . . q u a n d o as p o r t a s se c e r r a v a m . c o m e s s e calibre é c a p a z de p a s s a r a perna em seu L ú c i o . Dominava ainda a esmeralda tropical. o p a u . o p a d r ã o m a j e s t o s o . c o m o a b r a s a r e m a n e s c e n t e q u e p r o c u r a a c e n d e r o cinzeiro.. n o v a m e n t e . H a v i a u m a s e m a n a . Beirava u m a idade em q u e o instinto sexual instigado se difunde p o r t o d o s os sentidos e é mais imaginação que materialidade. os olhos d e s c u r i o s o s . E gabava-lhe c o m minúcias de formas os c a r a c t e r e s da beleza e as prendas ocultas: — Mulherão! mulherão! Os dias do c a m p o decorriam-lhe r e c r e a t i v o s . e s t a v a acesa n u m a c o r de incêndio. emergira o m e s m o matiz em o u t r o t r e c h o vizinho. ele voltava a s o n h a r . c o m a sensibilidade o b t u s a e en- torpecida a o s p r i m o r e s da n a t u r e z a . . a c o r que lhe suscitara o interesse c h a m b ã o . inveterava-se na viuvez d e s c o n f o r t a d a . c o m o um efeito de luz. pela primeira v e z . com pouco. cada vez mais. c o m o q u e m reconstitui u m a visão ou e v o c a um fato. Saiu p a r a enxotá-los e. E. no seu hábito de marchar para um ponto que lhe e s t a v a mais na imaginação do que no espaço. T a l v e z tivesse m e d o de c o m o v e r . e n q u a n t o a retirante segurava o c o p o c o m os d e d o s m u r a d o s . Ele a b a n o u a c a b e ç a n e g a t i v a m e n t e . Suspeitou q u e se tratava de gente de c e r t a c o n d i ç ã o . N ã o n o t a r a o a c e s s o de o u t r o grupo de retirantes. Seguiram c a m i n h o . Um ar mais de d e c a d ê n c i a que de humildade. Pediam-lhe u m a poisada. . De fato. d e s m o n t o u . 11 . é c o m o se fosse — respondeu o mais velho que p r o c u r a v a e s c o n d e r a c a r a na b a r b a intonsa. em longos p a s s o s frouxos. c o n t r a os hábitos d e s s a peregrinação.s e u m a rapariga e.a através d a s p e s t a n a s c e r d o s a s e ficou c o m a fisio- nomia s u s p e n s a .s e e s m o r e c i d o s pelo r e p o u s o m o m e n t â - neo. — Manuel Broca! Ma-nuel! Chegou o feitor. . interpelou. E e n t r o u a ir e vir. suas maneiras inculcavam a mediania despenhada no turbilhão da seca. c o m o visse que traziam um c a v a l o . incapaz de uma atividade útil. foi d e s p e r t a d o por u m a voz sumida q u e o sobres- saltou. indicando um rapaz que a a c o m p a n h a v a : — São irmãos? — S e n h o r n ã o . E D a g o b e r t o .n o os i n t r u s o s . m a s . na r e c u s a . Irritava-se p e r a n t e essa insistência m u d a . S e n ã o q u a n d o .s e . E esbravejou: — O q u e já disse está dito! N i s t o . I m p o r t u n a v a m . c o m a vozita s o p r a d a : — Se o s e n h o r pudesse m a n d a r alcançar-me um p o u c o d ' á g u a . o s e n h o r de e n g e n h o não e n c a r a v a e s - sas figuras r e s s e q u i d a s . Ou o olhar p a r a o seu conceito da a u t o r i d a d e era uma e x c e s s i v a b e n e v o - lência. E os á d v e n a s q u e d a r a m . c o m o e r a de seu natural. Ele e x a m i n o u . a p o n t a n d o o grupo q u e se distan- ciava: — A r r a n c h e aquela gente. aferrou-se. — Milonga. cortando-lhe o fio d o s cálculos da colheita ou de alguma cisma transitória. olha aqui! E. L ú c i o não se t e v e em si: picado de curiosidade. c o m o q u e m e n t r a num q u a r t o d e d o e n t e : — Meu velho. A c u d i n d o à v o z do pai. e s t r e m e c i a . D U A S ALMAS N U M SÓ CORPO T ã o d e p r e s s a percebeu o insólito acolhimento dos retirantes. c o m o se estivesse s o l u ç a n d o . um seu c r i a d o . n ã o t e m o n d e se d a r um beliscão. isto é pra c a v a l o ! — N ã o tem n a d a n ã o . — Pensei q u e estivesse c h o r a n d o .. . .. . S o l e d a d e c o n c h e g o u os t r a p o s q u e mal lhe disfarçavam a beleza magra. m o l e m e n t e . nesse dia.. — Valentim Pedreira. m o ç o : a gente vai pra debaixo do p é . v o l t o u . c o m os olhos a c e s o s e v e r d e s — q u a n t o mais a c e s o s mais v e r d e s ! — de u m a luz febril q u e parecia esfumaçar o círculo d a s olheiras.d e - -pau e o animal fica aqui... no c a v a l o q u e . M a n u e l B r o c a e s t a v a .. *** 12 .s e o m o c a m b o de X i n a n e . S o l e d a d e ? V o c ê n ã o vai.s e . E n t r o u n a estrebaria. Pirunga? A rapariga tinha ocultado a face e n t r e os b r a ç o s . L ú c i o intercedia: — A s e c a estancou-lhe até as lágrimas. foi direito a o n d e eles e s t a v a m . Só falta m e s m o voar. d e b r u ç a d a . Afinal anuiu: — É de se d a r um j e i t o .d ' á g u a pra viver reven- do.. c o m veia de a d u l ã o . E Valentim e s t r a n h o u : — C h o r a n d o de q u ê ? ! N i n g u é m é o l h o . T o m a . n u m a atitude de a c a n h a m e n t o ou de fadiga.. Só lhe resta o olhar de fogo-fátuo. .. N ã o ouviu falar em Valen- tim do B o n d ó ? — Seu B o n d ó . — falou-lhe o e s t u d a n t e . E . a e s s e c o n t a t o . de graças c o n s u m i - das. E o feitor s e c u n d a v a : — N ã o t e m q u e ver um e s p e t o . . p r o c u r a n d o c o m u n i c a r e s s a resignação aos c o m p a n h e i r o s : — N ã o é. reparando-lhe na sensibilidade do c o r p o desfeito. . c o m uns frêmitos que a s a c u d i a m .. O p a t r ã o sabe q u e eu n ã o enjeito parada: sou um b u r r o de carga. . P a t r ã o . não a m a s s e o seu pão c o m o suor dos p o b r e s . L ú c i o culpava-se desse desfecho de sua sentimentalidade inco- erente. Cipós enforcando t r o n c o s veneráveis. c o m o c h a p é u debaixo do b r a ç o : — P a t r ã o . Milonga interpôs-se. implorativamente: — Q u a n d o a c a b a .g r a n d e . p o r ali. o n d e c o s t u m a v a e s p a i r e c e r . m a n d e suas o r d e n s . o caboclo co- çou a c a b e ç a e correu à c a s a . sem quê n e m m a i s . e n t r e outros ralhos: — É o q u e lhe digo de u m a v e z p o r t o d a s ! de mãe J o a n a ! meter as ventas E. P r o c u r a v a u m a impressão q u e lhe pacificasse o espírito e a selva bruta dava-lhe a idéia de um conflito. c a a b r a ssafado! V o c ê n ã o nasceu pra estrebaria que é de cavalo de sela: nasceu foi pra cangalha! Xinane continuou a coçar a c a b e ç a . E interveio: — Meu pai. Deformidades de c o r p o s h u m a n o s . 13 . Dá licença que leve os t r o ç o s ? E o c a b o c l o saiu. . q u e se afigurava u m a r e c e n t e violação da m a t a virgem. Intimado a deixar a palhoça q u e ajudara a levantar. q u a n d o é agora. internou-se. M a s p o r é m . e s c o a n d o . D a g o b e r t o n ã o quis saber de mais n a d a : — Pois. E . As galinhas gritavam. já se n ã o c o m p r a z i a c o m o r e c e s s o acolhedor. O e s t u d a n t e ainda percebia. — O q u e está na terra é da terra! E r a e s s a a fórmula de espoliação sumaríssima. minha rocinha. espiritualizava as formas mais grosseiras da n a t u r e z a arbitrária. N e s s a c o n t e m p l a ç ã o excitada.s e . Plantas c o r c u n d a s c o m as c o p a s no c h ã o . à toa. foi a caseira a r r a n h a n d o c o m o c a c o de e n x a d a . levando os c a c a r e c o s num b r a ç a d o e 400 a n o s de servilismo na m a s s a do sangue. Á r v o r e s deitadas sobre á r v o r e s . . M a s . eu não me sujeito. o p a t r ã o . c o m o se estivessem vendo c o b r a . na picada dos l e n h a d o r e s . até a antiga e s p e r a do v e a d o . h o r a s a fio. atrás do r a n c h o ! E a rebolada de c a n a ! . forrando-se aos atritos a m i u d a d o s . — P a t r ã o . c o m o se p r o c u r a s s e d e s p e r t a r uma idéia: — A gente bota um quinguingu. ao c a b o . . nascer pra estrebaria não nasci. P e n d u r a r a um p e d a ç o de c h a r q u e à altura de t r ê s m e t r o s . O p r ó p r i o p a u . p a r a n ã o ser pressentido. u m a s e m a n a . nessa s u p e r e x c i t a ç ã o .o à solidão hostil. Recolheu-se ao q u a r t o . T r a n c o u . L e m b r o u . ele abria a p o r t a e passava-lhe manteiga no focinho.l h e o martírio infligido a Seu-bem. d e p o i s . insinuando-se. p a r a d a . afinal. S o b o guarda-sol da folhagem esbelta. p r e n d e n d o . mais q u e depressa. . no afogo da ramalheira. . m u d a v a d e ninho o s p a s s a r i n h o s n u e l o s . E viu a m a t a a r r o x e a d a pela flora- ção d o s espinheiros e das sucupiras. a v o a r . p a r a casa. saltava p a r a alcançar o b o c a d o . Acudiam-lhe a s reminiscências.s e p o r d e n t r o . Até os sagüins largavam a baunilha r e c e n d e n t e . Q u a n d o o g o z o gania. que se d e s p i r a de folhas"para se cobrir de o u r o . Voltou. m i r a n d o a carne inatingível. um c ã o z i t o a m a r e l o com a c a u d a e n r o s c a d a c o m o um i m b u á . c o m o prisioneiro de si m e s m o . . e r a um g a r r a n c h o miserável. sequer. Pungia-o e s s e r e m o r s o . Só distinguia e s s a tonalidade fú- nebre. . E s s a visão angustiosa mostrava-lhe c o m o o s a c e s s o s d a inteligên- cia afinam a sensibilidade. E ia v e r pelo b u r a c o d a fechadura a s a c r o b a c i a s d o cadelo e s f o m e a d o : primei- r o . 14 . c o m o o capital da flora. a o s e m b a l o s . s e m . C o n v o c a v a . o vestido v e r d e d a s outras á r v o r e s . t o d o s os episódios da infância indócil. Bichos q u e não o c o n h e c i a m corriam d e l e . m a s . é feita p a r a se s o n h a r . P r e c i s a v a m da sombra p r o t e t o r a . B e m lhe dizia o pai: — Hoje em dia n ã o se guarda m a i s na cabeça: só se d e v e g u a r d a r nas algibeiras. afilado e trêmulo. um vegetal franzino insurgia-se con- tra a o b s c u r i d a d e . c o m o u m e n x a m e a s s a n h a d o . sem c o m e r . p u l a v a e caía. é feita p a r a se d o r m i r . E perdia o porte natural. só l e v a n t a v a a c a b e ç a . alçando-se atrás da luz alta.d ' a r c o . N ã o e r a s o m e n t e a negação da solidariedade vegetal — a d o m i n a - ção da seiva. Ocorriam-lhe outros malfeitos de m e n i n o arteiro: deitava sal no dorso leitoso d o s c u r u r u s . mais fraco. a t r a v é s da p e n u m b r a . E temeu-se de q u e os cipós insidiosos que pendiam em t r a n c a s se lhe e n r o s c a s s e m no c o r p o dolorido. os arbustos c o n f o r m a v a m - se c o m a c o n d i ç ã o rasteira. c o m o de um inimigo n a t o da criação. q u e estivera p r e s o . M a s . ali d e n - tro. E meteu-se na rede q u e . gal- gando a j a n e l a do oitão. um Portela. . aplicaram-lhe al- guns p i p a r o t e s e. a n a t u r e z a criara-o vivaz e livre. . ( E m R o m a só havia o P a p a . Noitadas de romances angustiados. c o m o animais j u n g i d o s . a m o l e c e n d o a inteligência c o m leituras secretas. Os longos silêncios regulamentares incutiram-lhe o v e z o d a s medi- tações intranqüilas. garotos de u m a malícia d e s c a r a d a . A patativa c a n t a n d o c o m a a r a p o n g a . o relógio tinha m a i s v o n t a d e do que a sua n a t u r e z a : era o h o r á r i o do s o n o e da fome. s e m falar. Órfão de m ã e . s u r d o c o m o a corruptela de seu n o m e . . ) Trocara a luz da inteligência p o r d u a s velas a c e s a s : u m a ao C o r p u s J ú r i s .s e daqui p a r a cima. F o r a a babel de d u z e n t a s meias-línguas no recreio. . O Direito R o m a n o (católico. D u a s ca- deiras d e . L a u r i n d o . réu para ser j u l g a d o no fim do a n o . M u d a n d o a vista. um Virgínio constitucionalista. c o n s e r v a d o na água benta do m e s t r e e a o u t r a ao inferno filosó- f i c o d o dr.. . A liberdade a c a d ê m i c a agravara-lhe e s s a sensibilidade. p o r um n a d a . de e s t a r consigo m e s m o . E r a a forma. . no refeitório. Extraía-se a personalidade. D e p o i s . à luz d o s lampiões vigilantes. C o n s e r v a v a o h o r r o r do trote q u e e r a a forma m e n o s e q ü i n a de falta de espírito. n ã o lhe d e r a m m a r r a d a s . 15 . dois a d o i s . N e s s e convívio de p o r t a s f e c h a d a s . c o m o a c a b e ç a e r a a única z o n a beligerante. notou u m a d a t a escrita a lápis e n c a r n a d o na cal encardida: 12 — 4 — 95. . ao m e s m o p a s s o . c o m a m ã o e s p a l m a d a nos olhos: — O h o m e m m o d e r n o m e d e .s e da violenta t r a n s i ç ã o d e s s e s hábitos de liberdade. c o m o se extrai um dente p o d r e . a p o s - tólico. F o r a o silêncio a t e r r a d o r de d u z e n t a s bocas q u e se a b r i a m . só n ã o tinha direito de fi- car s ó . ao nascer. Formalizara-se plagiando F a g u n d e s Varela. E fora. A disciplina constituía um sistema de inibições e s c u s a d a s . O colégio fora o viveiro c o m d u z e n t o s bicos c o m e n d o no m e s m o cocho e b e b e n d o na m e s m a água. r o m a n o . . C r e s c e r a de c a m b u l h a d a c o m os m o l e q u e s da bagaceira. A filosofia impérvia como a m a t a de M a r z a g ã o c o m o cipoal de t o d o s os sistemas e n r e - dado no f e n o m e n i s m o catedrático. debaixo dos c o b e r t o r e s . O c o r r u p i ã o que c o m e mole sujando as p e n a s do canário gentil.. c o m o um selvagenzinho folgazão. E r e c o r d a v a . E. O silêncio indiscreto do dormitório. ) do professor N e t o . E s t a v a a t o d a h o r a c o m t o d o o m u n d o . N ã o sentira a soledade de unigênito. c o m o alguém q u e p r o c u r a s s e r e c o n h e c e r . E d i s c r e t e a v a consigo m e s m o c o m o e n t e n d i m e n t o d a s d u a s faces o p o s t a s do m e s m o eu. Minha von- t a d e era ser h o m e m f e i t o . * * * E t o r n o u à r e d e servil q u e . .s e na própria s o m b r a . creio que os beijos d o e m muito m a i s . hoje. E Milonga: "Cabeleira'i vem. E .m e . C o m p a r a v a . E . a g o r a . que é a f o r m a m a i s alegre de criança falar. Mal sabia ele q u e o e s p e l h o n o s familiariza c o m a imagem física. c h o r a . displicentemente. Recolher-se é voltar-se c o n t r a si p r ó p r i o . E n c o l h i a . E . se se e n c o n t r a s s e em pessoa. m a t a n d o m e n i n o s " . se lhe afeiçoava à índole voltaria. . E s s e a b u s o d e i n t r o s p e ç ã o exaltava-se nas t e n d ê n c i a s d i s c o r d a n - t e s . p a r a o bicho n ã o me a c h a r . c o m o se u m a lesma p a s s a s s e pela p a r e d e : Eu chorava. ** Eu sofria na m i n h a i n o c ê n c i a com p e n a d o s bichos q u e s e a m a v a m . 16 . de manhãzinha. T e n t o u apagá-la. tinha a a u d i ç ã o do invisível. levantou-se e entrou a garatujar. en- fim. n e m p o s s o f i c a r p e q u e n o p a r a o m u n d o n ã o me ver. . ficava p e q u e n i n i n h o . remordido p o r e s s a lembrança. E. Afundava-se na análise íntima.l h e s e n t i m e n t o s i n c o m p l e t o s n o tropel d a a l m a desar- mônica. F l u t u a v a m . m a s n e n h u m h o m e m se identificaria. rola no c h ã o . * N ã o g o s t a v a d e s e r m e n i n o . quando os p a s s a r i n h o s c o m e ç a v a m a c a n t a r — cho- r a n d o . este b u ç o p a r e c e o luto de m i n h a infância que morreu. de coices e de d e n t a d a s .s e à criança q u e r e c u s a a comida. A m o r d e a r r a - n h a d u r a s . n o s v a i v é n s . p a r a e s q u e c ê - la. E sobrevinha-lhe o re- m o r s o q u e é o narcisismo d o s pessimistas. C o n v e r s a v a c o m o silêncio. . T a p a v a os o u v i d o s p a r a e s c u t a r a v o z recôndita. Era a sa- tisfação de tirar do sofrimento alheio um motivo de alegria íntima. p o r um revide parecido c o m a greve da f o m e . E ele. E e x e r c i t a v a um d o m de p i e d a d e . às v e z e s . rebolando o espírito a t o r m e n t a d o . tivera pavor às t r e v a s em q u e Milonga o d e i x a v a .r o u c o . c o r t o u o s ares d o M a r z a g ã o u m silvo extraordinário. S u a b o n d a d e pródiga. E s s a assistência distraía-o. C o s t u m a v a dizer que suas a ç õ e s n ã o tinham equilíbrio p o r q u e o c o r a ç ã o lhe p e s a v a mais do que a c a b e ç a . c o m o se t o d a s as cigarras e s t r i d e n t e s tivessem e n s a n d e c i d o n u m só grito. De u m a rebeldia inativa retraía-se da luta pela vida. m a s e s s a projeção exibia toda a i m p u r e z a suspensa em partículas no ar. do conflito s e c r e t o . Um meio de e s q u e c e r a própria d o r para so- frer a d o r dos o u t r o s . tinha m e d o da luz. P a s s o u a o b s e r v a r a poeira invisível girando na fita de luz. mais c a n t a v a . Um raio tênue desvendava-lhe os mistérios de sua inquietação. h o m e m feito. desassossegava-se c o m o martírio trivial da seca q u ê se reproduzia ciclicamente. c o m o q u e m estaciona à m a r g e m do c a m i n h o para d a r passagem a um desconheci- do. . Antes tivesse p e r m a n e c i d o na o b s c u r i d a d e despercebida: a inteligên- cia revelava-lhe t o d a s as anomalias da constituição excêntrica. F o r a t u d o c a n t a v a . a consciência de ser b o m . c o m dois d e d o s na b o - 17 . Na solidão rural só abria a b o c a para bocejar. *** N i s t o . c o m o u m a flecha luminosa. para se desforrar. a curtir e s s a crise moral. Parecia-lhe o c o n t r a p e s o da hereditariedade promíscua. Até o c a r r o de boi sob os fardos a r r o b a d o s : q u a n t o mais p e s a d o . E s t a v a farto de ainda n ã o ter vivido. Ele profanava c o m essa tristeza ociosa a alegria gritante da natu- reza tropical. O a m b i e n t e e r a a p a r e n t e m e n t e limpo. . Um sibilo d e m o n í a c o ! E r a o assobio d o s m o l e q u e s da bagaceira. e s c o r i a d o . mal-empregada. além dos limites h u m a n o s . U m a réstia de sol c o r t a v a perpendicularmente a p e n u m b r a do a p o s e n t o . Criança. . ria-se e comovia-se. nos dias de folga. mãe e filho. E. em sua dúplice organização m o r a l . c a m b a d a ! L e v a n t a pra pegar! Pirunga r e s p o n d e u do e n g e n h o . . caindo de b o r c o . t c h á . Passou-lhe uma nu- vem pelos olhos. o início d a s tarefas diá- rias. E r a um retirante que levava a m ã e inválida e s c a n c h a d a no p e s c o - ço. E a m b o s . j á . fraqueava. p o r q u e — regulador q u e não se a t r a s a — lhes m a r c a v a . . Desequilibrou-se... 18 . c o m o ainda c h a m a m a esse a r a u t o i m p o r t u n o . p e g a v a no estribilho t e m p o r ã o . imperativa- mente: j á . o n d e pernoitava.. n ã o tinha o u t r o meio de carregá-la. a q u e os e s c r a v o s d a v a m c a ç a .. saltou a j a n e l a .. Assim q u e o x e x é u entrou a gritar. A molecagem na sua e x p r e s s ã o mais safada: fi-iii- iú-iú-iii. s o a v a . s u s p e i t o s o . tchá. . N ã o e r a um c a n t o : era um grito. E. Manuel B r o c a b e r r o u no ter- reiro d o s sertanejos: — É h o r a . t c h á . a c a n a l h a d a de sete fôlegos.. . que toda a o r q u e s t r a ç ã o das m a t i n a s . primeiro que o galo-de-campina. . c o r d a s barreiras enferrujadas. Estralejava o apito a g u d o .. sem querer. . tirando do s o n o a cabroeira e x t e n u a d a . em sua sensibilidade con- traditória.ca. . de longe. L ú c i o . a b o d o q u e . p o n t u a l m e n t e . O feitor. fi-fi-iú-iú- iú. Já t ã o falto de forças. Parecia u m a p a t u s c a d a de gorilas vadios. A c u a d o pela surriada vexatória. Só se o u v i n d o . O estalido d a s galhofas infernais. a T e r r a da P r o m i s s ã o . . D A R O L A D E I R A A O EITO — C h á . c o m o c o n t r a t a d o pelo s e n h o r rural: c h á . Um xe- xéu d e s g r a c i o s o . beijaram.. E r a um p á s s a r o m a d r u g a d o r q u e a n u n c i a v a a a n t e m a n h ã . chá. jajá. . — E p o r q u e n ã o o f r e c e café? — replicavam os t r a b a l h a d o r e s j e - junos. . . . . . pegado na barriga. Fazia p o u c o na c a n z o a d a hostil. não ao o m b r o . parecia que não podiam c o m a e n x a d a . Os t r a b a l h a d o r e s c u r v a d o s sobre as e n x a d a s formavam um ma- gote de c o r c u n d a s infatigáveis. cabra e n x a d e i r o ! O m e s m o j u g o do c a p a t a z . m a s . de e n x a d a s . E os retirantes certificavam-se de q u e . m a s . m a n z a n z a ? ! Estimulava o u t r o que nada mais podia dar de si: — Q u e r o v e r . virgem da ex- ploração mecânica. Pegali r o s n a v a no aceiro a s s e d i a d o p o r u m a cainçalha agressiva. O cão d e s t e m e r o s o . de t r o n c o s fornidos — cada animalão que era um milagre de resistência. Não havia gozo c o b a r d e que não quisesse ir a ele. sem s u p r i m e n t o s 19 . m a s s o b r a ç a d a s . Manuel Broca feitorizava: — Agüenta o t o c o ! Sustenta o rojão! E. c o m o q u e m leva a vara de ferrão. As folhas velhas cortavam-lhe a c a r a . Culturas m e s q u i n h a s d e f o r m a v a m a terra pródiga. ele se a g a c h a v a e mordia com c a s c a e t u d o . faziam das fraquezas forças e d a v a m c o n t a da tarefa com o m e s m o vigor her- cúleo. F i c a v a onde e s t a v a . assim. Pirunga e s p i a v a a lua azul. de aparên- cia acabadiça. Pegaram na limpa da c a n a r e c é m . a atitude natural do servilismo hereditário. N ã o a v a n ç a v a . Ao q u e b r a r da b a r r a — a a r r a i a d a ainda hesitante. As e n x a d a s ronceiras tiniam na crosta endurecida. em vez de lhe rasgarem as e n t r a n h a s p a r a as fe- c u n d a ç õ e s profundas O solo maltratado pelas colheitas sucessivas. E r a a m e s m a h o r a e m q u e c o s t u m a v a m soltar a s vacas curraleiras. P e n s a n d o que iam c a m p e a r .s e no focinho d o s barba- tões ferozes. à maneira dos brejeiros. afeito a d e p e n d u r a r . feito guaxinim. entre brejeiros e sertane- j o s . c o m o u m a bola de anil. J o ã o T r o ç u l h o l a m e n t a v a que não fosse cana m a d u r a . nem os c a c h o r r o s se d a v a m . e n c o r p a d o s . q u a n d o o feitor d a v a as c o s t a s .n a s c i d a que s o m b r e a v a de verde a terra preta. a m e s m a disciplina do trabalho servil. a m o r d e r o pé b i c h a d o . E lá se foram os dois. M a n t i n h a m . n e m fugia. tinha o rabo e n t r e as p e r n a s . forçando um mais zorreiro a deitar a alma pela b o c a : — C a b r a e n c o s t ã o ! Está r e m a n c h a n d o . Havia alguns tipos sólidos. Pegali saiu atrás. c u i d a n d o q u e era o sol n a s c e n t e . E r a m arranha- duras superficiais. O u t r o s . afeava-se nesse regime d e p a u p e r a n t e . A c u p i d e z das olhadelas ardia-lhe c o m o o pêlo da c a n a . c o m o r a s g õ e s na paisagem. intentava aplicar o u t r o s p r o c e s s o s de aproveita- mento. Sabia que se t r a n s f o r m a v a m t e r r a s inférteis em o á s i s . adquiridas no vale do Paraíba e em usinas de açú- car de P e r n a m b u c o . J o ã o T r o ç u l h o com q u a s e t u d o de fora.s e . ele tinha a intuição da sensibilidade da terra. O s t r a b a l h a d o r e s . C h e g o u Soledade c o m o a l m o ç o . cada vez m a i s . na rega dos suores. E via o seu oásis tornar-se sáfaro. C o m os fumos de n o ç õ e s práticas. O s c a b r a s pararam. c o m o gênio do pai. Via a b r o c a . m o s t r a n d o a c a n a n o d o s a e curta: — O s e n h o r prefere e s s e s a p é . E o r a p a z . e n t r e m o s t r a v a m o s c o r p o s o l e o s o s . c o m a p e r n a à b a n d a . levemente. Tinha vindo a m a r e l a .. C o n h e c e n d o que o s t r e c h o s e x a u s t o s j á p o u c o d a v a m d e si. M a s . Já um t a n t o clara. l a n ç a n d o o s d e d o s sobre a s t e s t a s borbulhan- t e s . L ú c i o insistia pela i n t r o d u ç ã o da técnica agrícola. t e r r e n o s lavradios c o m fome de s e m e n t e i r a s : — Na grota funda a c a n a é de virar. c o r de flor de algodão.. É mais leve e está em c i m a do en- genho. Valentim. E s s a s intromissões na e c o n o m i a rural o incompatibilizavam. indi- c a v a u m a á r e a mais r e p o u s a d a nas e x t r e m a s do latifúndio. e m tiras. c o m o o v a p o r dos c o r p o s q u e n t e s . O s e n h o r de engenho n ã o ia c o m e s s a s idéias: — N a q u e l e m u n d ã o ? Vá carregar!.. v e x a d o . Refazia-se. postava-se na frente dela. Parecia u m a p o m b a b r a n c a e x t r a v i a d a num b a n d o d e a n u n s pre- tos. E apiedava-se da gleba sofredora levada a ferro e fogo: a e n x a d a e a coivara. O b s e r v a v a a q u e i m a d a c o b e r t a de c a r a c a r á s que tinham a vocação do cinzeiro. E já t i n h a m à m o s t r a as costas a s s a d a s no trabalho soalheiro. porque era tido em c o n t a de incansável.n e m t r é g u a s . c o m o o h o m e m . ela v o l t a v a ao que era. E m b r a n q u e c i a e r o s a v a . Mais cheia do c o r p o . e s m o l a m b a d o s .. U n s apoiavam-se ao c a b o da e n x a d a . c o m o p a r a tomar-lhe a vista: 20 . T a m b é m se a d o r m e c e a fome. na bagaceira. assim. c o m o à s crianças. J a m a i s um galão de p o t r o c h u c r o ou um pau a t r a v e s s a d o na ca- 22 . U m desperdício d e energia. n e n h u m d a v a por e s s a s p e n a s . não p e d i n d o miseri- c ó r d i a . E s s a resignada submissão às necessidades de c a d a dia não é r a p a r a g a n h a r a vida: era. D e v e r a ter sido. Pirunga foi ver o c a v a l o . c o m o os outros. U m esforço d e s p r e m i a d o . muito vivo. Até a retirada se man- tivera t e s o e ágil. Mourejavam com e s s a única e s p e r a n ç a : o toque do b ú z i o : t u m . E r a u m a toada mais grata q u e todas a s músicas d a n a t u r e z a . B r o c a advertiu a Latomia: — Você deixou m a t o na p r a ç a ! E o mulato: — É um matim — c o m e n d o . c o m o avisando q u e até aquela carícia lhe doía. tinham o tédio da inação. O s e n h o r de e n g e n h o n ã o queria bicho na terra. Pirunga gabava-o: — U m a pimenta. q u a n d o n ã o bonito. mas as últimas p r o v a ç õ e s pesavam-lhe na c o r c u n d a . A o i n v é s . E o sertanejo oferecera-se p a r a tratá-lo de graça. p a r a não perdê-la. Muitos c a n t a v a m . m a s r e p a r a n d o no sol — a hora dó d e s c a n s o . c o m a crina r a t a d a e a c a u d a murcha e encolhida. Pirunga batia-lhe na a n c a c o m a m ã o e ele virava-se c o m o beiço p e n d e n t e . u m a sílaba. N ã o se queixavam da labuta improdutiva: — É pra castigar o c o r p o . Valentim avergava-se sobre a e n x a d a . c a n t a n d o . E ainda a b a n a v a a c a b e ç a para dizer q u e não queria mais. E n q u a n t o os outros a l m o ç a v a m . a p e n a s . minha f i l h a ! N ã o e s t á vendo e s s a gente t o d a es- gulepada? O feitor. N ã o p u s e r a dú- vida em deixá-lo ficar. N ã o precisava anzolar-se. calçado de p r e t o . — Vá-se e m b o r a . E r a um animal amarelo-caxito. p o r é m c o m o seu. Viera — Deus sabia c o m o — c o m e n d o o resto de milho que pode- ria ter servido de alimento a o s retirantes. Q u a s e t o d o s assobiavam. M a s ne- n h u m se deixaria ficar em c a s a . Z o m b a v a de qualquer perna. A r r a ç o a d o pela m ã o . M a s e s t a v a des- barrigado. t a m b é m caindo em si e dirigindo-se a um c a b r a q u e per- m a n e c i a apoiado: — M o a m b e i r o ! Só vive d a n d o de m a m a r à e n x a d a ! A v e z a d o s a o eito. V e z por outra. t u m . pelo m e n o s . levantavam os olhos ao céu. J á n ã o tinham plantas d e p é s . E o pé fica um rebolo. Os c a c h o r r o s brejeiros corriam e voltavam g a n i n d o . A c u a v a m o canavial a d u l t o . um e m p u x ã o da seca dera- lhe e s s e b a q u e no eito. e s c a r m e n t a v a o velho: — Você não viu n a d a ! Q u e dirá se fosse no i n v e r n o . E. q u e t o d o s trabalhavam d e s c a l ç o s . E a d m i r a v a Pirunga: — T a n t o m a t o t e n h a . cascos e n d u r e c i d o s .tinga o d e r r u b a r a da roladeira. L a t o m i a e s t r a n h a v a e s s a solidariedade sertaneja: — N ã o t e n h o penhe de trabalhar pra m a c h o . Aí é que o pé vira toicinho. Pensa q u e mijo de padre é santos óleos?. ao mais leve farfa- lho. O feitor foi ver o que e r a . O partido e s t r e m e c e u n u m a estalada de c a n a s q u e b r a d a s . da outra banda. Q u a n d o pega. E demasiava-se na faina p a r a ajudá-lo a tirá-la. Valentim notou. um berro de animal dolorido. U m a o n d a de frio enregelou toda a bravura mestiça do Marzagão. Pegali cheirou as p e r n a s de Valentim e endireitou a orelha para um p o n t o que a c a m a v a . Q u e m quiser q u e se agüente. . E os cadelos calaram-se e m e t e r a m o r a b o e n t r e as pernas. 23 . um l o m b o es- curo. só arreia no fim.. e n t ã o . . D e p o i s .e s c u r o . a q u e morria entre as o u t r a s . na ondulação v e r d e . . v e n d o o canavial verde-claro na vegetação v e r d e . E ouviu-se um grunhido e s t r a n h o . a c u a n d o . e n t r e t a n t o . A gente cisca em cima da formiga preta que faz gosto. Latiu. p o r é m . J o ã o T r o ç u l h o tremia c o m o a milhã sacudida pelo v e n t o . E. de t r e c h o a t r e c h o . . P e n s a q u e é mais que a n d a r e s c a n c h a d o ? . lem- brou-se do algodoal sertanejo c o m o u m a n u v e m b r a n c a p o u s a d a na várzea. E s t u m o u a c a c h o r r a d a .. T r o ç u l h o acudiu: — Formiga não é nada: frieira é que ela. Sobressaía. uivavam funebrernente. Pirunga deixava para ele a carreira mindinha. bem lambuzado! — P o r a m o r da defunta!. este o r d e n o u ao feitor: — L a m b u z e o traseiro de mel de furo e assente no formigueiro. R e c r e s c e u a ansiedade c o b a r d e . o c a b o c l o gru- nhia e mijou-se... Pirunga a v a n ç o u i m p á v i d o e mergulhou n a s t o u c e i r a s agi- tadas. t r ê s . — Lambuze. E. na h o r a da retirada. Já era um tanto g r a n d o t e . — N e s s e c a s o . O x e x é u deu-lhe u m a vaia em t e r m o s . um h o m e m q u e foge do seu d e s t i n o . d u a s . indagora. p a r e c e q u e e s t á v e n d o a m ã e . indicando Pirunga: — Em 77 este e r a pichititinho. se e n t o c a r a no canavial. U M A HISTÓRIA QUE SE REPETE Valentim Pedreira c o n t o u u m a história que t e m sido reproduzi- d a . Reatou: — N e s s e t e m p o fazia gosto o s e r t ã o . E boiavam n a s folhas duas c a b e ç a s imóveis. Na era de 45 não me entendia de g e n t e . u m a . D i s c o r r e u neste teor: — Eu n ã o d a v a definição de seca. . E n t ã o . alta n o i t e . C o r r e do fogo para a lama. E. . n o s ciclos mortais da seca. L e v a d o à p r e s e n ç a do s e n h o r de e n g e n h o . . m a s — menino é assim m e s m o — só g u a r d a l e m b r a n ç a de besteira. . p r e s s e n t i n d o os vigias. lá dele. N i n g u é m pergunta a o retirante d o n d e vem nem p a r a o n d e vai. E r a Pirunga a b r a ç a d o c o m X i n a n e q u e tinha ido. T o d o o m u n d o c o n t a v a van- 24 . dê-lhe u m a s t r o n c h a d a s . p o r milhares de bocas famintas. L o g o na terceira. Vi o m u n d o c o m os m o r c e g o s . furtar o aipim q u e havia plantado e. T r i n t a l a m b o r a d a s . ali m e s m o . O s c ã e s encolhiam-se n o a c e i r o . Xinane alarmou-se: — P o r a m o r de seu L ú c i o ! . E r a tanto do morcego! E . M a n u e l B r o c a prontificou-se: — F i c a p o r minha c o n t a . M a s seguiu-se um silêncio intrigante. E saiu p o r esse m u n d ã o c o m toda a rafaméia. E agüentei o rojão. M a s . q u a n d o apertou 88. Q u a n d o havia morrinha. E era um fa- zendeiro c h u é . Alguma neblina era só pra a p a g a r a poeira. Valentim não r e s p o n d e u . a c o r a g e m . Meu mano foi mais sabido: v e n d o a coisa preta. no ora-veja. o rebentão era p o r fora. Referiu o canibalismo de Dionísia dos An- j o s . que matara e c o m e r a u m a me- nina de 5 a n o s . 25 . me endireitando. mais elas c o r r e m . M i n u d e n c i o u . até a última gota. Falou g r o s s o : — Fiquei na estica. T o d o o meu pessoal na c a c u n d a e até dei conta de gente que era m e s m o que ser minha. na sua linguagem brasileira. de P o m b a l . O q u e tem de a c o n t e c e r tem muita força.tagem. Só este seu criado tinha pra mais de 100 vacas de ponta serrada e muito boi e r a d o . m e u v e l h o . 60. você é um santo-herói! — Isto é da vida.. O sertão. torrou t u d o n o s c o b r e s . livrando a seca. essa é que foi a seca grande: de primeiro. o u t r a vez. esse esfa- celo de u m a população fantástica que se finava de pura fome no país das e n g o r d a s forasteiras. a m ã o firme no o m b r o de Pirunga. esse aí fui e u . 70. . fica t u d o mirrado — o e s p í r i t o . até o c a s c o da fazenda. m o ç o . 53. E virou-se para Lúcio que t a m b é m o b - servava a cicatriz curiosa: — N e m me batia a p a s s a r i n h a . Foi q u a n d o veio o r e b e n t ã o de 77. p a t e r n a l m e n t e . . E outros lances p a v o r o s o s . era que se c o n t a v a algum prejuízo. L ú c i o comovia-se: — M e u velho. — Só tem é que as lágrimas não secam — aparteou o e s t u d a n t e . Voou o der- radeiro p a t a c ã o do pé-de-meia. A c a b o disso. Foi um teitei c o m o ninguém não magina. É a dor que e s p r e m e . sem semente de g a d o . em seguida. E aduziu: — Q u a n t o mais a alma seca. p o r q u e a gente também seca p o r d e n t r o . T a m b é m levou um su- miço! — Q u e mal pergunto. n ã o pedi n e m roubei. M a s fervi- lhava de g a d o . C h u v a s salteadas. E continuou: — Eu já ia levantando a c a b e ç a . Acontecia algum repiquete — em 51. não tem m e r m a .. q u e marca foi e s s a na b o c h e - c h a ? — inquiriu Manuel Broca. Seca. c o m a vontade de D e u s . 