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June 20, 2018 | Author: Fabiana Moraes | Category: Black People, Racism, Ethnicity, Race & Gender, White People, Brazil
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NABUCO EMPRETOS E BRANCOS Um olhar dialético sobre o abolicionista e o racismo de um país onde o status embranquece negros – e, quando ausente, escurece a pele alva NABUCO EM PRETOS E BRANCOS Um livro-reportagem de FABIANA MORAES Fabiana Moraes Sumário Apresentação 9 A cor de um país 11 Introdução 13 QUASE BRANCOS Cinco histórias de pele clara Sorria, você está no mundo dos claros 17 Joaquins 21 Nossa Senhora em iorubá 29 Da lotação para Manhattan 35 O jesuíta filho de Oyá 41 Bárbara, a piscina e as algemas 49 UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA Com vocês, o sr. Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo Um moderno tradicionalista 59 São Nabuco 61 O homem de cor na imprensa do Recife do século 19 (por Marc Jay Hoffnagel) 65 O negro: um “ignorante objeto da sciencia” 69 Três negros e uma abolição 72 Escolarização e cor nos tempos de Nabuco (por Adriana Maria Paulo da Silva) 74 Senzala e escola – polos que se repelem (por Marcelo Paixão) 79 Nascido para ator 83 O abolicionista que amava as mulheres 85 Entrevista | Ângela Alonso 88 Somos do tempo de Nabuco 94 Quando o futuro de 1888 chegará? (por Ricardo Salles) 96 Deslumbre não, estratégia 99 O embaixador e a mídia (por Humberto França) 101 Os escravos de hoje têm a cor dos de ontem 104 Linha do tempo | Joaquim Nabuco 107 Quase pretos cinco histórias de