69. c o m o se n ã o vies- sem da alma. F i q u e i . E p o u s o u . M i u n ç a nem se falava. a mulher antropófaga. Os raios de sol pareciam labaredas soltas a t e a n d o a c o m b u s t ã o t o - tal. Só se v e n d o . minha santa se foi e ela ficou p e n a n d o . Era um sopro do inferno que. c o m o debaixo de um guarda-sol. D e p o i s . É o que tocar à sorte — retorquiu Valentim Pedreira. E d a n ç a v a . Diz que as santas a n d a m sempre c o m os anjos. c o m o b o c h o r n o fogoso. S o m b r a s férvidas. V e n t a v a . à força. com as asas a b e r t a s . A desola- ç ã o da m e s m a cor. não se via um pássaro: só v o a v a m muito alto as folhas se- cas. Um incêndio e s t r a n h o que ardia de cima p a r a baixo. alteando-se. Um painel infernal. olhando para ela. parecia q u e r e r rasgar as n u v e n s para a c e n d e r a fogueira. O sol que é para dar o beijo de fecundidade d a v a um beijo de morte longo. E Valentim calou-se. E. c á u s t i c o . Sobreveio a seca de 1898. B e m . c o m o d e d o s cris- p a d o s . m a s . nessa tragédia. A catinga formava um aranhol. Um d e r r a m e de luz exaltada que parecia o sol fulminante d e r r e - tido nos seus a r d o r e s . A flora desfalecida. C o m o que o céu se con- flagrara e pegara fogo no sertão funesto. Durante um a n o a fio. Um p a s s a r i n h o estava sob a última folha da u m b u r a n a . uma gota d ' á g u a que fosse não refrescara a queimadura dos campos. N u v e n s v e r m e l h a s c o m o c h a m a s que v o a s s e m . pondo a vista no c h ã o . A capoeira esquelética levantava os g a r r a n c h o s . Noites t o s t a d a s . c o m o um cautério m o n s t r u o s o . U m a ironia d e ouro sobre azul. olhando para a filha: — E s t a aqui ficou com obra de 5 a n o s . Os o c a s o s c o n g e s t o s entravam pelas trevas em nódoas sangüíneas. A poeira levantava e parecia o u r o em p ó . C o m o era feia a natureza resseca na sua n u d e z de pau e p e d r a ! Os r e b a n h o s aflitos prostravam-se no c h ã o e s b r a s e a d o . Soledade sorriu. — Sertanejo não sabe chorar. c o m o um cinzeiro em b r a s a s . N ã o era o vento pontual da b o c a da noite t o d o sujo de pó c o m o uma criança traquina. Até o n d e d a v a a vista se a c h a t a v a a paisagem cinérea. Valentim exprimiu todo esse horror canicular: 26 . O p a n a s c o pulverizara-se: girava c o m a poeirada chamejante. Caiu a folha e o passarinho abriu o bico e t a m b é m caiu. p u x a n d o u m suspiro que r e t e v e : — Eu n u n c a que deixasse a minha terra. de cabeça inclinada: — Os r a p a z e s foram arribando de um a um. E Valentim explicou: — T a m b é m . varria até as telhas. Dê por vista u m a nuvem de c h u v a . não era pra m e n o s . Corria tudo besta. " E m p e r r a d o de dia e de noite. c o m o um espelho. E nem eles. E diz que dinheiro de borracha encurta q u a n d o ela estira. esse sopro era pra queimar. A gente teimava em ficar e o sol t a m b é m teimava. A g e n t e . Era u m a calma! O céu b r a n c o . Um c a l o r ã o . Foi em 77. C o m o quem s u s p e n d e o folgo. Pegou no b r a ç o de Pirunga: — E s t e . Eu não podia a g ü e n t a r t u d o . c o m o t o r r ã o de açúcar. n e m nada. — V o c ê c o m e u fogo! — disse o feitor. sem ser filho. E a c r e s c e n t o u . porque ela tinha 28 . O vento b r a b o . O rapaz o l h o u . de r e v é s . na beleza amortecida. — Só havia de verde os olhos da m e n i n a ? — perguntou L ú c i o . m a s q u e m vai não volta mais. c o m o se fosse a p a r a r a água com a b o c a . Era urubu até dizer basta. sopra pra esfriar. era deste t o p e . O pai tinha m o r r i d o de comida braba e a mãe era minha a p a r e n t a d a . c o m o q u e m diz: " A q u i estou g r i m p a n d o de c i m a . se o espírito não me e n g a n a . Ele a c h o u a e x p r e s s ã o usual ajustada ao seu martírio: — Diz b e m . ficou tudo c o m o varrido de n o v o . entremostrou um b r a ç o b r a n c o c o n t r a s t a n d o com a luva m o r e n a de sol. Valentim fez q u e não ouvia. As p e d r a s se esfarelavam. T e m um pegadio à gente q u e faz gosto. como ave que mete a c a b e ç a sob a asa. m a s . E S o l e d a d e derreou o p e s c o ç o . c o m o se as profundas estivessem à flor da terra. O Acre é c o m o o ou- tro m u n d o : p o d e ser muito b o m . até as n u v e n s . ainda um t a n t o des- b o t a d a . Diziam que era pra me trazer um adjutório. logo. M a s um h o m e m é um h o m e m . e s c o g o t a d o . A u r u b u z a d a vinha a p u s do resto da carniça. para Soledade q u e . não quis c o r r e r m u n d o : ficou p r a me fazer companhia. n ã o se me- xia. q u i e t o . A risada da seriema parecia um s o l u ç o . ergueu a m ã o para c o m p o r o c a b e l o e. cis- c a n d o . Pintava u m a nuvem de c h u v a . p o r q u e nunca se viu lua mais pa- recida c o m o sol. o m a t o parecia de c h u m b o . M a s . caindo-lhe a m a n g a . Q u a n d o tomei conta dele. Comi fogo em vida. E . prometia mun- dos e fundos (coitada! o que é que ela podia prometer?). nessa derradeira mirada de saudade. estatelado no c h ã o . O bichinho corria pra mãe num berreiro de borrego enjeitado. Mas minha vida não me pertencia. 29 . O sol. Calores m o d o r r a i s nas c h a r n e c a s e s m o i t a d a s . E os sertanejos. Depois. e. deixando o mais mirim. senão ninguém me aluía de lá. Calcava essa lonjura pelos p á r a m o s a d u s t o s que se lascavam na argila refrangida. perturbador dos valores. Ainda bem não se refa- zia de um cataclismo. Um m o n s t r o clandestino resfolegava. até esticar a canela. o m e n i n o se desgoelava. Ficou quase prejudicado. Era de arrepiar cabelo. esfregavam os olhos. pela soalheira estendida nas estra- das que iam d e s a p a r e c e n d o nas v á r z e a s nuas. no seu ad- vento p u l v e r o s o . pelos plainos intérminos. Canseiras invencíveis. Até as colinas avulsas se afiguravam blocos de luz. aos e m b o l é u s . D e p o i s . re- gulador inconstante dos destinos da região. ela saiu. Q u a n d o se aperreia muito. Aí. por esse o c o de m u n d o . sobrevinha-lhe o u t r o . A planície alagada da fulguração vertiginosa. escaldava o saibro e acendia o pedregulho. a n d o u c a ç a n d o a mãe até d e n t r o dos buracos de tatu. E ela voltava do pátio. dá pra perder a bola. Q u e m tomava conta de minha fi- lha? Q u e m carregava minha c r u z ? Baldara-se-lhe todo o heroísmo sertanejo. tudo cor de o u r o . Enganava. Horrendos d e s a s t r e s de- sorganizando a economia r e n a s c e n t e . O sertão vitimado: todo o seu esforço aniquilado pelo clima arrítmico. era sair de novo. c o m m e d o de ficar só.uma miuçalha de filhos e as coisas já a n d a v a m vasqueiras. os Cariris Velhos de uma sequidão mais d e s o l a d a . q u e r e n d o dançar a ciranda com os retirantes. aos r e m o i n h o s . Dessa altura se divisava a perspectiva percorrida. desde as m a n h ã s a b r a s a d a s . v e r m e l h o c o m o um fundo de t a c h o . O papagaio vinha arrepiado. e n c a n d e a d o s .. E Valentim saiu. U m a natureza quaresmal de cactos s o b r e v i v e n t e s . ao d e s b a r a t o . c o m o se esti- vessem c h o r a n d o . E tornou à narração: — D e u s foi servido acabar t u d o .. e r e t o s c o m o círios ace- sos em frutos de fogo. Era o nordeste. à visão de um sol que d o u r a v a tanta miséria. até ficar roxo. Queria ficar a b r a ç a d o com o m o u r ã o da porteira. c o m o q u e e s c u t a n d o . C o m o é que se tem saudade d e s s a terra infernal? — M o ç o . está de m u d a e t e m pena de ficar.r r e u . se fica. ganhava esse p e c o destino h u m a n o . c o m e n d o o resto de milho. . O cavalo soerguia-se nas p a t a s dianteiras. p e r d e n d o o v ô o . i m p u n e m e n - te. mais se 30 .. a c a d a es- forço. N e s s a atitude irmanava-se pela d o r s u p r e m a à condição h u m a n a . major? E disparou um tiro na c a b e ç a do animal. Valentim e s b o ç o u um riso fatigado na b o c a r e e n t r a n t e . n u m a súplica aflitiva: — Sol'dade! Sol'dade!. . O sertão é pra nós c o m o h o m e m malvado pra mulher: q u a n t o mais maltrata. encorajado.. resfolegava num gemido a u t ê n t i c o . . E. c o m o t o d o s os outros papagaios d o m é s - ticos. ouviu-se um e s t r o n d o a l a r m a n t e . N i s t o . e s c o n d e n d o .s e sob as a s a s . e. ele não sabia mais voar e. E r a o estribilho da fome. T a m b é m dei-lhe u m a preacada!. de j o e l h o s . qual u m a previsão do seu fim: — Papa-gai' não co-meu m o . e n q u a n t o a n d a . pelo cupim roaz. D e u s foi servido me livrar desse m o n d é .. Pegali e s t a v a sentado sobre as p a t a s traseiras c o m os olhos nos- tálgicos fixos em Valentim. Valentim voltou sentenciando: — O q u e tem de acontecer tem muita força. m e n o s quer chegar. o aviso inconsciente. Pirunga dirigiu-se ao s e n h o r de e n g e n h o : — Dá licença. .. m a s . Q u a n t o mais a n d a . O louro tinha a p r e n d i d o . Soledade quisera soltá-lo à v e n t u r a . A estrebaria viera abaixo c o m as t r a v e s c a r c o m i d a s .s e n u m salto. E finou-se. L ú c i o interrompeu: — N ã o i n t e r r o m p e n d o . sertanejo não se adorna no brejo. p e n s a q u e vai voltar. E r e m a t o u a sua odisséia: — A gente sai por este m u n d ã o sem saber pra o n d e vai. C o r i s c o — esse chegou em p a z e a salvamento. S o a r a c o m o u m trovão promissor. c o n t a n t o q u e S o l e d a d e n ã o viesse a p é . de que todos se p r i v a v a m . L ú c i o e Manuel Broca e r g u e r a m . P o r q u e . O sertanejo lembrou: — Calcule que esse sujo ia c o m e n d o a perna de um anjo m o r t o na beira da e s t r a d a . 31 . Ramos caídos sobre r a m o s subjugados. d e s d e n h a v a e s s a s folhas v e r d e s ilustradas p o r t o d o s os mati- zes e q u e só têm sido lidas pela r a m a . Solidarizavam-se e s s a s á r v o r e s familiares no c o m u n i s m o d o s fru- tos (amarelo c o m e n c a r n a d o e vice-versa) e no e n t r a n ç a d o da ramaria em c r u z e s e o u t r o s símbolos pacíficos.quer b e m . c o m o m u l h e r e s q u e se arrepelam. ar- regaçando as folhas. isso é que ter coragem. D o b r a v a m . literalmente. de u m a humilde horizontalidade. M a s . NEM DRÍADAS NEM H A M A D R Í A D A S Da casa-grande até a c a c h o e i r a se alçava um r e n q u e de cajueiros revelhos t ã o c o n c h e g a d o s u n s a o s o u t r o s que formavam — mal c o m - parando — u m a baita lagarta v e r d e de pés cinza. e x a s p e r o da sensibi- lidade c o m o sal em ferida b r a b a . p a r a . na primeira fuga. E r a nesse poiso natural q u e L ú c i o ia. levantando-se para fechar a porta: — E foi a seca que me deu c o r a g e m . E. Porque saber sofrer. M a s . r a n g e n d o . no ta- blado abominável do e m p r e s á r i o j u d e u . linheiro. engalfinhavam-se. o outro. deitava-se. fronde c o m fronde. havia um cajueiro curiosíssimo. às m a t i n a d a s . se e r a mais rija a refega. g e m e n d o . c o m o s e q u i s e s s e m saltar d a s raízes. A c o t o v e l a v a m - se. parecia q u e r e r e s c o r a r o c é u . N ã o confraternizavam: a c a l m a a p a r e n t e era u m a trégua de rinha de galos q u e se c r u z a m os p e s c o ç o s para se refazerem. no c h ã o . o q u e p a r e c i a um a b r a ç o vegetal e r a u m a agres- são a l a r m a n t e . em tão ledo e fragrante retiro. E. afundar-se na d e g e n e r e s c ê n c i a romântica.s e o s galhos e m a u t ê n t i c o s cotovelos. U m a v a r a v a a c o p a da o u t r a mais chegada c o m a v e r g ô n t e a hostil. a o s sacolejos. r e p a s s a r seus romances convulsivos. se volta em cima d o s p é s . N e s s e s atritos. q u a n d o d a v a o v e n t o . a c e r t a r a de se e n a m o r a r da figurinha fictícia de Sibil. hierático. E n t ã o . Em vez de interpretar o clássico " l i v r o da na- t u r e z a " . b o t a pra fora e. gingavam. Bipartia-se em galhos de- siguais: u m . Aperreia. m o ç o . mas que formosos dentes. assim. amarelo e e n c a r n a d o . m a s re- pugnam também como um vômito. .. p a r a levantá-la d e s s e inferno. N ã o excluía d e s s a baixa do c o r a ç ã o nem a humildade da c o r . sed formosa... Que pérolas sem par! Lafcádio H e a r n q u e r e n d o c a s a r c o m uma pretinha.. S a l o m ã o . ) .. . E . E n t ã o . . Soledade procurou ler e caiu-lhe da c a b e ç a mal e n x u t a u m a gota d ' á g u a no livro a b e r t o . c o m o se d e v e s s e ser n o t a d a pelo cheiro. A mulher era um anjo. (que cara!.. T i n h a o cabelo m o l h a d o . F u n ç ã o de enfermeiro ou de e s m o l e r . E n o s s o poeta Gonçalves C r e s p o ganhara esse lirismo pixaim em Portugal: És negra. Soledade abeirou-se d e l e . sem se fazer sentir. Seria c a p a z de pedir-lhe a m ã o . L ú c i o levantou-se. c a d a vez mais arrufada: — Eu vinha da cachoeira. d e p o i s da q u e d a . m u d a n d o de cor. "Baudelaire. de v e r d a d e .. L ú c i o acolheu-a com um sorriso só nos lábios e c o n t i n u o u a ler. . Q u e d o u . o padroeiro d a s senza- las: Nigra sum. A beleza "o longo e obediente s o f r i m e n t o " da Circe. F i c o u . E e v o c a v a as famosas p a i x õ e s plebéias. E u m a c a r a . (O pobre do anjo m a u ! . E s t e v e em levantar-se e gritar: " V i v a o a m o r c r u z a d o q u e c u r o u nostalgia africana e coloriu o m e u B r a s i l ! " N i s t o . . que p r o d u z mártires e não d e m ô n i o s . até que r e s m u n g o u . bons d e z m i n u t o s . Há confidencias q u e aliviam c o m o um v ô m i t o . . .) de mulher bonita c o m raiva.. sim. c o m o u m a lágrima ocasional. sem dar sinal de si.. . p a r e c i a recear ser s u r p r e e n d i d o nesse convívio suspeito. menina? 32 . T o d o con- trafeito.. . Q u e d a . ela sentou-se no cajueiro ao seu lado. c o m o se ti- vesse p o i s a d o de um vôo. E ele c o m e ç o u a fi- c a r c o m o os cajus. P a r e c i a q u e r e r lançar u m a confissão q u e lhe c a u s a v a nojo p a s s a r - lhe pela b o c a . v e x a d o : — Q u e é isso.s e . c o m o u t r o ar: — Avistei o senhor a q u i . . O a m o r era um consolo. c o m o s e u m pé-de-vento tivesse d e s p e t a l a d o o c a m p o florido. A n a t u r e z a matinal. q u a s e sem se sentir. e n t ã o . " E. E. lá d e n t r o . semelhava c e r t a s flores que d e c a e m ao anoite- cer. i n t e n t a n d o confortá-la: — N ã o ligue. Sentia o primeiro toque da p u b e r d a d e q u e ensaia adivinhar os mis- térios interiores. diga. com o véu e a grinalda. E descobriu-lhe ainda um p o u c o de tristeza nas u n h a s a r r o x e a d a s pelo b a n h o . S e m falar no cafezal a r o m á t i c o . Cortejada por t o d a p a r t e . L ú c i o reparou em S o l e d a d e . 34 . ia bulir c o m os c o r a ç õ e s . R e c e n d i a um cheiro misto de resina e cabelo m o l h a d o . . U m a laranjeira moça e roçante c o m o q u e se ajoelhava p a r a c a s a r . l e v a n t a n d o e s s a doida policromia. U m a inquietude d e virgem n a insciência d o a m o r feito de curiosidade e de m e d o . discernida c o m o instinto di- vinatório c o m que as mulheres mais ingênuas interpretam os senti- m e n t o s que as r e q u e s t a m . . Acudiram-lhe as c e n a s de a s p e r e z a desse h o m e m brutificado pelo trato s e m i b á r b a r o do en- genho. . m a d r u g a r e m com mais frescor. dando-se a b e b e r . . . n u m interesse mais de piedade q u e de o u t r o s e n t i m e n t o . J á s e g r e d a v a m o s m o r a d o r e s : " A q u e l e d á coice n o v e n t o . — Foi n a d a . E. Refeita e m i m o s a . refugiava-se na c o m p l a c ê n c i a honesta do e s t u d a n t e . mas a m o ç a capito- sa. Ela d e s c o n v e r s o u : — O s e n h o r quer bem a seu pai? O e s t u d a n t e p e n d e u a c a b e ç a h u m i l h a d o . p a r a . Soledade: meu pai é p a n c a d a pra t o d o o m u n d o . Só. ela corrigiu: — N ã o é p o r ser e s t r o m p a . . . às primeiras o r v a l h a d a s .. de graças d e s a b r o c h a n t e s . A s b o r b o l e t a s beijavam-se nos estalidos d a revoada. receosa.. Já n ã o e r a a retirante d e s b o t a d a e a c a b a d i n h a . — E n t ã o . L ú c i o notou esse c o n t r a s t e . d e s a s s o s s e g a d a . aos s o r v o s . E Soledade fremia n u m alvoroço i n c o m p r e e n d i d o . Os galhos do cajueiro c o m p r o v a v a m as desigualdades acidentais — filhos do m e s m o t r o n c o com d e s t i n o s d í s p a r e s . . evasivamente: — É p o r q u e ele não quer b e m ao s e n h o r . Alteando o seio. A brisa p a r e c i a o perfume a g i t a d o . Molhavam-nos com o orvalho restante.c a m i n h o — que as m u l h e r e s t a n t o hostilizavam.a s . . Baixara-se a d i a n t e . A p r ó p r i a o r v a l h a d a e r a m g o t a s de per- fume em vidrinhos de arco-íris. Jogara-as fora. c o m o se estivesse florindo também em suas graças s e x u a i s . s e m olhá-la. A e m a n a ç ã o violenta ungia-lhe a c a r n e m o l h a d a . . Vinha d e l a t o d a a exalação e x c i t a n t e . q u e lhe tirava o s s e n t i d o s . E s a c u d i a m neles fo- lhas. H a v i a plantas q u e c h e i r a v a m até às raízes.s e os cajueiros confidentes. narcotizando-o c o m as suas fragrâncias. Principalmente as j a q u e i r a s carregadas. tão f e c h a d o . . As la- vadeiras d e i t a v a m a t r o u x a no c h ã o p a r a arrancá-la ou a e s p e z i n h a - vam furtivamente. A t é galhos secos sacudiam.a . 35 . p e g a d o inad- vertidamente. . Os cajus c o m e ç a r a m a cair. r e p a r a n d o . p a s s a r a p o r ela. Soledade estava toda impregnada dessa natureza odorante. m a t u r i s . . oferecera-lhas — um m o l h o r o x o — com um riso arregaçado no focinho insaciável. c o m o se toda a floração se tivesse e n t o r n a d o nela. H a v i a perfume e s p a l h a d o no ar como um i n c e n s ó r i o invisível. E r a u m a p a t e a d a em regra. O s e n h o r de e n g e n h o . cajus. refletia: T a l v e z n ã o fosse p o r mal. Ura bálsamo indefinível do corpo ú m i d o . Parecia e s t a r a c o l h e r as flores marginais. Aceitara. Expulsavam os intrusos de sua c a s t a intimidade. m a t u r i s . c o m o q u e m solta um inseto nojento. c o m o s e e s t i v e s s e d e s p e t a l a n d o u m m a l m e q u e r . m a i s calma. E . g i n g a n d o . e s t ã o a r m a d o s o s laços d a s e d u ç ã o . balançando-se. . N a e b r i e z d e s s e a m b i e n t e c ú m p l i c e . a g o r a . p o r t o d a parte. T o m a d o d e s s a exaltação olfativa. O o d o r infiltrava-se-lhe a t é n o s olhos v e r d e s . E s p i a . N ã o e r a m mais a s á r v o r e s a c o l h e d o r a s dos solilóquios matinais.s e em a r o m a s . P o d e r i a ter sido um a v i s o o p o r t u n o . era a florzinha indis- creta — e s p i a . . c a s t a n h a s . ele pôs-se a rir sem ter de q u ê : — V o c ê já viu q u e t a n t o c h e i r o ? Me diga s ó ! . c o l h e r a . E rangiam. C h e i r a v a . . . . com u m a humilde confusão. c h e i r a n d o ! C o m o q u e m ã o s feiticeiras a n d a v a m m a c h u c a n d o a s p é t a l a s a m á - veis. c o m o q u e m diz: " P o r o n d e q u e r q u e p a s s e s . C a í a m cajus. E. De fa- to. c a s t a n h a s . s e m v e r . e s p e r a n d o . Perfume em blocos de r e s i n a . Lúcio agarrou-lhe as m ã o s e puxava-lhe o s d e d o s .c a m i n h o — um n o m e q u e e r a u m a advertência. M a s . A p r ó p r i a sebe de maria-segunda — as r o s a s p r o s a i c a s . E x a s p e r a v a m . " O p o m a r d e s m a n c h a v a . os c o n c h e g o s prolíficos da r a ç a d o s d e s e r d a d o s . outra v e z .e m m e n e i o s d e capoeiras. desfranziu a testa e retificou: 36 . Pegali empinou as orelhas e desenroscou-se n u m pulo. N ã o d e i x a v a m de v e r tão cedo. cor o fumo d e s s e incêndio. Na sala mal iluminada pela l a m p a r i n a da cozinha. Valentim r e s s o n a v a na rede de t a p u a r a n a .. M a s e s s e q u a d r o tropical não podia durar: era belo d e m a i s p a r a se deixar v e r por muito t e m p o . a miséria o b u m b r a v a todo o sítio. A luz e r a u luxo da casa-grande. modificava-lhes a i m p r e s s ã o da vida.. como os outros. c o m o se a grande b r a s a se ti- vesse desfeito na labareda fugaz. C o n t o r c i a m . c o m o uma g e m a d e o v o esteirada. s e m e l h a n d o um ninho caído. per- dida na a m p l i d ã o do latifúndio. M a s . Vai s e n ã o .s e . — Q u e coisa! Vocês d o r m e m c o m as galinhas! — falou Lúcio. c o m o u m a moita. E o v e n t o ajudava a s s o b i a n d o . Valentim ergueu meio-corpo e t a r t a m u d e o u : — Vá pro rapador!. O sol informe. M a s . parecia dissolver-se n a m a n c h a c r e p u s c u l a r .. A i n d a c o m dia. c o m o s e q u i s e s s e m . U m bruxuleio barato n o fundo d a biboca dos retirantes q u e . r e c o n h e c e n d o . A CICATRIZ O o c a s o profuso a v e r m e l h a v a m e i o c é u .. E a h o r a p r e m a t u r a do silêncio e da treva antecipava as funções da noite. L ú c i o saiu desconfiado c o m o sentido nos b o s q u e s s a g r a d o s . E r a u m a queimada no h o r i z o n t e . n ã o e r a m dríadas nem h a m a d r í a d a s d e s p e i t a d a s : e r a m e s m o a refe- ga. saltar das raízes.. detendo-se à entrada.o . C a d a r a n c h o obscuro — q u i e t o . E Lúcio ficou tocaiando as primeiras sombras do lusco-fusco. Pirunga fumava com o cigarro oculto no c ô n c a v o da m ã o .. ficava m e n o r . cair em c i m a d e s s e par b ê b e d o de perfumes que profanava o p u d o r da alameda a r o m a i . C h e g o u b a m b a de s o n o e ficou no meio da sala. E . A p o u c o t r e c h o . P a r e c i a q u e ele nutria u m e m p e n h o intencional n a e v o c a ç ã o d a tragédia. exibindo. c o m o s e tivessem r e g r e s s a d o d a m o r t e .s e . . à b a n d a . . T i n h a o ar de q u e m d e s p e r t a . — Q u e besteira!. seu Valentim: diga a origem da cicatriz. a i n d a d e p é . o r a se s o m b r e a v a . deixa v e r a luz — b e r r o u Valentim. visivelmen- te. Q u e r i a reconstituir seu p a s s a d o sanguinário. M a n u e l B r o c a instou: — M e u v e l h o . — M e n i n a . Q u i n c ã o . À l u z vacilante. pai! O d o u t o r fica c i s m a d o . a b r i n d o a b o c a . r e s g u a r d a n d o os o l h o s da claridade p o b r e . n u m e s p r e g u i ç a m e n t o e s - t r o v i n h a d o . Endireitou-se e pigarreou: 37 . Eu e s t a v a a r e a d o . Trazia a fronte u m p o u c o r e p u x a d a n a m o l d u r a d o c a b e l o e m desalinho. . t r ê s v e z e s . . V a l e n t i m deu-lhe a e n t e n d e r q u e se reti- rasse. P a r e c i a q u e ainda e s t a v a s o n h a n d o . M a n u e l B r o c a sentou-se n o s c a l c a n h a r e s . O e s t u d a n t e t a m b é m n ã o e n c o b r i u a curiosidade: — É. você hoje b o t a p r a fora a história da m a r c a . c o m o q u e m d e s v a n e c e u m a v i s ã o renitente. . m o ç o . O d o n o da c a s a e n c r e s p o u a fisionomia e disse s e c a m e n t e : — E s t á da b a n d a de fora p o r q u e q u e r . c o m o se an- dasse n o r a s t r o d o e s t u d a n t e . . E . Ficara-lhe agradecido. seu perfil o r a se iluminava. . c o m o se ser- visse d e e s c a r m e n t o a o s a p e t i t e s ruins q u e lhe r o n d a v a m . i n a d v e r t i d a m e n t e .. p o r q u e esfregava o s o l h o s . sempre lampeiro. o lar provisório. . E Lúcio atribuía e s s a m u d a n ç a à a s a de um p e n s a m e n t o triste a e s v o - açar. E S o l e d a d e trouxe a l a m p a r i n a a c e s a . m a s diferente d a s c a r a s e s t r e m u - n h a d a s d e o u t r a s mulheres. — Eu lhe c o n t o .. d e s s a s feições intumescidas q u e e m e r g e m d a c a m a . atou o s b r a ç o s n a n u c a . S o l e d a d e recobrou-se e a t a l h o u : — N ã o diga. C o m um lanço de o l h o s . . O sono p a s s a d e p r e s s a . a s s o m o u o feitor. d e p o i s d a c e n a d a estrebaria. a plástica rija. C a b e - ceava a i n d a . indecisa: — Eu me descuidei e peguei n u m a m a d o r n a . c o m o a c o - lhimento sertanejo: — A b o l e t e . . T o m e a tipóia. D e p o i s e n c r u z o u na esteira e d e r r e o u o p e s c o ç o . E r a h o m e m p r a se ver. c o m trinta. tão m o ç o . A c h a v a q u e ele não tinha b o a pinta. Manuel Broca chasqueou: — C o m e s s a lei aqui você se e s t r e p a . c o m u m a t r o p a intei- ra. . n ã o bula c o m m o ç a donzela. E o feitor insistiu: — C o n h e c e a d e r r o t a de José R o d r i g u e s . era só me avisar e eu não fazia p o r m e n o s . muita v e z . E a d e s o n r a ocasional c o n s u m i a o último t e s o u r o de um p a t r i m ô - nio s o ç o b r a d o . O g o z o c o n t r a s t a n t e das m u l h e r e s desfei- tas. N u n c a mentiu fogo. Q u a n d o ele precisava dar um e n s i n o . Meninas impúberes c o m os corpinhos c o n s p u r c a d o s . s e n ã o en- contra t o c o . q u a n d o m e n o s se p e n s a . 38 . O e s t ô m a g o exigia o sacrifício de t o d o o organismo. . M a s . m o ç o — era minha s e g u n d a p e s s o a . até n a s suas partes mais m e l i n d r o s a s . já era um h o m e m de b e m — c o m e n t o u L ú c i o . Há gente que a n d a de capas e n c o u r a d a s . foi até à porta. forçada pelo sargento Arcanjo. O a p a r t e deu-lhe no goto. E u abria o s olhos dele: " C o m p a n h e i r o . E o b s e r v o u : — E s t á e s c u r o c o m o breu. Deitavam-se a elas nos fundos d a s b o d e g a s p o r um rabo de b a c a l h a u ou um brote duro.s e . . Até a t r o p a ! L ú c i o c o n h e c i a a história da libertinagem das secas — a e x p l o r a - ção bestial da c a r n e magra. . " — V o c ê . a gente se engabela c o m a felpa. — I s t o . Meu velho não via b e m esse pegadio.. m a s . — Q u i n c ã o — eu lhe c o n t o . . E continuou: — Eu já era frangote e doido p o r u m a estrepolia. ali na M a t a . b o t a as mangas de fora.. m o ç o ? U m a pitada. E n ã o há q u e m não tenha seu p e d a ç o de mau c a m i n h o . — o b s e r v o u o feitor. O e s t u d a n t e e s t r e m e c e u . T u d o e r a vendido pela hora da m o r t e . O sertanejo c h a m a v a . E r a u n h a e c a r n e . Para r e c o m p o r . você p o d e s e e s p ' r i t a r . . só a virgindade se m e r c a d e j a v a a baixo p r e ç o . c o m o um isqueiro. E s t á mal pra p a s s a r .L i m p a . c o r r o m p i d a s pelos fétidos s i n t o m a s da fome. de S o u s a ? E r a da b a n d a de lá. Os olhos de Pirunga fuzilaram. conta s e m p r e c o m i g o . E r a um bicho c u t u b a . Q u i n c ã o n ã o fi- cava a t r á s : fazia p e r n a comigo. Brigava c o m u m . a p o n t o de r a n g e r e m os p u n h o s da r e d e . A filha.o : — E s t á t o m a n d o fresco? U s a t o r r a d o . seu Valentim! Abra o olho c o m os s o n s o s . Q u a n d o vi a cabeça b r a n c a do velho e me lembrei do sucedido. — E r a seu t a n t o velhinho. Está p a s s a n d o . Dei um tiro no morcego q u e e s t a v a d e p e n d u r a d o na c u m e e i r a e o velho n e m p e s t a n e - jou. Queria ouvir o desfecho da r e t a r d a d a nar- rativa. mas eu não podia m a r c a r que tivesse d e s o n e r a d o assim. M a s até gato e c a c h o r r o já sabiam. " Foi a t r á s d a por- ta. nem a d e r e n t e . um dia. — Pois eu tirava os q u a r t o s de fora — acrescentou Manuel Bro- ca. Saí q u e saí feito. por mal dos meus p e c a d o s . E o sertanejo prosseguiu: — M a s . Pus de q u a r e n t e n a . Fiquei encafifado. — Já e r a idoso assim? — interrogou o e s t u d a n t e . Eu agarrei a a r m a e — pum! — n ã o q u e b r o u o catolé. N ã o tinha c a r a de t o m a r chegada. E n t ã o . E u ajuntei: " E por que não q u e r m a t a r ? . N u n c a q u e eu pudesse maldar. Cheguei-me e indaguei: " Q u e é q u e v o s s e m e c ê m a n d a ? " Ele respondeu que só queria era morrer. perguntei: " V o s s e m e c ê q u e r ver sua neta n o b o m cami- nho?" — E r a sua a p a r e n t a d a ? — inquiriu o feitor. pegou u m a lazarina e a e s p i n g a r d a caiu-lhe em cima d o s p é s . Peneirava. a derrota e s t a v a feita. . E q u e m é que não tem pena de um ve- lho d e s o n r a d o ? Retomou: — C o m o de fato. Valentim foi ver: — É u m a n u v e m . Ele era seu t a n t o ou q u a n t o p e n s i o n a d o — lá isso era —. correu q u e Q u i n c ã o tinha t i r a d o a neta de Brandão de Batalaia. Fazia um t e m p ã o que não me d a v a sinal de vida. uma garoa subitânea chiava no teto de palha. M a s a m o ç a não tinha ninguém por ela. A dignidade sertaneja a n d a v a e n t o r p e c i d a nesses c o r p o s misérri- mos. Lúcio impacientou-se. das c h u v a s janeirei- ras. E r a o prenuncio das primeiras águas. só reinei ir liquidar o e x c o m u n g a d o em cima da b u c h a . Aí pelas 7 h o r a s . E toquei-me pra lá. E s t a v a a c o r d a d a e atenta à i m p r e s s ã o c a u s a d a pelo lance de seu vago c o n h e c i m e n t o . — N e m p a r e n t e . T r e - mia muito p o r q u e tinha e n v e l h e c i d o o u t r o t a n t o do dia p r a n o i t e . Maria de Soledade tossiu na c a m a r i n h a . . Valentim falou mais baixo: 39 . E gritou que eu n ã o o aporri- n h a s s e . de c a n t o a c a n t o . de s u p e t ã o . mas era de boa c o n c ó r d i a . O le- que luminoso abria-se e fechava-se. mexida pelo v e n t o brincão. sem cessar. em trepidações multiformes. Lá no meião. enxerguei o rio.. Disse o u t r a v e z : " V o u ser t e s t e m u n h a do seu c a s a m e n t o c o m Fifi. Entrei c o m o q u e m não q u e r e q u e r e n d o . E. Quincão baixou a grimpa. Valentim saltou. sapequei-lhe o pé na rosca da venta. Fiquei nos ares.o a si. s a c u d i d a m e n t e . pra não a p e r t a r a d e l e . 40 . lá embaixo. Daí a b o c a d i n h o . eu q u e r o ser teste- m u n h a do seu c a s ó r i o . até que ele explicou: — N a q u e l a corda.. feito um mar d'água. D e p o i s de velho é que fica perrengue — arriscou Manuel Broca. c o m os olhos pregados nos longes do p o e n t e . Pirunga correu e foi d a r c o m e l e . j u n t o c o m Pegali q u e se precipitou na frente. no terreiro. criei coragem e disse por aqui assim: " Q u i n c ã o . M a s ele tinha s o b r o s s o de ficar só comigo. que ora q u a s e a enfiava pelo bico da lamparina. Eu marquei logo e n t r a r no c a s o . que ele viu c a n d e i a s de sebo. — Eu garanti que a m o ç a se c a s a v a . C h a m o u . — Pode ser. para- d o . o m u n d o se fecha. A luz baça. a língua ígnea lambia a e s c u r i d ã o . c o m o ia na dianteira. — E a esquerda? — questionou o estudante. c o m o um gemido de rola p r e s a . Aí puxei o bruto e — tibungo! — entrou-se n ' á g u a . E fui direito à fazenda de Quincão. L ú c i o chegou e viu o céu afogueado. Eu ia m a t u t a n d o : se ele trastejar. a m o r t i ç a v a . E eu tinha e m b r u - lhado a m ã o num lenço fingindo u n h e i r o . m a s ouvi u m a vozinha. Estava de beira a beira. Chamei Q u i n c ã o pra tomar b a n h o . Refazendo-se da surpresa. Às v e z e s . Eu n ã o a c h a v a jeito de tocar no c a s o . E ele c o m p a r a v a es- sas intermitências às transições de seu espírito. Meteu-se o b r a ç o . chega perdeu o fol'go pra n a d a r . O bicho era b a r g a d o . " Foi m e s m o que falar da b a n d a m o u c a .. ora a p u x a v a em fitas de fogo. pisca-piscou n o horizonte longínquo u m a claridade q u a s e imperceptível.. N e s s e m e s m o instante. embiocou pra d e n t r o . b e s t a . — Sertanejo não dá a m ã o e s q u e r d a . Procurei uma saída. V o c ê quer roer a c o r d a ? " N e s s a v o z . — Q u a n d o a gente é m o ç o é pau pra toda obra. fazendo p o u c o em mim. Eu não queria q u e ela cismasse de minha idéia. q u a n d o ele me desafiou pra a t r a v e s s a r a cor- r e n t e z a . ele cuspiu grosso e soltou u m a risa- da. Q u a n d o Fifi me avistou.s e . Com a boca p e g a d a . E o velho referiu: — C o m o ia dizendo. E o sangue espirrou. — É o rio do Peixe. negaceava. — Bem-feito! Que rio é e s s e ? — perguntou L ú c i o . a p r o m e s s a de retorno à s u a t e r r a . Esperei ele n a s borbulhas. Fui em cima. L e v a n t o u os b r a ç o s : " t o m a ! t o m a ! " E. . Quincão se grudou c o m i g o . a p o n t a n d o a porta: " P o r ali. P a r a Valentim o relâmpago riscado na treva c o m p a c t a e r a o nún- cio do inverno sertanejo. — M a s . Dei-lhe um s o c a v a n c o e espragatei-lhe as v e n t a s . L ú c i o riscou um fósforo e e x a m i n o u a cara engelhada do sertane- j o . As piranhas a b o c a n h a v a m . r r ô ô ! " Fiquei t o d o arre- 41 . ficou feito um c o n d e n a d o . c o m o j u á . N ã o d e r a pela causa d o t r a u m a t i s m o . N ã o h o u v e mais q u e m o tirasse do relento. e s v e r d e a d a . Aí. p e r d e n d o o jeito. não é o P i r a n h a s ? — N ã o : é o rio do Peixe. " O velho ciscava no c h ã o e fazia: " c h o . Saltei e o velho arrenegou. saindo por de- baixo. Dei-lhe outro c a c h a ç ã o . b e m di- zer. Acatitou os olhos e e s c u m a v a . Um putissi! C a d a qual que tirasse o seu c h a b o q u e . . Vi a hora que ele me arrancava a tábua do q u e i x o . soverteu-se de n o v o . soltei-lhe um pontapé de e s b a g a ç a r a dentu- ça. Ele voltou bufando. Cai a q u i . o senhor não magina! Aí. botei Fifi na garupa. a p u l s o . Desceu-se no fundo outra vez. O b s e r v o u a impressão dentária caraterística. foi. N u m so- fragante trincou-me o dente a q u i . q u a n d o deu a c o r d o de si. c a c h o r r a ! " E ela. a cicatriz em c u r v a s o p o s t a s c o m as falhas de alguns d e n t e s . M o ç o . Foi em c i m a . Encalquei m a i s . à luz do r e l â m p a g o . dei um mergulho e. Valentim virou o r o s t o : — Arrochei-lhe a goela de c o m força. fazendo ter- mo. Agruparam-se uns sobre os calcanhares e outros de p é . . cai acolá. não foi por g o s t o . E r a isso que eu queria. " E ele: " c h o . Nadei pra longe e pergun- tei: " C a s a o u não c a s a ? Olhe q u e q u a n d o e u carrego o p i n i ã o ! " N e s s a voz foi q u e o bruto se peitou. chega levantava o pedregulho. O bicho deu o b u t e . A luz furta-cor. não podia t o m a r ar e teve um p a s s a m e n t o . Segurei pelo c a c h a ç o e enfinquei- lhe o focinho na lama. Saí que saí zunindo. virei ele de p e r n a s pra riba. luz m e n t i r o s a . foi e m b a i x o e. parecia um m o l e s t a d o . de j o e l h o : " M a s v o s s e m e c ê sabe. Eu queria quebrar-lhe o roço e ele já estava desbilitado. r r ô ô ô ! " Pen- sei q u e ainda estivesse d e s c o m p o n d o e tomei a parte dela: " N ã o c h a m e esse nome à m o ç a . ficou tirando fogo. . Ficou sem a ç ã o . a c e d e u c o m uma praga: — Pois levem os seiscentos mil d i a b o s ! . m o n o l o g a n d o . E Valentim findou: — Agora: no o u t r o dia. De feito. c o m o os afloramentos do Nordeste! Solidificação da família! T e s o u r o das vir- t u d e s primitivas!. e n c o n t r a r i a . 42 . N ã o tinha venta. . c o m a fingida indiferença de q u e m pleiteia um desejo p r ó p r i o em nome de outrem. e s s a s fosforescências d e s a b r o c h a v a m . faz toda vida que n ã o se e n t r o s a um forró — intercedeu o feitor. E. A honra d a m o ç a e s t a v a vingada pelos p e i x e s . C a d a facho d o céu acendia-lhe n o v a s e s p e r a n ç a s . . c o m Pegali ao lado. nem olhos. não: por um h o m e m que sabe defender a h o n r a d o s o u t r o s . nem b e i ç o . ao sabor de sua ênfase: — R e s e r v a s da dignidade antiga! Resistência granítica. MORITUR ET RIDET — P a t r ã o . n o m e s m o sítio e na m e s m a p o s t u r a . qual n a d a : era o ronco da m o r t e . O e s t u d a n t e retirou-se. Valentim Pedreira a tocaiar o re- l â m p a g o ..piado! Qual c a c h o r r a . O baticum de seu c o r a ç ã o a l v o r o ç a d o .. — Pelos p e i x e s . Q u e m p a s s a s s e . M a s Manuel Broca segredou-lhe um plano que ele acolheu e n t r e malicioso e desconfiado. O s e n h o r de e n g e n h o pusera t e r m o a e s s a s funções. M o r r e u pra não perdoar. foi e n c o n t r a d o o c a d á v e r e n g a l h a d o n u m pé de p a u ... pelas primeiras arraiadas. c o m o u m a t o c h a azulada. q u a n t o mais a sua — r e t r u c o u L ú c i o . L ú c i o e s c u t a v a o maracatu: d u a s p a n c a d a s isócronas. n ã o se d a v a u m s a m b a q u e não a c a b a s s e e m sangueira. ( O s d i a b o s tinham sempre c o n t a c e r t a : eram trezentos ou seiscen- t o s mil. v e n d o o u t r o s m o r a d o r e s q u e se a c e r c a - vam. . c o m o um c o r a ç ã o b a t e n d o alto. u s a n d o de u m a e x p r e s s ã o popular. J á c l a r o .). nem n a d a . C o s t u m a v a dizer q u e a alegria do pobre era um m a u agouro. — E s s e é h o m e m até debaixo d ' á g u a — disse o feitor. . L ú c i o voltou-se. E r a a superstição de q u e . pela primeira v e z . estalava de d o r . à e s p e r a do a m o r putrefatório. e n v o l v e n d o . atraído p e l o barulho da d a n ç a . E. os p a r e s alongavam-se na terra r o x a l e v a n t a d a . . afinal. e s t a n d o a l g u é m . p o r q u e v i a m t o d o s o s dias. P a r e c i a um inferno orgíaco. Um cheiro a a l h o e a fer- mentações crônicas. t o d a s as m u l h e r e s d e r a m as costas p a r a a p o r t a . O fogo. D i v i s a v a m . as virgens m o r e n a s e viçosas q u e o s c a b r a s viam c o m indiferença. e s p l ê n d i d a . Plantou-se à face de S o l e d a d e . F l a m e j a v a o painel do aceiro — as á r v o r e s ígneas e. O incêndio esfumava-se. P e r t o . O s n e g r o s giravam c o m o s o m b r a s alucinadas. c o m o negros em farinhada. do lado de fora. E as n e g r o t a s 43 . via d e s p i d o s os que se a c h a v a m d a n ç a n d o . E virou-se p a r a a p a i s a g e m rubro-negra. De chofre. E apagou-se o c i g a r r o . b e m defronte do r a n c h o festivo. sentiu o cheiro da q u e i m a d a . a fumaça deitava p a r a a c a s a fronteira. de q u a n d o em q u a n d o . e s p u m a n d o d e raiva vegetal. a r e z a r às a v e s - sas. Vistos à distância. L ú c i o pôs-se a o b s e r v a r a agonia da lenha verde q u e se e s t o r c i a . n u m s a m b a . t ã o s o r v a d a s e escorri- das. a fumar. V o a v a m faíscas c o m o lágrimas de fogaréu. como l a b a r e d a s fantásticas n e s s e a m b i e n t e poeiroso. estoirava em p r o t e s t o s secos e se finava. v i v a s e e n g r a ç a d a s . M e n i n o t a s modeladas c o m o m u l h e r e s feitas. . Mulatinhas de lábios r o x o s . c o m o s e tivessem sido p a s s a d a s n a m o e n d a . a e s m o . c h i a n d o . O bafo d a s mulheres a m o r n a v a a sala. c o m o se t i v e s s e m sido mordi- dos. c i r a n d a v a m c o m o cabos d e v a s s o u r a . a macaíba c o m o leque de c h a m a s .a n u m presságio de luto. S o a v a um r u m o r inexpressivo na noite b á r b a r a . c o m o s peitos apoja- dos de feminilidades indiscretas q u e lhes escandalizavam a p r ó p r i a inocência. a n d a n d o ao t o q u e do maracatu. D a g o b e r t o e n t r o u .s e o s t r o n c o s q u e i m a d o s boiando n o c i n z e i r o . S o s t r a s multíparas. alumiava o t e r r e i r o . M a s havia u m a b e - leza apetecível na coleção d a s m o ç a s roceiras. v a r r e n d o o c h ã o e m p o e i r a d o . e s c u r e c e n d o a noite. E ele saiu. S o b r e s s a í a m gar- galhadas m i s t u r a d a s c o m o v e n t o c o m o bramidos de animais d e s c o - nhecidos. de i d a d e s e q u í v o c a s . E r a u m júbilo integral. A c o s t u m a d o a cultivar as sentimentalidades m a l s ã s . borboletas e s c u r a s . Gritos vibratórios. Q u e a b u s o ! . Um cambiteiro mais e n x e r i d o c o n c h e g a v a . M a s . s e m c h o r o alto. " O u . S ó havia u m a c o n d i ç ã o de felicidade: n ã o s a b e r sofrer. C o m o n o i t e s disparatadas d e sol a r d e n t e .o l e o s a s ..s e na a n i m a ç ã o barulhenta. talvez. às ve- zes.. L ú c i o corria-se d e sua tristeza inveterada p e r a n t e t a n t a e x p l o s ã o de p r a z e r q u e dissimulava a p e n ú r i a p e r m a n e n t e . c o m o um m e n d i g o q u e vive de sua ferida a b e r t a . sem t e m p o p a r a p e n s a r em ser triste — e s s a gente tinha a fortuna de n ã o s e c o n h e c e r . c o m o a c a r n e a c e s a e m b r a s a s . s e m os cuidados da p r e v i d ê n c i a . A s próprias d o r e s físicas e r a m discretas. E a n e g r o t a : 44 . . Me largue de m ã o ! . As raparigotas encolhiam-se. E bendizia a ig- n o r â n c i a q u e ignorava até a dor.. o p o v o l é u rural d e s m a n d a v a . as unhas penetravam com mais bem-querer. Risadas selvagens d e se- r i e m a s . u m p u x a v ã o d e orelha.. cuja a m o s t r a mais d o c e e r a u m a injúria: — " F e i a ! .s e . . . u m a dentada. Feliz e r a o animal q u e se encolhia à chicotada e a e s q u e c i a . " — " E s s a safa- d a ! . u m a pisadura. — A r t a ! n ã o me pinique!. . a p e r t a n d o o c o r a ç ã o q u e ia saltar- lhes p e l a b o c a : — N ã o m e afutrique!. D e s p e r c e b i d o d e t o d o s o s v e x a m e s d o servilismo r e m a n e s c e n t e . ouvia c a s q u i n a d a s c a v a s . . . Só u m a carícia n ã o doía: o cafuné. n u m d e r r a m e lírico: — " B i c h i n h a . E n t r o u na o n d a pulverosa. e não sabia rir de e s t ô - mago cheio. sem ima- g i n a ç ã o q u e elaborasse p r e s s e n t i m e n t o s mofinos. . e r a u m b e l i s c ã o ... C h e g a v a a saber q u e o s sofrimentos morais e r a m u m a ilusão d o s s e n t i d o s . Z o a v a u m c o n t e n t a m e n t o d e p a s s a r i n h o solto q u e n ã o escolhe t e m p o p a r a c a n t a r . n u m a vida de c a d a d i a . o r i u n d a s . Feliz e r a a sensibilidade que n ã o ia a l é m da c a s c a grossa. s o b r e t u d o . Invejava e s s a vivacidade inconscien- t e . U m a b r u t a alacridade. " E . das c a v e r n a s do e s t ô m a g o . q u a n d o deixava de d o e r . R i s a d a s q u e soavam c o m o g r i t o s . q u a n d o p a s s a v a d a p a l a v r a a o g e s t o . E t e s t e m u n h a v a os idílios brejeiros. . . . c o m c r a v o s vermelhos no seio. U m a alegria unânime q u e c a n t a v a c o m o a m e l h o r m ú s i c a d o samba. N ã o m e a l c a t r u z e ! . . . P a r e c i a que o p r o b l e m a da felicidade se resolvia n e s s a diversão agreste. S e m os fermentos da a m b i ç ã o q u e a t o r m e n t a m a n a t u r e z a huma- n a . c o m o s e não c h o r a s s e s e n ã o d e f o m e . As raparigas agrupavam-se n o s c a n t o s da sala... Atirar n o s e n h o r d e e n g e n h o neste estado de s u b o r d i n a ç ã o crônica. D e que c h o r a este m e n i n o ? Chora d e b a r r i g a cheia Com v o n t a d e d e a p a n h a r .. " Os cambiteiros replicavam. Há quem agüente este a z u c r i m ? ... .... C h o r a r de barriga cheia. E riam t o d a s num riso c r a s s o e c o n d e s c e n d e n t e .. — ?. — O l h a esse r e m e l e x o . d e c a r a s e m p a s t a d a s d o r o u g e ter- roso: — C o m o ele está fiota!. E l a estirou o beiço p a r a a m ã e .. Ela ainda simulava: — T o m e a s s e n t o de g e n t e . J o ã o T r o ç u l h o i a p u x a n d o u m a d a m a que s e e s c u s o u : — Eu n ã o d a n ç o . banga!.. L ú c i o p e n s a v a em Soledade e preveniu a Pirunga: — I s t o pega c o m o visgo. O r a . Minha s e n h o r a . . E l e . a cutucá-la: — Deixa de luxo!. Se n ã o tem c o r a g e . . . C a b e l o de fuá! 45 ... .... que peitica!. . . eu tenho D e p e g a r n e s s a pistola E a t i r a r no s e n h o r de e n g e n h o . d a n d o figa p r a ele. E a moça: — D a n ç o lá c o m e s s e t r u p i z u p e ! E s t o u de m e u . — Já se viu que e m p a c h o ! .. a o s m u x o x o s e aos beliscões... c h i a n d o : — Qui qui-quiqui. E separavam-se. C u i d a d o c o m os v e d ó i a s .. . T o d o p e r e q u e t e .s e coisi- n h a s .. c o m os ditérios da bagaceira: — Olha e s s a delerência. c a b e l o de aratanha!. . . O e s t u d a n t e o b s e r v o u : " M u s a mentirosa!.. . . d i z e n d o . Boliam c o m o s p a r e s s u a r e n t o s . .. . O c a b r a arreliou-se: — Velha caninguenta!. .. M u d a r a m para o c o c o : Cabra danado. .s e das m o c e t o n a s sertanejas.. .. . . . . n ã o d a n ç a c o m negro. m a s c o m u m a d e c i s ã o inflexível.. T i n h a n o s olhos tristes u m a e x p r e s s ã o d e c a l m a e de c o r a g e m . E ela r e p a r a v a nos c a b r o c h a s : — Q u a s e t u d o aqui é b a t o r é . s e m n o t a r q u e ela tivera um g e s t o negativo. por trás dos outros: — Sertanejo b o c ó n ã o v o g a a q u i ! . . v a m o s ver? Ia tirá-la pela m ã o .. S o l e d a d e caçoava: — E n t ã o . q u a n d o Pirunga s e a t r a v e s s o u . J o ã o T r o ç u l h o motejava: — E s t á desconfiado q u e n e m c a c h o r r o em m e i ' de c a r g a . Latomia. . E. Os cambiteiros desforravam-se. L e m b r a n d o .. . Sertanejo cafifa! E t o d o s . . — D e i x a de a g a c h a d o c o m e s s e p é .. N ã o s e a m o l d a v a nessa p r o m i s c u i d a d e a b o m i - nável. N ã o lhe q u a d r a - v a m e s s e s c o s t u m e s . B o c a .r a p a d o . De p o n t a de rua. Pirunga! E. saiu a d a n ç a r c o m S o l e d a d e . à p a r t e : — Mal-empregado! Ela t ã o j e i t o s a e ele t ã o mal-enjorcado.. é v e r d a d e . U n s procuravam os porretes. e s t á se b a b a n d o ? . q u a n d o Soledade s e s e n t o u : — M o ç a . O s brejeiros c o n s p i r a v a m : — Ele é fouveiro. E . Participava do teiró do p a d r i n h o a Manuel B r o c a .. . O feitor aplaudia: — I s t o . servia d e m a n g a ç ã o . Outros protestavam: — E s s e freguês dizendo d a m a ! . . q u e tal disseste? C r e s c e u p a r a ele t o d a a arraia-miúda. d e s d e n h o s o . . muito c a n h e s t r o . à puridade: — A r r a s t o u a mala. . . . ele d e s d e n h a v a : — Q u e r o lá saber de m o ç a c a x e x a . — E l a n ã o d a n ç a c o m bangalafumenga daqui.. É m e t i d o a l o r d e .. Pirunga. 46 . — D a m a é mulher da vida. c o m b o n s m o d o s . Pirunga n ã o fazia c a s o . — D a m a é mulher à-toa. de u m a v e z : — N e m sabe dizer c a v a l h e i r a . D o b r e a língua!. L a t o m i a interpelou-o: — P o r q u e n ã o entra na d a n ç a ? — Só se me arranjar u m a d a m a . . A c a b o com esta futrica. . curiosa. c o m o os o u t r o s .. . — U m a tipa muito entojada!. Era um c ú m u l o de gentileza. t o d o s a c o r o ç o a v a m : — T o c a fogo na canjica! Aí. que ele é m e t i d o a rabequista. . v e n d o que a d a n ç a arrefecia. U m a mais influída s e n t o u . E as mulheres voltavam-se c o n t r a Soledade: — A n d a c o m parte de santa. — Vive ancha p o r q u e o m o ç o a n d a de olho gacheiro p r a b a n d a dela. Achava g r a ç a n o s saraco- teios d o s quadris a l v o r o ç a d o s . Sentindo-a tão p e r t u r b a d o r a m e n t e feminina.. n e m D e u s N o s s o S e n h o r vindo d o c é u .s e n a s suas pernas. — E s t o u me e s b o d e g a n d o . Ela deu de o m b r o s : — N ã o se dá coisa mais a b u s a d a ! . Lúcio a d v e r t i u : — N ã o dê c a b i m e n t o a c a m u m b e m b e . — U m a bicada. ... — Por ser sarará trata os mais de resto.. — Eu só dou conta d e s t a pinóia. . E s v a z i a v a m o botijão. envolta n e s s a anima- lidade p r o m í s c u a . O feitor acercou-se: — E s t u d a n t e é uma n a ç ã o de gente que só vive de c a b e ç a vira- da. Um pé-de-poeira. r e c u s a v a retirar-se. . não me a t u c a n e a paciência! A sala tresandava a alho e a a g u a r d e n t e . Enchia-o para o c o m p a n h e i r o q u e r e c u s a v a beber e d e r r a m a v a a c a c h a ç a . E. — Eu dou c a b o d e s t a j o ç a ! . m a s o que ela é é u m a s o n s a de marca maior.. negrada! Eita pau! A poeira ia baixando no c h ã o a g u a d o pelos suores a b u n d a n t e s . já e s p a l h o esta porqueira. e s t a l a n d o a língua: — É b o m que dói. — O p a t r ã o dá gás àquele mequetrefe. — V e n h a de lá! T r o ç u l h o tocava com os beiços e restituía o q u a r t e i r ã o . — Foi b o m .. 47 . E d e i x o u o samba. . . O s cabras roçavam-se n o s seus j o e l h o s . Q u a n d o eu tomo u m a t r u a c a . O feitor diligenciava e m b r i a g a r Pirunga.. Hoje aqui fede a chifre de b o d e . E.. . S o l e d a d e . . E trovejavam as p r o v o c a ç õ e s : — E s t e fuzuê acaba mal. O m o ç a m e ia-se c h e g a n d o . Barrigas sumidas p r o c u r a v a m encontrar-se na ironia d a s u m b i g a d a s . . A cabroeira recuou. Donzelas equívocas da r e d o n d e z a acudiam ao estalo dos d e d o s . . A n t e s que vibrasse o golpe. os h o m e n s de c a b e ç a levantada e as m u l h e r e s cabisbaixas. Um h o m e m é um h o m e m .. N ã o faça a ç ã o . C h o c a v a m . à e s c u t a : — É gente c o m o os trinta. O delegado p a r o u . ali não se brigava por mulher: o amor não valia u m a facada. as coxas frenéticas. olha essa b u z i n a ! A c a c h a ç a ia pegando fogo à sensualidade mestiça. M a s . O sertanejo fazia frente a t o d a a tropa na confusão do conflito c o r p o a c o r p o . v o c ê chia no relho!. E feriu-se a luta no e s c u r o . o u v i n d o u m v o z e a r e s t r a n h o U m formidável clamor q u e uivava d e n t r o da noite A c e r t o u de passar a escolta para a feira de L a g o a do Remígio. L ú c i o d e s p e r t o u . c o r r e n d o e m defesa d e L a t o m i a : — N ã o desfeite o h o m e m . E a política ad- versa despicava-se em seus m o r a d o r e s . c o m o se c h a m a aos c ã e s . Pirunga e s t r a n h o u : — Q u e barulho fora de t e m p o ! . nas a g a r r a ç õ e s d o s pares safadíssimos. p r a ç a . Seu olhar fuzilava na treva c o m o um sabre d e s e m b a i - nhado. O ciúme mal passava de a m e a ç a s : — Olhe que eu te dou uns c r o q u e s ! . — Q u a n d o chegar em c a s a . a o s s a r a c o t e s . . — M e t a o facão nessa c a m b a d a ! — ordenou a a u t o r i d a d e . Agitavam-se. D a g o b e r t o estava d e s a v i n d o c o m o chefe local. p r a ç a ? ! E . E Pirunga cresceu para a força arbitrária: — Q u e é isso. O g o v e r n o e r a essa afirmação de a r b i t r a r i e d a d e . E revelavam-se excelências plásticas nessa d e s o r d e m de m ú s c u l o s de alguns tiparrões e x c e p c i o n a i s .s e os peitos e r i ç a d o s . m a s os oposicionistas tinham s e u s domínios e x p o s t o s às represálias policiais. p r a ç a ! E r a o g o v e r n o . ele caiu em cima da l a m p a r i n a . 49 . O feitor c h a m a v a à o r d e m : — Mundiça. Os correligionários do poder m a n t i n h a m redutos de i m p u n i d a d e inviolável. C a b r a s de uma turbulência c o b a r d e tentavam a p a g a r a luz por de- saforo.. p a t r ã o .c e g a de h o m e n s e m u l h e r e s . a p e n a s . embarafustou pelas c h a m a s . m a s não reconhecia a v o z de Soledade. Do lado de fora. aturdida. r e - fugiu. A q u e i m a d a estava circunscrita ao aceiro. c h a m u s c a d o . nos c o n t a t o s a e s m o . E gritava por ela. pela noite discreta. De veneta. T o m o u Soledade nos b r a ç o s .c a c h o r r o ! Sapeca o p a u ! Sujiga a praça! Quebra-lhe a c a s t a n h a ! F u r a na veia da tripa! F u r a na tripa gaiteira! P a t r ã o ! patrão!. p e n s o u s o b r e t u d o . d e s e s p e r a d o . Pensou n o s perigos desse e m b a t e no e s c u r o . — F e z sangue? — Foi a força do g o v e r n o . ela soltou-se revoltada: — E precisava isto? E n t ã o . E estrugia a sanha d e s o r d e n a d a : — Dá um c h o t o no m a t a . E chegou-o ao c o l m o velho. na c a b r a . T e n t a v a encontrá-la. E. Só não havia a t a q u e histérico. O l h o u em d e r r e d o r . p o r e n t r e a s f i g u r a s mal iluminadas.. A o clarão i n s t a n t â n e o . E n c o n t r o a v a m . ouvia a m e s m a algazarra indistinta. O espaldeiramento e r a um som de garrafas q u e b r a d a s . mais e m a i s . no ruge-ruge p r o m í s c u o . A i n d a v o a v a m algumas fagulhas misturadas c o m os vaga-lumes. se vexava. eu não sabia sair do fogo? A polícia d e b a n d a r a . engalfinhavam-se e m p e n c a . A paisagem vizinha toda t o s t a d a e vermelha. D a g o b e r t o sobressaltou-se. c o m o um doido.s e de um c u i d a d o aflitivo. Distinguia no a r r u í d o lamentos e pragas. às t o n t a s . m a s . p e r c e b e n d o os impropérios d o s c a m b i t e i r o s desbo- c a d o s n a balbúrdia r e c r e s c e n t e . num s o b e r b o a r r e m e s s o . T o c o u fogo no rancho tu- m u l t u o s o . d a cama: — Q u e barulho é u m ? ! E o r u m o r era a g r a v a d o pelo alarido das m u l h e r e s . para e s c u t a r o v o z e r i o tumul- tuário. logo. M a s . P a r a eles o g o v e r n o e r a . de o n d e em o n d e . Pirunga p a r a v a . p e g a n d o . A barafunda alarmante. c o m o um colar de rubis. E. s o l d a d o c o m soldado. no desfecho esplêndido. abafada pelo berreiro d e s c o n e x o . i r r o m p e u pela parede de palha..s e . c o m seu fardo s u a v í s s i m o . as saias que per- p a s s a v a m .s e . às apalpadelas. triunfal. essa n o ç ã o de violência: o espal- 50 . embolavam-se n o c h ã o . correu até a coivara e trouxe um facho na mão c o m o p a r a alumiar. E n t ã o . a g a r r a v a m . E a p o d e r o u . Mas a força abriu do c h a m b r e . N ã o se passava um dia que Lúcio não e n c o n t r a s s e Soledade. Queria era pegar de jeito. Acudiu o feitor: — Foi pantim. pelo menos. Eu bem sabia que aquilo a c a b a v a pegando fogo. m a s . d e b a l d e .deiramento. Passou o refe em t u d o . mas tirei tudo de eito. Só pra e m p a t a r o samba. c o m o se estivesse expelindo os m a u s ins- tintos. 51 . . . Se não mentiam as más-línguas. E foi ver Soledade que estava queimada. pensando nela. as feições mais bizarras. Com qualquer b o b a g e m esse povo assenta a b o c a no m u n d o . L a t o m i a blasonava: — Eu saí do a r r e g a ç o c o m um calombo aqui no q u e n g o .. t r e m e n d o ! Eu fui tomar banho de m a d r u g a d a . o despique partidário. até os feridos. a prisão ilegal. reconstituir-lhe o tipo ou. porque a carregara nos braços. E c o m o estivesse tiritando. Lúcio desabafou: — N ã o era pra m e n o s . Dagoberto argüiu: — Que é isso! Ainda está t r e m e n d o ? — Ora. E c o m a camisa esfaqueada.. O fogo foi uma faísca da coivara. T o d o s riram. E explicavam: — Chegou e foi m e t e n d o o fandango. Foi nada não. O RETRATO O amor é uma g r a d a ç á o dos sentidos: c o m e ç a pela necessidade de ver. porque ele nunca tivera u m a camisa inteira. c o m Pirunga. N ã o o conheciam por n e n h u m a manifestação tutelar. ele metera-se no açude com água pelo q u e i x o . ao primeiro a s s a l t o . ganhou os paus.. Pirunga soprava ainda.. J o ã o Troçulho a p r e s e n t o u . forcejava. p a t r ã o . O senhor de e n g e n h o o b s e r v o u : — Esse está c o m o cobra que errou o bote.. Frio pra mim é c o m o passou.s e : — Eu só saí com u m a roncha aqui na tábua do q u e i x o .. logo. n ã o p u d e s s e evocar-lhe a imagem. volto daqui a p o u c o . O c ã o sacudiu a c a b e ç a c o m estrépito e p a s s o u a r a b e a r n u m a agi- t a ç ã o acolhedora.. precipitou-se do b a l a n ç o e. d e s a s t r a d a m e n t e . um c a s a l somen- t e . ele insistiu: — F a ç a sério! — V o c ê quer é cara feia. E fez um trejeito que n e m de leve lhe deformou a graça primorosa M a s . E n t ã o . n e m . 52 . — B e m . E. D e p o i s . — E e u ? E n t ã o . a r r e p e n d i d o desse m o v i m e n t o invo- luntário. assim que o viu. . recuou até o terreiro. fingia e s t a r d e s e n h a n d o . endireitou-se. alegrando a dança. Primeiro. Já v e m j á . n ã o é ? . — A h .l h e os t r a ç o s mais familiares. E r a m o s c a s a c a s . e n q u a n t o d a n ç a v a m . . a o a c o m p a n h a m e n t o d o s a r m a d o r e s gritantes. C a n t a v a m e d a n ç a v a m . p a s s a n d o a m ã o no r o s t o e na cabeça. um b a n d o p a r a a quadrilha. Pegavam a rir. o q u e sou e u ? E apontando o cachorro: — Pegali t a m b é m e s t á . A s a u d a d e é um p o u c o dessa incerteza da separa- ção E c o m o . alternando a vista. O e s t u d a n t e intentava sair: — Seu pai não e s t á . r e c o m p o r . dirigiu-se. foi-lhe de e n c o n t r o .d e - c o u r o . c o m faceirice. A c o n t e c e isso.. não quer e n t r a r ? — N ã o está ninguém. E. D a v a m u m a s risadinhas perfeitas. Ele aparou-a num a b r a ç o e. E. R i a m t a m b é m . . . — D e u um pulo ali na r u a . . à c a s a d o s sertanejos. u m a v e z . A v a n ç a v a m c o m um d o n a i r e natural e r e t r o c e d i a m com outra graça coreográfica. induzido p o r e s s a r e p e n t i n a curiosidade. na perplexidade de q u e m se inicia n o s convi- t e s d o c o r a ç ã o . nesse c a s o . . L ú c i o e n t r o u c o m S o l e d a d e e prontificou-se a tirar-lhe o retrato: — F a ç a sério. sequer. desequilibrando-se. à e n t r a d a . N e s s e ínterim c o m e ç o u u m a bulha n o teto. Ela compôs-se com um ar engraçado. ela c a n t a r o l a v a . no interesse de examinar-lhe melhor a e x p r e s s ã o fisionômica. Ao e m b a l o da r e d e . Ele notou que seus olhos v e r d e s t o m a v a m o u t r a cor. achava-lhe um sainete n o v o na feminilidade indefinível. dava-lhe n o s graciosos r i t m o s d a vivacidade m o ç a u m a r d e passarinho irrequieto.. A d i s c r e t a p r o e m i n ê n c i a do b u s t o arfava-lhe de c u r i o s i d a d e . S o l e d a d e n ã o c o r r e s p o n d i a pela harmonia d o s c a r a c t e r e s à s exi- gências d o seu sentimento d o tipo h u m a n o . confrontar e s s a s e m e l h a n ç a . E r a u m a antiga fotografia m e i o d e s b o t a d a . o móvel de sua perdição — a curiosi- 53 . na mais sadia consangüinidade. a b o c a (o m i m o da b o c a ) . n ã o sabia p o r q u e . os ca- r a c t e r e s essenciais identificavam-se n o s t r a ç o s e s m a e c i d o s . q u a n d o ela acudiu: — Se é m e u . M a s . De fato. e m a n c i p a d o d o s m o d e l o s d e o u t r a s r a ç a s .. U m a e x p o s i ç ã o de c o r p o s e l e g a n t e s e de c a r a s b o n i t a s q u e se pareciam t a n t o e n t r e si c o m o se t i v e s s e m sido feitos do m e s m o m o d e l o . T i n h a u m a c o n c e p ç ã o d a b e l e z a feminina. E S o l e d a d e perdia a paciência. os o l h o s . c o m um ar inconfundível no li- geiro a r r e b i t o . «— N ã o e s t á v e n d o ? — E u ? . fica c o m i g o . . desse e x e m p l a r d e virgem m a t u t a q u e n ã o t i n h a t e r m o de c o m p a r a ç ã o c o m a b e l e z a citadina — a arte de p a r e c e r bela. O p e s c o ç o um p o u c o l o n g o . As linhas fí- sicas n ã o seriam t ã o p u r a s .. E ia re- tirar-se. S e u instinto d e perfeição c o m p r a z i a . enfim. E impressionava-se p e r a n t e c o r p o s q u e m e r e c i a m o u t r a s c a r a s e vice-versa. M a s o t o d o picante tinha um s a b o r esqui- sito q u e s e requintava e m c e r t a d e s p r o p o r ç ã o d o s c o n t o r n o s e . . M a s .. seu nariz e r a diferente. a t e s t a . . d e s s a n a t u r e z a privile- giada. E l a desconfiou: — Quem é?. a sorrir. n o a c e n t o p e t u l a n t e d o s olhos originais. Idealizava u m con- j u n t o e s t é t i c o c o m o q u e m c o m p õ e u m florilégio. a p e n a s . as mais das v e z e s . . E r a o tipo modelar de u m a r a ç a selecionada. Sabia q u e a fotografia n ã o e r a sua e alvoroçou-a a curiosidade — a única forma d e impaciência d a mulher. L ú c i o continuava a simular q u e pintava. s e m m e s c l a .l h o .s e n o e x a m e d e s s a s formas florescentes. m a s cheio. O e s t u d a n t e quisera. nota- d a m e n t e . O e s t u d a n t e d e u . esse apetite d o d e s c o n h e c i d o que constitui. o r e t r a t o p o r t e r m i n a d o e m o s t r o u . F i x a v a e s s a visão p e n s a n d o em muitas m u l h e r e s . M a s eu não tenho esta venta. t e m e n d o ser apa- n h a d o nessa d e s e n v o l t u r a . Disse-lhe qualquer coisa e ele c o r r e s p o n d e u c o m u m a e x p r e s s ã o ronronada. a p a n h o u t o d o s os fragmentos e beijou-os d e m o r a d a - mente. Deixou-se v e n c e r . C o m o q u e m a m a de o l h o s fechados. " D o i d i n h a ! " p e n s a v a ele. E r a a c o n d i ç ã o mais humilhante de ser a m a d a . c o m u m ciúme a n t e c i p a d o : — Só serve pra mim: é t ã o feio!. Afinal. Depois.. rompeu o retrato. batera as o r e l h a s . a t a r a n t a d o . para não ser s u r p r e e n d i d o de volta. c a d a vez mais aziumada. não se c o n t e v e q u e não avançasse c o m o propósito feito de tomá-lo. Soledade meteu o r e t r a t o no seio e ficou c o m um ar malicioso. Ele sentia-lhe os c o n t a t o s das formas d u r a s e. c o m o q u e m b a t e palmas.s e . Soledade a m a v a . não é m e u ? Suspeitou que i n t e r e s s a v a ao estudante p o r q u e se a s s e m e l h a v a a alguém que ele a m a v a . de alcatéia. Ajoelhou-se. e m p r e g a v a esforços para mantê-la à distância. Instava: — L ú c i o . d a d e de verificar q u e m e r a a q u e l a figura feminina q u e t a n t o se parecia consigo. e m a r c o . n ã o é? — perguntou ela. de vez. q u a n d o ela o entrelaçou. D e p o i s . tolhido. se ele se tivesse a t r e v i d o — sabe-se lá! — t a l v e z lhe houvesse p u n i d o o atrevimento c o m o primeiro beijo. de maneiras bravias. Cingiu-o c o m um d e s e m b a r a ç o resoluto. com o sentido em o u t r o amor. E ainda beijava os p e d a ç o s q u e j u n t a v a .. c o m o q u e m queria dizer: — " V e m t i r a r . L ú c i o retraía-se c o m as m ã o s atrás das c o s t a s . c o n t o r n o u a casa e t o r c e u pela vereda dos c a m b i t e i r o s . . E s s e gesto fora u m a r e v e l a ç ã o .o c o m a violência r e p e n t i n a dos c o r a ç õ e s ingênuos. . Avistou Pirunga e n c o s t a d o num pau. " E. 54 . — N ã o faça isso! — rogava Lúcio com os olhos súplices. t e n t a v a . Pegali. e m vão. d e s v e n c i l h a r . — N ã o : é u m a santa. E . fora. — Bem-feito! É sua noiva. Segurando-a pelos b r a ç o s . F r a q u e o u . E ela não d e s c e r o - ç o a v a . que nem na odisséia da seca. Depois.. daí a u n s p a s s o s . O estudante distinguia-lhe um traço de a m a r g u r a . C o m o v e u . não senhor!. E . falaram até em c a s a m e n t o e n e m c o m o coisa. Prosseguiu sem fazer c a s o dessa rispidez. Lúcio procurou a p l a c a r e s s e ciúme indomável. . . A n d a t ã o d e s p a c h a d a . 55 . m a s Pirunga soltou à queima-roupa: — Até o senhor e s t á a c e i r a n d o . n u m desalento: — Só se agora e s t á q u e r e n d o . que nem m o ç a de p r a ç a .s e a si p r ó - prio. L ú c i o perguntou. c o m o se quisesse p r e n d e r . . .. Pirunga p e r c e b e u o l a n c e . . levando-lhe a m ã o ao o m b r o : — N ã o deixes q u e ela caia na unha de um d e s s e s cafajestes.. tão saída. .. a o defrontá-lo. Lá no s e r t ã o muitos fazen- deiros se e n g r a ç a r a m dela. não teve m ã o em si e v o l v e u precipitadamente. Sombreou o rosto: — Os h o m e n s de lá n ã o ligam às mulheres d a q u i . E e x p e r i m e n t o u : — M a s t a m b é m podia ser tua mulher. . senhor! Eu n ã o maldo. m a s sertaneja tem q u e d a pra brejeiro. Suas artérias e n g r o s s a v a m . c o m o a o n ç a na t o - caia.s e diante desse zelo selvagem e falou-lhe de molde a dissuadi-lo: — N ã o é por n a d a . M a s . . Foi-se a ele. tu g o s t a s d e l a ? O sertanejo fez-se d e s e n t e n d i d o e baixou o olhar vago: — O x e n t e ! Pois n ã o h a v e r á de gostar? F o m o s criados j u n t o s . — ? — N ã o . para evitar o d e s f o r ç o . M a s . m a s ficou q u i e t o . É p o r q u e ela é o retrato de m i n h a m ã e . .. .. N ã o sou seu m a n o de c r i a ç ã o ? — Eu sei — j u n t o u L ú c i o . d e b o a s o m b r a : — Pirunga. O rapaz c o b r o u confiança e despejou a alma: — Soledade n ã o q u e r b e m a ninguém. às r e c u a d a s .s e náfega d a s m u c i c a s da vaquejada.. os r e b a n h o s carpindo-se no san- gue fraterno.. E c h o r a v a . Queria ver se não puxava. T o d o o b a n g ü ê rangia... . j u n g i d o a o s c a n z i s .. c o m dois fios g r o s s o s escorren- do-lhe pelo focinho ú m i d o . Q u e m não cantava. m e n o s o c h a m u r r o a c e r t a v a a n d a r à ro- d a . Q u a n t o mais b r u t a l i z a d o . C o r r i a a alegria d o s c o r a ç õ e s e n d u r e c i d o s c o m o a g a r a p a d o c e da m o e n d a de ferro. as o s s a d a s d a seca. q u a n d o a canga r e p u x a d a nos a r r e m e s s o s da p a r e l h a lhe m a g o a v a o c a c h a ç o negro in- t u m e s c i d o . D a g o b e r t o n ã o tivera d ú v i d a : a m o n t o a r a a p a l h a s e c a debaixo da barriga do c h a m u r r o e m p a c a d o e tocara fogo. E r a a sorte d o s bois sertanejos na bagaceira. L i m i t a v a . Soledade e s t a v a a c o s t u m a d a a ver bichos esfolados e esquarteja- d o s . A s s a d o v i v o . L a v a r í n t o . o c h o r o d o s b e z e r r o s na ferra. m a s u m uivo formidá- vel. c o m a s u a filosofia estóica. E. na c a s a de caldeira.s e a a b a n a r as o r e l h a s .. filosoficamente. N A B A G A C E I R A E r a u m clamor a s s i m c o m o u m t r o v ã o e n f u r n a d o . de v e r d a d e . n u m berreiro q u e j á n ã o e r a mugido. a rês l e v a n t a n d o . C h o r a v a . . Soledade c o r r e u ao e n g e n h o e p ô s as m ã o s na c a b e ç a : — Mas que judiação! A moagem parada. E chegavam-lhe a i n d a o ferrão p a r a ir a ferro e fogo. M a s davam-lhe c o m o chiqueirador na v e n t a s q u e e r a a p a r t e m a i s sensível. M a s . o bagaceiro. assobiava. o b a t e d o r . o fornalheiro. talvez p a r a refrescar a dor. *** 56 . *** T o d o s c a n t a v a m — o t a n g e d o r . o boi t e i m o s o soltava u n s u r r o s l a m e n t o s o s e sacu- dia os chifres e n c o r r e a d o s . n ã o havia t e r m o d e c o m p a r a ç ã o c o m e s s e su- plício n o v o d o s mártires d a almanjarra. ele torcia o q u a r t o s . o c e v a d o r de c a n a . o m e s t r e . E. E r a um r a m e r r ã o q u e aligeirava a faina. Era para amansar. ruminava. m a s o r e c r u z a m e n t o arbitrário. q u e b r a d a s . q u a n d o o s cambiteiros lhes enfiavam o s d e d o s d o s p é s n o curvilhão. c o m o u m a balbúrdia d e pigmentos. E os sertanejos l e m b r a v a m . c o r t a d o s pelo a r r o c h o e pela rabichola. e s t r e m e c i a e agitava as o r e l h a s .. A a z ê m o l a a n d a v a biqueira e ferida na c e r n e l h a . *** Q u a n d o tocou o b ú z i o . A m o a g e m ia. . a s escórias d a m e s t i ç a g e m . c o m a pe- lagem m o s q u e a d a p e l o s sinais das p i s a d u r a s . N ã o e r a a negralhada d a s senzalas. inalteravelmente. Ainda lhes s o l t a v a m a c a n c e l a na g a r u p a e lhes b a t i a m no t o p e t e c o m o c a b o da m a c a c a . E e s s e s b u r r o s . m a s . a m e s m a circunferência n a b o s t a d e boi. p o r si. fleumaticamente. E r a a n o r m a a u t o m á t i c a q u e distingue a m e s m i c e do instinto d a s variações da inteligência. ao compasso da andadura: — hum! hum!. n ã o ia espojar-se no cinzeiro. e r a o sím- bolo diuturno da rotina e m p e c i v a . . Os ei- x o s frouxos v o m i t a v a m o b a g a ç o maior do q u e a c a n a engolida e mi- j a v a m um fio de c a l d o no p a r o l . c o m o a s outras alimárias. p a r a o " p i c a d e i r o " de c a n a . Pirunga c a m b i t a v a em C o r i s c o p a r a poupá-lo a m a i o r e s sevíçias. Entravam os muares gemendo. A d m i r a v a m a sertaneja: 57 . à p a c h o r r a d a s j u n t a s fatigadas.s e da alegria d o s r e b a n h o s na liber- dade do compáscuo. T r a ç a v a . n e m coices d a v a m . de meia-noite a meia-noite. E deitava cal. para montar. — 'barr'aí! Viraram-se. Soledade passou-se à bagaceira. — N ã o é a ajuda? — explicou o m e s t r e . d e t a n t a t o r c e d u r a n o a t o d e a m a n s a r o u nos e m p e r r o s d o e n g e n h o . Ficava-se e n t r e o s bois inválidos: u n s j á d e r r a b a d o s .. p o r assim dizer. *** — Q u e porcaria é e s s a ? — perguntou S o l e d a d e . T i r a d a a cangalha. azeite e cinza na fervura d a s t a c h a s p a r a " l i m p a r a rapadura". A fauna dos c a m b i t e i r o s abatia-se ao sol c o m o o b a g a ç o a m o n t o a d o . A almanjarra r o n c e i r a .. p a r a e n x o t a r o m o s q u e i r o . c a b e c e a n d o . outros c o m a s c a u d a s o b l í q u a s . . . Arrochei-lhe o u t r a c h u m b e r g a d a . . Rezingavam n u n s violentos apelos à nosologia popular: — Molestado! — Gota-Serena!. . J o ã o T r o ç u l h o fez p o u c o e passou-lhe a q u e n g a de caxixi: — Deixe de l a m p r o a . A r t a . e n t ã o . M a s o freguês tinha nó pelas cos- tas. ele negou o c o r p o . dei de garra do quiri. .. n a s indecências da n u d e z vulgar. sempre b r i g ã o . Lançavam-lhe em rosto: — P u n e pelo s e r t ã o . d i c h o t e s e gabações i n d e c o r o s a s . apragatou- se. m a s v e i o afinar o cabelo no b r e j o . c o m o d e s t e r r a d o . a s a s a s p r e t a s . d a v a u m a facada remexida n o v ã o . . O u . p o m b o c a ! Eu não c o m o l a m b a n ç a .. Aí. E veio feito em riba de mim. ficou u m a m o q u e c a .. O u t r o s sentados n o s c a l c a n h a r e s j u n t a v a m as m ã o s sobre a c a b e ç a e estalavam todos os d e d o s de u m a vez. n e r v o s a m e n t e . .. . Seguiam-se lérias. Foi p a n c a d a de m o r t e e p a i x ã o .. Dava-lhe b i c a d a s de ar- rancar p e n a s . Fugiu na s o m b r a e levou um t e m p ã o a m o c a m b a d o . d a n a d o ! Caiu c i s c a n d o . o b i c h o . E bravateava: — S e n d o c o m i g o .. O p a s s a r i n h o i n e r m e desfeiteava-o nos a r e s . O feitor interveio: — Eu não digo q u e n e g r o n ã o tem a ç ã o ! . O u r u b u v o a v a m a i s a l t o . ia feder nas n u v e n s . N a minha u n h a n ã o d a v a u m cal- do. Você só é h o m e m pra m a t a r . N ã o havia n e n h u m d e c ó c o r a s . 59 . c o m um d e s t e m o r zombeteiro. O b r u t o e n t e - sou. Agüentou a primeira pilorada — lepó! — no alto da sinagoga. alardeava: — Eu e s t a v a c a n s o de avisar. Os mais deles e m b o r c a d o s náo d a v a m a c o r d o de si. ficou c e l é ! . s e m p r e malvisto d o s cabras.. Vá c o - mer terra!. . . e r a cheio de n o v e s fora. L a t o m i a . E r a m os brutos q u e c o n q u i s t a v a m o a m o r c o m u m a rasteira. T o d o s r o t o s . V o l t e a v a .. E u q u a n d o bato m ã o d e meu p o t r u c o d e faca. Aí. — É b r a n c a chega ser azul!. Encolhia o s p é s d e a v e d e rapina. Batia. E r a um bem-te-vi p e r s e g u i n d o um urubu. . E sangrava-lhe a c a b e ç a e n c a r n a d a . n ã o se quadrava a esses costumes. Pirunga. sem fundilhos.. c o r r o m p i a m a fonética para requintar no insulto: — F e l h a da pota!. — A t é dá os a r e s c o m a sua filha. e r g u e r a m . c o m o o u v i d o à b a n d a . o r i u n d o d e s s a faixa de c r i a ç ã o e de cultura algodoeira. .s e o s cambiteiros. c o m o d e d o na testa. o n d e se des- frutava u m melhor a p a r e l h a m e n t o e c o n ô m i c o e m m a i s p r e c á r i a s con- d i ç õ e s naturais. a seu m o d o . resíduos da es- c r a v a r i a . .. E n t r o u n a casa-grande pela primeira v e z . . c o m o m o v i d o s p o r u m a s ó mola. E sentia q u e .. O estudante comparou a mentalidade do engenho. intencionalmente: — É bonita: dá p a r e c e n ç a c o m ela.. Ele a c a m a r a d a v a . .. C o s t u m a v a dizer: — E s s e tipo n ã o me e n t r a . . E deixou a bagaceira c h a m a d o pelo s e n h o r de e n g e n h o p a r a ajus- tar uma empreitada. n ã o é? — p e r g u n t o u Dagober- to. . v e n d o u m r e t r a t o n a pa- rede. os estigmas da senzala. E ... e s s e s c o s t u m e s e s t r a g a d o s c o m a p u r e z a d o sertão. . — Eu me p a r e c e q u e c o n h e ç o e s s a figura.s e . m o ç o . Valentim a p r o x i m o u . — T o m a r a já me escafeder!. O sertanejo saiu p r e c i p i t a d a m e n t e e foi tirar S o l e d a d e da baga- c e i r a c o r r u t o r a q u e lhe d e r r a n c a v a a inocência. . Encontrou Lúcio. c o m o a n d a r do t e m p o . *** D e r e p e n t e . N ã o disfarçava e s s a ojeriza.. F i c o u c i s m a n d o . E . O p a t r ã o e s t á a b r i n d o d o s pei- tos. T o d a a j o l d a e x t e n u a d a q u e parecia incapaz d o m a i s l e v e movi- m e n t o disparou d e s a b a l a d a m e n t e . O s c a b r a s maliciavam: — C a d a amarelo t e m s e u d i a . n ã o p a r e c e d a q u i . se estupidificava n e s s e meio execrável.. E fe- c h o u a c a r a à vista do feitor. — O senhor. — Pega! pega! — r e t u m b a v a a gritaria uníssona 60 . E confidenciavam: — Eu arrenego da b o n d a d e deste calcanhar-de-juda.s e c o m u m catingueiro h o m i z i a d o n o e n g e n h o . N o s meus m u n d o s não se vê d i s t o . p o r q u e t o d a a d m i r a ç ã o é um pouco de surpresa. c o n h e c e r Areia.. E s p e - rasse pela desobriga. a feira. fazendo negaças. c o m o o céu verde da cidade. T a n t o bateu. parecia ter descambado no abismo. Afinal. e s t e n d e n d o o p e s c o ç o . a t e r r a esfolada. E foi. . Pegali fugia e p a r a v a a s s u s t a d o . levantou a perna e fez a sua necessidade em c i m a dela.s e . n ã o deixava de admirar essa beleza q u e a gente só sente u m a v e z . Via as m a n c h a s de b a r r o v e r m e l h o da e n c o s t a . t o m a n d o liberdades c o m a s m o ç a s e n c o n t r a d i ç a s . A o s acidentes d o c a m i n h o . E n t r e m o s t r a v a . olhando p a r a t r á s . *** Da c h ã ela enxergou a gameleira imemorial. A t r á s da caça fácil de a p a n h a r nos m o n d é s ou nos fojos. Sem n e n h u m sentimento do pitoresco. E. afinal.. feita u m a n u v e m Poisada na verdura. Ela instava: — T ã o pertinho! N ã o podia a d o m i n g a r . A V E R T I G E M DAS A L T U R A S Soledade queria. co- m e ç o u a sentir a curiosidade d a s alturas. C a d a qual que quisesse atravessar-se diante da correria desorde- nada. E r a Pegali que a s s o m a r a no alto com u m a preá nos d e n t e s . agitava-se toda a p o p u l a ç ã o faminta. p o r força. porém mais fácil na b o c a do c a c h o r r o . largou a p r e s a . Valentim diligenciava despersuadi-la: Que ia empalhá-lo. q u e ficou p o r isso: iria num s á b a d o .p o r q u e . — É um salto de pulga. logo. M a s . às v á r z e a s intérminas. pelo m e n o s . Q u e r o . era por c a u s a d o s b ê b e d o s d e s b o c a d o s que v o l t a v a m . num dia de feira.q u e r o . j u n t a c o m o pai. aos b o r d o s . . — É ali — indicava Pirunga. Areia aparecia c o m o e n c a l h a d a nos as- tros e d e s a p a r e c i a n u m d e s m a i o . 61 . atreita a o s longos plainos nativos. sumia-se.s e . N ã o era preá: era p u n a r é — um rato do m a t o . E. c o m o querubins e v a d i d o s do céu vizi- n h o . do outro lado. — Galdino C a s c a v e l e r a um velho e x c ê n t r i c o . p o r q u e n ã o tinha mais. b a g a r o t e . Alteava-se e m desfila- d e i r o s . — P o r esse p r e ç o . até a infinita perspectiva.s e e m m o r r o s . batendo c o m uma moeda. . O horizonte trancava-se de um lado quase rente c o m os telhados e r e c u a v a . 6$000. Mal equilibrada n o d o r s o d a s e r r a . t o d a complicada e m c u r v a s violentas. Afinal. c o m o papagaio no d e d o . Resplandecia c o m a cal do casario b r a n c o d o u r a d o pelo sol montanhês. M e n i n o s b r a n c o s c o m u m a e x p o s i ç ã o d e r o s a s nas faces. cheirando-lhe as a s a s . T r a z i a a carga de c o r d a d e c a r o á n u m boi e n c a n g a l h a d o . Circundava-a u m a n a t u r e z a d e c o n t r a s t e s .. Toda ensoalheirada. Soledade distinguia a c i d a d e d e b r u ç a d a sobre a v o r a g e m . fino c o m o u m g u m e : — Chega dar agonia na g e n t e ! . E r a a eminência e u g ê n i c a . . 10$000. U m a imagem de v ô o s e de q u e d a s . e m c a s a .. N i n g u é m queria. o seu d e v e r . — V e n d i a m faca de p o n t a e c a c h a ç a . c r u z a d o . comia. O gênio de c r i a ç ã o em sur- tos inspirativos e em d e s p e n h o s de fadiga. E r a o porqueiro. u m gênio d e pintura — a sensibilidade artística de P e d r o A m é r i c o . rolos de c o b r a c o m farinha seca. . j á s e não o c u l t a v a ..s e pelo som. p a t a c a . E . .o . à s t a n t a s h o r a s . — U m a mulher v e n d e n d o um papagaio. p a r a q u e a polícia e a j u s t i ç a c u m p r i s s e m .. Vertigens siderais e p r o s - t r a ç õ e s nas grotas s o m b r i a s .. D a v a p o r m e n o s : 8$000. vendeu-o e e n t r i s t e c e u . e m p i n a d a no c é u .. Enfim. e m plena feira. *** 62 . q u e criara nessa exal- t a ç ã o d o granito florindo e m t a n t a s alternativas. M o e d a c o r r e n t e : pelega. — A feira de c o c o s e r a um tintim por tintim. *** P o u c o interessavam os lugares-comuns da feira: — As crianças a r e i e n s e s . F r a g m e n t a v a . c o n d e n a d o a voltar na distância de 4 léguas. selo. beijan- d o . B r a n q u e - j a v a . E. xen- xém. volto c o m ele. c o m o nas m a n h ã s d e n é v o a . q u e m lhe c h a m a s s e pelo n o m e . em m a r c h a de suíno g o r d o . depois. C o m p r a v a . A feira desarticulava-se. c u r i o s o . d e s e n g a n a d o s da troca: — E s t á até m a n t e ú d o .. — Vai c a b e a n d o . — P o r q u e n ã o d ã o sinal de vida. . levou. m e n i n a ? — Acho que morreu. . *** U m z u n z u m . .. . — R o n c a o palheiro. E n ã o é um m o n d r u n g o t u n g ã o .. c o m o s o l h o s b r a n c o s volvidos p a r a o c é u . o guia. — E seus i r m ã o s ? — Também acho... n ã o há h o m e m p r a esbarrar — a c e n t u o u o sertanejo. — B e b e em b r a n c o . E n t ã o . N ã o é dizer q u e é pedido de r é d e a : é cavalo liberal. — C a - valo fouveiro deixa o d o n o no terreiro. m ã o m a n c a . 63 . Valentim r e c o n h e c i a algumas filhas de pequenos fazendeiros c o m o criadas de servir. — Q u e r f a z e r u m a b a r g a n h a ? — acudiram os c i g a n o s ..c o r r e ! ! — Q u e foi? Q u e n ã o foi? T r r i .. — Seu pai. — É passarinheiro. . U m c e g o . . — M ã o b r a n c a . M a s . — S u a em p é . — N ã o é m e u e n e m q u e fosse. u m g a r o t o d e o m b r o baixo. — É o q u e há de ardi- gueza. — É estradeiro. Barafustava-se na i n c e r t e z a do rebuliço. E iam logo d e s f a z e n d o no bucéfalo: — Cavalo melado mela o dono e o encerado.. . U m fecha-fecha! U m c o r r e . P a r e c e quartau de fiança. a p r o x i m o u .. E t a m b é m no rojão do meio. ma- quinalmente. fez-lhe u m a c a r e t a q u e é a forma m e n o s a g r e s s i v a de injuriar a quem não vê. M a n s o q u e é um pen- samento. q u a n d o d e i t a a c a b e ç a na a n c a de u m a r ê s .. . E os ciganos. Valentim. — T e m sinal e n c o b e r t o . a s m ã o s a o s b o l s o s .. — ?. *** N a feira d o s c a v a l o s : — E s t e é de baixinho a b a i x ã o .. T r r r r i .s e c o m C o r i s c o pelo freio. Apitos. . M a s . volvendo-se. 64 . q u e i m o s o como um s o p r o de fogo de m a ç a r i c o . A um t o p e do cavalo. hum!. O l a d r ã o escapara-se pela ladeira do Quebra. O sertanejo. E os soldados apo- d e r a v a m . avisou S o l e d a d e : — Eu v o u atrás do c a v a l o ! E. a v i s t a n d o as cajazei- ras. B e m q u e o s c a b r a s diziam: — A q u e l a dá sorte na r u a . Um bêbedo.. Passou-lhe pela m e n t e q u e p o d e r i a ressarcir c o m esse d o m o con- forto p e r d i d o . aflito. c o m a i n t e n ç ã o de rever a cidade ou de prolongar esse contato.. S o l e d a d e extraviou-se n o t u m u l t o . Lúcio retrocedeu constrangido. E encolhia-se na o n d a d o s feirantes. .a nesse c o n c h e g o . . L ú c i o ofereceu-lhe a g a r u p a do seu alazão p a r a conduzi-la à casa. na carreira: — Eu já volto já-já! G r i t o u ainda. .. A n t e s q u e Valentim p u d e s s e impedi-lo. A p i t o s . M a s sabia q u e ele e r a o m a i s infeliz dos c e g o s : n ã o v e r em Areia!. S o l e d a d e a c h a v a graça n e s s a s indiretas.s e d o s cavalos da feira p a r a encalçá-lo. ela cingiu-o c o m um g r a n d e a p e r t o quase a meter-lhe as u n h a s no c o r a ç ã o . L o u ç ã e bem-feita.. às o c u l t a s . . . a c e d e u f i n a l m e n t e . E simulava inquietar-se: — Se papai não der p o r m i m . V e n d o . com as mãos abanando: — Hoje galo canta a n t e s do dia a m a n h e c e r . enfim. Apitos. — E s t á chega n ã o c h e g a — disse Soledade. E ele sentia-lhe o hálito no pescoço. sentia-se bela pelos olhos de t a n t a g e n t e . um deles v o o u em c i m a de C o r i s c o e c o r r e u à des- filada. montaria fora d e p o r t a s . o s e n h o r de e n g e n h o deu-lhe u m a coisa. s e m ver Pirunga: — R e p a r e minha filha aí! T o m e sentido nela! E a b a l a v a p a r a a frente... Q u e r i a voltar. p r i m e i r o c o m u m a s e n s a ç ã o de d o r m ê n c i a e. E l a r e l u t o u .a só. Deu-lhe d a d a . E L ú c i o ficava sério. o l h a n d o p a r a t r á s . E n c o n t r a n d o . a s m a t u t i n h a s d e b i c a v a m : — Hum!. a t r á s d e frutas d o m a t o o u d o s cabritos fujões. n o s folguedos d o s i r m ã o s m a i s v e - lhos. v e m se a t r a v e s s a r ! . a pique de atropelá-lo. .. interpelado.s e n u m í m p e t o m a i s vigoroso e a b r a ç o u . n o ponto e m q u e eles p a s s a v a m . E. s e m q u ê n e m mais.. Pirunga q u e vinha vindo da feira divisou-os c h e g a d i n h o s na galo- pada solta. 65 . O c a v a l o a s s o m b r a d o u p o u e levantou-lhe as p a t a s s o b r e o p e i t o . O c o r r e u . E . n u m a s s a l t o t e m e - rário. . e s s e d o i d o . E esfregou os o l h o s p a r a r e c o n h e c ê . . R e c o b r a v a o j e i t o d a s e s c a p a d a s pelos s e r r o t e s e tabuleiros serta- nejos. M a s . p e g a n d o no freio partido.s e c o m o pescoço do animal e x a s p e r a d o q u e o sacudiu n u m g a l ã o . fugia ao tédio ca- seiro. c a r r e g o u o s o b r e c e n h o e n ã o lhe deu palavra. s e m b r i n c o s d e m e n i n a . — P o r e s s e eu b o t o a m ã o ho fogo — tranqüilizou-o Valentim. n ã o logrando condicionar-se à vida sozinha. N ã o t i n h a q u e v e r m o ç a fugida. à s v e z e s . AMOR. e n t ã o . LEI DA N A T U R E Z A S o l e d a d e t o r n a r a . a p o u c o e p o u c o . c o n t r a í r a os m e s m o s h á b i t o s de liberdade e de a u d á c i a rústica. p u - lou em c i m a da poeira e p r o c u r o u c o l h e r as r é d e a s . à d e s e n v o l t u r a de seu natural. — E s t á no seu direito! — a p a z i g u o u . E n t r a v a . C r i a d a . explicou: — F o i p o r q u e e u m a l d e i . v a g u e a n d o p o r vales e g r o t õ e s . . q u a n d o e n c o n t r o u L ú c i o . c o m u m a vivacidade de p a s s a - rinho indoméstico. E ela alterou-se: — L e s o ! L e s e i r a ! A gente vai direitinho. N ã o s e a c o m o d a v a c o m a s raparigas s e r r a n a s . Esgueirou-se à m a r g e m d o c a m i n h o . pondo-se-lhes d i a n t e . u m a suspeita terrível. C o n t o u a seu m o d o . n a e s q u i p a d a . c o m o p a r a s e disfarçar. Soledade c o n t o u ao pai e s s a p a s s a g e m . Ele a r r e m e s s o u . Pirunga.l o s . L ú c i o e S o l e d a d e e s c o r r e g a r a m pela a n c a .o L ú c i o .l h e . M a s . . q u e o s c o n v o c a v a p a r a o idílio. à solta. à s u a vista. n ã o e r a d o s m a i s sensíveis a o s l u g a r e s . E. m a i s e m a i s . A n d a c o m u m a pele-de-ceará nos o l h o s .s e e fi- c a v a m c h i a n d o . Aí. E alongavam-se de c a s a . farejando-lhe o almíscar virginal. . e l a largava p a r a m a i s longe: s e m p r e andeja. L ú c i o saía-lhe. E os dois viviam. . d e tal forma q u e ficava tossindo d e v e r d a d e . ela se arranja. E . m a i s q u e d e p r e s s a . d e c a d a v e z . d i s t r a i d a m e n t e . m a s . onde as raposas se acamavam.. c o m o m o r c e g o s a s s u s t a d o s .. — Só t e m u m a filha. R e p r o c h a v a m a c o n d e s c e n d ê n c i a de Valentim P e d r e i r a . c o m ela m e s - ma: — Pensei q u e fosse v o c ê . n ' á g u a e no sal. . a s s o b i a v a . E fazia de c o n t a q u e n ã o a p r o c u r a v a . fecha o s o l h o s p o r q u e é c o m q u e m é .. a o e n c o n t r o . o s e n h o r de e n g e n h o t e m p e r a v a a goela.. .. Q u a n d o n ã o . si. . d e s s a s c h a m a d a s d o v e r ã o . E s s a s e s c a p u l a s d a v a m q u e falar a o s linguarões d a bagaceira: — N e s s e a n d a r ..p e l o cafezal. A s mais d a s v e z e s .. . . . L ú c i o . enfiava a t é pelo c a p ã o m a c i ç o d o alto d a ca- choeira. — Si. seja d i t o . c o m t o d o s o s s e r e s a n i m a d o s e i n a n i m a d o s do M a r z a g ã o . n ã o t e m um tiquinho de sen- t i m e n t o .s e c o m fingida s u r p r e s a : — Pensei que f o s s e . E r a u m a cigarrinha maliciosa. p o r t o d o s os m e - a n d r o s d o latifúndio. a s s i m . q u a n d o a c a b a . q u e - b r a v a u m galho. . Só oiço o falaço. d a v a um sinal p a r a q u e ela o b u s c a s s e : tossia. d e s c a m p a v a m . .. Já sabia de c o r o c a n t o de t o d o s os p a s s a r i n h o s e n ã o sentia m a i s o perfume d a s flores. confundiu-a. parti- 66 . S o r v i a o ar. na intimidade d e s t a n a t u r e z a alco- viteira q u e e r a t o d a u m a e x a l t a ç ã o c o m u n i c a t i v a n o s s e u s solertes a m a v i o s e n o s seus frêmitos de vitalidade. voltou m a t u t a n d o : — T e r i a sido de c a s o p e n s a d o ? . tossia. c o m restri- ç õ e s a o conceito d a h o n r a sertaneja: — F a z e a c o n t e c e e. em v e z de p ô r a regra na b o c a d o s a c o . inclusive. E S o l e d a d e .... se n ã o o e m b e v e c i a a b e l e z a e s p o n t â n e a da p a i s a g e m . O o u t r o dia. . as a p a n h a d e i r a s e n t r e o l h a v a m .c o m u n s d a c r i a ç ã o . e s c u s a n d o . — Já e s t á v a g a n d o u m a história.. q u e a c o r r e r a . Milonga: m i n h a m ã e é v o c ê — tergiversou L ú c i o .. L ú c i o sentia r e n o v o s de felicidade. m e u filho. fechando o s o l h o s : — Q u a n d o ficar só c o m ela. o q u e i m o r de um beijo per- turbara e s s e s e n c o n t r o s p r o p o s i t a d o s . . privá-la dessa existência livre. m a s só na m ã o . t o d a s a s palpitações d e s s e ambiente d e coloridos e fragrâncias q u e lhe reconstituíam a sensibilidade m o ç a . As s o n o r i d a d e s i n c e s s a n t e s e r a m o ritmo de um g r a n d e beijo cria- dor. T o m o u a m ã o de S o l e d a d e : — Beije aqui. faça de c o n t a .s e a s a s t r a v e s s a s c o m o convites d a a m p l i d ã o . L e v a n t a v a m . — N ã o . abra- ç a n d o a m ã e preta. E vedar-lhe a única r e c r e a ç ã o compatível c o m o seu gênio irrequieto. 67 . .. que é si- nhá-moça vinda d o c é u lhe b o t a r b e n ç ã o . . p o r isso n ã o lhe p u n h a c o b r o à vida buliçosa. E adquiria o u t r a n o ç ã o do c a m p o . Milonga p e g o u . c o m o a saúde d o s s e n t i m e n t o s renascidos. m a i s do q u e convinha n u m m e i o t ã o incerto. C o b r a v a o sentido d o s c e n á r i o s d e s p e r c e b i d o s de seu antigo convívio. . p a r e c i a um d e s a b r o c h o d e s s a e x u b e r â n c i a festiva. Sadia e viçosa.o s . A florescência incitativa requintava em milagres de a r o m a e de cor. Fruía o a l v o r o ç o de um q u a d r o imprevisto n a s p e r s p e c t i v a s vulgares. I n t e r p r e t a v a a s formas v i v a s . enclausurá-la na sujeição doméstica seria subtrair-lhe t o d o o s a b o r da serra privilegiada. M a s . p o r q u e sai logo p e l o s d e d o s : n ã o vai formigar lá d e n t r o . ioiozinho. n ã o havia bem-te-vi g a r o t o que os s u r p r e e n d e s s e c o m o seu grito indiscreto. a falar v e r d a d e . Sensibilizada p o r e s s e d e r r a m e filial. O sítio arreava-se de festões i n c o m u n s . Valentim não d a v a p o r e s s a s digressões. de u m a brasilidade imutável. de u m a feita. T u d o se a c a s a l a v a n u m a vivacidade a m o r o s a e c a n t a d e i r a . em t o d a a frescura da pu- b e r d a d e floral. N u n c a . a negra velha alvitrou: — N ã o digo q u e n ã o beije. P o s t o q u e incuriosa d a s coisas visíveis. E . i o i o z i n h o . S o l e d a d e n ã o deixava d e se deleitar n e s s a c o n s t â n c i a de beleza agreste c o m p a r a d a c o m a natu- reza precária do seu s e r t ã o . N a c o n t e m p l a ç ã o d e s s e s a s p e c t o s n a t u r a i s . de sua r e p r e s e n t a ç ã o sentimen- tal. A n d a v a c o m u m a alegria n o v a brilhando-lhe n o s o l h o s v i v o s .cipava de seu t o q u e de h u m a n i d a d e . nesse colóquio ao ar livre: — Benza-a D e u s ! É sinhá-moça todinha!. O e s t u d a n t e baixou a vista p a r a n ã o e n c a r a r os r e l e v o s da c a r n a - ç ã o f l o r e s c e n t e q u e solicitava u m a c e s s o d e beijos d a c a b e ç a a o s p é s . E ficou a e s c u t a r as r e n o v a ç õ e s interiores, sentindo q u e e s s e pensa- m e n t o d e a m o r roceiro lhe c o m p u n h a o u t r a i m p r e s s ã o d a vida. S o l e d a d e p o u c o s e d a v a d e s u a p r e s e n ç a , c o m o s e estivesse n a c o m p a n h i a de u m a amiga ingênua, q u a n d o ele a a p a n h a v a em gracio- s a s negligências e s p i c h a d a no r e l v a d o . T r a n s p u n h a as l e v a d a s , sal- t a v a a s s e b e s , subia n a s á r v o r e s c o m u m a viveza d e s c u i d o s a . Um dia D a g o b e r t o divisou-a e m p o l e i r a d a n u m cajueiro. E espiou para cima: — M a s , isso é sério! Deixe e s t a r q u e eu v o u dar p a r t e a seu pai. O l h o u d e n o v o , sem q u e r e r . E l a d o galho e m q u e e s t a v a soltou-se, caindo n a folhada, c o m o u m fruto g o s t o s o . E o s e n h o r de e n g e n h o n ã o c o n t e v e o riso, v e n d o L ú c i o , e m b a i x o , v e n d a d o c o m u m lenço. M a s saiu fungando, ao seu s e s t r o , t o r c e n d o o nariz a t u d o . Q u a n d o o feitor lhe c o n t a v a os fracos desse a m o r do filho, res- p o n d i a c o m u m a sátira invariável: — A q u i l o , q u a n d o c h e g a r à idade de criar j u í z o , já e s t á m a s é ca- duco. E fungava ainda, e s c u t a n d o , de longe, uns gorjeios d e s c o n h e c i d o s que estalavam no mato... L ú c i o mais Soledade p r e s s e n t i a m que e s t a v a m s e n d o vigiados. E d e r i v a v a m p a r a o u t r o s lugares. U m a s o m b r a q u e se intrometia, o gemido d o s a n u n s a m o i t a d o s , o a r a t i c u m espapaçando-se n u m b a q u e frouxo — t u d o os sobressaltava. S ó , e n t ã o , se sentiam mais j u n t o s um do o u t r o ; t i n h a m o p u d o r do e r m o , a p e n a s c o m a s t e s t e m u n h a s d a n a t u r e z a inocente. C a l a v a m - s e , c a d a qual c o m m e d o d e falar. Soltavam-se a s m ã o s d e s c o n f i a d o s . E r a u m a c a b e ç a d e p r e t o q u e o s espreitava. N a d a : e r a u m cupim indiferente. — T e r r a de negro!... — d e s d e n h a v a Soledade, a c h e g a n d o - s e . P i r u n g a tinha-os de olho. Punha-se de guarda, dissimulando-se nas á r v o r e s mais folhudas ou a l a p a r d a n d o - s e nas moitas de c a m a r á . A q u a n d o e q u a n d o , r e p o n t a v a n u m atalho, c o m o q u e m n ã o q u e - ria e q u e r e n d o . S o l e d a d e descobria: — Só acerta c o m a gente p o r c a u s a do c a c h o r r o : ele v ê , m a s n ã o sente. 68 A t é q u e , u m a vez, L ú c i o saiu-lhe à frente e interpelou-o c o m aze- dume. E s s a energia d e s a c o s t u m a d a avivou Soledade q u e ajudou: — 'Stá aí! 'Stá v e n d o ? T i c a c a ! . . . Assim o c h a m a v a em s e u s arrufos. No sertão ia p e g a n d o . N ã o que ele fosse catingoso. Efebo sadio, se tinha algum pituim, era o b o - d u m d o chiqueiro. Vinha-lhe o apelido de um episódio da infância. F o r a o c a s o q u e , q u a n d o m e n i n o , d e r a c o m u m a maritacaca d e t r á s d o serrote d a a c a u ã . E, c o m o n ã o tivesse olfato, de n a s c e n ç a , p r o c u r o u alcançá-la. A bi- cha defendeu-se, o q u a n t o p ô d e , c o m a m i c ç ã o fétida. Ele nem se d a v a disso. Q u e gentil e m i m o s o animalzinho! T r o u x e - o nos b r a ç o s , c o m o u m a c h a d o c u r i o s o . Misericórdia! T u d o se impregnou do mau odor. E, depois de muitas esfregações, ficou s e n d o T i c a c a . A s p i r a n d o o cheiro q u e se e v o l a v a de Soledade, o e s t u d a n t e apie- dou-se de Pirunga a q u e m faltava um sentido t ã o p r e c i o s o . E imagi- nou c o m q u e fúria ele a a m a r i a , se lhe sentisse o b á l s a m o do c o r p o virgem. E s s a vigilância e r a u m incitamento. R e p a r a n d o nos cipós r e e n t r a n t e s e n r o s c a d o s n u m t r o n c o velho, vingando a c o p a inflexa, cingindo a ramaria asfixiada. Soledade cobi- ç a v a e s s a d o m i n a ç ã o desigual. E , v e n d o a s o r q u í d e a s n a s á r v o r e s r i - j a s , tinha vontade de concitar L ú c i o a um a m o r m a i s franco: — D á - m e apoio e eu te darei as minhas g r a ç a s ; d á - m e seiva e eu te retribuirei c o m a alegria do c o r a ç ã o . C o m as c h u v a s j a n e i r e i r a s a paisagem c o b r a v a e x p r e s s õ e s mais vivas. M a l b a r a t a v a seus m i m o s n u m luxo d e t o d o s o s m a t i z e s . Flores singelas salpicavam a alfombra n u m a policromia profusa, c o m o se o último arco-íris se tivesse d e s m a n c h a d o , aos pingos, na v e r d u r a a s s o - berbante. O milharal e m b a n d e i r a v a o sítio em festa. L ú c i o a n d a v a tão r e v e r t i d o a e s s e e s t a d o natural q u e tinha venetas de espojar-se na relva, sujar-se de frutas m a c h u c a d a s , b e b e r o orva- lho em folhas. Escapulindo-se desse e n l e v o , Soledade c o r r e u a o b a t e d o u r o . A s lavadeiras a c o c o r a v a m - s e arregaçadas até a s c o x a s , m a s c o m a s saias t ã o b e m t r a ç a d a s , q u e n e m d e c ó c o r a s e s t a v a m d e s c o m p o s - t a s . P a r e c i a u m a v e g e t a ç ã o multicor à beira da levada. A s q u e vinham c h e g a n d o d e s a t a v a m c o m a s t r o u x a s u m m u n d o d e 69 intimidades. C a d a vestido e r a a impregnação de um c o r p o . Havia pa- nos sujos de almas. E d a v a m à trela: — Ainda estou por ver u m a m o ç a mais foguete!... Solta de c o r d a e c a n g a e o b r a n c o sem respeito na batida dela... — Mais hoje, mais a m a n h ã , esse negócio a c a b a em c h o r o de m e - nino... — Minha negra, n ã o é p o r falar, m a s já caiu na b o c a do m u n d o . N ã o vale mais u m dez-réis-de-mel-coado... — Eu estou é a q u e l a bichota p e n s a r que aquilo n ã o p a s s a de pa- leio, q u e m o ç o b r a n c o é p r o bico dela... — Pirunga a n d a c a b r e i r o , n u m pé e n o u t r o . . . — A t é o senhor de e n g e n h o , bichinha!... — A d o n d e ? N ã o vê logo!... — Bonitota é. C h e g o u aqui guenza m a s está q u e p a r e c e u m a ima- gem. — N ã o ofenda a D e u s , mulher! Imagem? Tinha q u e v e r . . . Bonita, n a d a ! É só e n g r a ç a d i n h a . . . Soledade percebeu e s s a linguarice excitante. Coibiu o primeiro a s s o m o . E perguntava-se, c o m u m a ingênua cu- riosidade, p o r q u e essa a t o a r d a e r a inverídica. Se os h o m e n s se c o m - p o r t a v a m assim, c o m o os bichos de sua convivência, nas c e n a s de fe- c u n d i d a d e da fazenda, p o r q u e L ú c i o , q u e a seguia p o r t o d a p a r t e , c o m o o marruá a c o m p a n h a as v a c a s solteiras, n ã o lhe d e r a ainda um sinal d e s s a animalidade? Ao o u t r o dia, o e s t u d a n t e achou-lhe um ar diferente, c o m um riso m e n o s solto e u m a graça mais sóbria. C o r a v a - s e , sem ter d e q u ê , c o m a s pálpebras d e s c i d a s , n u m rubor q u e latejava. T i n h a m d a d o n u m d o s r e c a n t o s mais a m á v e i s . Ouviam-se c o c h i c h o s de r a m o s que se esfregavam u n s aos o u t r o s . E r a um chilrear sem fim n o s moitedos frementes. Os passarinhos c a n t a v a m d e n t r o d a s c o p a s fechadas c o m o n u m viveiro tumultuário. A m a n h ã e s t a v a t o n t a de claridade. E Soledade r e t e s a v a o b u s t o firme n u n s e s p r e g u i ç a m e n t o s invo- luntários. Revelava o u t r a e x p r e s s ã o feminina. D e p o i s , caiu n u m a las- sidão: — Eu não p a s s o de u m a retirante... N i n g u é m q u e r saber de mim... Emendou, com um entono engraçado: 70 enfiada: — Brejeiro! N ã o nega q u e é brejeiro. mais a queria. comia-a de beijos. Forcejava. aspirou.. logo. c o m u m a sombra de desdém no arrebito do nariz: — Eu sou tão fe-e-ei-a!. E. se não fosse a seca.. Lúcio aconcheou a destra. sem anéis... . contraía os d e d o s e machucava-lhe a boca sôfrega.. consolando-a: — N ã o . eu n ã o vejo o u t r a . Ela provocou outra confissão: — E s t á fazendo p o u c o em mim. Ela sorveu-a. . Soledade a g a s t o u . a sorrir.. c o m o a figura magrinha e dolente da estre- baria. Soledade. eu queria ter u m a irmã. a m ã o beijada.. estancar-lhe o j o r r o do cora- ção. Soledade enfastiava-se d e s s a e x p r e s s ã o de inteligência e de des- gosto. Ao separarem-se ela desculpou-se: — Foi só brincadeira. S o l e d a d e recebeu-o c o m u m a pontinha de mis- tério: 71 .. o estudante pegou-lhe as mãos que. Voltaram contrafeitos e calados — L ú c i o c o m a idéia fixa da honra sertaneja e S o l e d a d e c o m o que repesa da efusão leviana.s e . eram mais ostensivas na sua beleza. p a r a ver o que você fazia. todo e s c a r l a t e . — M a s . aos estalidos. m a q u i n a l m e n t e — À mulher basta ser bela. t a n t o mais triste e sofredora. é a s s i m ? . de sua ledice volúvel. p r e t e x t a n d o : — E s t o u m o r r r . Lúcio retrucou. muito a t r a p a l h a d o .. . . corrigiu o efeito d e s s e gesto: — N ó s s o m o s c o m o i r m ã o s . sem r e s p o n d e r . eu não levava em c o n t a . Daí a p o u c o s d i a s . . E ele. ao cabo. d e s a p o n t a d a . E ele. Ainda. colheu a água e deu-lha a beber. longamente. m e s m o com a seca. Ela interpretou a seu m o d o : — Ah. . E Lúcio entrou a mirá-la c o m um e n t e r n e c i m e n t o a b s t r a t o . fluía a c a s c a t i n h a resguardada pelas cajazeiras embru- lhadas n o s seus fichus de t r e p a d e i r a s . às v e z e s . Em seguida. Intentou voltar.. c o m os olhos verdes revirados e ficou chu- c h u r r e a n d o os beiços na palma da m ã o t r e m e n t e . Depois de desse- dentada. Enfarava-se.r e n d o de s e d e ! E m b a i x o . m a s . .. c o m o se tivesse asas em t o d o s os sentidos. — Eu nem lhe digo!.. S o l e d a d e . Tinha na b o c a um ricto caricato e os olhos glaucos riam disfarça- damente. Assanhava os m a r i b o n d o s . . c o m o de vez.. p e r a n t e as piruetas de Lúcio. — Eu já o tinha. 73 .) com uns trinados idílicos. ela entrou em alegrias repentinas. Mostrou-lhe a barra do vestido: — Você está livre. E. A palpitação d a s narinas dava-lhe um ar mais p i c a n t e .. surdiu o feitor. Esfregou a m ã o na axila e tirou a caixa de maribondos. o u t r a s vozes galhofeiras. E. à toa. E ela deu-lhe o pingo de sangue a chupar até e s t a n c a r .. E vivaz. c o m o a b e l h a s brasileiras. Os passarinhos c a n t a d o r e s respondiam a e s s e riso (de verda- de!. E desferia a rir. Voltou c o m uma graça careteira e o d e d o a sangrar. agora. v o c ê é meu irmão. E feriu-se na m ã o . você tem m e u sangue nas suas veias.. c o m o se e s t i v e s s e m r e s p o n d e n d o à companheira extraviada.. — Nesse caso. Lúcio penalizou-se: — N ã o tem n a d a : passa j á . inofensivos. O xexéu pontual grazinou uma pilhéria.. . Parou no p o m a r para colher uma laranja c o m um gesto d e s a s t r a d o de Eva. . . com uma ironia pronta: — Agora. sim. —? — O p o v o não diz? E afastou-se.. Nisto. — Imagine! Vibravam. eu não posso ser sua irmã. a p e r r e a d o .s e n a s moitas a r r e m e d a n d o o s a n u n s . m a s olhe saia c o m o pega c a r r a p i c h o . Soledade gracejou: — Você chupou c o m tanta força que o c o r a ç ã o ia saindo. . E m b o s c a v a . Em h o m e m n ã o pega na- da. que punha as m ã o s na cabeça.. t o d o s q u i e t o s . depois de muito rogada: — Sabe que e s t ã o m a l d a n d o de n ó s ? . nas repreensíveis t r a v e s s u r a s de sua natureza in- dócil. .. Lúcio não ignorava e s s a s m u r m u r a ç õ e s : — Ninguém pode tapar a boca do m u n d o .. . Faz toda a vida que não me c o n t a u m a história. a m ã o no s o v a c o e a p a n h o u . — Deixa de enjôo. E alçou a m ã o : — E s p e r a aí! N ã o p a r e c e um gemido? — N ã o é o c a c h o q u e v e m s a i n d o ? . A semelhança e v o c a t i v a amortecia-lhe os a p e t i t e s indiscretos que a n a t u r e z a velhaca lhe destilava no sangue tropical. Manuel Broca p a s s o u . . de ordinário. Enjoava-se d e s s a s fantasias. as ár- v o r e s esfolhando-se. o r a cobrindo-lhe os o l h o s . c o m o seu olho de sol. e n j o a d o ! . L ú c i o s o m b r e o u . E ele c o m e ç o u . o c é u vivia a mirá-la. ora alargando-lhe a t e s t a . N e n h u m a n u v e m p a s s a v a por essa vi- são de fogo. q u e . as fontes foram s e c a n d o . esquecendo-lhe o n o m e : — Esse menino. M a n u e l ? — inquiriu o e s t u d a n t e . e s p i a n d o para cima: — Era u m a v e z u m a fada. Em c â m b i o . . muito a c e s o e n a m o r a d o . de n o v o . . nutria um a m o r sem carnalidades. N e m u m a gota d!água! Por c a u s a d e s s e n a m o r o . o p a s s a r i n h o nacionalista foi piar no olho de uma um- b a ú b a . A b a n a n e i r a está p a r i n d o . C o m o não havia t ã o bela e n t r e os anjos e as o n z e mil virgens. atinando c o m a alusão piegas. L ú c i o rendia-se a e s s e s c a p r i c h o s inocentes. O sol crescia e se e n c h i a de luz pra ver melhor. tinha g a n a s de tomá-la ao c o l o . o galo-de-campina c o n c e r t a v a u m a autêntica melodia de beijos ou coisa a s s i m . Só via em Soledade a solteirinha intata. de u m a graça t ã o menineira. E n t ã o . Depois. a ver o sabiá-gongá c o m e n d o pi- m e n t a . j u n t o a o s a b a n d o - nos e aos m o d o s de indiferença ou de entrega d e s s a mulher perturba- d o r a que a l v o r o ç a v a t o d o o M a r z a g ã o . U m ventozinho madrigalesco mexia-lhe a s m a d e i x a s c u r t a s . às v e z e s . 74 . E ela ficou o l h a n d o o u t r o s passarinhos a c a s a l a d o s — o m a c h o . c o m o s a b o r acre de fruta de v e z .s e . a terra e s t o r r i c a n d o . um idílio naturista. t o d o o dia q u e D e u s da- v a . o u t r a caixa. voltou-se p a r a L ú c i o . im- p u n e m e n t e . você é t ã o capiongo: nem abre o bico. .s e . . N e s s e ambiente afrodisíaco. — C o m o é isso. E g o v e r n a v a as v e n e t a s de g o z o . u m a t a r d e . — interrompeu S o l e d a d e . p o i s a d o u r o d a s preguiças. . Soledade q u e d o u . E era t a m b é m o q u e cantava. C h e g a v a a ter r e m o r s o s dos so- n h o s ruins. E o céu e r a t ã o feliz que n ã o c h o r a v a mais. mais b o n i t o q u e a fêmea. E os m a n g a r á s o s c i l a v a m . . Ela foi sentar-se no cajueiro da alameda. a e s m o . E as árvores t o s t a d a s franqueavam-lhe s o m b r a s hospitaleiras que nessa q u e n t u r a e r a m u m a o b r a de misericórdia. p a r a as r e s e r v a s da seca. c o m o vela acesa na p e n u m b r a discreta. t o d o salpicado de o u r o .. 75 .como lá diz.. E n t r a v a . Soledade c h a m o u : — Quer entrar naquele sombrio? E L ú c i o . O dossel de maracujá c o m flores e fru- tos. Lúcio ficou dentro.. recessos nupciais. O solão e s p a r r a m a d o . T ã o medíocre. ape- nas. Havia t r o n c o s c r e s p o s de cigarras c a n t a d e i r a s . nas suas d ú v i d a s . O melão b r a v o . Encalmava-se o dia. Afogueava-se a poesia do v e r ã o ... Pirunga passou e deu-lhe uns favos de e n x u í .) As macaíbas prediletas tinham cigarras c o m o e s p i n h o s . E pegou o desafio sonoroso. previdentemente. Ela levou-o pela m ã o . u m a réstia de sol.. Rechinou um grito. Um bruto meio-dia. o de galhos desiguais. hesitou: — Eu sei?. pelo n ã o . pelo sim. — explicou S o l e d a d e . moitas de u m a confidencia exemplar c o m que guardavam as s o m b r a s d o c e s . amuado: — Bom!. C o m e ç a v a m c a c a r e j a n d o — có-có — c o m um c h o c o miúdo. O u t r o . O bambual c o m o refrigério d o s seus l e q u e s . Ocorria-lhe um p u d o r de última hora. E r a m gasalhados c o n v i d a t i v o s .. As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal. ofereciam-se a e s s e enleio a m o r o s o e confiado. trazido da mata. m e i o e s q u e r d o . e n v o l v e n d o um a r b u s t o . c o m o c o b r a s de c a b e ç a s vermelhas abrindo o s d e n t e s b r a n c o s . formava um ninho a c i n t o s o . Soledade r e c u o u : — E n g r a ç a d o ! T i n h a q u e ver eu me a m o i t a r . Desvãos de v e r d u r a . rindo desse t e m p e r a m e n t o sensi- tivo. Era um leito macio e natural no folhiço a m o n t o a d o . ( Q u e m duvidar é só ir ver na serra.. Lúcio t o r n o u . V e n d o o tálamo floral. E v o c ê p e n s a v a q u e eu ficava?. nem se c o m p a r a v a c o m o enxu do sertão que m e d r a v a . Mais o u t r o . . às noitinhas. u m a feita. r e p r e e n s i v o : — S o l e d a d e . ao lado. e s c a n d a l o s a m e n t e . . os c o n t a t o s fortui- tos. T u d o c o m a simplicidade de q u e m n a s c e r a e c r e s c e r a . passou-lhe a m ã o pelo pes- c o ç o e. levantou-se e enfiava-lhe os d e d o s pelos cabelos. de olhos fechados. Z o n z o e a d o r m e n t a d o no torpor do m o r m a ç o . C o m p o u c o . lhe beliscavam a s c o x a s p u b e s c e n t e s . Ela ia. c o m o as p i r a m b e b a s do rio do Peixe. Soledade t r o ç a v a e s s a zanga: — Ih. fitava nele os olhos revirados. c o m o à e s c u t a . m a s e r a m de molde a susci- tar desconfianças. .s e . E volveu ao m e s m o e s t o u v a m e n t o . E os cajueiros q u i e t o s . c o m o q u e fervia ao calor do seu 76 . c o m o u m a caranguejeira v e n e n o s a : — T e n h a j u í z o n e s t a c a b e ç a de v e n t o . Q u e sabor dulcíssimo!. E ele. T ã o d o c e que ele cismou. t o m a n d o b a n h o no a ç u d e ! . descobrindo a traça: — Sabe q u e m a i s ? É b o m a c a b a r c o m isto!. Lúcio caiu num a b a n d o n o g o s t o s o . c o m o se c a d a folha fosse um a s a estrídula. u m a m o ç a feita. F i n a l m e n t e . R e n t e a ela. caiu-lhe aos p é s . a t o c o n t í n u o . es- q u e c i d a m e n t e . Fiava-se nos tó- xicos d e s s e olhar. P e r p e t r a v a leviandades gra- ciosas que não induziam a m e n o r malícia.. E esperou-lhe a b o c a ansiosa com o favo de e n x u í . E . ela torceu a c a r a . e t c . E. E ria. formando um bico suspeito Conhecendo-lhe a intenção... Parecia q u e o zênite radioso apitava em cada raio sol. Na g r a n d e luz passou-lhe uma nuvem pelos olhos. q u a n d o as piabas-famintas. v o c ê . L ú c i o ralava-se: — Já teria o p u d o r d e t e r i o r a d o pela c o n t a m i n a ç ã o da bagaceira? E. às b o r b u l h a s . b a n h a r . sem dar p o r isso.. . A água b a l d e a d a . principiou a franzir os lábios. v e n d o o curral p e g a d o à c a s a . D e p o i s . inclinava a c a b e ç a c a c h e a d a . A p o n t a v a a s m a c a í b a s bojudas c o m c o m p a r a ç õ e s indiscretas. de fato. puxou-a a si. apanhando-lhe o queixo entre os d e d o s . c o m m e d o de algum beijo de surpresa. t o d a a a l a m e d a zinia. evitava-lhe. v o c ê ! . Soledade. .. C o m o rosto baixo. etc. e n t r e t a n t o . c o m o u m a gata camarada. e n r o d i l h a d a . ficou a afagá-lo. a o s t o q u e s casuais: — Olhe. de preferência. E indicava ainda o mulungu. d e n t r o . vociferou Pirunga. .e n c a r a d o ..d e . Mos- trava-lhe o j e n i p a p e i r o s o b r e c a r r e g a d o . . .c o u r o c o m p u n h a o ninho com espinhos e gravetos. mas é o q u e se sente mais: bate sem parar e b a t e . Ela redargüia: — Eu não vou nisso.d ' a r c o . Só c o m p r e e n d i a o a m o r c o n c h e g a d o em p l u m a s . . V e n d o que o c a s a c a . E virou a c a b e ç a . aquilo é c o m o a mãe de família: despe-se de todos os or- natos. . para ficar só c o m os seus frutos. N ã o parecia água morta.corpo núbil. Lúcio repôs-se a c u s t o : — A gente n ã o p o d e n e m . levando a m ã o ao peito: — . 77 .. E Soledade l e m b r a v a o beija-flor que nidifica. a v a n ç a n d o . n ã o vê. . q u a n d o já não nos p e r t e n c e . . com mais força. renuncia a t o d a s as vaidades. toda a árvore sangrava. E s t a v a m as c a s a s d e s e n c o n t r a d a s . A fervura do sangue queimava-lhe a c a r a .. E ele esforçava-se por persuadi-la da consciência do lar. . E.. L ú c i o c e n s u r a v a : — Passarinho c h a b o u q u e i r o ! . sem u m a folha: — Olha. E... ele aflorava-lhe as e s p á d u a s capitosas.. A gente deve ser c o m o o p a u . C o m os d e d o s d e s a s t r a d o s . não tinha a corriqueira insensi- bilidade de e s p e l h o . . c o m fundo de lama. . — interceptou S o l e d a d e . que fica sem u m a folha pra se cobrir todo de flores. — A gente n ã o p o d e n e m . n u m a palpitação de carne viva. ela e s t a c o u perto de c a s a e pediu a L ú c i o que lhe abotoasse o c a s a c o a b e r t o a t r á s . C o m p a r a v a : — Veja c o m o o c o r a ç ã o é bem g u a r d a d o ! A gente não pega. — Isto é q u e é!. Toda borrifada de sangue fresco. nos pés de urtiga. terrível: — Pois o s e n h o r d e s e n c a b e ç a n d o essa d e s m i o l a d a ! . i r r o m p e n d o de u m a touceira de cana. direitinho!. Sentia-lhe na p e n u g e m da nuca um cheiro extraordinário de bogari machucado. . m a l . U m a tardinha. Ela encolhia-se. E r a para mangar c o m e l e . .. Na v e r d a d e . Com u m a só mão fechou o c a s a c o p r o n t a m e n t e — sinal de que o havia d e s a b o t o - ado por gosto. Ela t a m b é m . E. se Soledade não o h o u v e s s e c h u m b a d o ao solo c o m o olhar agridoce.. um homem de p o d e r e dinheiro que man- d a v a e m toda esta r e d o n d e z a . b r a n c o sem respeito! — .. referiu-lhe u m a t r a d i ç ã o local: — Você c o n h e c e a história de Carlota? — T e n h o u m a idéia.. u s a n d o de u m a familiaridade a que L ú c i o e s t a v a desafeito: — M a s .. E nem lhe conto: morreu Beiju enforcado. Pirunga tomou o v e r b o no sentido brasileiro e apresentou-lhe o peito forte: — A b o t o e ! A b o t o e ! A b o t o a nada!. Enfim. tatibita- t e .. Os maiorais da terra. tendenciosamente: — E n t ã o . — Era uma mulher do sertão do Pajeú. Continuou: — Carlota chegou aqui na tira. E. b e m a r r a s a d o ! P r o c u r o u colher a primeira impressão nos olhos do filho e prosse- guiu: — Sertaneja.. é boa. L ú c i o explodiu: 78 . *** Dagoberto c h a m o u L ú c i o à parte e aferrolhou-se com ele. q u a n d o desen- cabeça!. m a s ... O fim foi aquela d e r r o t a ! Ela m a n d o u m a t a r um d e p u t a d o geral — o dr. n e m o q u ê . q u a n d o é b o a . se e n c o n t r a r um ente de D e u s c o m o nome de Carlota.. a mulher parecia que tinha trazido t o d o o can- g a ç o do sertão e o fogaréu da seca debaixo da saia. Vivia c o m o u m a princesa na r o d a d a s famílias. u m a história: arrasou. E .. . eu dou o p e s c o ç o à forca. .. se é b o n i t a . G r a v e e contrafeito... c o m p o u c o . A política virou. Trajano C h a - con. T o r c e u o nariz e retificou: — Ia a r r a s a n d o .. foi gente pra F e r n a n d o . E teria investido. meu filho. Basta- va ser espingarda do chefe. D e s c e r a na seca de 45 e ia a r r a s a n d o o Brejo. abotoar. — . e s t a v a feita u m a s e n h o r a dona.. n u m desalento patriótico: — Areia n u n c a mais se levantou! Vá por t o d o este distrito e. t a m b é m . n ã o tinha por o n d e c o m e ç a r . m a s .. devia ser muito bonita! Dagoberto deu d e c o s t a s . eu viva nesta c e g u e i r a .. seria c a p a z de exumá-la. para casa. Deu c o m ela. 79 . sob a i m p r e s s ã o r o m a n e s c a desse episódio a m o r o s o . E e s c a p o u . toda c o r a d a : — O castigo de ter pedido um beijo é dá-lo a g o r a . d á . . afinal. ficou a c o n s i d e r a r que não havia t e r m o de c o m p a r a ç ã o entre Carlota e Soledade — u m a c o n s p u r c a d a na mancebia adultero- sa. M a s .m e o beijo de m o r t e ! C o m u n i c a . Depois. de c ó c o - ras. tamanha era a ânsia de vê-la. Ela. no j a r d i m . jogou-lhe em cima d o s p é s u m a c o b r a de duas c a b e ç a s q u e a c a b a r a de d e s e n t e r r a r da lama. se ela tivesse m o r r i d o .s e .. ele correu à casa de S o l e d a d e . abrindo sulcos n u m leirão do c o e n t r o . dos holocaustos à sua beleza fatídica. surpresa e g a r o t a .. n u m a alcovitice e s p o n - tânea. a outra um " a n j o de i n o c ê n c i a " . — E n t ã o . c o m os o l h o s gulosos. . fora de si: — S o l e d a d e . as roseiras c o m p a c t a s a p r e n d e r a m pelo v e s t i d o . o s e n h o r c o n h e c e u Carlota?! E r a bonita m e s m o ? Sim. em silêncio. P r e s s e n - tia-lhe as fatalidades de H e l e n a e Carlota. Ele seguiu-a. Soledade fingia melin- dres: — É: você m e r e c e um castigo. E ele baixou-se e p a s s o u a examinar o c o r p o cilíndrico da anfisbe- na. pois.. E. Quedou-se a fitá-la. N e s s e c o m e n o s . . — Veja só!!! — Diga! E ela. até q u e . Não a encontrou. E n t ã o . .m e num beijo o teu destino de tragédia! Liga-me aos teus m a u s angúrios!. Lúcio pegou-a: — Diga qual é o m e u castigo.. Idealizava-a numa figura de r o m a n c e . na mais grotesca atitude feminina. q u e . Afígurava-se-lhe que naquele grosseiro mister ela estivesse abrindo a vala dos futuros sacrifícios. c o m o se nunca a tivesse visto. sem distinguir-lhe os olhos minúsculos: — D u a s c a b e ç a s e cega! N ã o admira.. Sentia-se p r e d e s t i n a d o a participar dos seus m a u s fados. lesta. c o m u m a c a b e ç a só. d e s t r u i d o r a s de c i d a d e s . E dizer que foi a própria luz da inteligên- cia que me cegou!. Procurou escusar-se do seu ousio. M a s só era rica a n a t u r e z a . Mas seu instinto de a ç ã o ainda era inutili- z a d o pelas sentimentalidades emolientes... g e a d a s . A gleba inesgotável era aviltada por essa p r o s t r a ç ã o e c o n ô m i c a . D a g o b e r t o era o pé-de-boi do e n g e n h o chinfrim. p o r o n d e se dava toda a alma. T o m a n d o esse desplante em conta de brincadeira. Visões e x a g e r a d a s defor- mavam-lhe o equilíbrio d a s relações imediatas. ensaiava objetivar esse vago talento de iniciativas. G o r a v a m a s c o n c e p ç õ e s práticas. A mediania do s e n h o r rural e a ralé fa- minta. E exibiu-lhe — logo q u ê ? — a boca s a b o r o s a . D e s d e n h a v a : — Aquele g r a n g a z á só tem palanfrório.. t e n t a v a assimilar os melhores estímulos da luta pela vida. Tinha a intuição d o s reformadores. GENTE DO MATO Lúcio não se dissociava do problema h u m a n o do Marzagão.. Ele calculava c o m o essa vitalidade poderia ser produtiva. E via a índole de progresso do latifúndio c o a r t a d a pelos vícios de seu apro- veitamento. Reconciliava-se c o m a terra feracíssima. pro- j e t o s imprecisos resultavam na incapacidade de realizar. N o ç õ e s confusas. terremotos. isenta de t o d o s os obstá- culos do t r a b a l h o : de n u v e n s de gafanhotos. Sua n o v a sensibilidade tinha uma direção mais útil e um ímpeto criador. s e c a s . N ã o se pode dar um tipo mais lelé. entreaberta numa t e n t a ç ã o sangüínea. Lúcio riu-se: De v e r d a d e ? E ela encalistrou: — Brejeiro! N ã o nega que é brejeiro. *** 80 . C o m o risco de se malquistar com o pai. Pleiteava uma aplicação mais vantajosa d e s s a s forças m a l b a r a t a d a s . Por ele eu já tinha me a c a b a d o . tufões. no desastre d a s tentativas. Q u a n t a energia mal-empregada na d e s o r i e n t a ç ã o dos p r o c e s s o s agrícolas! A falta de m é t o d o a c a r r e t a v a uma p r e c a r i e d a d e responsável pelos a p e r t o s da p o p u l a ç ã o misérrima. . marinhava pela p a r e d e rota e ia desa- brochar. O s pobres g o z o s herbívoros! C o m i a m c a p i m .. d e s c o n t a v a o servilismo irremissível. m o r d e n d o . q u e nem m o i t a s de m a n a c á . E J o ã o T r o ç u l h o satirizava: — E s s a é c o m o urubu n o v o que d o r m e d e b a i x o da asa do urubu velho e lança q u a n d o vê g e n t e . As c a b e c i n h a s grisalhas do lendeaço fediam a o v o p o d r e . ficavam. na coberta de palha. num grande e n t o n o : — Já se deitar! Desse m o d o . Era o sócio da fome. A jitirana encostava-se na baiúca infeta. O jardim nativo balsamizava essa porcaria. sem se zangar.. lança até as tripas. toda e s p a l h a d a . A natureza caridosa p r o c u r a v a encobrir e s s a miséria. E n t r a v a m nas bibocas de gravata. c o ç a n d o a s sarnas e t e r n a s .s e . — Sique! sique! — e s t u m a v a o d o n o da c a s a . a s s i m . O c h ã o chei- rava a urina velha e a b o u b a e n d ê m i c a . c o m o árvores d e r r u b a d a s . S a m b u d o s . e m b a s t i d o s d e p e r e b a s . O s cochicholos s e c o s . c o m o u m a la- ranja enfiada em dois palitos.s e . Só pelo g o s t o de se levantar e gritar da porta: — Ca. p a s t a v a m c o m o car- neiros. Lúcio forcejava interessar o c o r a ç ã o de S o l e d a d e na sua assistên- cia aos m o r a d o r e s . — Vomita m e s m o ? — perguntou o e s t u d a n t e . Mas não c h o r a v a m . — O r a . n ã o sabiam c h o r a r .. Soledade saía. baixinho. desse hálito de pocilga. *** N ã o havia c h o ç a paupérrima que n ã o tivesse um c a c h o r r o gafo. formando o que ne- nhuma casa rica o s t e n t a v a : um teto de flores. A c a n z o a d a magérrima juntava-se no faro do cio e. a o s e n g u l h o s . bonitos. c o m os d e n t e s cer- rados. . . parecia que não tinha o u t r o s o s s o s para roer. E o vento vinha varrer o terreiro.chorro! 'chorro! E. c o m as p e r n a s de taquari. Santo D e u s ! o s guris lázaros. 81 . E ela n a u s e a v a . lamuriando: — N ã o há n a d a mais triste do que u m a criança triste. E r a m mais alegres que os colegiais afortunados.o : — Por que n ã o d e s e m b a r a ç a aquele cavalo que está se enforcan- do? — Eu não t e n h o c o n t a com cavalo. E. — O pessoal fica aqui p a n z u a n d o — u m a p o r q u e não tem trajo d e c e n t e e p o r q u e .. c o m e s s a s m a l d a d e s inocentes. c o m o podiam. O cabra e s p i n h o u . Colhiam os frutos silvestres que a mata lhes d a v a da- d o s . Deitados.. Estendia-se. *** Os meninos nus e r a m criados pelo sol enfermeiro. ao sol. p a t r ã o z i n h o . Lúcio o b s e r v a v a e s s a alegria. E os garotinhos c a n t a v a m para o b a m b u a l d a n ç a r . c o m o um animal c a n s a d o . s e m e l h a v a m torrões da terra preta.. a s n u v e n s vinham brincar c o m eles. O sistema de s u p r e s s ã o da personalidade eliminava t o d o o p o d e r de iniciativa.s e a m o r r i n h a d a pela fadiga do aluguel. se D e u s se e s q u e c e da g e n t e .s e : — Esse infeliz. numa última e x p a n s ã o de a u t o r i d a d e : — Sé-vergonho! M a s . Voltava a sentar-se c o m um ar de q u e m m a n d o u e foi o b e d e c i d o .. E n s i n a v a m ao xexéu a vaiar.. A mulataria p r o s t r a v a .s e . c o r r e n d o pelos c a m i n h o s . *** J o ã o T r o ç u l h o cedia à ociosidade dominical. d e s c e n d o e m som- b r a s . infeliz do t r a n s e u n t e que levasse o a g r e s s o r à b o r d o a d a . Divertiam-se p e g a n d o gafanhotos e lagartixas. E r a a manivela d a s o r d e n s do dia. C o m o um lagarto preguiçoso. Lúcio d e s p e r t o u . Passava t a m b é m um ou o u t r o porco q u e de t ã o magro parecia um c ã o tinhoso. m a t a n d o os bichi- nhos do m a t o — divertiam-se. a gente t a m b é m se e s q u e c e dele — d o u t r i n a v a J o ã o T r o ç u l h o . c o m o nunca: 82 . Diga a Latomia q u e está e s c o r n a d o na bagaceira. Soledade a m i s e r a v a .. À s v e z e s . . J o ã o T r o ç u l h o ? — indagou L ú c i o . Era uma penúria ostensiva que não se e n v e r g o n h a v a nem se car- pia. Os c o n t r a s t e s e confrontos é que são c h o c a n t e s . a p e n a s . — C o m e r até m a t a r a vontade. porque ninguém se matava. Perfume de graça em cada floração. Se fosse coisa q u e se tivesse t e m p o . — E q u a n d o não tem o que c o m e r ? — Come com a testa. Nada tinham de seu: só possuíam. Riam sem ter de q u ê : não c u m p r i m e n t a v a m sem sorrir. N ã o se dava o c a s o de um suicídio. — N ã o viu X i n a n e ? Xinane não era v i v e d o r ? mas — c a d ê ? — no fim de conta. . . esperar pela m o r t e . sem se fa- 83 . Passavam fitas naturais nas a u r o r a s e nos ocasos miraculosos. Deus te livre!. Só tinham m e d o d e s s a s d u a s c a l a m i d a d e s . .. *** Lúcio e x o r t a v a J o ã o T r o ç u l h o ao trabalho: — Por que não planta um quinguingu? — N ã o se tem fuga. — Desinfeliz é q u e m me c h a m a ! . c o m o c o s t u m a v a m dizer. O patrão toca da terra. Afinal. Viver assim era. . — Qual é o seu maior desejo. Só havia d u a s infelicidades para essa c o n d i ç ã o indizível: as bexi- gas e o serviço militar. Havia música de graça nos coretos do a r v o r e d o . O que adianta a gente se m a t a r ? — É pra m e l h o r a r de vida. Era o mais afrontoso dos e p í t e t o s .. é só por isso que d e v o r a toda a feira de u m a v e z e p a s s a o resto da semana em jejum? — Q u e m guarda c o m e r guarda b a r u l h o . .. Dagoberto tinha a experiência desse regime de privações c r ô n i c a s : — Pobre de barriga cheia. — E n t ã o . E a gente não tem ganância. E o sol fazia-lhes visitas médicas e n t r a n d o pelos rasgões d o s tugú- rios. coisíssima n e n h u m a . patrãozinho: é no eito t o d o o dia que D e u s dá. Mas na guerra improvisavam-se heróis.. E olhavam para cima e viam todo o céu de uma vez. a roupa do c o r p o . . valia a pena viver. m a s é no rojão de inverno a verão. . Mas não tinham idéia de nada melhor. propícia a todas as culturas. . não tira as goteiras? — Pro h o m e m q u e i m a r ? Q u a n d o bota pra fora e a gente não ar- riba logo. E ainda afirmava: — N ã o deixa de não ser.. . Lúcio indicava o e x e m p l o do sertanejo: — No r o ç a d o dele não canta cambonje. Na área da fartura. — Por que não cria galinha? — Pra raposa passar no papo? De que s e r v e ? — Qual a parte que cabe ao lavrador? — É coisa que eu não sei. outra a t r á s . Quem faz a conta é o h o m e m . mas se não b r o m a r . A m a n h e c e aqui.. chegou a p i t a n d o . b o m ! . — Tem a justiça. N e n h u m agenciava melhor sorte. . Chegou aqui chorando miséria. no fim de conta.. . na gleba munificente.zer por o n d e .. *** No terreiro dos c a s e b r e s floridos as m o ç a s c a n t a v a m a bom can- tar. c o m o quem bate c o m um leque madrigalesce. com uma mão na frente. A todas as o u t r a s perguntas.. tocar fogo e. afeita à lida de sol a sol. — E faz isso? — De toda viagem.. P a s s a v a m as lavadeiras vistas de longe c o m o m o n s t r o s macrocéfa- 84 . As borboletas brincavam com elas: d a v a m . não plantava u m a rama de batata à beira do r a n c h o . Era a c h a m a d o s a m o r e s brutais. passou a a p r o v a r tudo c o m o estribilho de uma inflexão peculiar: — An. quer. anoitece acolá. Era o h o m e m que não sabia nada — o instrumento inconsciente que tinha a e n x a d a c o m o o m e m b r o principal..l h e s pancadinhas nas faces. se e s t á no oco do m u n d o . o cabra d e s c o n v e r s a v a : — Eu não sei. toca m e s m o . . De u m a hora pra outra. essa gente vegetativa. .. — Agradeço! A gente é de fazer isso! N ã o vê que ninguém vai fa zer mal ao senhor de e n g e n h o ! — Por que não endireita a casa. de uma passividade fatalista. Depois. E n g e n d r a v a m . d u a s v e z e s por a n o .s e em p r a z e r e s fugazes e t e r n i d a d e s de sofrimentos. já que não podiam encher os estômagos. levando para Soledade um beiju insosso e c r e s p o .. Os apetites c o m q u e a natureza capciosa e n c a d e a v a as gerações de- serdadas e r a m u m a série de sacrifícios irresistíveis. c a b r a . c a b r a s d e u m a anatomia hercúlea suavam c o m o olhos- d'água. Pirunga saiu. . de m a u s m o d o s : — Eu serei algum bicho? Cabra é que a gente enchiqueira: Chi- queiro. E o v e n t o desfolhava-lhes nas c a b e ç a s os m a l m e q u e r e s votivos. no último m ê s . A fecun- didade frustrada pela miséria e pela m o r b i d e z geral. Mulheres e x t r a o r d i n á r i a s ! Filhavam u m a e .los — c o m u m a t r o u x a na c a b e ç a e o u t r a t r o u x a na barriga. r e c e b e u . Se algum vaga-lume errático se s e n t a v a em seus c a b e l o s . por causa dos lobos. Tinham por único a d e r e ç o o c o r a ç ã o a o s p u l o s . p a s t o r a n d o . *** Na casa de farinha as raspadeiras c o m saias c o r de e s t o p a c o n s - purcavam a mandioca descascada. a farinha era u m a t e n t a ç ã o de sono. N o veio. E o c a c h i m b o familiar passava de b o c a em b o c a . c a r r e g a n d o o p e s o d e s s a s sexualidades i m p r o v i s a d a s . debaixo de ba- laios d e s c o m u n a i s .o no m a t o . E n c h i a m as panças. c o m o um lençol de linho. c a b r a ! chiqueiro. . . E m e n i n o t a s t r a n s f o r m a d a s em p e i t o s . c o m o se estivesse dependurado do pescoço.. E n t r a v a m m u l h e r e s embarrigadas. U m a feita. . 85 . A m p l e x o s de corpos m o í d o s . Procriações d e s a s t r a d a s .s e no forno. e s t e n d e n d o . parecia uma jóia furtada. O rodete roía os d e d o s da sevadeira e c h i a v a . Q u a n d o o dia a m a n h e c e u . em vez dela. n ã o r a r o . c a n t a v a m a b o m cantar: — Eu q u e r o é me c a s a r . E. *** Soledade d e r a para esquivar-se de L ú c i o . Fábrica de anjos. — Me dê u m a fumaça. A tarefa prorrogava-se pela noite. — É. . . S o l e d a d e ? ! E n t ã o . o carrapato.. .. foi ver o seu esconderijo — o dossel amplo e e s c u s o . . o carrapato é Pjrunga. q u e m é velho? — Q u e m não é m o ç o . saiu com Pegali. Ele disfarçou-se e e s p e r o u que Soledade saísse. . de latada em latada. — Meu pai... rebus- cando-a. . Bebês t o s c o s . . e s s a ! M o ç o é q u e m não é v e l h o . Viver. Viver. Agora. E é feio a gente a n d a r só nestas b r e n h a s . — N ã o é isso q u e eu q u e r o saber! Diga q u e m é o moço! — Ora. Até q u e . E papelitos fechados c o m o para tirar à sor- t e : o moço. alheada: — Você nem alinhavar quer. c o m o q u e m p r o c u r a a felicidade perdida. é o u t r a coisa. O c a c h o r r o afundou-se no capoeirão. c o r r i c a n d o . . Aí. n ã o digo. Ele até gosta que eu lhe faça g u a r d a . seu s o n s o ! .. c o m o um ninho proibido. ela explicou-se: — Papai já a n d a c o m u m a m o s c a na orelha e é c a p a z de fazer u m a das dele. — Você p r o m e t e segredo? Pois b e m : foi o major que j u r o u b o t a r papai pra fora. V i v e m é me vigiando por sua c a u s a . de pau. C o m e ç o u a picar folhas e confessou c o m imperturbável naturali- dade: — Você viu? Pois fique sabendo: o moço. — B o m ! E n t ã o . O estudante ficou-se q u e b r a n d o os galhos da guabiraba a que se encostara. feito a linha atrás da agulha.. o velho é seu pai. você s a b e . o velho. . Lúcio a n d a v a . — Viver o q u ê ? — . r e s p o n d a quem é o carrapato. E continuou a dissimular-se nos mil m e a n d r o s do sítio. q u e n a d a ! Pra o n d e me viro e s t ã o dois olhos em cima de mim. se a gente ainda viver. O e s t u d a n t e não p ô d e ver mais n a d a ! M a s sentiu a impregnação dela nas flores inodoras da trepadeira.. um dia.. se você e s t á aborrecida. . m e u pai ainda lhe dá flores. espia-caminho?! 86 .. E n t ã o .. c o m o faro guloso. — Que lobo. C o r r e u e perguntou quase sem fôlego: — Soledade...... — Pelo velho eu r e s p o n d o . — An! Já sei.. c o m o lá diz. E . . — Eu não digo! E r a só o que faltava. se seu pai não me quiser b e m .. pegando-lhe na orelha: — Você logo n ã o vê q u e .. Prosseguiu na sua faina. isto é uma natureza privilegiada e c o m p e n s a d o r a 87 . Surdiu Pirunga e. . mirando S o l e d a d e com os olhos fixos de c ã o . L ú c i o tentou confortá-lo.. Ficou. até q u e . L u : é preciso que nos vejamos m e n o s pra não nos dei- xarmos de ver.. virou a c a b e ç a . vai-não-vai. O fumo do c o z i m e n t o obscurecia o e n g e n h o .. A a l m a fundida pelo sol da seca. E a caldeira de lim- par está p i n g a n d o . Dagoberto arrepelou-se num esgar e abalou para a casa de caldei- ra. n ã o : e s t o u r o u a tacha de r e c e b e r . v e n d o o e s t u d a n t e a m a r e l o c o m as orelhas ru- bras: — Olhe que e s t ã o fazendo má ausência do s e n h o r . . O parol cheio. C a n a a secar no partido. o u t r o de mal.. *** Correu o m e s t r e a t a r a n t a d o : — Patrão! patrão!. A c o s t u m a d o aos freqüentes transtornos d o trabalho. R e m a t o u . criatura. . p a s s a d o s alguns mi- nutos. A moagem s u s p e n s a ... andava farta de t a n t a solicitude ociosa. E.. afogueada pelas áscuas do v e r ã o .. j á não s e d a v a d e s s e s a l a r m a s . d e s e n g a n a d a m e n t e . entre d e s p e i t a d o e c o m o v i d o : — M a s . N e m . você n ã o pode q u e r e r . Uma derrota! O s e n h o r de e n g e n h o não fez c a s o . E falou-lhe. sequer.. — Foi u m a d e r r o t a ! Furou-se a t a c h a na segunda meladura. de um a m o r entretido de olhadelas e c o n v e r s a s fiadas que se d a v a por satisfeito c o m e s s a s ati- tudes de c o r a ç ã o . pegando-lhe na outra orelha. c o m um mimoso fingimen- to: — O l h e . ao c a b o . . D e p o i s .. . se voltou c o m o olhar indiferente. O picadeiro atulhado. n o t a n d o que a m b a s e s t a v a m v e r m e l h a s : — Um falando de b e m . . T e m muita coragem pra i s s o . não vê que ele não é pra v o c ê . — O caldeirote de a p u r a r ? ! — S e n h o r . c o m u m a e m o ç ã o pernóstica: — Meu pai. . s e m acidentes q u e r e t a r d e m os s e u s benefícios. E pegaram as c h u v a s c o m u m a demasia pânica. T u d o se fundia em lama.. . . M a s a atmosfera ficara-se. — Está bonito. O alvoroço d e s s a s a s a s núncias n ã o cindira o M a r z a g ã o . R o n c a v a c o m o um m o n s t r o acuado. t i r a n d o o melhor q u i n h ã o . 88 . Vinha vindo o barulho pluvial — as b á t e g a s caindo no folhedo. O m e s t r e e n c h e u a passadeira. A t e r r a paga-lhe os sacrifícios d a agricultura c o m g e n e r o s i d a d e . tiiinho! Estava pretão. adejavam s o m e n t e na igreja de Santa Rita. n u m pé e n o u t r o . a b e m dizer. A água.. p a r a d a . a r c a m c o m o clima t r a i ç o e i r o . E. M a s j á estou aquilotado. de r e p e n t e . c h i a n d o na fornalha — chi-chi-Hi — parecia a p u p á . A t o r v a fisionomia da estação. Veja c o m o o s sertanejos. c h o v e s s e ou fizesse sol. saltou. . t ã o b o a p a r a purificar. v e m o chefe político e divide c o m o b e i ç o . Dir-se-ia a ruptura do céu num despejo fragoroso. ar- r e m a n g a d o . s o p r a n d o a s m ã o s . E pago e m i m p o s t o o q u e n ã o d o u e m v o t o s . o c a l d o e n t o r n a d o . E r a m noites infinitas. c o m o à e s p e r a de novidades.l o . a c a b a n d o de p r e p a r a r o t a m p ã o de e s t o p a c o m breu. de n o v o . a r a ç a de l u t a d o r e s . C H U V A COM SOL N ã o trissara u m a a n d o r i n h a q u e fosse. Os dias lôbregos e m e n d a v a m c o m as noites o u . dias c o m o noites. A m a t a fumarenta e n t r a v a a roncar. lameirava o sítio. O s m o r a d o r e s invertiam o s g r a u s c o m u m a prosódia interminável: — E s t á p r e e e . c o m e m o dinheiro e a t e r r a . Saiu t o d o t i s n a d o . Se b o t a r q u e s t ã o . n ã o havia dias. E. — E eu e n c a l a c r a d o ! A g o r a m e s m o o vizinho entrou na m i n h a p o s s e . . d e n t r o da t a c h a q u e n t e . A n d o r i n h a s d e v o t a s . Bonito e r a o n a s c e n t e feito u m a c a r v o e i r a . Se resistir. . sem abrigo... c a c h e a n d o pelos baixios. r e v e n d o c o m o j o r r o s de s a l m o u r a de um flanco a b e r t o . Soledade abria a j a n e l a c o m o p a r a se a q u e c e r no relâmpago. Tinha Saudade da q u e n t u r a d a s estiagens fatais. *** À noite. c o m o e m p r e - ce. E o v e n t o . Lúcio levava-a pela m ã o . sonegava-lhe as r e - c r e a ç õ e s bucólicas... batia o s q u e i x o s d e frio. E ela dizia p a r a L ú c i o : — T u d o q u a n t o é bicho cria asa no i n v e r n o : é formiga. A saparia c o m e ç a v a a toada de sete fôlegos. d e s p e i t a d o — vu-vu — deitava água de c a s a a den- tro. O a g u a c e i r o . E r a a flor de estufa t r a n s p o r t a d a p a r a o atoleiro. Mananciais a o s gorgolhões. e n c h a r c a v a até as a l m a s . ? — Pra voar pra muito longe. As gotas e s p a r s a s borrifavam-lhe o r o s t o c o m o p u n h a d o s de alfi- netes. E .l h e o s c a m p o s lavados d o B o n d ó . Só a gente não cria. D e primeiro. *** O s retirantes c o m p a r a v a m esse d e s p e r d í c i o c o m o s c é u s t a c a n h o s de seca. L e m b r a v a . i n c h a n d o . é c u p i m . e s - b o r r o t a n d o a s l e v a d a s . c o m p o n d o a b a r r a da saia. Ela aquiescia. blaterando. d o s dias m o r m a c e n t o s d o sertão so- alheiro. fonte de t o d a alegria sertaneja. e s - pumando. S o l e d a d e gostava d o cheiro q u e n t e d a t e r r a m o l h a d a pelo c h u v i s c o . e s c l a v i n h a n d o a s m ã o s . E os b a r r a n c o s v e r m e l h o s e s b o r c i n a d o s s a n g r a n d o . A e n x u r r a d a revolucionária t r a n s p u n h a as r e p r e s a s . Os córregos m a i s humildes r o m p i a m o á l v e o . espalhando-se. E u m a p a n c a d a d ' á g u a tapetava o lameiral de pétalas multicores. O c o m u m e r a um 90 . a luz e s c u r e c i a de m a r i p o s a s . A linfa p r o t e t o r a . c o m o v ô m i t o s incoercíveis. c o m o u m a sentinela à p o r t a . nas a b e r t a s da c h u v a . O que mais a amofinava era não poder vaguear pelos lúbricos lama- r e n t o s .. M a s a c h u v a r a d a agressiva deu p a r a enfastiá-la. afi- nal. às v e z e s . as alimárias afocinhavam o tremedal e. L a v a n d i s c a s familiares m e r g u l h a v a m n a s p o ç a s suspeitas. c o m os q u a r t o s atolados. O s m o l e q u e s trelosos d a n ç a v a m d e b a i x o d a c h u v a a o b a t u q u e d o trovão.. . — U m a m o ç a q u e eu sei. às v e z e s . c o m o s andrajos pingando c o m o goteiras. soltando — ninguém ainda r e p a r o u nisso — uns beijos estrídu- los. O s c a m b i t e i r o s .reco-reco r a s c a n t e . D a q u e l a s . E b r i n c a v a m c o m a lama p o d r e c o m a m e s m a satisfação c o m que os m e n i n o s estrangeiros b r i n c a v a m c o m a n e v e . d e i x a v a m o r a s t r o c o m a barriga. uns risinhos e n g r a ç a d o s . c o n c e r t a v a . — É a q u e l a história do sol? 91 . T e n t e a n d o c o m as per- nas t r ê m u l a s . c o m t a n t a s p e r n a s e a arrastar-se c o m o u m a lesma ou a viver e n r o s c a d o . Soledade achegou-se: — U m a história. P a s s a v a m m u l h e r e s a r r e p a n h a d a s exibindo as canelas c i n z e n t a s com meias p r e t a s de lama. L ú c i o . D e p o i s . metiam as b e s t a s de carga na insídia dos a t a s q u e i r o s . E r a a r e p r e s e n t a ç ã o do meio e n t o r p e c i d o — miriápode. alvoro- çadas. se a claridade líquida ou a ga- roa d o u r a d a . minúsculos e. se a l c a n ç a v a m a outra b a n d a .. *** L ú c i o virou um imbuá. castanholas. E os c a b r a s t e i m a v a m : — T e m p o r força passar. O e s t u d a n t e intervinha. Mal se distinguia o que corria do céu: se e r a m fios d ' á g u a ou raios de luz. As pilecas e s t e n d i a m as p a t a s dianteiras e ficavam.s e toda a variedade instru- mental — carrilhões. a pancadaria da jia: b u m ! b u m ! b u m ! *** As a r a q u ã s matinais algazarreavam festejando o mau t e m p o .. *** U m a surdina de c h u v a c o m sol. flautins (um flautim gritante) e. . d a v a para ficar. frisava pelo c o p a d o . c o m o a lua têm- porã. h o m e n s e m u l h e r e s . N u v e n s c h e i a s . U m a chuvinha m i ú d a . c o m o q u e f o r m a n d o c o m o s próprios c o r p o s u m a b a r r a g e m nova. *** Certa noite. c o n v o c a d a pelo búzio imperativo. — . antipática. estupefato. m a s d a s copas ú m i d a s . R e a t a v a m . pesava nas c a b e ç a s ... C h u v i s c a v a . vibrava um t r o v ã o n e r v o s o . E r e p o n t a v a .. Pirunga. enfim. Ficava b a i x o . c o m o balões. — A h . d e s c r e n t e da coragem d o s brejeiros. A água prisioneira saltava pela b a r r a g e m e batia nas p e d r a s c o m um berro doloroso. um sol e q u í v o c o . c o m o toda impertinência pequenina.. O mais q u e havia era um t e m p o n e u t r o . As plantas ficavam a r r e p i a d a s .s e os dias l u t u o s o s .. conta-gota.. imitando as a v e s . E as á r v o r e s c a v a d a s ficavam d a n ç a n d o nas raízes. A c h u v a já n ã o parecia cair das n u v e n s . E o céu e n c a r v o a v a . c o m o tardes de cinza. viu. Levantou o tempo. — O dia e s t á se a r r e p e n d e n d o .s e . O a ç u d e e s t a v a a pique de a r r o m b a r . qual o clamor d a s t r e v a s friorentas. sacudindo a água de sobre si. latescente. — Está limpando. c o m o n u m s u o r d e agonia *** 92 . A luz do relâmpago molhava-se n a s c o r d a s d'água. de r e p e n t e . q u a n d o n ã o o via.s e a n a m o r a r c o m o sol e. O u t r o c h u v ã o hostil. a t a l h a n d o o perigo. às o r d e n s do s e n h o r de e n g e n h o . d e b a i x o do aguaceiro. a c o s t u m a r a . n u m a d a n ç a m a c a b r a . O xixi intolerável. isso n ã o me entoa!. E o céu m o s t r a v a q u e era s e m p r e c é u : o arco-íris coloria a cela- gem c o m o um a r c o de triunfo a r m a d o pelo sol despeitado c o m a cali- gem que o o b u m b r a v a . até t o m b a r e m . Acudiu t o d a a p o p u l a ç ã o rural ao pátio da casa-grande. pingando. O a m o r de Soledade era u m a sinfonia de c h u v a c o m sol. Um idílio de v e n e t a s — o r a de meiguice inesgotável, o r a de maus m o d o s . T ã o depressa se c o n c h e g a v a rendido, c o m o se e s q u i v a v a enjoado. E n e s s a mobilidade tinha t o d o o seu enleio natural. L ú c i o intentava aquecê-lo c o m as c a l e n t u r a s da paixão recrescen- te. P r e m e d i t a v a um beijo longo, profundo, um c h u p o doido q u e lhe desse o g o s t o do c o r a ç ã o . E sobrevinham-lhe as d ú v i d a s . . . O n d e ? . . . C o m o ? . . . C o m e ç a r i a pelos d e d o s o u , melhor, pelas u n h a s . Se n ã o re- lutasse, subiria pelo b r a ç o ; e, se g o s t a s s e , na testa, um na testa; e, se anuísse, n o s o l h o s — sim, fechar-lhe-ia os olhos c o m muitos beijos, para, e n t ã o , de s u r p r e s a , beijá-la, b e m beijada, na boca. Um beijo que lhe deixasse u m a cicatriz n ' a l m a . Queria sorver-lhe o a r o m a car- nal q u e se b e b e em beijos. E n c o n t r o u - a n u m a indolência m o l e , a c a b e c e a r , c o m o se fosse cair-lhe n o s b r a ç o s . Ela n o t o u : — V o c ê fala de mim e treme de frio, que n e m e u . . . Que cruviana! — N ã o é frio: é calor! — E n t ã o , é maleita?... — S ã o os dois pólos do a m o r ! Soledade e n t e r n e c e u - s e : — Filho, você... E L ú c i o lembrou-se do aviso de Milonga: " Q u a n d o ficar só c o m ela, faça de c o n t a q u e é sinhá-moça... N ã o digo que não beije, m a s só na m ã o , p o r q u e sai logo pelos d e d o s . . . " Ela encolheu-se c o m u m a frieza m a i o r no c o r a ç ã o . E ele saiu, d i s s u a d i d o , l a m b e n d o os beiços s e c o s , sentindo uns ressaibos de beijos g o r o s . . . M a s , v o l t a n d o , daí a p o u c o , achou-a d e m u d a d a num d e r r a m e de ternura. C h e g o u a passar-lhe o b r a ç o pelo p e s c o ç o e ficou a amolegar-lhe a orelha, o r a c o m b r a n d u r a , ora c o m força. O v e n t o alcoviteiro fechou a j a n e l a . L ú c i o n ã o atinava c o m essa m u d a n ç a instantânea. M a s , q u a n d o saiu, viu o c é u a b e r t o n u m a grande claridade de p a r a b é n s . E as p o ç a s acendiam-se c o m o e s p e l h o s e m b a c i a d o s . F o r a o t o q u e da luz o segredo d e s s e agrado fictício. O e s t u d a n t e anunciou a volta p a r a a academia. E s p e r o u um lance de s a u d a d e . E Soledade p e r m a n e c e u glacial como o t e m p o . P r o c u r o u despertar-lhe c i ú m e s . Ela fez p o u c o : — E eu q u e me i m p o r t o ? 93 D e noite, rebolava n a c a m a . N ã o s e l e m b r a v a dele, m a s sentia que lhe faltava alguma coisa, c o m o alguém q u e dormisse s e m t r a v e s - seiro. ENTREVER É P I O R D O Q U E V E R A t e n t a n d o n a s n o v a s rugas q u e , dia a dia, sublinhavam o r o s t o de Valentim Pedreira, L a t o m i a conjeturou: — Aqui a n d a coisa... Os outros moradores observavam: — Vive de orelha em p é ; a n d a de v e n t a inchada... A dúvida e r a um insondável sofrimento. Oscilava entre o r e m o r s o do juízo t e m e r á r i o e o horror da realidade. O sertanejo a p o q u e n t a v a - s e pela primeira v e z na vida. G a n h a r a - o essa p r e m e n t e desconfiança. Diligenciava sopesá-la; fazia t u d o p a r a refugar a suspeita corrosiva que lhe a t u a v a a t é no s o n o em s o n h o s in- trigantes. Mas a idéia t e i m o s a fermentava. E r a um rói-rói diuturno. A c o n s t â n c i a d e s s e p r e s s e n t i m e n t o assanhava-lhe os m a u s instin- tos. Ele sondava Pirunga p o r palavras t r a v e s s a s . E, enfim, confidenciou: — D e s d e q u e isto se e n c a s q u e t o u na minha c a b e ç a q u e vivo c o m a cara calçada de vergonha. Referiu-lhe u m a circunstância q u a l q u e r . — Lá p o r isso não — objetou-lhe o r a p a z . Soledade r e v e l a v a n o v a s e n c e n a ç õ e s de beleza. A c a r n a d u r a de relevos ostensivos e r a um canteiro de t e n t a ç õ e s . Valentim n ã o a largava de si. N o c a s o que a n d a s s e e n a m o r a d a , seria u m a d e t e r m i n a ç ã o n a t u r a l ; mas parecia-lhe q u e ela propendia p a r a u m a m o r criminoso. Q u e , d e s d e a partida de L ú c i o , tinha o u t r a s maneiras, tinha e a ninguém p a s s a v a d e s p e r c e b i d o . E e s s e s m o d o s a c u s a v a m c e r t a transformação interior. O pior, p o r é m , e r a a o s t e n t a ç ã o de feminilidades magníficas, c o m o oferendas d a n a t u r e z a seivosa. E Valentim e s p r e i t a v a tresnoitado. 94 R e c o m p u n h a , d e u m a feita, a s i m p r e s s õ e s mais verossímeis e , a í pela m a d r u g a d a , e s c u t o u u n s estalidos, c o m o b o q u i n h a s e m surdina. L e v a n t o u - s e , p é a n t e p é , c o m o s e a n d a s s e sobre e s p i n h o s . Aplicou o o u v i d o à e s c u r i d ã o q u i e t a . E r a o c ã o b o c e j a n d o e espulgando-se. M a s , à m a n e i r a q u e decorria o t e m p o , ele sentia que se confir- mava a c i s m a r e n i t e n t e . Reprimia, a c u s t o , a rebentina. Resfolegava. E r e c e a v a ferir a ino- cência d a filha c o m u m a interpelação i m p r u d e n t e . A t é q u e , u m dia, n ã o t e v e m ã o e m si. Botou-se a ela, n u m esgar- rão de raiva. Aferrou-a pela gorja, fitando-a na c a r a , q u e r e n d o perscrutar-lhe o segredo d e n t r o d o s o l h o s . — O q u ê ? ! E u ? ! — interrogava S o l e d a d e , c o m o ave p r e s a na e s - parrela. E ele abafou a v e e m ê n c i a p a r a n ã o lançar-lhe em r o s t o u m a s u p o - sição i n d e c e n t e . De o u t r a v e z , c o m o tivesse sentido um cheiro i n c o m u m , e n t r o u a fungar. R e l a n c e o u a vista. Revistou t o d o s os c a n t o s da c a s a . E d e u com o pé no b a ú de lata, revirando-o. E s p a l h a r a m - s e pelo c h ã o vidros d e oriza, j ó i a s b a r a t a s , estojos, toda u m a quinquilharia suspeita. Aqui, e l e , n u m a e x p l o s ã o d o m a u gênio, tirou-a pelo c a b e l o , vio- lentando-a a confessar a origem d e s s e s m i m o s ocultos. T o r n o u ela, c o m a maior naturalidade d e s t e m u n d o : — Papai e s t á m a s é c a d u c o ! Isso n ã o é b e s t e i r a de P i r u n g a ? . . . O r a p a z , q u e a c u d i r a ao grito e s t e n t o r o s o do p a d r i n h o , c h e g o u em tempo d e ouvir e s s a d e c l a r a ç ã o . Valentim tossiu. E a t o s s e p e g o u em t o d o s t r ê s . E n t r o u em si e a p a n h o u um lencinho de c r o c h ê : — Q u e m dá p r e s e n t e de l e n ç o . . . diz q u e a c a b a b r i g a n d o . . . T i r a v a um p e s o da consciência. Pacificava a h o n r a sertaneja. Pirunga e s t e v e em confirmar a e v a s i v a e m b u s t e i r a , p o r q u e ganha- ria c o m e s s a transigência, n u m lance tal, o a m o r d i s p u t a d o a t a n t o custo. R e m í r o u a p r i m a . Seu r o s t o n ã o d e n o t a v a n e n h u m a p e r t u r b a ç ã o ; mas, r e p a r a n d o - s e b e m , o s olhos confessavam-se d e algum m o d o . E , d a n d o - l h e a s c o s t a s , c o m m e d o d e vê-la, p r o t e s t o u : — É menos verdade, Soledade! Você está inventando!... Já a g a r r a d o p e l o s d e d o s n o d o s o s de Valentim, q u e lhe c o l a v a a orelha m u r c h a à b o c a , explicou: 95 c o m o um d a n a d o . A casa já estava rodeada de moradores: João Troçulho. c o m o q u e m s e en- trega a o seu d e s t i n o . assim. C o r i s c o sol- tou um rincho q u e parecia falar. C h o c a r a m . qual um bafo do inferno. c o m o q u e m c o c a a cabeça de desespero.. 96 . — C o r r e u d o i d o ! — gritava o m o l e c ó r i o . E . C o r i s c o r e c o n h e c e r a algum animal e s c a p o à seca e nitria n u m a s a u d a ç ã o de velhos amigos q u e se r e v ê e m depois de um julgar o o u t r o morto. Rinchar ele rinchava s e m p r e e talvez mais q u e q u a l q u e r o u t r o ca- valo d a fazenda. a mulher do feitor.s e olhares vesgos c o m o p o n t o s d e i n t e r r o g a ç ã o . m a s . C o i t a d o do Pegali! C o ç a v a a o r e l h a c o m o p é . desaforada. O sertanejo e s t a c o u t o m a d o de supersticiosa curiosidade. foi o feitor! A g o r a q u e r o ver!.s e dos b r a ç o s d o afilhado. Pirunga. — Foi m a n d a d o de D e u s — dizia Pirunga de si p a r a si. ela. t ã o e x p r e s s i v a m e n t e .. gritou: — Padrinho! O vaqueiro! P a s s a v a pela e s t r a d a u m c o m b o i o d o s e r t ã o . Latomia. n ã o h a v i a lem- brança. N O T U R N O DE Ó D I O E D E S A U D A D E Q u a n d o Valentim i a c o r r e n d o e m p r o c u r a d o feitor. c o m u m a c a l m a acintosa. v o s s e m e c ê n ã o é brejeiro! Sertanejo n ã o l e v a n t a a m ã o c o n t r a m u l h e r ! — interrompeu Pirunga. E c r u z o u o s b r a ç o s . .. na a s s u a d a alegre. confessou: — Pois b e m . procurando-a entre outros objetos dispersos: — M a s foi m e s m o q u e n a d a ! . q u e o encalçava. Valentim c o r r e u . — Eu só lhe dei aquela figa de o u r o p r a v o c ê esconjurar as t e n t a - ções.. E n t ã o .. — P a d r i n h o . n u m a afronta m o n s t r u o s a .. Seguiu-se u m silêncio mais a t e r r a d o r q u e t o d o s o s p r o t e s t o s d e maldição e de vingança. E s t r o n d e a v a m p r a g a s . a r r a n c a n d o . E. E n t ã o . . . Valentim se d e u p r e s s a em voltar tangido pelo a l v o r o ç o d e s s e e n c o n t r o imprevisto. E. n ã o d e i x a v a brejeiro t o m a r c h e g a d a . C o n t i n u o u .. . . . O vaqueiro e n t r o u em si: — Eu n ã o c o n t a v a q u e o s e n h o r tivesse d e s c i d o . N ã o e s t á n a s m i n h a s forças. . — E está acabado. E l a palidejava e e n r u b e s c i a . m o r r e de tristeza. 97 .s e . Pirunga levou o indicador a o s lábios. retirada e tristonha. sendo comigo. o vaqueiro a d m i r o u . E r a a á r v o r e adulta q u e .s e : — H u m ! A menina e s t á um m o ç ã o ! . S o l e d a d e . n ã o pega m a i s . p e r d e n d o o antigo respeito nesse nivelamento da seca: — E u . T a m b é m d á mal-triste n a g e n t e . E r a a forma de indicar a d i r e ç ã o d o s brejos... desci m u i t o . . o mal de u m a instabilidade q u e não condizia c o m a vida sedentária de seu natural. a r r a n c a d a pela raiz. — Desci e . Imagi- nou o rio escapando-se no a r r e m e s s o transitório. — Sim s e n h o r ! — S e n h o r sim!. P o r q u e . O o u t r o p r o c u r o u desviar o r u m o da c o n v e r s a desse d e s a t e r r o de i m p r e s s õ e s . c o m o se suas a l m a s se ti- v e s s e m c o l a d o n o vigoroso a b r a ç o . pedindo silêncio. sem saber q u e e s t a v a r e m e x e n d o u m a ferida a b e r t a : — M o ç a triste é sinal d e . n ã o percebia a c o n v e r s a . — A gente é c o m o o g a d o sujeito q u e . Pegali ria c o m o r a b o . E os sertanejos não podiam s e p a r a r . . . — Há v e r d e ? — Se h á ? ! Até as e s t a c a s do curral p e g a r a m . No s e r t ã o t u d o e r a livre: n ã o s e p r e n d i a m n e m o s c a u d a i s nas b a r r a g e n s . A v i v e n t a v a a nostalgia incurável.... . N o t a n d o . — E o açudeco? — Ficou cheio-cheio! — De v e r d a d e ? — Chei-inho! Valentim visionou o B o n d ó r e v e r t i d o à fartura do i n v e r n o . tirado do p a s t o . M a s s ó a s águas não v o l t a v a m .l h e os primores de m o ç a feita. . de feito. M a s Valentim insistiu: — V o c ê não viu a fazenda? — C h e g a parece do g o v e r n o : t o d o o m u n d o q u e r tirar o seu p e d a - ço. . . . . de mil fôle- gos. E n c o n t r a n d o o olhar fulminante do p a i . O silêncio fecundo que é o ritmo de q u e m se e s c u t a . devagar.s e n u m apito a g u d o . T o r c e a orelha e n ã o sai s a n g u e . a m u s a b á r b a r a q u e n ã o flo- resce n o s p a u i s d o s brejos. c o m o a v e que n ã o a c e r t a c o m a d o r m i d a . m a q u i n a l m e n t e . c o m o s e saísse d e b a i x o d a s árvores q u e m u d a v a m d e cor. E r a a s o m b r a q u e se estendia. O v e n t o . o violeiro p u x a v a a alma c o m o s d e d o s : 98 . E pegou a t o a d a d o s a e d o s sertanejos. E n t o a n d o a t r o v a de F a b i ã o d a s Q u e i m a d a s . E r a a afinação da noite. n ã o p o d e m a i s c o m a vida dela. Soledade purpurejou-se o u t r a v e z e deu-lhe as c o s t a s p a r a e s c o n d e r a vermelhidão do r o s t o . A colina fronteira c o m o q u e se e s p r e g u i ç a v a . c o m o um bocejo de s o n o . — M e n i n a . Pirunga segredou a o v a q u e i r o : — Ele n ã o t e m v o z ativa. E . F e z . D e v i a ser o a p e r t o da s a u d a d e . q u a n d o a s a u d a d e se aplica ao sertanejo! É a sua única sentimentalidade. tornou o silêncio de q u e m n ã o o u v e n a d a p o r - que só se o u v e a si próprio. e m o u t r o s p o n t o s . Valentim a p a r e n t a v a u m a c a l m a trágica e ria c o m um riso a c o l h e - d o r q u e lhe n ã o saía da b o c a . Valentim baixou a c a b e ç a e p a s s o u a riscar na areia c o m o d e d o t r e m e n t e . E o e s m o r e c i m e n t o do dia bulia-lhe na sensibi- lidade e m c a r n e viva. p r e t e x t a n d o d o e n ç a : — T e n h o u m a t r a n c a nos p e i t o s . E. A t a r d e languescia. e m r e t a l h o s . E m a i s se s o m b r e a v a o r o s t o de Valen- tim q u e se r e c o l h e u . E s o n s m i ú d o s c o n c e r t a v a m . aqui e ali. t r a n s p o r t a v a o b a r u l h o indis- tinto. M a s . m a s n a t e r r a c o m b u s t a . v o c ê t e m p e n a do s e r t ã o ? T e r p e n a — c o m o se ajusta e s s a sinonímia. c o m o p é t a l a s d e raios de sol. Vinha-se a noite fechando. c h e g a v a . Faziam-lhe mal a s indecisões d a luz m e d r o s a . u m a c r u z q u e Pirunga a p a g o u a n t e s q u e alguém pisasse e m cima. muitas v o z e s z u m b i a m n u m só grito. A n d a m u i t o s e n h o r a de si. Vinha d a m a t a vizinha u m r u m o r d e c r e p ú s c u l o brasileiro. despeitado: — Já lhe t o m o u o fôlego. d a í a p o u c o . .. a o seu e m b a l o . Quando seca o coração. Pirunga confiou-se à veia r e p e n t i s t a . I n s t a d o . Um b a c u r a u . . n o v a m e n t e . f o i ter a s a s . A m i n h a a l m a de velho Anda agora renovada. o gago notívago — b a c o . 99 . m a s o mistério do q u e e m u d e c i a . U m d o s tropeiros r e s p o n d e : Q u e m deu p e n a a o p a s s a r i n h o O c a n t o tinha q u e d a r : Q u e m voa sofre s a u d a d e . M u r m u r a v a m o s sons humildes q u e ti- nham e s t a d o à e s p e r a do silêncio. E s s a v o z a m o r o s a eletrizava o ar n o t u r n o . Q u e m sofre d e v e c a n t a r . Chega sem ser esperada. E e n c h e m . . Que a paixão é como o sonho. No quente do coração E u criei u m p a s s a r i n h o E . D a v a a i m p r e s s ã o de que t u d o e s t a v a s u s p e n s o . c o m o reticências d o c é u .. P i o s a s s u s t a d o s . N ã o quis m a i s s a b e r d o n i n h o . D a g o b e r t o abriu a j a n e l a no e s c u r o e fechou os o l h o s p a r a ouvir melhor. Quando há seca no sertão. . . . . voou. E a n a t u r e z a abafou-se. O xexéu de m i n h a terra Q u e me ensinou a c a n t a r A n t e s me tirasse o c a n t o E me e n s i n a s s e a v o a r . . b a c o . Interpretava-se o p r ó p r i o sentido d o silêncio d e algumas e s t r e l a s . . b a c u r a u — lem- brava no v ô o c u r t o e na gaguez os p o e t a s da bagaceira. N ã o era o e n c a n t o d o q u e vibrava. S u s s u r r o s anônimos.s e os olhos d ' á g u a . Pirunga improvisou: N ã o se vê um olho-d'água. . em c o c h i c h o s . ou c o m o se fosse incompatível c o m o r e p o u s o c o r p o a intranqüilidade da alma.o . T o m o u o e x e m p l o d a s horas s o s s e g a d a s . T r a d u z i a a insônia pela primeira v e z .s e d e s v a n e c i d o d a desafronta sanguinária. de quietude e de t r e v a a b s o l u t a s . E o c h e i r o da m a n h ã . Virava-se n a c a m a . O galo da casa-grande a m i u d o u . p u d e s s e m u d a r de i m p r e s s õ e s . t u d o se calou. t ã o c h e i r o s a . Sentia em t o d o o seu mistério a noite primitiva. E l e sabia q u e o crime lhe acar- retaria a p r i s ã o no m e i o a d v e r s o . A noite s e m fala parecia e n g a s g a d a pelas sombras espessas. Pegali ladrou g r o s s o . Enfim. participou de t o d o o e n c a n t o da alvorada s e r r a n a . A nostalgia quebrantava-lhe o pen- s a m e n t o d e vingança. 100 . E p l a n e o u a e s c a p a d a . c o m o encanto. C h o c a v a m . c o m o d o n o d a solidão pacífica.s e os dois s e n t i m e n t o s fundamentais do sertanejo — dignidade da família e o apego à gleba. balsamizou-lhe as d e p r e s s õ e s da noitada horrenda. ATIROU N O QUE V I U Já h a v i a t o c a d o o búzio de meio-dia e Pirunga n ã o d a v a sinal de si. E a s e r e n i d a d e exterior a c a l m o u . O silêncio deixava-o p e n s a r p o r c o n t a própria s e m v o z e s p e r t u r - badoras nem sugestões conselheiras. c e d i n h o . c o m o s e . Valentim n ã o pregava o l h o s . O instinto de d e s a g r a v o q u e lhe latejava na m a s s a do s a n g u e e um impulso b á r b a r o em litígio c o m a s a u d a d e do rincão d i s t a n t e . Valentim ficara em c a s a p a r a n ã o d a r de c a r a c o m o feitor. E s t i v e r a . E n e n h u m o u t r o r e s p o n d e u por- q u e s ó c a n t a v a u m galo n a q u e l e s t e r r e i r o s . L e v a n t a n d o . Afas- t a v a de si q u a l q u e r incidente q u e p u d e s s e embaraçar-lhe o regresso premeditado ao sertão. a coscuvilhar a b r u a c a e sumira-se. Q u e r i a c o m b i n a r t u d o c o m Pirunga e n a d a dele a p a r e c e r . m u d a n d o d e lugar. T u d o c a n t a v a c o m o n u m coro de despedida. Desafogou o d e s e s p e r o na l e m b r a n ç a da f a z e n d a r e s t a u - rada. E r a m gritos q u e saíam c o m p e d a ç o s d ' a l m a . m a s por causa de Soledade. c o m u m regougo: — . . desfeita a última e s p e r a n ç a . D e s o b e d e c i a p e l a primeira v e z . Recrudesciam-lhe o s p r e s s e n t i m e n t o s . C o m o q u e tinha os o l h o s e s c o r v a d o s .. espiara o canavial de longe e n e m s o m b r a d e l e .. a b a n d o n a d o n o exílio a d v e r s o .. T u d o m a i s lhe e r a indiferente. *** — P a d r i n h o .. U m a coisa d e n a d a . afligidíssimo. V a l e n t i m p r o c u r o u dissuadi-lo c o m b o n s m o d o s : — Se fosse coisa q u e ele tivesse feito m a l a ela.. D e r a u m a volta p e l o e n g e n h o . 101 . . L a t o m i a d e u notícia: — I n d a g o r i n h a e s t a v a feito um m o l e s t a d o .. V a m o s e v e n h a m o s . v a m o s ' e m b o r a ! Lá a gente n ã o se l e m b r a de n a d a . P i r u n g a relutava. E . E u m a idéia fixa na mira. q u a n d o m a i s carecia d e s s e b o r d ã o d a velhice d e c a d e n t e . E saiu a i n d a a procurá-lo.. p e l a s g r o t a s . Um vem-vem provocativo começou a cantar. T e r i a fugido c o m r a i v a d e Soledade? T e r i a seguido o c o m b o i o ? E .. d e s e n g a n a d a m e n - te. a altos b r a d o s . — P o i s l e v o u um s u m i ç o ! Já d e i u m a c o r r a de vista e n a d a ! — confiou-lhe Valentim. V a l e n t i m r o g a v a . L a r g u e m ã o d e s s a besteira!. .l o . a í . p o r t o d o s o s cafundós d o sítio. deixe de p a n t i m ! P i r u n g a e s t a v a a l a p a r d a d o a t r á s d e u m a cajazeira c o m a g a r r u c h a aperrada. parecia u m t r o n c o m o r t o . Os o l h o s p a r e c i a m uma p o s t a d e s a n g u e . E r a a v o z d o sertão q u e o s i n v o c a v a n u m apelo i n s t a n t e . A q u e l e q u e fazia a s v e z e s d o s s e u s filhos n ã o o a c o m p a n h a r a p o r uma dedicação desinteressada. sentiu-se. . d a í s e p a s s a r a à c a s a d e farinha. Simulou b r a n d u r a : — A g e n t e n ã o d e v e pegar em t u d o . c o m o os o u t r o s . Porque. se safara. se fosse e m n o s s a t e r r a . humílimo: — M e u filho. pela e s t r a d a . d e s c o r o ç o a d o p o r mil a p r e e n s õ e s . N ã o s e bulia. E c o r r e u a c h a m á . eu seria o primeiro!. m a s .v e m ficou gritando. V i b r a v a m v o z e s intimativas.v e m . ferros d e c o v a e facas d e s e m b a i n h a d a s . c o m c a c e t e s . . H a v i a da p a r t e de t o d o s o impulso de a c o m e t e r .s e n u m s ó a r r a n c o . O r a p a z p e n s o u que fosse um a v i s o da passagem do feitor. c o n t r a a s v í t i m a s d e s e u s ódios v a g o s . Qual a o n ç a a c u a d a p o r u m a matilha de g o z o s . c h u ç o s . T o l h i d o s d e s u r p r e s a d a tragédia. . E ele ajustava a espoleta. Valentim p r o c u r o u tomá-la e . n o s l a n c e s d e r e a ç ã o conjunta. refluía e s p a v o r i d a . fazendo o u v i d o s de mercador. trinta. De v e z em q u a n d o . C h e g a v a m . largou-o c o m u m a praga.s e na e s p i n h a a c u r v a d a c o m o o p a u t o r t o sacudido p e l o t e m p o r a l . a o s m a g o t e s . O p a s s a r i n h o c a n t o u . de n o v o : v e m . lançando no chão os p o t e s d ' á g u a e as t r o u x a s de r o u p a . Mulheres assustadiças arrepiavam caminho. e x a m i n a v a o gatilho. n ã o p o d e n d o . o s t r a b a l h a d o r e s c o n s u l t a v a m . *** E m b r e v e p r a z o . o c r i m i n o s o deti- n h a c o m u m a imobilidade faiscante a c a b r o e i r a poltrona — p a r a m a i s de vinte sujeitos q u e o c e r c a v a m . à distância. r e b o o u u m a vozeria q u e sobressaltou t o d o o Marzagão.s e c o m o l h a r e s pusilânimes. L e v o u a garrucha à cara. a o m e n o r a c e n o de resistência. L a t o m i a instigava: — Casca-lhe o p o t r u c o de faca! 102 . a q u a n t o s a c u d i a m ao cla- m o r de p e r s e g u i ç ã o e c o b a r d i a . partia de um c a b r a m a i s afoito o grito de ani- mação: — Pega o homem! A multidão m o v i m e n t a v a . A t é os b i c h o s se a l v o r o t a v a m . A p r u m a v a . m a s pela m a l v a d e z c o m q u e s e c o m p r a z i a m . O v e m . E Valentim fazia frente a v i n t e . c o m as e n x a d a s ergui- das. n ã o p e l o instinto d e represália. n u m c h a m a d o n e r v o s o q u e p a r e c i a vir de muito longe. soou u m a e s t r a l a d a m e d o n h a . c o m o estivesse e m m á s i t u a ç ã o . a t e n t o n o s seus p e r s e g u i d o r e s . exprimiu u m a alegria selvagem. O mulherio grunhia a t r á s .s e . — N i n g u é m me tira o m e u direito! — retorquiu Valentim.. . n ã o há sertanejo q u e p e g u e ! Valentim e n t e s o u t a m b é m c o m o s e n h o r de e n g e n h o : — Seu major.s e p a r a q u e n i n g u é m lhe pusesse m ã o .. n u m desafogo: — E s t á muito e n g a n a d o ! . — Sujigue o h o m e m ! Passe-lhe a e m b i r a ! I s s o ! A c o c h e m a i s . padrinho!. Encorajou os c a p a n g a s : — Brejeiro. M a s . D a í a n a d a . . q u a n d o briga. e n c o l h e n d o - se E . n ã o e r a a vida q u e ele p r e s e r v a v a . V e n d o . Alheio à s circunstâncias d a luta. de c o m força! — o r d e n o u D a g o b e r t o . — r e s p o n d e u J o ã o T r o ç u l h o . a fuga para o s e r t ã o .. q u a n d o dá p r a v a l e n t ã o . seu major! Dagoberto mudou de tom: — Velho. E n t r e g a n d o . foi subjugado p o r c e m b r a ç o s e inque- rido (é o t e r m o ) c o m c o r d a s de c a r o á . com o ar de desafio ou de e s c á r n i o : — Eu v e n h o p u n i r p o r e l e . é se b o r r a n d o t o - do.. o a s s a s s i n o confiou-se da p r o m e s s a . aos c o m p r o m i s s o s d e esca- pula o u d e homizio c o m o p o n t o s d e h o n r a . *** 103 .o . E s t r a n h o u ainda: — Mas. E s t a v a afeito à s c e n a s d e i m p u n i d a d e . a dizer m e l h o r .. a um gesto afirmativo. e x a m i n o u .. você está doido? — O senhor garante? E. c o m o c a r r e i r a d e a n t a em mato grosso. n ã o v e n h a . justificou-se: — Eu cá sou c o m o o t o u r o q u e . s e n ã o a liberdade o u .o ileso. Pirunga varou a o n d a hostil q u e lhe franqueou p a s s a g e m e foi p o s - tar-se ao lado de Valentim: — Mas. brejeirada mucufa! E a t r a v e s s o u . D a g o b e r t o saiu-lhe à frente... E . j o - gando a pistola e n t r e os c a b r a s . a p e n a s se viu i n e r m e . d e r e v é s . padrinho!. — E s t o u b e m livre!. E. o r a a t r á s . *** J á h a v i a m a l c a n ç a d o a ladeira d o T a u á . . Só se eu m o r r e r ! . ela a i n d a e s t a v a enrodilhada c o m a c a b e ç a r e n t e à t r e m p e do fogo extin- to. Se v o c ê d e i x a s s e a b a g a c e i r a e voltasse c o m e l a — v o c ê s a b e . O v e l h o ergueu a c a b e ç a t r ê m u l a e. . S ó t a r d e s e l e m b r a r a m d o defunto q u e ficara e m c â m a r a a r d e n t e . arroxeando-se. só t i v e r a t e m p o de pedir a vela. Pirunga a c o m p a n h a v a o p a d r i n h o . d o sol. c o r r e u em toda carreira.l h e u m cigarro a c e s o n a m ã o crispa- da. . O r a p a z atinou c o m a a d v e r t ê n c i a . e n c a r a n d o . VISÕES D A N O I T E V E L H A Q u a n d o Pirunga s e p r o s t r o u e s b o f a d o j u n t o d e S o l e d a d e . v o c ê n ã o p r o m e t e u ? . .. Q u a n d o o feitor b a q u e a r a . . padrinho! Já dei um toque. N ã o quer por nada!. C o r r e u a t é cair esbaforido a o l a d o d e S o l e d a d e . o n d e Valentim e s t a v a a m a r r a d o . . E n q u a n t o o s e s b i r r o s m u d a v a m o s andrajos. e c a q u e o u a faca: — Eu c o r t o a c o r d a e e s p a l h o a t é o s e n h o r de e n g e n h o . . Pirunga desenganou-o: — Eu queria tanto! Mas não há jeito. 104 . s o b r e c a r r e g a d o de c u i d a d o s : — M e u filho. calcando um sentimento feroz de dignidade patriarcal.o . E. p a r a n ã o ser confundido c o m a cáfila d o s c a p a n g a s . r e t r o c e d e n d o . — Vá d e s c a n s a d o . . coberto de suor. E. t a r t a m u d o : — Eu n ã o sei q u a n d o me livro. Diz q u e não quer. o r a adian- t e . c o m o n ã o h a v i a d i s s o . o p r e s o e s t a c o u . m e t e r a m .. ele c o n t i n u o u . g u a r d a n d o distância. . s o l t o p e l o s cabras que o haviam dominado. V o c ê p o d i a . E embatucou. . aproximou-se do tronco de jatobá. De chofre. — eu n ã o fazia c a s o : m o r r i a satis- feito n a c a d e i a . . . Pirunga. falou-lhe em tom de r e c u s a e de súplica: — V o c ê faz a s m i n h a s v e z e s ? T o m a c o n t a d e l a ? . P i r u n g a relutou.. Só as árvores es- tavam despertas. E n t ã o . N i n g u é m me tira p e d a ç o . . E D a g o b e r t o afastou-se. s e m l a d r a r . i a dormir a o r e l e n t o . . ele p r o c u r o u compor-lhe a saia s u n g a d a à m e i a . s e m lhe dar passagem. a c a n h a d o : — Eu fico fazendo c o m p a n h i a . S e u c a b e l o polvilhado d e c i n z a d o borralho parecia t e r e n c a n e c i d o d e i m p r o v i s o . p r a n ã o di- zer q u e é a m b i ç ã o do r o ç a d o faço q u e s t ã o q u e fiquem. m u i t o d e leve. M a s . . — Pirunga. p o r q u e se estirou e girou o olhar pelos q u a t r o c a n t o s da sala. . U m olhar s e c o . c o m o q u e lhe r e c o n h e c e n d o a a u t o r i d a d e de s e n h o r rural. s a b e n d o de u m a coisa d e s - ta?. O r a p a z n ã o a r r e d o u o p é . ela o intimou: — Saia q u e eu q u e r o fechar. n o a b a n d o n o trágico. Q u e passaria a noite a c o r d a d a . — É ele q u e m m a n d a . — E s t a é b o a ! .. r e s m u n g a n d o : — E u e r a p r a n ã o d e i x a r s o m b r a d e s t a raça a q u i .p e r n a . M a s . 105 . Só se escutava um barulho de ramos. ela c h a m o u . quedou-se n o b a t e n t e . N i n g u é m m a i s e n t r a r á n e s t a c a s a . Pirunga obstou-lhe o ingresso. T a r d e d a noite. d u r o c o m o u m a sentinela. interpondo-se. E . à noitinha. .. S o l e d a d e dormiu logo. S o l e d a d e p r o t e s t a v a .o . Dava-lhe u m a r v e l h i n h o d e sofrimento.. . N ã o pingara u m a lágrima. . Pegali c o r r e u ao terreiro e voltou c o m D a g o b e r t o . d e a r r e b a t o . Julgando-a a d o r m e c i d a . . A t é q u e . c o m o s o l h o s r e v o l t a d o s . t o d a e n v e r g o n h a d a : — Q u e é q u e m e u pai n ã o dirá. ele tinha a i m p r e s s ã o de q u e m v e - lasse p o r u m t e s o u r o n u m covil d e salteadores. . c o m o u m a a c a r e a ç ã o d e e s - finges. Aqui só eu e Pegali! P a r e c e q u e o c a c h o r r o c o m p r e e n d e u t a m b é m s u a m i s s ã o de guar- da. c o m a m ã o na p o r t a entrefechada: — V o c ê logo n ã o v ê ! . . Ventava. v o c ê p o d e ter m e d o . — r e p u l s o u . m a s . N ã o c h e g o u a repeli-lo.o Sole- dade. E i m p ô s . P a s s a r a m a recriminar-se e m silêncio. ela sentou-se. E Pirunga deitou-se c o m r o u p a e t u d o . c o n f u s o . . N o i t e a b s u r d a — índice da solidão vulgar. Ia p e g a r à unha.. o r a a n g u s - tiosa. e n x e r g o u p o r u m a f e n d a d o t e t o a estrela c o m u m brilho d u r o . E atendia às e x p r e s s õ e s con- traditórias d o v e n t o s e r r a n o : c a r i d o s o . fúnebre.. R o ç a v a . L e v a v a a s m ã o s a o s o u v i d o s . d e p o i s . q u a n d o ela s e m e x i a n o lençol. P i r u n g a saltou da rede s e m . agarrou n o a r u n s b r a ç o s gelatinosos q u e lhe esfriaram a s m ã o s . C o r r i a . E ela insistiu g r i t a n d o : — PIRUNGA! — H u u m ! — soou c o m o um g e m i d o longo. a v e r s ã o d e u m a a s s o m b r a ç ã o . o u v i a Soledade r e s s o n a r . A s lavadeiras sabiam d e t u d o : — É u m a visagem q u e a n d a de n o i t ã o a c e i r a n d o a s e r t a n e j a . q u e n e m o resfôlego d e u m g o z o . Pirunga pressentiu um v u l t o c o s i d o à c a s a . S ó t i n h a a o 106 . c o m o u m grito e m u. r e p r e e n s i v o . . nuinha e t e n r a c o m o um q u e r u - bim-menina. noite p o r n o i t e . C e r t a noite — q u e noite! — a t é os pirilampos se a p a g a r a m . N i s t o . E l e fez q u e n ã o ouvia.s e . d e m u i t o . L e m b r a v a a inocência c o m q u e ela lhe saltava n o s j o e l h o s . n u m a insônia febril q u e e r a a fo- gueira d o s s e n t i d o s . — Q u e r i a saber q u a n d o m e u pai se solta. E c o n t a v a lhe a r e s p i r a ç ã o — o r a flébil. T i n h a m e d o da discrição do silêncio. ocorria-lhe q u e p o d e r i a e s t a r d e s c o m p o s t a n o d e s a l i n h o do s o n o solto. c o m o o clássico " o l h o d a c o n s c i ê n c i a " . Q u a n d o t u d o se sossegava. c o m o u m a surdina d e misté- r i o s . c o m o u m c l a m o r d e m u d o . o r a acelerada. na p o r t a d e d e t r á s . E. Sobrevinha-lhe u m a curiosidade involuntária. m a s pigarreou p a r a m o s t r a r q u e n ã o e s t a v a d o r m i n d o . b u s c a r a g a r r u c h a . n e m para as e s t a m p a s ben- tas. C o m o estaria d e i t a d a ? D e b o r c o ? D e b o r c o n ã o seria. . no escuro. E s s e hálito s o p r a v a c o m o u m fole vivo q u e lhe a c e n d i a o s s e n t i d o s . D e p o i s . ao m e n o s . nesse arremesso temerário. . o t e m p o em q u e a t o m a v a n o s b r a ç o s . c o m o a c a l e n t a n d o o c o r a ç ã o . n a s a l . — Eu só r e s p o n d o de dia. E d e s v e l a v a . q u a l o ofego de um r e m o r s o . Avançou cego. n o sítio. desses que não s a e m do céu. c o m o d a n d o sinal p a r a abrir. E fechava os o l h o s no e s c u r o . n u m a abs- trata lassitude: — An!. ao seu convívio. desferiu um b e r r o de impotência e de coragem: — Se és a alma do feitor. E ela. E e n t r o u a evadir-se. E c o r r e u t r a n s t o r n a d o . 107 . ludibriado pela a p a r i ç ã o sorrateira. Ele c h e g o u . falou-lhe de u m a saudade impossível. A c h a m a envolveu-lhe o seio. D a g o b e r t o chegara a franquear-lhe os meios de u m a viagem de re- creio. E o fantasma não r e c u a v a . . A s s i m . p o r o n d e mateja- va.seu a l c a n c e e s s e s tentáculos p e l u d o s e fugidios.. c o m o n u n c a . c o m as o r e l h a s longas doloridas. d o q u e d o bicho imaginário. d u r a n t e as férias. um b u r r o p a c h o r r e n t o . a s ó s .. Soledade mal levantou o rosto da costura: — E s t o u cosicando isto a q u i . alma d a n a d a ! S o l e d a d e acorreu a t o r d o a d a c o m a lamparina na m ã o . Foi recebido pelo pai m a z o r r o de má sombra. lutar c o r p o a c o r p o e não e n c o n t r a v a senão os a p ê n d i c e s m o n s - t r u o s o s . do c o r p o bran- c o . C o m o quer que fosse. n e m reagia. e v o c o u pas- sagens de seus a m o r e s b o s c a r e j o s . c r u z a n d o o s b r a ç o s para encobrir o s p e i t o s ... em camisa. c o r a d a pelo sol e c h e i r a n d o a si m e s m a . subtraía-se a o s e n c o n t r o s c o m ele. L ú c i o não se e s q u e c e r a de sua beldade m a t u t a . Ao vê-lo. c o m o que e s p i a v a t a m b é m a visão d e s n u d a da noite enig- mática. E n c o s t a d o à palha. E . Ele divisou-a. tocou-se fogo. c o m o um incêndio e s p o n t â n e o d o c o r a ç ã o .s e . T e n t e a v a aferrar pela goela. A v a n ç o u Pirunga e. c o m muito mais m e d o dela. p a r a se descartar. sem largar a luz. . c o m o u m a m a n c h a d e luar n a t r e v a absoluta. E ele viera a n t e c i p a d a m e n t e . arrancou-lhe a camisa em d u a s tiras. c a i n d o e m si. n u m só rasgão brutal. dessa t e s t e m u n h a m u d a de sua solidão. UMA SERENATA DE CIGARRAS E n f a r a d o das mulheres superfinas que civilizavam o s e x o . te s o v e r t e . d e s l e m b r a d a . à claridade incerta. o j a t o b á c a r r e g a d o . Amofinava-se d e n t r o d e s s a alegria na- tural c o m o um d o e n t e de indigestão q u e sofre da felicidade do estô- mago cheio. do eterno e s p e t á c u l o de flores e c a n t o s .s e na solicitude enjoativa. c o m o violinos em surdina. e n c o n t r a v a m u d a d a a fisionomia do sítio: t u d o para m e n o r .. interpelado. L a t o m i a mexericava: — C o n t a d o é o dia q u e n ã o se enfinca em c a s a dela p r a olhar as p a r e d e s . Escravizara-se às formas e x t e r i o r e s refletidas em sua sensibilidade. O q u e lhe parecera o s e n t i m e n t o da natureza fora u m a subordina- ç ã o vulgar. A n t e s . p o r q u e se j u l g a v a abaixo de tudo. Eu ele já tinha a r r i b a d o d a q u i . N ã o distinguia as v a r i e d a d e s da e s t a ç ã o : as m a n g u e i r a s e os ca- j u e i r o s sujos de sangue. abacateiros floridos c o b e r t o s de insetos. O e s t u d a n t e c o m e ç o u a suspeitar desse d e s a p e g o . À medida q u e ia c r e s c e n d o . L ú c i o ignorava a causa do c r i m e . Repercutiam-lhe n o c o r a ç ã o vazio t o d a s a s v o z e s a g o u r e n t a s . à esterilidade interior. É u m a coisa p o r d e m a i s ! . J o ã o T r o ç u l h o informou. E volveu-se. A paisagem p e r d e r a aquele sentido solidário. . n o t a v a q u e os altos e as plantas familiares se a m e s q u i n h a v a m . L ú c i o levava t a m a n h o r e t r a i m e n t o à conta da prisão de Valentim: c u i d a v a q u e a filha do a s s a s s i n o se corria desse labéu.. . olhava p a r a o s p é s : — Sei n ã o . C o r r e u e m s o c o r r o . m a s d a s á r v o r e s só lhe restavam n ' a l m a as sombras úmidas. b a t e n d o n u m barulho de c a s t a n h o - las. v a g a m e n t e : — M a t o u de ruim pra m a t a r . — Ui! uü. s a n g r a n d o na folhagem nupcial. n e m e s s a ilusão sentia. E sua alma condoída e x t r e m o u . m a s não se falavam. . a p o u c o e p o u c o . M a s . . O espírito m o d o r r o enfastiava-se da mesmice do c a m p o . E . Seu bucolismo fora u m a c r i a ç ã o lírica. q u a n d o c h e g a v a . Dava-lhe c o m que p a s s a r . E r a u m b a n d o d e a n u n s n o m e s m o ninho c o m a alegria d e s s e c o m u n i s m o a m o r o s o . c o m as c o p a s musicais. *** 108 . Pirunga tinha-se m a l q u i s t a d o c o m Soledade.. .. p o r último. . E r a o p u d o r do abandono. A m a n h ã e n t r o u no q u a r t o de telha-vã. E L ú c i o esgueirou-se d o s s o n h o s convulsivos e d a s visões rebel- des d a insônia. M a s e s t a v a t u d o d o r m i n d o . A lua bonita — l u g a r - c o m u m d o s c é u s brasileiros — e r a um ro- m a n t i s m o inédito n e s s a h o r a ambígua. A noite b r a n c a , em c a m i s a , tinha um peito a p o j a d o de fora, a va- zar-se e m goteiras d e luz. E r a u m a feição d e dia c l a r o , d e u m a claridade benigna, q u e r e v e - lava t u d o s e m e x a c e r b a ç õ e s de sol. Um d o c e meio-dia c o m o cheiro forte d a fresca d a m a d r u g a d a . A noite n u a , s e m o maillot d a s n u v e n s , nas negligências da soli- d ã o , t o m a v a um b a n h o de leite. E a b r a n c u r a tangível escorria mo- lhando a s coisas a d o r m e c i d a s . A coruja, desconfiada, recolheu-se ao seu esconderijo. E o c é u m o s t r o u q u e t a m b é m sabia cantar. Pegou a cantoria das estrelas e s c o n d i d a s . P a r e c i a u m delírio d o s a s t r o s . L ú c i o e s c u t a v a m a r a v i l h a d o a c o n s o n â n c i a sideral. E r a m as cigarras q u e t o m a v a m a lua pelo sol. T o d a a amplidão r e c h i n a v a n u m a loucura estrídula, zinia na fan- farra de milhões de silvos q u e c r e s c i a m n u m grito u n í s s o n o fantástico de mãe-da-lua. Um ruidoso meio-dia à meia-noite. E s t o n t e a d o d a zoeira fora d e h o r a s , L ú c i o abeirava-se d a casa d e S o l e d a d e . E notou q u e u m a s o m b r a — a única s o m b r a d e s s a vibração luminosa — lhe seguia as p i s a d a s . E r a a m ã e preta — a noite indormida de sua infância c o m a cabeça toda b r a n c a , c o m o c o r o a d a d e luar. Ele abraçou-a, alisando-lhe a carapinha de algodão. E imaginou que ela, em paga de t a n t o s sacrifícios, ia ficando a l v a , t o d a branqui- nha, d o cabelo pixaim a o s p é s . Milonga falou-lhe c o m um beijo no ouvido: — Vá dormir, ioiozinho: a noite é pra gente se e s q u e c e r . F e c h e os o l h o s , faça de c o n t a q u e e s t á d o r m i n d o . Se vier a l e m b r a n ç a , faça de c o n t a q u e é s o n h o q u e não faz mal a ninguém. E levando-lhe a m ã o à t e s t a febril: — N ã o perca a c a b e ç a , m e u filho: coloque ela p o r c i m a do cora- ção c o m o D e u s c o l o c o u , c o m o q u e m coloca u m p e s o e m cima d e u m a coisa q u e q u e r v o a r . Ungiu-se, afinal, de t o d o o mistério n o t u r n o : — Mulher é c o m o fruita: q u a n d o cai, a p o d r e c e . . . 109 *** L ú c i o continuou a viver j u r u r u , c o m o u m b o d e d o e n t e . F a l a v a b a i x o , c o m a fadiga d a v o z . Batia o s d e d o s e m t u d o , c o m o num teclado. N ã o se s e n t a v a q u e n ã o e n t e r r a s s e a c a r a nas m ã o s . E deu-lhe vol- t a r a o s antigos hábitos — à solidão voluntária do q u a r t o de d o r m i r . Refugiava-se n o s livros de u m a i n v e n ç ã o fantástica q u e lhe h a v i a m d e s o r g a n i z a d o a sensibilidade. T e n d o p r e s e n t e s o s c o n s e l h o s d e Milonga, t o r n o u , u m dia, a ra- biscar na p a r e d e c o m o v e n e n o pessimista: O a m o r é o caixeiro-viajante da p r o p a - g a ç ã o da espécie. * N ó s compramos as mulheres perdidas e as m u l h e r e s h o n e s t a s nos c o m p r a m . É o r e g i m e instituído p e l o s i n t e r e s s e s s e x u a i s . Há uma generosidade egoísta: a de quem a m a sem ser a m a d o . * A m u l h e r só s a b e g u a r d a r o seu s e g r e - d o . O a m o r é a única f o r ç a c a p a z de a d e s c o b r i r ; e, q u a n d o a d e s c o b r e t o d a , n a s d e n ú n c i a s d e certos a b a n d o n o s , ela e s t á perdida p a r a o próprio a m o r que a desco- briu. N ã o ! a mulher que a m a é a q u e diz me- n o s , p o r q u e é a que m e n t e m a i s . Só a mulher que sofre diz t u d o n u m grito de dor. M a s não p ô d e contrafazer a n a t u r e z a sensível: O a m o r m a i o r é o que n ã o t e m f i m . * 110 A m a i o r d a s s a u d a d e s é a do b e m p r e - sente que já não se alcança. *** I n d o a o p o m a r , s ó distinguia n o s frutos s a z o n a d o s a s m a n c h a s pretas. Dir-se-ia q u e a a l m a se lhe tinha apodrecido d e n t r o , c o m o um feto morto. Sentia q u e a sua p i e d a d e p a r a c o m o s o u t r o s n ã o e r a m a i s d o q u e u m a forma da piedade d e v i d a a si m e s m o . T r a z i a a c a b e ç a inclinada, c o m o q u e m leva o p e s o de u m a idéia fi- xa. Vendo-lhe a c a r a aflita, n u m a a p a r ê n c i a visionária, s e g r e d a v a m os moradores: — A n d a b e s t a n d o . E s t á f a z e n d o v e z de d o i d o . . . E ele esgaravatava a c o n s c i ê n c i a . Tinha vertigens na inteligência, c o m o a s t o n t u r a s d e q u e m o l h a p a r a o sol e , f e c h a n d o o s o l h o s , v ê , e m v e z d e luz, p o n t o s n e g r o s . D e u m a feita, a s s o m b r o u - s e c o m o s p r e s s e n t i m e n t o s d o seu desti- no. O b s e r v o u n o d e s c a m p a d o u m a c r u z d e s o m b r a d e s e n h a d a n o chão. F i x a v a - s e a m a n c h a inexplicável, c o m o um m a u a u g ú r i o . L a t o m i a tirou-o d e s s e p e s a d e l o : — O s e n h o r n ã o vê o g a v i ã o s e s s a n d o ? A a v e de rapina p a r a d a , m u i t o a l t o , c o m as a s a s d i s t e n d i d a s , pe- neirava. *** P i n t o u - s e , mais t a r d e , um p o e n t e esquisito: o fundo de fogo de- b r u a d o de r o x o e a m a r e l o e p o r c i m a u m a s b r e c h a s e s c a n c a r a d a s p a r a se v e r a D e u s p o r e s s e p r i m o r de suas fantasias. E L ú c i o sentiu falta de S o l e d a d e . T i n h a a ânsia de r e t o m á - l a ; só se corre p a r a o q u e foge. L e v a v a a peito salvá-la d a s c o n s p i r a ç õ e s da s o r t e . M a s , c o m o q u e r q u e lhe falasse e m c a s a m e n t o : — Diga... E l a r e s p o n d e u n u m t o m d e pilhéria amarga: — I s s o é falando sério? M a s veja s ó ! . . . R e m a t o u d e u m a m a n e i r a q u a s e repulsiva: 111 . — ' S t á d o i d o ! Eu podia ser s u a m ã e . . Queria e r a q u e eu lhe d e s s e fuga e. ?!. q u e eu i g n o r o ? D a g o b e r t o a m a n s o u a v o z e n t r e m u x o x o s involuntários: — O r a .. . .. E n c r e s p a v a .. E D a g o b e r t o levantou-se: — Q u e me q u e r ? V a m o s lá! D e s e m b u c h e ! ... Eu já sabia q u e o senhor (era u m a forma agressiva de t r a t a m e n t o ) a n d a v a m e t i d o c o m o a s s a s - sino!... i n t r a t a v e l m e n t e . c o m o u m a lagarta-de-fogo. E ele saiu p e n s a n d o n u m a m o r q u e lhe suprisse t o d o s os a m o r e s q u e n ã o tivera — de m ã e . E o pai lançou-lhe em r o s t o . n ã o se faça d e s e n t e n d i d o . m e u pai? Q u e h o u v e . se ele for livre. L ú c i o criou coragem: — O s e n h o r diz isso e eu beijo a m ã o dele p o r um d e v e r q u e a m u d a n ç a d a sorte n ã o m e fez d e s c o n h e c e r . p o r q u e ... — C o m o ? ! O s e n h o r s a b e ? Eu n ã o passei a n i n g u é m . c o m o habitual a g a s t a m e n t o : — N ã o p r e c i s a v a vir d a r . . . P o r u m a natural desconfiança o u p o r q u e lhe e n t r e v i u u m a r d e de- saprovação. . Lúcio antecipou-se: — Eu sei q u e o s e n h o r leva a m a l . . . .. . M a l v a d o . — Se levo?! E p o r q u e n ã o hei de levar?! O e s t u d a n t e ficou b r a n c o e frio.m e p a r t e ! . p o r q u e . me liquida em dois t e m p o s ! — M a s . — S i m . — É!. P a r e c i a q u e r e r falar pelos o l h o s arregalados.s e . . de i r m ã e de noiva. c o m o n ã o dei. F o i p r a isso que o botei no e s t u d o — pra ser c o n t r a m i m . c o m o é. p r a m e d e r r o t a r ! . n ã o me per- d o a a p r i s ã o . PAI E FILHO O senhor não repare. c o m o u m a figura de gelo. . Beija as m ã o s de um criminoso e n u n c a beijou as de seu pai! — N e s t a c a s a n u n c a se ouviu um beijo! 112 ... — Se sei? Até gato e c a c h o r r o s a b e m que o s e n h o r vai me defen- d e r aquele bandido no j ú r i . está comigo de olho. . O r a . M a s n ã o e r a isto o q u e e u vinha dizer-lhe. Soletrou: — G-o-s gos t-o t o . O e s t u d a n t e a v a n ç o u p a r a abraçá-lo. o cavalo s'embaraçou e morreu enforcado! — C a b r a de peia.. delibera- d a m e n t e . vou c a s a r .. O bravateiro a p a n h o u de c a b e ç a baixa talvez p a r a livrar o r o s t o de alguma lapada cega.. eis q u e o p a i o c h a m o u à fala. Eu vinha dar-lhe p a r t e — e já p o u c o me importa q u e saiba — q u e . empalideceu de c e r t o m o d o e a c a b o u n u m a f r a n q u e z a d o i d a . — N ã o . m o n o l o g a v a . no seu v a i v é m . . a e s p a ç o s : — E esta!.. a i n d a mais b r a n c o : — Patrão. É s e n h o r de suas a ç õ e s . . — Q u e ajudará a m a t a r . . E ele c o m e ç o u a ir e vir. E u q u e r i a dizer-lhe. . c o m o o criminoso c o m a p e r v e r s i d a d e da confissão: — . L ú c i o ia i n t e r c e d e n d o : — N ã o bata n o .. chegou L a t o m i a .. c o m o s e a s p r e n d e s s e p a r a s e coibir de violências. c o m os d e n t e s à mostra. . d e m ã o s a t a d a s n a s c o s t a s . .. M a s ocorreu-lhe q u e e s t a v a incidindo n u m a e x a s p e r a ç ã o maior e e s c o a v a . E. L ú c i o aproveitou-se d e s s e silêncio p e r t u r b a d o r e d i s s e . E as baforadas envolveram-lhe a c a r a ..m e c o m a filha do a s s a s s i n o . o s e n h o r de e n g e n h o tirou o r e b e n q u e do a r m a d o r e deu-lhe c o m o n u n c a s e d e r a e m negro fujão... Ficou b r a n . a s s i m .s e .. . Tinha serenado: — Q u e r que lhe diga? É de s u a v o n t a d e ? P o i s n ã o me faz n a d a q u e c a s e ou não c a s e . . v o c ê foi o c u l p a d o ! É. — O quê?! Então.. você!. Aí. . V o c ê já se v i u ? ! E r a m e s m o o q u e faltava.. q u i n h o ! N i s t o . A p a r e n t a v a u m a c a l m a enfurecida: — Hum! hum!. eu serei a d v o g a d o de Valentim. E n r o l o u a p o n t a do b i g o d e no d e d o e ficou. 113 . .. . ao seu j e i t o .. .. dando-lhe um ar m a i s s o m b r i o . Estou a ver que tem bom gosto.m e ! N ã o é isso? N ã o sei o n d e e s t o u que. O s e n h o r de e n g e n h o c h u p o u o cigarro inteiro de dois t r a g o s . m a s na v e r d a d e ! . senhor! N ã o p e r c a a calma. D a g o b e r t o f i c o u d a c o r d a p a r e d e . ali m e s m o . c o m u m insólito p o d e r d e resolução: — M e u pai. v o c ê p e n s a q u e me b o t a o pé no p e s c o ç o ? ! Q u e me desmoraliza a r a ç a ? E s t e v e . c o m o s b r a ç o s c a í d o s c o m o u m p e s o m o r t o . em seguida. n u m vozeirão. M a s . N ã o p ô d e continuar. n o v a m e n t e . L ú c i o deixou-se e s t a r no m e i o da sala.. . Pra q u e foi q u e o tirei da ba- gaceira? Virou-se p a r a L ú c i o : — M a s isso não t e m t r a m e n h a ! Se e s t u d o dá é p r a d e s m a n t e l a r a b o l a .. c o r a n d o c o m u m a p o n t i n h a d e mistério: — É coragem muita!. m a q u i n a l m e n t e . vai-não-vai. A i n d a se descomediu em o u t r o s r o m p a n t e s . . c o m o se tivesse a alma a trovejar: — N ã o ! não casará com a retirante! Corto a mesada. E p a r e c e q u e D a g o b e r t o e n s a i a v a . Enfuriando-se. G-o-s gos t-o t o . . . seu c o r n o . . . p a r a o r e t r a t o da mulher p e n d e n t e da pa- rede. O estudante. desasado. . sentou-se e e n t r o u a assobiar. a g u a r d a n d o o d e s a b a r d e s s a v e e m ê n c i a . esfregando as m ã o s .. a saltar-lhe ao gasnete. T i n h a q u e ver!. E o l h o u . num destampatório: — E n t ã o . . T e m g o s t o . . sim. M o n t o u . mar- c a n d o o c o m p a s s o c o m o pé frenético. c o m a imobilidade de uma grande d e c i s ã o . D e p o i s . v o c ê me vai é p r o c a b o do freijó! Já fora de si: — N e m bonita é. t a n t o a b a l a n ç o u . b a i x i n h o .. s e m u m a saída. E c u s p i n h o u c o m c a r a de nojo. D a g o b e r t o pulou. voltou-se. d e p a n c a d a . u m a p e r n a sobre a o u t r a e. D e u u m a risada triste q u e n e m um uivo. E n ã o lhe digo mais n a d a . de mais a m a i s . .s e . . 114 . L ú c i o q u e d a r a . . N ã o podia ser mais feliz a e s c o l h a .. . P r a q u e m é b a c a l h a u b a s t a . O rosto ficava-lhe m a i s c o m p r i d o .. A c e n t u o u . V o l t o u a falar c o m o olhar no t e t o : — P a r a q u e foi que eu gastei t a n t o s e q u a n t o s ? D i n h e i r o q u e d a v a p r a levantar a c a b e ç a de muita g e n t e . C h e g o u a fazer m e n - ç ã o d e aberturá-lo. . E D a g o b e r t o foi à j a n e l a . s e .. . senhor!. boto pra fora de c a s a ! . arriscou: — Seria do g o s t o de m i n h a m ã e . . despersuadi-lo pelo ridículo: — Pois q u e lhe faça b o m p r o v e i t o . i m p e r a t i v a m e n t e . c o m o se triturasse a l g u m a coisa. que ela caiu.. tirou o retrato da p a r e d e . ... . E c o m um ar h e s i t a n t e : — E u não tinha e n c o n t r a d o o u t r a mulher a s s i m . a q u e l a testa! E r a m o s c a r a c t e r e s físicos d a consangüinidade sertaneja. E. evocativo: — C o m o de fato. m a s foi tua m ã e ..o . c o n c e n t r o u . Chegou-se a L ú c i o . d e v e z e m q u a n d o . E l e veio em 77. os impulsos da r a ç a vingadora. Lembrou-lhe o cajueiro da a l a m e d a — o de galhos nascidos do m e s m o t r o n c o c o m d e s t i n o s desiguais. E revelou: — O pai de Soledade n ã o é irmão do pai de m i n h a m ã e ? Pois. . c o m p a r o u : — Veja aquela b o c a ... Eu pro- fanei a m e m ó r i a de t u a m ã e . foi essa s e m e l h a n ç a q u e me levou a lhe dar m o r a d a . N ã o era um leguelhé. Soledade t a m b é m n ã o é.. . . en- tão? Dagoberto desconcertou-se: — É a p u r a mentira! E L ú c i o não r e t r u c o u : limitou-se a esticar o d e d o p a r a o retrato d e s b o t a d o . O senhor de e n g e n h o confessou. D a v a d e c o s t a s . meu filho. humílimo: — N ã o . M a s e m e n d o u o efeito d e s s a confissão. . m e u p a i ! — N ã o diga o q u ê ? ! — Se minha m ã e n ã o e r a retirante. . . T r o u x e h a v e r e s . d a r a ç a que se fixara e s t r e m e de r e c r u z a m e n t o s i m p u r o s . . c o m o p e r m a n e c e s s e o silêncio p e s a d o . remirou-o e m u r m u r o u abatido: — Eu devia ter a d i v i n h a d o .s e . c o m o s e intentasse sair e. n ã o . Q u a n d o a vi p e l a primeira v e z . v o l t a n d o . o s e n t i m e n t o de família dos seus a n t e p a s s a d o s ser- tanejos: — Q u e é que o s e n h o r e s t a d i z e n d o ? ! D a g o b e r t o deu u m p a s s o a t r á s corrido d e v e r g o n h a d e s s a s disso- 115 . f o r m a n d o o c o n t r a s t e : — E r a um sertanejo de c o n d i ç ã o . c o m o p a s s o agitado. q u e a m e i nela. L ú c i o sentiu q u e lhe refluíam t o d a s as t a r a s a t á v i c a s .. ela n ã o p o d e ser tua e s p o s a p o r q u e . m i r o u .. O senhor não c a s o u c o m m i n h a m ã e ? — E a q u e v e m isso? S u a m ã e n ã o era e s s a m u n d i ç a ! — N ã o diga isso. r e a t o u : — N ã o há t e r m o de c o m p a r a ç ã o . . Lúcio não se conteve que não obtemperasse: — Por ser retirante. . . M a s . prostituiu m i n h a prima. Foi p o r m i n h a c a u s a q u e o s e n h o r perdeu sua mulher. m e n o s o seu amor. c o m a a s c e n d ê n c i a g a n h a p e l a humildade d a s criadas v e l h a s : — Minha gente! isso é um fim de m u n d o . É a mesma coisa. c o m o s e falasse a o r e t r a t o : — M e u pai desonrou m i n h a família. N ã o diga m a i s q u e nem bonita é . — M e u pai. .a para o senhor. Ele sabia que o c o r a ç ã o n ã o é c a p a z de r e n ú n c i a s .. E. E o e s t u d a n t e n ã o lhe t e m i a a veemência.. Latomia atravessou-se: — Eu vi o trovejo. . — Eu logo vi! É p o r isso q u e o senhor t e m m e d o do a s s a s s i n o . — A h . to- m o u m i n h a noiva!. Já é s u a . Saiu a cambalear: — Eu d e v o d e s a p a r e c e r d a q u i p a r a q u e não fique interposto nesse amor. .n â n c i a s da honra.. n ã o seja t a m b é m p o r m i m que p e r c a sua a m a n t e . e m b o r a lhe evitasse olhar. . . a g o r a . o s e n h o r e s t á m e n t i n d o p a r a me dissuadir!. . . .. Saiu carregando t u d o : — E n q u a n t o eles virem a m o r t a não se e s q u e c e m da viva. Foi direito à casa de S o l e d a d e . B e m q u e o feitor lhe dissera q u e c o m a q u e l e calibre p a s s a r i a a perna em seu L ú c i o . Dirigiu-se ao pai: — T o m e . P o r q u e sabe q u e minha gente n ã o p e r d o a e s s a s afrontas! E . m a s t a m b é m devia saber q u e o pai p o d e d i s p u t a r t u d o ao filho. m i n h a m ã e . É bonita e é sua. Foi um c a t a t a u m e d o n h o ! E c o m u m a ponta de m a l d a d e : 116 . F o r a Milonga que o d e r r u b a r a p o r trás com o c a b o da v a s s o u r a .. c o m o lhe p e r c e b e s s e u m g e s t o d e renúncia: — Eu matei. Caiu o q u a d r o espatifado... n a s c e n d o .. A m b o s se a s s u s t a r a m diante d e s s e mistério. E . a n t e s fosse mentira! M a s a gente t e m d u a s ida- d e s de p e r d e r a c a b e ç a . m e u filho. L ú c i o recuou: — Eu queria resgatar aquele d e s t i n o . . q u e é um direito da idade. No caminho. Meu a m o r e n c a r n a v a t o d o o sofrimento da seca. . ( A s s a ú v a s soli- 117 .. m a t e .. E os dias p a s s a v a m .. Regozijavam-se os p r e s o s c o m a ruína iminente. O JURAMENTO Pirunga chegara-se à g r a d e da prisão c o m um ar s u c u m b i d o e se- gredeiro. n u m g e s t o suspensivo: — Tu és muito d e s g r a ç a d a ! A c o s t u m a d a a t o m a r e s s a p a l a v r a em sentido i n s u l t u o s o . A p e n a s e r g u e u o r o s t o e cra- vou-lhe um olhar l u z e n t e c o m o a lamina d e s e m b a i n h a d a . E l a s e n t a d a e s t a v a . Entregava- s e a o golpe iminente o u z o m b a v a d a a m e a ç a .. A i n d a gritou. ao d o b r a r a e s t r a d a : — A t é dia de j u í z o ! E foi ela mofou: — A h .s e . c o m o um p é . Eu vi o e s t e r n e g u e ! Babau!. s e n t a d a ficou. maltratar. m a s ..v e n t o . a t i r a n d o a a r m a pela j a - nela e a p o n t a n d o o t e r r e i r o : — Pu. a n t e e s s e olhar indizível. a q u a l q u e r m o d o . E deu-lhe as c o s t a s p a r a n u n c a mais voltar. c o m o p a r a se d a r a ilusão de q u e . .. E n t r o u . M a s . e s q u e c i d a m e n t e . . Soledade n ã o c o m p r e e n d e u a lástima: — Se q u e r m a t a r .s e c o m u m a len- tidão de milagre bíblico de sol p a r a d o . p r o c u r a v a a liberdade Q u a n d o n ã o . — N ã o sabia q u e ela t i n h a c a í d o n a vida? E s t a v a t u d o d e língua p a s s a d a .. E levantou-lhe um p u n h a l sobre a c a b e ç a : — Pu. c o n t a v a as badaladas da sineta. e s s e n u n c a lhe chegará!... de l o n g e : — A g o r a . e m e n d o u . isso n ã o ! — M o r t a já e s t á s ..d e . p a r a gastar o t e m p o q u e era o q u e t i n h a p a r a gastar. já sei p o r q u e q u e r i a s ser m i n h a m ã e ! É impossível: eu j á n ã o t e n h o mais p a i ! D e s p e d i u . d e r r u b a n d o a p o r t a . a l m a da s e c a — e s c a r n e c e u L ú c i o . a fenda do r e b o c o .xe! N ã o podia expeli-la do q u e n ã o lhe pertencia e c o m a m ã o espal- m a d a p a r a a frente. E l e ia repetindo: — Pu. Valentim e s g a r a v a t a v a . .. A n d a v a a o s m a n d a r e t e s . . A cadeia e s t a v a vai-não-vai. e s p e r a n ç a v a m . Valentim fez m e n ç ã o de sair: — ' S p e r a aí! Eu vou já-já!.s e c o n t r a a grade de ferro.. U m a p o n t i n h a d e tosse d e p r e s o . q u a n d o viu s a n g u e . Passou as c o s t a s da m ã o na testa ferida. ouvindo o c h a m a d o s u b t e r r â n e o d a s c o v a s feitas.s e n u m c a n t o .. j u n t o d a c u b a cheia.. — De v e r d a d e . Recuou para os presos: — V o c ê s q u e r e m cigarro? T o m e m cigarro! E n ã o e n c o n t r o u mais o m a ç o q u e havia e s c o n d i d o no r e b o c o aberto. N ã o se tinha em si de satisfação: — E n t ã o . X i n a n e . Valentim voltou-se. E. e r a t u d o p a n t i m ? Soledade n ã o h a v e r á de me m a t a r em vida.darias — as m e s m a s formigas sacrílegas q u e haviam d e r r u í d o a igreja de S a n t a Rita — c a r c o m i a m . P i r u n g a ? ! Q u e é q u e você e s t á d i z e n d o ? Eu logo vi! M i n h a f i l h a .. A r r e m e s s o u . danou. . . . R a n g e r a m as t r a v e s c o m o pé-de-ven- t o n u m longo gemido d o t e t o d e s e n g o n ç a d o . — E r a só espoleta. .. O ladrão confessou: — T o m e seu m a ç o de c i g a r r o .. A d e r r o t a e s t á feita!. c o m o q u e m lança a p r ó p r i a vida n u m a h e m o p t i s e : — O feitor e r a só leva-e-traz. p a r a Pirunga: — H o m e m . — P a d r i n h o .s e c o m a e s c a p a d a na h o r a do p e r i g o . Eu guardei p o r c a u s a dos outros. afinal. .) B a t i a m c o m os pés no c h ã o c a v o . m e u velho. E n c o l h e u . m e u filho. i m p u n e m e n t e . E calou-se p a r a tossir c o m os d e d o s enfiados na b a r b a esfiapada. que ainda e s t a v a d e t i d o p o r haver tirado o q u e e r a seu. deu-lhe u m a palavra de c o n s o l o cristão: — Bote pra Deus. q u a n d o o t e l h a d o oscilava n a s p a r e d e s desapru- m a d a s . E x p e d i u um urro que r e p e r c u t i u n o s formigueiros.. Você tirou b e m a limpo? O r a p a z sacou esse s e g r e d o d a s e n t r a n h a s .. F o i t u d o o b r a do s e n h o r de e n g e n h o . — O q u ê . 118 . a cadeia fedorenta q u e e m p e s t a v a t o d o o quarteirão... Pirunga?! O feitor.. E.... que é i s s o ? ! P a r e c e que v o c ê viu a l m a do o u t r o mun- do.. Soledade n ã o t i n h a n a d a com o feitor.. . hei de dar fim. não a c a b e ! N ã o é isso. beijando o s d e d o s e m cruz: — J u r o por tudo q u a n t o e s t á no céu! E. A agitação dessa a l m a selvagem semelhava u m a t e m p e s t a d e no escuro: a razão luzia c o m o um relâmpago que é o olho m a u da tem- pestade. a p e n a s .s e : — Ainda dei um t o q u e . Ele enxugava.. .. barrei a e n t r a d a dele. N u n c a que eu p e n s a s s e ! . M a s deixe p o r minha conta! Só d a v a t e m p o em vir dizer. se eu lhe pedir uma coisa. E r a u m a angústia seca. Eu n ã o podia tomar c h e g a d a . Vão de arribada. indo ao e n c o n t r o do p e n s a m e n t o homicida: — Eu j u r o q u e .. Enfim. E um preso irônico r e p r o d u z i u o estribilho fatalista: — Isso é da vida. m a s nem c o m o coisa! Botei o pé atrás e ela saiu-se com quatro p e d r a s na m ã o .. 119 . . rosnava: — Eu atirei no que vi. m e u filho!. E. Ela é q u e m m a n d a em tudo. E. nesse afogo. c o m o se on- das de amargura lhe r e b e n t a s s e m à boca. . D e r r e a d o pelo golpe fulminante.. se eu q u e b r a r a m i n h a j u r a ! E logo. E. olhando para os d e d o s m a g r o s . .. O q u e t e m de acontecer t e m muita força. Uma feita. Dava um b o r d o t o d a noite.. me caiam as m ã o s . o suor g r o s s o que se lhe e m p o ç a v a nas rugas do rosto e s c a r n a d o .. padrinho! — Você jura? — Eu j u r o ! E . me j u r o u : Que se eu viesse c o m a história. ...... M a s D e u s N o s s o Senhor e s t a v a v e n d o do céu. gemeu c o m o som de u m a pan- cada no c o r a ç ã o : — Meu D e u s ! . me levantava um falso. e s p u m a v a . C o n t r a i n d o a c a r a e s c a v a c a d a . O velho despediu um b r a m i d o de aflição: — N ã o ! Por a m o r de D e u s . . dê no q u e d e r . ... envergonhado: — Q u a n d o a c a b a . O sertanejo e s c u s o u .. Valentim e s t r e m e c e u : — M e u filho.. a n t e s q u e o sol nasça o u t r a v e z . — Diga.. tranqüilizou-o: — Soledade está p u x a n d o pro sertão. c o m o se estivesse c h o r a n d o p o r todos os p o r o s . E x p r o b r o u a negligência de Pirunga: — Eu só estou é v o c ê s a b e r de tudo e n ã o me d a r p a r t e ! E s t a v a na m e n t e que t o m a v a c o n t a dela. F a ç a de c o n t a q u e não v ê . u m a beleza m o ç a . silenciosamente. — N i n g u é m me tira o m e u direito. FESTA DA RESSURREIÇÃO A n d a v a p o r u m mês q u e D a g o b e r t o Marçau s e a c h a v a n o B o n d ó . A s t r e p a d e i r a s su- b i a m . . Reflorescia o d e s e r t o a r r e l v a d o nesse surto miraculoso da seiva explosiva. t o m a r a . E. à instância de Pirunga. f r o n d e a v a a catinga. o s d e d o s e m c r u z . p o r q u e D e u s n ã o é servido que eu m o r r a d e s o n r a d o ! — blaterou Valentim. . m a s . T u d o se t r a n s f o r m a v a c o m a i n t e r v e n ç ã o da primeira c h u v a . Vá s e m p r e na batida. dê dacolá. O sertão tinha um cheiro de milagre. de longe. Um dia. A pistola já e s t á e s c o r v a d a . Revivia a flora. E s t i v e r a em levar consigo o L a t o m i a . de s u p e t ã o . eu hei de me livrar. Dê d a q u i . na paisa- g e m n o v a em folha. A n a t u r e z a imperecível os- t e n t a v a . e n r o s c a v a m . c o m o um p á s s a r o ferido v o a n d o . só d a v a t e m p o e r a vir pedir licença ao s e n h o r . E despediu-se de Valentim. c e d o ou t a r d e . C a d a á r v o r e tinha um vestido n o v o p a r a a festa da ressurreição.s e a m u t a ç ã o i m p r o v i s a . Pirunga d e s c o n h e c e u aquele o b d u r a d o instinto de vingança. acalmando-se: — J u r e q u e n ã o m a t a e q u e irá c o m eles pra o n d e eles forem. A gleba c o n v a l e s c e n t e recom- p u n h a .s e pelos anfractos e faziam c o m q u e a r o c h a nua florisse. n ã o deixe o r a b o da saia dela! E r a h o r r e n d o esse p a c t o . F i c a r a m nisso.o p a r a vaqueiro. O p e r a v a . F e - c h e os olhos a t u d o . E foi franco: — Pois. E . Pirunga beijou. 120 . d e s d e q u e eu s u b e . c o m a m ã o t r ê m u l a . T i n h a morrido só pelo g o s t o de renascer mais bela. c o m o se a q u e d a d ' á g u a fosse o his- s o p e aspergido da reconciliação do céu c o m a terra precita. padrinho. rogativo: — Eu q u e r o é que v o c ê p r o m e t a que n ã o m a t a o s e n h o r de enge- nho. de e x t r e m o a e x t r e m o . C o m o q u e a s p e d r a s r e b e n t a v a m e m folhagem.s e n u m abrir e fechar de o l h o s . E o sertanejo revia a fazenda c o m u m a satis- fação m e d í o c r e . Equilibravam-se os b o d e s a c r o b a t a s n a s p o n t a s do s e r r o t e . B e z e r r o s e s t o u v a d o s a p o s t a v a m carreira c o m a s c a u d a s e m b a n - d e i r a d a s . u m a e s p u m a d e e s m e r a l d a . O sertão pagava-se d o s a n o s estéreis c o m e s s a largueza. afinal. o garganteio convidativo p e r d e u t o d o o seu ritmo de hino do s e r t ã o : e r a um urro de d e s e s p e r o . O próprio céu v e r d e j a v a em n u v e n s de m a r a c a n ã s e periquitos. A s m a i s d e l a s v i n h a m d e fora. u m a v e z . N ã o : havia e m t u d o i s s o . q u e pa- r e c i a u m algodoal a b e r t o . nessa h o r a de p r e s s ã o senti- m e n t a l .s e nos c o l c h õ e s d e p a n a s c o borrifados d e leite. T o d o s queriam desfrutar a felicidade bandoleira do p a r a í s o pasto- ril. c o m o u m aboio e m surdina. p a r a o a ç u d e n ã o ter frio. a s libélulas d e t a n t o s olhos que t i n h a m visto Soledade t o m a r b a n h o . n e s s a revivência e s t u a n t e . Tinha o s o m de u m a alma que se r a s g a v a . A relva e s t a v a t ã o florida q u e os animais c o m i a m flores. A v e r d u r a era um d e s p o t i s m o de cor. E ele ficou g e m e n d o . Sor- via o ar q u e cheirava a mijo de v a c a . Cabritos álacres e s p i n o t e a n d o . A t é q u e . Invadia até as águas.s e c o m o p e n d ã o a u r i v e r d e de c a c h o s e p a l m a s . A e r v a g e m viçosa e s c o n d i a os d e s t r o ç o s de u m a riqueza q u e se re- fazia: chiqueiros d e s m a n t e l a d o s e o s s a d a s d i s p e r s a s . tão j u n t o o r e b a n h o . c o m o colegiais e m recreio. c o m o m e n i n o s m e d r o s o s . As v a c a s saciavam-se a o s primeiros b o c a d o s e d e i t a v a m . estendia-se. u m a tristeza maior. c o m s u a c o l c h a de algas. E s a u d a n d o a vida nova. aboiava n u m a t o a d a q u e n ã o diz nada e diz t u d o .s e na p o r t e i r a do curral. E. R e m a n e s c i a m p o u c a s r e s e s d a fazenda. Soledade correu e tapou-lhe a b o c a c o m a m b a s as m ã o s .. E s s e grito rude traduzia o d o l o r o s o segredo d a s r e n ú n c i a s .. Surdia c o m u m a bolha d e e s p e r a n ç a . A b o c a da noite. c o m o b r i n c a n d o d e esconder. as c a r n a u b e i r a s perfila- v a m . Só havia de triste o balar d a s o v e l h a s — b i c h o t r i s t e ! — cabisbai- x a s e u n i d a s . Pirunga e n c o s t a v a . fingia ilho- t a s p a r a o s segredos d a s d o n z e l i n h a s . p o r t o d a a superfície líquida. *** 122 . t o d a e s s a v e r d u r a c o m e ç a v a a rir na a l v u r a d o s capulhos da v á r z e a feraz. E c a b r a s m a n h o s a s mergulhavam n o s tufos d e e s m e r a l d a . D e p o i s . E Pirunga a v a n ç o u para C o - risco. t o m a n d o o rival n o s b r a ç o s . arremessou-se aos t r a n c o s . d e s e m b e s t o u : picado nas ilhargas. v o a n d o por cima d e t o d o s o s precipícios. e. galgou u m a t o u c e i r a de xi- quexique. mal g o v e r n a d o . . q u e lhe restituía o brio congenial. s e m precisão. seguro no ar- ção. Pirunga advertia: — Olhe que o c a v a l o m e t e de c a b e ç a ! N ã o vá d e s e m b e s t a r . C o r i s c o . d o b r a n d o o c o r p o . o r a m o frágil a m e a ç a v a partir-se. gritou: — Se cair. à v i d a pastoril. u m dia.o . colheu as r é d e a s c o m m ã o de ferro. mas r e c o b r a v a nesse s i s t e m a de vida o gênio selvagem. D a g o b e r t o agarrou-se a um galho a t r a v e s s a d o . a o s b a l o i ç o s . c o m o o s flocos d e s u m a ú m a q u e v o a v a m a o vento. E . c o m o brio dos á r a b e s a n c e s t r a i s . *** Pirunga p r o c u r a v a afazer-se à missão q u e V a l e n t i m lhe c o m e t e r a . fez c a r r e i r a . e r a a s u a montada predileta. saltou e. De o u t r a v e z . Pirunga confundiu o vulto v e r m e l h o c o m um ninho de casaca-de-couro. a oscilar. sentia t o d o o pejo da transigência i m p o s t a por u m a vingança a p r a z a d a . na forma do j u r a m e n t o feito. m o n t o u . N ã o e r a raro q u e saísse t a m b é m a c a m p e a r . fura até a alma! Tornou-se b r a n c o . O s vaqueiros f e c h a v a m o s o l h o s : — Vai em t e m p o de se e s p e d a ç a r ! Dagoberto já corria d e s t r i b a d o . E e m b a i x o o c a c t o a g r e s s i v o e s p e r a v a . D a g o b e r t o afeiçoava-se.o c o m os b r a ç o s erguidos arre- piados de espinhos longos c o m o estiletes. Pirunga pulou e m t o d a carreira d o seu c a v a l o n a a n c a d e Corisco. Desequilibrando-se pela violência do salto. Via o s animais j u c u n d o s n o s escândalos d a r e p r o d u ç ã o . Revertido à liberdade do s e r t ã o . E n t ã o . p a r a soterrá-la. De longe. fica u m a r e n d a . Corisco revigorado. E ficou b e m m e i a h o r a d e p e n d u - rado. E . E cruzou os d e d o s . o pai-de-chiqueiro em libi- 123 . D e p o i s . p a s s o u a lançar p e d r a s d e n t r o d a m o i t a d e xiquexique. servindo de e s p a n t a l h o . c o m o se já estivesse sofrendo a d o r d o s espinhos. o melhor que p o d i a . A s novi- lhas núbeis dando-se a o s t o u r o s patrícios. D a g o b e r t o . no último a l e n t o . sem olhar p a r a o c o r p o b a m b o . são e salvo. mal se tinha na sela. al- c a n ç o u o o u t r o lado. A qualquer esforço p a r a subir. expediu um grito fúnebre. r e c o n h e c e n d o . c o m o um e n f o r c a d o . . E Pirunga não vacilou: salvou. n u m a e s c a p a d a d e p o u c o s d i a s . Repunha-se na antiga alegria.. que Pirunga resolveu p ô r peito a e s s a aventu- ra.. mais uma v e z . admirado de n ã o ouvir t a m b é m o b a r u l h o de seu c o r a ç ã o férvido. Despejando-se d e u m j a t o intumescido. Soltei com t a n t a p e n a ! É c a p a z de me c o n h e c e r . E a fera correu para ela c o m u n h a s e dentes. q u e d e s a p r o v a v a t a m a n h a temerida- d e . A o n ç a encolheu-se e e r g u e u a m ã o . Ia sentar-se na ribanceira p a r a ver a n o v a e n c h e n t e do rio q u e en- g r o s s a v a borbulhando e m m a r e t a s b a r r e n t a s . sau- d a n d o . C o r i s c o r e t o u ç a v a a b a b u g e m do pátio. atirando c o i c e s . .. — Pirunga. levantava as o r e l h a s . o diabo que receba a u n h a d a ! S o l e d a d e t a n t o fez. 124 . Soledade agitou um lenço. *** — Eu vi a o n ç a q u e v o c ê criou. b a r b a d a e c o m u m a perfídia felina nos olhos de e m b o s c a d a . Até inda t e m coleira — disse Pi- runga a Soledade. Só ele r e p r e s e n t a v a a r e n ú n c i a do a m o r incendiário. levava de p r e s e n t e p a r a terras e s t r a n h a s t u d o o que podia levar. Estrangulou-se um grito de e x t r e m a angústia. q u a n d o o e n c o n t r a v a . — C o n h e c e o q u ê ! C o n h e c e n a d a ! A bicha parece q u e n u n c a saiu da furna. E Pirunga p e n s o u q u e a s e c a devia ser um castigo: o c é u negava á g u a a o r i o ingrato. a e s m o . C o r r e u e abraçou-se c o m Dagoberto que de mais p e r t o procurou defender a a m a n t e . seu maior inimigo de um perigo mortal. q u a n d o ela me avistou. — M i m o s a ? ! Pois eu j u r a v a q u e ela tinha m o r r i d o . . a c o r r e n t e z a brutal deixava o leito s e c o e. Ele e s c u t a v a o som da e s p u m a do leite fresco n o s p o t e s . foi a t r á s . c o r r e s p o n d e n d o ao c u m p r i m e n t o feito. Estava g r a n d e .. m a s . E s c a r a m u ç a v a . E.b a n d d e c h o c a l h o s . F o r a m j u n t o s .o . v a m o s pegá-la? — Olhe q u e . E D a g o b e r t o . o c a r n e i r o g e m e b u n d o c o m o p e s c o ç o alongado l o m b o d a marra pudica. levantou a m ã o . parecia que e s t a v a d a n d o a d e u s . c a r r a n c u d a . n a vertigem d o c u r s o impaciente. Z o a v a n o m a t o u m j a z z . no arre- m e s s o e r o s i v o . Tilintavam r o s e t a s .dinagens olfativas. O c o r p o r o b u s t o p o m p e a v a na nervosidade d a s f o r m a s soltas.s e na cachoeira. o n d e o olho do sol ficava a espiar. m o l e m e n t e . m u d a v a d e r i t m o . *** Soledade bilrava. q u a s e a c h o r a r . d o s ins- tintos animais. n u m a atitude c u r v a d e pudicícia. E ela descaiu a fronte. A t o r d o a d a . n u m j a t o m a c i o . C o m o estivesse a b a n h a r . T e n t a v a e m b r u l h a r . no frêmito da carne d e mulher e s t a d e a d a a o a r livre. V e s - tia-se de e s p u m a s diáfanas. D e v i a m ser o s a n u n s : ui! ui! E floriu u m a r o s a m a i s r u b r a na sombra — o a m o r p u r p ú r e o na sua glória inaugural. formava p o ç a s m a l i c i o s a s . t o d a i m p r e g n a d a d o cheiro virgem. E v o c a v a . a água. m a s u m primitivismo pu- dico — o Brasil brasileiro c o m mulheres n u a s no m a t o . a t r a v é s d o s calumbis e de e s p i n h e i r o s n o v o s . q u e b r a n d o os gravetos e n t r a n ç a d o s c o m o s peitos virginais. n u m c o n t r a s t e de profundezas e saliências vertiginosas. e s s a n u d e z sensacional. q u e p a r e c i a aljofrá-la. . às c a r r e i r a s . N ã o fora n a d a d e ninfas n e m d e faunos. Batendo-lhe nos c o n t o r n o s firmes. E r a u m a m o r feito d e m e d o s — de n ã o ser a m a d o e de n ã o p o d e r a m a r . entre mimalhices e cafunés a m o r o s o s . a c a c h o a v a . Ela sangrava. Enfim. a v a n ç o u e lhe colheu a camisa. 125 . os impertinentes cabelos b r a n c o s . à p o s s e .s e n o j o r r o b r a n c o c o m o n u m lençol. Refugiu pelo c a p ã o a d e n t r o . c o m o se lhe r e b e n t a s s e m r o s a s p o r t o d o o c o r p o . a s p o m a s e r e t a s . d e s c o b e r t o . E r a o senhor de e n g e n h o q u e . Pirunga o b s e r v a v a a al- mofada vermelha crivada de alfinetes c o m o a i m a g e m do seu c o r a ç ã o picado de ciúmes. D a g o b e r t o deitava-lhe a c a b e ç a grisalha n o s j o e l h o s e ela p a s s a v a a extrair-lhe. e s c a p a v a . O s mamilos d e s a b r o c h a v a m n u m a floração sangüínea e m r o s a s b r a v a s . no copiar. O p u d o r de energia selvagem só se renderia p e l a volúpia da sub- m i s s ã o . . Pirunga sabia q u e o q u e se afigurava muito a p e g o n a s paixões se- ródias não passava d e zelo a s s u s t a d i ç o .s e mais d e - vagar. a c e n a de sua p e r d i ç ã o . p r o c u r a v a encobrir c o m a s m ã o s tiritantes. E l a pôs-se a gritar. de baixo p a r a cima. p r e s s e n t i r a q u e alguém a e s p r e i t a v a por t r á s d a s cajazeiras entrelaçadas de j i t i r a n a . Só cederia à i n v e s t i d a bestial. deitou a c o r r e r . n u m a crise de r e m o r s o . D a g o b e r t o m a n d o u c h a m a r Pirunga: — Diga-lhe que dê um salto aqui. P a r o u um instante p a r a ajeitar o barbicacho. M u d a v a m de cor: ficavam pretos de suor c o m toalhas de e s p u m a na g a r u p a . Disse e lembrou-se do j u r a m e n t o : n e m m a t a r . Sofreado. s a c u d i n d o a b a b a sangrenta. Corisco apontou as orelhas.. mastigando a brida. A cada n o v a tentativa de sustá-lo. m a s c o m firmeza. c o m o u m a bala. D a g o b e r t o t o m a v a g o s t o a o s riscos do pastoreio. . E mostrou-se g e n e r o s o : — Eu preciso melhorá-lo de c o n d i ç ã o . OS C E N T A U R O S E r a u m a véspera de a p a r t a ç ã o . T e n d o D a g o b e r t o diligen- c i a d o pará-lo. arras- t a v a m a barriga nas c h a r n e c a s . tomou o freio e n t r e os d e n t e s e lançou-se a correr. O b a t u q u e d o s c a s c o s e r a um barulho de t e r r e m o t o . Enfim. encabritou-se e d e s s a altura precipitou-se. soltou o grito d a s c o s t u m e i r a s ar- r a n c a d a s . . E s t á a s s e n t a d o . O sertanejo conteve um m o v i m e n t o involuntário: — Se eu sou d e m a i s na minha terra. c u r v e t e o u . C o r i s c o e s c a r v a v a o p e d r o u ç o . O s cavalos elásticos. 126 . ingovernável. n u m desabrido v ô o rasteiro.. à desfilada. a c u s t o .s e . Arrojou-se na mais d e s a p o d e r a d a carreira. d e p e s c o ç o s e s t i r a d o s . d a n d o d e c a b e ç a . a t r á s . Cavalgava sem g a r b o . Vaquejava-se o g a d o nos c a m p o s comuns. incitando-o a um c u r t o g a l o p e .s e . . tomando-lhe a dianteira. às g r a n d e s corri- d a s temerárias pelos tabuleiros e chavascais da fazenda. c u r v a d o sobre a própria sombra: ê-cô-ô! Dócil a essa voz incitativa. e m p a r e l h o u c o m ele e acariciou-lhe o topete c o m o chicote. n e m a b a n d o n a r . E s o p r a v a m c o m resfôlegos de v e n t o forte. franqueava. E voltou a ladeá-lo. O e n g e n h o e s t á de fogo m o r t o . c a b e c e a v a . vou me a c a b a r na bagacei- ra. Pirunga a c e r c o u . V o c ê vai t o m a r c o n t a . . a c h a t a v a m . Os cavaleiros mais d e s t r o s riscavam à b o r d a do precipício. acelerada. V a r a v a m a s s e b e s . c o m o o va- queiro voador que leva o cavalo nas p e r n a s . C o m o que e n c a l ç a v a m um fantasma invisível. z i q u e z a g u e a n d o . . Dagoberto ajustava as p e r n a s para não cair e. Q u a n d o ia a f r o u x a n d o o í m p e t o . saltando c o m o pipo- cas. molhando o rastro de sangue. v o a v a m por cima d a s touceiras d e c a c t o s . intrigados: — Correu d o i d o ! Dagoberto gritava p a r a Pirunga. . forcejando p o r d e t e r o seu corcel infrene: — E s t á s o n h a n d o ? ! C o r r e n d o atrás de q u ê ? . na fuga m a i s d e s o r d e n a d a . t o d o o u r i ç a d o . a l é m . abeiravam-se d o s b o q u e i r õ e s e s c a n c a r a d o s . E s t a l a v a o c a p o e i r ã o no fragor dos galhos q u e b r a d i ç o s . de onde em onde. Os vaqueiros e n t r e o l h a v a m . formando com as véstias vermelhas u m a visão d e demônios a l u c i n a d o s . Cessou a e s t r o p e a d a . Embaralhavam-se os dois. . E ela d e s a g a r r a v a d e s s a direção: d e - sandava. m a s . N ã o p r e m e d i t a r a e s s e desfecho: — Foi Corisco. Os vaqueiros erguiam-se nos estribos. 127 .n a . Praguejava a m e a ç a s e fazia m e n ç ã o de p u x a r a pistola. r e p o n t a v a m . Seguiam o e s t r u p i d o de d e m ô n i o s à solta. Só se ou- via um chiado de m a t o flexível. Pirunga tinha a vestia r e p r e g a d a de e s p i n h o s . Só se distinguia a o n d u l a ç ã o da catinga. r e b o a v a o u t r o grito estimulante: ê-cô-ô! E disparavam c o m m a i o r d e s t r e z a . Na faixa pedregosa os seixos c a n t a v a m u m a toada s e c a . o r e - ceio de largar as r é d e a s privava-o desse gesto de s a l v a ç ã o . Pirunga sumia-se na vertigem das velocidades fatais. Desapareciam. d e s s e m o d o .s e . afundavam-se nos s o c a v õ e s afogados. n u m socal- co. r o d e a v a m . p r o c u r a n d o v e r a parelha tresloucada. M o r d e u o freio nos d e n t e s . E r a a inversão d a s hostilidades: a vítima corria a t r á s do persegui- dor. . R a s t e j a v a m na esteira de sangue e de suor. fincava as e s p o r a s no vazio do C o r i s c o que r e d o b r a v a a c o r r i d a . Atalhavam-na. um t e t é u a s s u s t a d i ç o — a sentinela insone do pátio d a s f a z e n d a s — desferiu o v ô o . a p e n a s e n c o s t a d a . S e n ã o q u a n d o . c o m as p e r n a s ata- d a s p o r b a i x o . a e s p a ç o s . MAIS FORTE DO QUE O AMOR E r a u m a noite c o m o t o d a s a s noites e s c u r a s . c h a m o u um dos v a q u e i r o s à p a r t e e en- t r e t e v e c o m ele u m a longa confidencia. 128 . D o i s e s t a l o s . . Um silêncio inquietador. eu m a t e i ? ! S o l e d a d e afogou o c h o r o . u m a v e l a de c a r n a ú b a . E r a S o l e d a d e . o s b r a ç o s p e n d e n t e s q u a s e c o m a s m ã o s p o r terra. A c e n d e u . H e i m ? ! . a gritar: té-téu.. o c h o c a l h o abafado de a l g u m a r ê s que c a b e c e a v a . levantou a m ã o do defunto: — P a t r ã o . D e p o i s . b a m b o l e a n d o . bifurcado na sela. N ã o : ouvia-se t a m b é m a r u m i n a ç ã o do c u r r a l q u e b u r b u r i n h a v a n a c a l a d a d a noite retraída. E s t i v e r a até aí a rebolar-se na c a m a . E ele d e n u n c i o u na r o d a d o s c o m p a n h e i r o s a vertigem de suicídio e de vingança: — Eu j u r e i que n ã o m a t a v a e n ã o m a t e i . Só se e s c u t a v a . n e s s e a s s o m o de l i b e r d a d e . . c o m o de c o s t u m e . a c a b e ç a e s p e d a ç a d a l a m b e n d o as c r i n a s a s s a n h a d a s . q u a n d o a p a r e c e u n o pátio e s s a v i s ã o ridícula. d a v a a i m p r e s s ã o de q u e o B o n d o n ã o despertaria m a i s . c e d e u a um impulso nervoso. N o i t e d e v e r d a d e . m u d a ficou. . c o m o o s o n o prolongado de um d o e n t e g r a v e . a virar-se c o m o p a r a p r e e n c h e r . à e n t r a d a . S o b r e vinham-lhe d ú v i d a s s o b r e a q u e b r a do j u r a m e n t o . A p o r t a . Pegali c o r r e u e voltou s e m r o s n a r . O c a v a l o parecia d e s f o r r a d o . olhando para os dedos: — Eu matei?!. quieto.. Quie- to. . de c a n t o a c a n t o . Q u a n d o t r o u x e r a m o m o r t o . c o m o a d a r h o r a s . U m vulto b r a n c o endireitou p a r a a antiga c a s a d o v a q u e i r o . ela m u d a e s t a v a .l h e o vazio da v i u v e z . c o m o u m foguete. d a s hu- m i l h a ç õ e s d a bagaceira. p r o c u r a n d o r e c o n h e c e r o n d e e s t a v a . Virou-se ainda de b o r c o . Pegaram-se em luta c o r p o a c o r p o . E. T e n t a v a desligar-se d e s s a fúria q u e d e r r a m a v a na s u d a ç ã o cheirosa seus filtros p e c a m i n o - s o s . a testa r e p r e g a d a . N u m a agilidade d e b o t e d e o n ç a . — F o i v o c ê ! Se é h o m e m . O ar da noite tinha u m a impregnação de p e r e i r o s florados. à luz tíbia. Arrebatou-lhe a a r m a e j o g o u .s e a b l u s a l e v e . E v i t a v a o s t o q u e s d o s bicos agressivos. c o m o uma criança com medo. S o l e d a d e atirou-se. Soledade arrancou-lhe o lençol da cara e s p a n t a d a . E s b o ç o u u m sorriso conciliador. E s a c o u a pistola do c o r p e t e . d e s m e s u r a d a m e n t e . c o m o flores q u e . os punhos da rede. Pirunga t e n t a v a d e r r u b a r a v e l a c o m o pé à banda. S o l e d a d e fraque- j a v a . sem p o d e r a c r e d i t a r no que e s - tava vendo. s e m falar. Pirunga lançou-se sobre ela. n ã o negue! — desafiou-o S o l e d a d e . encolheu-se na r e d e e cobriu-se c a b e ç a e t u d o . m a c h u c a d a s . c e r r o u o s o l h o s . E r a a revivescência d e u m a r a ç a d e heróis-bandidos e m q u e o s h o m e n s defendem a h o n r a e as m u l h e r e s o a m o r . E s t r a ç o a v a . s a c u d i d a m e n t e . A s v e n t a s palpitantes a c e n d i a m ódios m o r t a i s .s e . P e r t u r b a v a . a q u e l a n u d a ç ã o maravilhosa d a noite d o incêndio. 129 . t o r c e n d o o r o s t o . A b o c a sem a graça do r e c o r t e . deitam mais p e r f u m e . D e p o i s . E r a o d e s p e r t a r indeciso de q u e m vivia a s o n h a r e queria p r o r r o - gar as visões n o t u r n a s p e l a s vigílias. c o m o para s e certificar d e q u e e s t a v a a c o r d a d o . o c a c h o r r o c a i n ç a v a do l a d o de fora e esfregava as patas na p o r t a .a p o r cima da p a r e d e . na m e i a o b s c u r i d a d e .o e s s a imprevista aparição. c o m u n h a s e d e n t e s . Violentada c o m mais força pelas garras b r u t a i s . O u v i n d o as i m p r e c a ç õ e s . parecia ao pai no lance de resistência à cabroeira do M a r z a g ã o . Enfiou até ao q u a r t o de Pirunga e agitou-lhe. Pirunga retraía-se a o e m b a t e d o seio p é t r e o q u e s e p r e m i a n o d e s - forço. e n t ã o . Viria refugiar-se em seu a m o r ? Dar-se-ia o c a s o q u e estivesse en- t r a d a d o terror d a m o r t e ? Olhou-a mais. Circunvagou a vista. o s olhos v e r d e s c o m o s maroiços d a t e m p e s t a d e íntima. F i n a l m e n t e . D e s v e n d a v a . F o i aí que ele viu direito. E l e esfregou os o l h o s . A c a b a n d o . Tinha m e d o de si m e s m o . c o m o o t o c o de vela d e r r e t i d o . M a s o vestido esfrangalhado ia-lhe caindo pelos o m b r o s . E l a tinha a b o c a em fogo. Cedia a um a b a n d o n o e n v e r g o n h a d o — um n ã o . . dizendo-lhe o n o m e . Sorria-se c o m u m sorriso triste. F i c o u linda. O p u d o r n a s ú l t i m a s . E Pirunga foi-lhe à gorja o u t r a vez. Seu primeiro m o v i m e n t o foi deitar a correr. de n o v o . Ao desalinho da luta. m a s c o n v i d a t i v o . no amojo dos sete m e s e s . c o m o se t o d o o crime fosse consentir c o m os o l h o s . E ele teve nojo d e s s a b o c a q u e lhe p a r e - cia u m a ferida a b e r t a . Luzia-lhe um lume diferen- te. Revirou-lhe. voltou a esganá-la. Aferrou-a. M a s Soledade inclinava-se sobre seu peito hirsuto. D e p o i s .q u e r e r que se en- t r e g a v a de olhos f e c h a d o s . Aplicou-lhe os d e d o s férreos n u m a hercúlea c o n s t r i ç ã o . m a s o c h o c a l h o soou c o m o um dobre. p r o c u r o u chamá-la a si. Saiu nas pontas d o s p é s . O arranque dos t e t é u s p a r e c i a u m a denúncia.s e . Pirunga e s t r e m e c e u no frenesi impu- ro. C o r o u . c o m o agrade- c e n d o a insólita r e v e l a ç ã o de força que a reconciliava c o m o p a s s a d o . R e t o m a n d o a p o s s e de si m e s m o . o sapato e m b o r c a d o . 130 . c o m ressaibos de beijos p o d r e s . E. E r a a oferta do s o n h o p e r d i d o — o amor retrátil q u e se voltava. a mulher forte sofria a vertigem da submis- s ã o . C o m os olhos e n o r m e s e a face violácea. E arremessou-a c o n t r a a p a r e d e . Parecia-lhe q u e ela ia caindo m o r t a . p a r a vencer-se. vendo-lhe a língua p e n d e n t e . supers- ticiosamente. Maltratada. porque c h a m a v a a m o r t e . enterrando-lhe os d e d o s p o s s a n t e s na garganta magnífica. m a s faltavam-lhe as pernas. Ao espetáculo d e s s a n u d e z . ela as- fixiava. T e n t o u soerguê-la c o m o b r a ç o p o r baixo da c a b e ç a . c o m o um gesto insul- tuoso. ele soltou-lhe a goela a r r o x e a d a . a vela levantou a c h a m a e iluminou-a. E achou-lhe graça.s e muito. N ã o piou n e n h u m a ave agoureira. rendida. aí c o m um furor de m o r t e . n u m g r a n d e frêmito. . p r o c u r o u vencê-la. soltara-se-lhe o peito c h e i o . m e i o desfalecida. t o d a viçosa e reflorindo na beleza fecundada. Pirunga sentiu-lhe o calor do c o r p o profanado. U m v e n t o alto c o m o q u e queria apagar a s últimas estrelas p a r a que ele fugisse no e s c u r o . t o r n o u . c o m o na intimidade de uma grande família d e s u n i d a .l a ? . os nadinhas domésticos da p a s m a c e i r a inaturável. c o m o se a t r e v a p r o c u r a s s e reconhecê-lo. — perguntou-lhe um antigo condiscípulo. abriu-se um r e l â m p a g o ruivo... . c o m o sacrifício da l i b e r d a d e . Poderia bandolear-se c o m os quadrilheiros q u e infestavam o ser- tão. E ele já tinha a c a b e ç a fora do lugar de cortejar a t o r t o e a direi- to. . N e m Areia. A noite protetora prometia-lhe g u a r d a r segredo e oferecia-se p a r a homiziá-lo. . u m sujeitinho ressentido: — N ã o c o n h e c e m a i s os p o b r e s . E largou a correr. E n c o n t r a r i a o s p o d e r o s o s redutos d e i m p u n i d a d e . Ele refugia a e s s e m e i o social intermediário. De sua t e r r a só pintou um galo! O galo que ele pintou n ã o c a n t a a q u i . eis q u e ouviu u m a praga estrangu- lada. à vida sem sabor e mexeriqueira d a s p e q u e n a s cidades. u m a força e s t r a n h a e m p u x a v a .. Os mais velhos desfaziam na memória de P e d r o A m é r i c o : — Areiense d e s n a t u r a d o ! . M a s . seu pai c o r r e u atrás da m o r t e a t é e n c o n t r á . contavam-lhe frioleiras íntimas. o n d e a gente se e n e r v a . Volteava o b o a t o m e d í o c r e : — É e x a t o q u e o prefeito engoliu a d e n t a d u r a ? 131 . Doendo-lhe o r e m o r s o de a ter deixado insepulta. em t r o c a . a e u g ê n i c a . — E n t ã o . escorregou p e l a s s o m b r a s . NA CIDADE VERDE O dr. às apal- padelas. p a r a um rumo c e r t o . .. E. E o pico da serra parecia erguer-se m a i s p a r a vê-lo. os p o d r e s dos a m i g o s . M a s . sem a doçura do c a m p o n e m a s e d u ç ã o das capitais.o . A caligem p a v o r o s a tinha u m a impregnação de mistérios. . . d e v e z e m q u a n d o . Avizinhava-se. Assediava-o a r o d a da inquisitiva bisbilhotice u r b a n a . . . se subtraía a e s s e espírito m i ú d o . L ú c i o M a r ç a u v i e r a a r r e c a d a r a h e r a n ç a p a t e r n a . As c a s a s s e m quintais.. .. o dia inteiro. que se e m b u ç a v a na cerração. n u m a e s c a p u l a de muitos m e s e s . A p o u c o t r e c h o . na sala livre. — P o r q u e m o r r e r c o m o ela queria me m a t a r e r a pior do que mor- rer de verdade!. a salvo da curiosidade dos p r e s o s . n e m m e n c i o n a v a ne- n h u m a circunstância d o c r i m e . A cidade só falava p e l a b o c a do sino. t u d o se a l v o r o ç o u . R u a s silenciosas c o m o c o r r e d o r e s de c o n v e n t o . palmilhara serras brutas e m a t a s fechadas. Viera fazer c o m p a n h i a a Valentim. sua feição original. e s p i a n d o o a b i s m o . a g a r r a d i n h a s . já b o t o u : há b o c a d i n h o e s t a v a c o m e l a . As fachadas b o r r a d a s de musgos. C o n f e s s a v a ter estran- gulado u m a mulher. A m a n h ã longa ainda se espreguiçava na n é v o a . A t é a t o r r e da ma- triz parecia u m a á r v o r e afogada de trepadeiras. T u d o m u d a v a d e c o r n a paisagem d o inverno. esgarçou-se e e n t o r n o u a claridade úmida pela v e r d u r a do casario e d a s colinas sobranceiras. Ele r e c o n h e c e u Pirunga: — Foi Soledade? N ã o foi? — Matei pra n ã o m o r r e r . — Se engoliu. 132 . r o l a n d o pela fundura d o Q u e b r a . De súbito. maiores o u m e n o r e s . m a s n ã o lhe dizia o n o m e . c o m o se a cidade se tivesse d e s c o s i d o d a serra. em d o b r e s e repiques i n g ê n u o s . O b o a t o já n ã o c o c h i c h a v a : b e r r a v a c o m o um p r e g ã o frenético. L ú c i o d e s p e g a v a a a t e n ç ã o d e s s a s niquices e via a cidade branca t o d a vestida d e v e r d e . e r a m todos iguais. O s t e l h a d o s cober- t o s de liquens. L ú c i o o b s e r v a v a o c a r á t e r de Areia. E r a um h o m e m q u e se e n t r e g a r a à prisão. um sol d e s c o r a d o . L ú c i o foi levado de r o l d ã o . c o m o se esti- v e s s e m c o m frio o u c o m m e d o d e cair e m b a i x o . Gritava-se de p o n t a a p o n t a de r u a c o m muito m a i s curiosidade em dizer do que em saber. O ar antigo d o s s o b r a d o s de azulejo d o m i n a v a as habitações mais novas com uma orgulhosa decadência. . c o m o o pior fací- nora amoitado. L ú c i o p r o m o v e u o primeiro e n c o n t r o . O ambiente p r e g u i ç o s o n ã o se lhe c o m u n i c a v a ao t e m p e r a m e n t o á r d e g o e cioso de a ç ã o . diferente d o s o u t r o s p o v o a d o s d o interior q u e . T e m e n d o ser c a p t u r a d o e m o u t r o p o n t o . . — P e r d o e . ... F a l a v a m . . Valentim p e g o u . E n t r o u u m b u s c a . Pirunga desoprimia-se d o perjúrio: — E u n ã o q u e b r e i . o rosto de Valentim n u m esgar intradu- zível. a c h a m a c o r r i a atrás. J a t o s de fogo q u e i m a v a m a b r u m a do anoitecer.. . .. E. eu j u r e i s e m dizer n a d a : foi só beijando os d e - d o s ! N ã o jurei q u e ele n ã o morria! E u j u r e i q u e ele n ã o m o r r i a ? . U m a visão de r e l â m p a g o s e t r o v õ e s . E l e vociferou p a r a t o d a a cadeia ouvir: — O q u ê ? ! Tá d o i d o ! . A cidade c h i s p a v a na c h u v a de limalhas. c o m o q u e m assiste a u m a c e n a m u d a . m a s logo se horrorizava d e s s a c o n d e s c e n d ê n c i a .. p a d r i n h o ! T a m b é m não foi p o r g o s t o . q u e diga. a s ú b i t a s . 133 .p é d o i d o pela grade d a p r i s ã o e s c u r a .s e o mistério. E o l h a v a m desconfiados p a r a L ú c i o . Repeliu-o c o m c o n t r a r i e d a d e : — M a s . O vento z o a v a q u e n e m c a c h o r r o na b o c a d a furna. . r e p u x a d a p o r u m sorriso infernal. . q u e é isso?!. h o m e m . E r a véspera de São João.s e mais à p u r i d a d e . Afastou Pirunga n u m r e p e l ã o . V o c ê c h o r a p o r q u e ficou leso d e s d e 77!. De quando em quando. p a d r i n h o . Lúcio apurou o ouvido. t e s t e m u n h a v a a tragédia de e x p r e s s õ e s . E n t ã o .. R e a t o u . percebia cochichos.. s e corria algum c o v a r d e .. a esmo: — M a s . Enfarruscou-se. . B r i n c a v a m c o m a s q u e i m a d u r a s . C h e g a v a m o u t r a s frases a v u l s a s : — Eu via a h o r a de me e s b a g a ç a r n a s p e d r a s e ele ficar de seu. . tinha o u t r o g e s t o p a t e r n a l .. — Eu t o d o dia p e d i a a D e u s q u e se q u e b r a s s e a j u r a ! N ã o tinha mais fé de me soltar. n ã o foi p r a matar!. Parecia u m a chicotada d e fogo. . . Transfigurou-se a face encarquilhada d o v e l h o . e n q u a n t o os dois s e g r e d a v a m . Os r a p a z e s n ã o t i n h a m m e d o do perigo festivo. E u q u e b r e i ? ! N ã o foi p o r g o s t o . . E Pirunga a p e r t o u a t e s t a c o m a d e s t r a e s p a s m ó d i c a . . E s t o u de peito l a v a d o ! . — M a s é a m e s m a c o i s a . b r u s c a m e n t e . o tédio aldeão pesava-lhes n a s p e r n a s . olhando p r a m i n h a d e r r o t a ! .o e alumiou c o m ele a c a r a de Pirunga. Levava-lhe a m ã o c o n v u l s a ao o m - bro e recolhia-a. E . F i c o u à p a r t e .. . A p e n a s . n ã o p r o c u r a r a m corrigir os aciden- t e s da n a t u r e z a incerta q u e dá muito e tira t u d o de u m a v e z . d e v e z e m v e z . blindado d a c a l m a reavida. A gente sai c o n t e n t e da c a d e i a q u a n d o t e m o q u e é seu.. — Eu já n e m faço c o n t a de me livrar.. 134 . passou-lhe o b r a ç o à volta do p e s c o ç o c o m u m a ternura d e fera dolorosa: — Coitadinha de m i n h a filha! M a s . T o d o o m u n d o tinha a p r e v i s ã o da catástrofe em d a t a s fatais. E l a n ã o p o d i a viver assim!. A centelha sinistra do olhar secava-lhe as lágrimas. c o m o um sapo seco: — V o u defendê-lo no j ú r i . . c o m o p é n o ladrilho. e s t á m o r t a .... b e m m o r t a . E. . O q u e a s e c a n ã o levou se perdeu na bagaceira!. batia. E s s a vi- talidade aleatória ficou. E os p o d e r e s públicos n ã o a a t a l h a r a m . e beijou-lhe a m ã o m i r r a d a .. havia t a n t o t e m p o . Enfim. Tinha um serviço em m e n t e . m a s j á e s t á feito. a p r o x i m o u . — r e c u s o u o criminoso. Q u e m é mais c r i m i n o s o — o réu q u e m a t o u um h o m e m ou a so- c i e d a d e q u e deixou p o r c u l p a sua m o r r e r e m milhares d e h o m e n s ? E.. O JULGAMENTO O dr. Culpava a seca desse desfecho: — F o i a bagaceira! Em s u a n a t u r e z a primitiva o instinto de h o n r a e o p r e c o n c e i t o da v i n g a n ç a p r i v a d a s u p l a n t a v a m o próprio a m o r p a t e r n o . ele é vítima da falta de solidariedade da raça.s e d e Valentim. D e i t o u a c a b e ç a no o m b r o do afilhado c o m u m a tristeza satisfeita: — O que passou passou. inadvertidamente: — N ã o t e n h o m a i s o q u e fazer. à e s p e r a de j u l g a m e n t o . Marçau entrou a orar neste tom: — O p r o m o t o r a c u s o u o réu em n o m e da s o c i e d a d e e eu a c u s o a sociedade em nome do réu. s e r e n o . A s e c a chegou a a p r a z a r suas irrupções c o m a lei da periodicida- d e . q u e s e a c h a v a . D e p o i s . L ú c i o estivera t o d o e s s e t e m p o s e n t a d o . à e s p e r a da i n t e r v e n ç ã o racional q u e d e m o v e s s e os o b s t á c u l o s do seu a p r o v e i t a m e n t o e fixasse o sertanejo no sertão. felizmente. até hoje.. a n t e s de ser r é u . . Atende m e n o s a e s s e p r o b l e m a moral q u e à meia-língua d a s t e s t e m u - nhas.. n u l i d a d e s é a definição da inópia q u e só enxerga fór- mulas n o papel selado d o s a u t o s . d e v e r d a d e . e m v e z d e u m a a l m a e n c a r c e r a d a nestas fórmulas. d a m e s m a maneira q u e e s t á p r e s a n a cadeia. m a s p e l a imparcialidade! O m a u j u i z é o pior d o s h o m e n s . N ã o sabe que c a d a p r o c e s s o é u m a palpitação da n a t u r e z a h u m a n a . pelo m e n o s . D e s a p a r e c e r a o b o r r ã o d a s q u e i m a d a s na v e r d u r a p e r e n e .. és a b a l a n ç a de dois p e s o s q u e só n ã o p e s a m n a s consciências! C o m o e u q u i s e r a que fosses cega. h u m a n o . Justiça falível. — O a d v o g a d o n ã o p o d e continuar a a t a c a r os p o d e r e s públicos! — advertiu o p r e s i d e n t e do tribunal do j ú r i . Dispersou-se o p o v o sedentário e esfacelou-se a família. . Em v e z da m o n o t o n i a da rotina.. c a r a a c a r a . não p e l a tua ignorância. L ú c i o abreviou a e l o q ü ê n c i a forense: — Eu d o u p o r t e r m i n a d a e s t a função teatral q u e avilta a dignidade dos r é u s .. . A c a p o - eira imprestável d e r a lugar à opulência d o s c a m p o s cultivados — n ã o com a cana t a m a n h i n h a . O silvo d a s m á q u i n a s abafava o grito d a s cigarras. C a s i t a s caiadas exibiam n o s telhados v e r m e l h o s a c o r da lareira acesa da fartura. . (Valentim foi absolvido p o r p e r t u r b a ç ã o de sentidos e de inteli- gência. c o m a ajuda da campai- nha enérgica. m a s de touceiras q u e se inclinavam. ) SOMBRAS REDIVIVAS Só pelo n o m e se r e c o n h e c i a o antigo M a r z a g ã o . v i b r a v a o b a r u l h o do p r o g r e s s o mecânico. Justiça d e . p a r a formar a consciência d o s j u l g a m e n t o s e s - pontâneos. P e q u e pelo a m o r q u e é a liberdade e n ã o pelo ódio q u e é a injustiça mais grossei- ra. Se o j u i z tiver de p e c a r . d o s j u r a d o s . N ã o s e viam m a i s a s c h o ç a s c o b e r t a s d e p a l h a s e c a que impri- miam ao sítio um t o m de n a t u r e z a m o r t a . 135 ... seja. Vingue em c a d a absolvição de um miserável a impunidade d o s grandes criminosos!. c o m o se estivessem n a d a n d o n o s maroiços d a folhagem o n d e a d a .... N e s s e esforço de retificação moral. era uma idéia fixa q u e s u p u r a v a . R e o r g a n i z a v a a v o n t a d e . ensinava-lhe a rir.g r a n d e . A o b r a de um h o m e m e r a m a i o r q u e t o d a a o b r a de um p o v o . D e u m p e s s i m i s m o d e q u e m fecha o s olhos p a r a v e r t u d o e s c u r o . s o p r a v a perfu- m e s de j a n e l a a d e n t r o e p a r e c i a q u e r e r d a r frutos na sala de j a n t a r E r a o m e r c a d o a b e r t o . O s proprietários d e c a d e n t e s explicavam e s s e s valores ativos n a á r e a d o r a m e r r ã o . u m fruto q u e s e devia co- lher a n t e s que caísse p o d r e . E s s e oásis r e p r e s e n t a v a u m m o l d e d e p r o s p e r i d a d e . e r a a purificação do m e d o . a b r i n d o feridas m a i o r e s . a n t e s . a feira livre d o s passarinhos e d o s p o b r e s . sem in- dagar se além d e s s e s limites havia u m a v e n t u r a maior. O p e s s i m i s m o q u e se enrodilha nos corações vazios. sofria n ã o t e r n e n h u m sofrimento. Dizia c o m o o r g u l h o de um p e q u e n o d e u s : Eu criei o m e u m u n d o . . Só desejava do p a s s a d o a vida q u e n ã o vivera. U m milagre e n c o m e n d a d o . L ú c i o a c h a v a o sentido da vida. C o s t u m a v a dizer: Se eu n ã o p u d e r criar a felicidade. o espírito arti- ficial d a s ânsias v a g a s . já n ã o queria m a t a r o t e m p o . desdobrá-lo. esfregando o s d e d o s : . a m a n d o . restaurá-lo. d a n t e s . Situava o ideal da vida no M a r z a g ã o . Se c h o r a s s e . O fator espiritual q u e o vitalizava tinha a p a r e l h a d o e s s a transfor- mação. E. seria de alegria q u e é um c h o r o iluminado c o m o c h u v a c o m sol.a . se purificava. — F a z t u d o isso p o r q u e c a s o u c o m filha de u s i n e i r o . A n d a r a n u m a inquietação estéril. c o m o a cobra no pau o c o . u m m o d e l o d e t é c n i c a agrícola. Q u i s e r a c u r a r os males d ' a l m a p e l a d o r sem s a b e r q u e e s s e p r o c e s s o agia c o m o a medicina d o s sinapismos. Seu segredo de o t i m i s m o e r a viver dentro de sua esfera. E r a o h o m e m mais feliz da t e r r a . sacudia de si e s s a sensibilidade irrefletida. criarei a ale- gria q u e é a sua imagem. e l e . S e m s a b e r q u e a dor só é fecunda c o m o uma a d v e r t ê n c i a à cura. o n ú c l e o eficiente c o n t r a s t a n d o c o m a organização primitiva. A g o r a . q u i s e r a . A n t e s de ensinar ao filho a falar. O p o m a r d a d i v o s o e s g a l h a v a r e n t e à c a s a . a vida só p r e m i a v a a quem a amava. c o m muitas tristezas m i ú d a s d e q u e f o r m a r a u m a g r a n d e tristeza. N ã o p r o c u r a v a o s g r a n d e s p r a z e r e s q u e solicitam p r a z e r e s maio- res até chegarem às desilusões arrependidas. A r r e n e g a v a t o d a s as t e o r i a s da dor e do p e s s i m i s m o . . criá-lo. Sabia que se- 136 . E o s e n h o r de e n g e n h o premiava-lhes as ini- ciativas adquirindo-lhes os p r o d u t o s a b o m p r e ç o . C r i a v a a beleza útil. T i n h a a e x p e r i ê n c i a de q u e o m a u h u m o r se ralava a si p r ó p r i o a n t e s de ralar a o s o u t r o s . E m u l h e r vê t u d o . E r a a m e s m a coisa. B a s e s objetivas q u e não sacrificavam o s e s t í m u l o s d'alma. O trabalho tinha o u t r o r i t m o c o m e s s a o r i e n t a ç ã o da sensibilidade. Repousavam. e s s a espirituali- d a d e b e m dirigida q u e f e c u n d a v a a s suas m e l h o r e s s o l u ç õ e s . Ela acercou-se da g r a n d e t o u ç a amável. a p e n a s . Só a c h a v a e n c a n t o na p a i s a g e m d a s g r a n d e s c u l t u r a s . dá as h o r a s a gente. A n a t u r e z a b r u t a e r a infecunda e inestética. Os m o r a d o r e s g a b a v a m . atritando-se ao v e n t o . E o b a m b u a l c u m p r i m e n t o u . Beijos ou risos. p o r q u e as e n e r g i a s c o n c r e t a s e r a m o ú n i c o m e i o de p r o - longar o p a s s a d o c o m a p e r m a n ê n c i a de suas a q u i s i ç õ e s . E sentia o grito da t e r r a a s s o c i a d a ao h o m e m c o m t o d a a sua vir- gindade. P e r d o a v a s e m m a l b a r a t a r o p e r d ã o . de noite. M o d e l a v a as a l m a s simples. s o b r e t u d o . p o r é m só o h o m e m podia exprimir a alegria pelo riso q u e é a sonoridade d ' a l m a . P r e t e n d i a d o s a r o espírito de sua gente c o m e s s e sentimento da vida. . E s s a faina n ã o r e p r e s e n t a v a . Ele modificava o antigo panteísmo. a satisfação d a s necessida- d e s imediatas: e r a u m a m e d i d a d e previdência.o s em longas c u r v a t u r a s . A ins- crição e s t a v a meio desfeita pelo atrito d a s h a s t e s : EDADE CIO 137 . u m a inteligência d a s n e c e s s i d a d e s p o s i t i v a s .l h e a gravidade a c o l h e d o r a : — É um p a t r ã o d a d o . S a n e a v a o g r a u de moralidade de um p o v o q u e c h e g a r a a ter c a c h a ç a no sangue e e s t o p i m n o s instintos. E r a . a intuição d a s utilidades. As leis de higiene d u p l i c a v a m o esforço p e r s i s t e n t e . ainda soltava beijos. a disciplina da a ç ã o . Já n ã o p a r e c i a m c o n d e n a d o s a trabalhos f o r ç a d o s : assimilavam o interesse da p r o d u ç ã o . a o i n v é s . .ria fácil rir a o s o u t r o s a n i m a i s . R e c o n h e c i a m a simplicidade de suas m a n e i r a s : — É um h o m e m s e m b o n d a d e . L ú c i o tinha. *** L ú c i o p a s s e a v a a o lado d a e s p o s a pelas n o v a s a l a m e d a s . N ã o con- tente de c u m p r i m e n t a r . descansados na consciência de quem não p e r d e u o dia. c o m o d a n ç a s d e elefantíases. E r a o p a s s a d o q u e revivia na e x p r e s s ã o m a i s suspeita d e s s e s dois nomes p r ó p r i o s c o m i d o s p e l o t e m p o q u e . deixara d e preservar a s letras iniciais: S O L L U . L ú c i o lembrou-se. A alegria civilizava-se. Urgia extingui-lo ou impedir-lhe a m a r c h a c o m a c e i r o s . A personalidade r e s t a u r a d a era um a s s o m o de rebeldia. Bendisse o lance e m o c i o n a l do seu d e s e n c a n t o . T i n h a m sido abolidos os c o c o s . . Impaciências va- gas. E as valsas a r r a s t a v a m . M a s o partido estalava c o m o um foguetório. . indiscretamente. e n o - j a d o do a m o r q u e transfigurava a mulher em anjos ou d e m ô n i o s q u e não p o d e m ser a m a d o s . Já n ã o era o p o v o risão d o s s a m b a s bárba- r o s . ler- d a m e n t e . d a temerária p a s s i v i d a d e d o s m o r a d o r e s na noite em que o a ç u d e a m e a ç a v a a r r o m b a r . O fogo ainda se ocultava na f u m a r a d a p a r a que ninguém o d e s c o b r i s s e . . cura. Só Pirunga e X i n a n e se arrojaram à e m p r e s a . n u m a d e n ú n c i a signi- ficativa: E D A D E C I O . Sentia ainda o r e s s a i b o d e s s a a b e n ç o a d a d e s i l u s ã o . E c a d a qual q u e se retraísse: t o d o s tinham a i m p r e s s ã o do perigo. p a s s o u a ser triste.s e . Tinha sido imunizado p o r u m a m o r t a l d e c e p ç ã o : o ridículo. t o c o u o b ú z i o . q u a n d o n ã o m a t a . F o r a preciso so- frer u m a grande d o r p a r a c u r a r t o d a s a s d o r e s m e n o r e s . i r o n i c a m e n t e . 139 . E e v o c a v a a crise de afetividade. T i n h a m d e s a p a r e c i d o as primeiras sílabas. . *** Q u a n d o o M a r z a g ã o c o m e ç o u a ser feliz. O b s e r v a v a a n o v a psicologia da ralé redimida. L a v r a v a incêndio no canavial. Um dia. ninguém queria expor-se. e n t ã o . c o m u m sentido d i v e r s o . e s s a hipertrofia r o m a n e s c a . Os q u e a p r e n d i a m a ler na escola rural a c h a v a m indigna a labuta agrícola e d e r i v a v a m p a r a o urbanismo estéril. Só as últimas p e r m a n e - ciam. T a m b é m seria o fogo d a q u e l a paixão q u e p a r e c i a ter querido consumir-lhe t o d a a a l m a de u m a vez. A inspiração d o s brios h u m a n o s convertia-se na indisciplina do trabalho. L ú c i o n o t a v a q u e havia g e r a d o a felicidade. m a s suprimira a ale- gria. *** O a n o de 1915 r e p r o d u z i a os q u a d r o s lastimosos da seca. . Abeirou-se. — O senhor faz isso p o r q u e n ã o é seu filho!.. L ú c i o sentia gritar-lhe no sangue a solidariedade instintiva da ra- ça. . E r e c u s o u a e s m o l a c o m a fala q u e b r a d a : — Eu só queria s a b e r de q u e m é este e n g e n h o . L ú c i o n ã o s e a c u s a v a d e u m d e s s e s conta- t o s fortuitos. — Pois vá d a r de c o m e r ao seu filho! N ã o p r e c i s a v a vir a mim. C a d a v e z mais e n l e a d o . . se n ã o é m e u filho. E r a m o s m e s m o s a z a r e s d o ê x o d o .s e n a c a s a . do único p e c a d o que deixa o r e m o r s o v i v o .. c o m o a c a b e ç a pol- vilhada. . . E organizou a assistência a o s mais n e c e s s i t a d o s . . P a s s a v a m o s retirantes d e s s o r a d o s . aguardava a resposta. A m e s m a d e b a n d a d a patética. . — Ele t e m seu s a n g u e . . o s sertanejos desarraigados d o seu sedentaris- mo. E dei- x o u caírem o s m o l a m b o s e n t r o u x a d o s . s e m n a d a perguntar. c e r t a v e z . A geografia e r a u m a n o ç ã o de v a g a b u n d a g e m .. L a r e s d e s m a n t e l a d o s . E s m o l a eu pediria a o s e s t r a n h o s . . o s e n h o r de e n g e n h o indagou: — Q u e deseja. m a s este m e n i n o e s t á m o r r e n d o d e fome. Intrigado c o m e s s e silêncio. . E não conteve a repulsa: — Mulher e m b u s t e i r a . A higiene o horror à t e r r a impura.. L ú c i o ? ! E l a empalideceu c o m o se fosse possível ficar mais b r a n c a . o c o s d e f o m e . m u l h e r ? — E u p o r m i m n a d a q u e r o . Explicou-se ainda m e i o a s s o m b r a d o : 140 . cabisbaixos c o m o q u e m vai c o n t a n d o o s p a s s o s . .g r a n d e s e m falar. — Pois n ã o sabe q u e é do dr. E . — Pois. pela c i n z a d o b o r r a l h o . q u e quer q u e lhe faça? — Q u e r o q u e dê o q u e é d e l e . Chegou Pirunga e q u a s e rasgou os olhos de e s p a n t o : — C r e d o em c r u z ! . de beijos a v u l s o s q u e frutificam. Trazia um r a p a z i n h o pela m ã o . A p r e s e n t o u . se q u e r e s q u e eu te m a t e a f o m e . n o dia d o c r i m e d e Valentim. R e c o n h e c e r a S o l e d a d e p e l o s cabelos b r a n c o s . u m a retirante c o m o ar de mistério. . E n c o s t o u . . E x a m i n a v a t u d o c o m um olhar c o m p r i d o q u e alongava o nariz. . E trazia as faces t ã o e n c o v a d a s q u e p a r e c i a t e r três b o c a s . a p r e s e n t o u . D e p o i s . N e s s e c a s o . Ocorreu-lhe a circunstância da praga o u v i d a à última hora. m i n h a prima. . p a r a n ã o cair.s e a pele enegrecida n a s longas ossatu- ras. A l e m b r a n ç a do a m o r ou é saudade ou r e m o r s o .o à esposa: — Este é meu irmão. F o r m a v a m um círculo si- lencioso e m t o r n o dele. c o m o n u m a a m o s t r a d e solidariedade consola- tiva. Q u a n d o c h e g o u o ú l t i m o .s e é punir-se a si m e s m o . afinal. E s e m e l h a v a u m a s o m b r a na parede. V i n h a m p r o t e s t a r c o n t r a a a d m i s s ã o d o s n o v o s retirantes: Sole- dade e o filho. As olheiras funéreas alastravam-se c o m o a m á s c a r a violácea de t o d o o r o s t o . sequer. M o s t r o u ainda S o l e d a d e : — E s s a é . E n c r e s p a v a . *** L ú c i o sentou-se d e b a i x o d a latada d e rainha-do-prado q u e parecia sangrar ferida pelos p r ó p r i o s e s p i n h o s . T i n h a m assimilado t o d a s a s fórmulas d e e m a n c i p a ç ã o : — O c a m i n h o da felicidade q u e nos e n s i n a s t e s vai além d o s v o s - sos domínios! L ú c i o espiou p a r a b a i x o e viu a e s t r a d a c o a l h a d a de sertanejos e x - pulsos de suas plagas pelo clima r e v o l t a d o . E. e r a vergonha.. — Eu fazia ela m o r t a p o r q u e n ã o d a v a a c o r d o de si. 141 .s e . L a t o m i a t o m o u a palavra.. Eu v o s dei u m a consciência e um b r a ç o forte p a r a q u e p u d é s s e i s ser livres. A r r e p e n d e r . N ã o conserva- ra. Ele c h a m o u o r a p a z i n h o a si e tomou-lhe o r o s t o entre as m ã o s . aquele a c e n t o d e beleza m u r c h a d a primeira aparição r o - mântica. Beijou-lhe a testa suja e r e q u e i m a d a . c o m um g r a n d e esforço sobre si: — É a m ã e de m e u i r m ã o . E os m o r a d o r e s c o m e ç a r a m a j u n t a r . Voltou-se p a r a a p o p u l a ç ã o amotinada: — A v o s s a s u b m i s s ã o e r a filha da ignorância e da miséria. . a c u s t o .s e . Soledade r e p r e s e n t a v a t o d o s o s g r a v a m e s d a seca. L ú c i o c o m p r e e n d e u c o m o a beleza e r a pérfida. Só a t e r r a e r a dócil e fiel. E recolheu-se c o m um t r a v o de criador desiludido: — Eu criei o m e u m u n d o . m a s n e m D e u s p ô d e fazer o h o m e m à s u a imagem e s e m e l h a n ç a . Só ela se afeiçoara ao seu s o n h o de bem-estar e d e b e l e z a . . 142 . . Relanceou a vista p e l a paisagem do t r a b a l h o o r g a n i z a d o . S ó havia o r d e m n e s s a n o v a face d a n a t u r e z a e d u c a d a p o r s u a sensibilidade c o n s t r u t i v a .


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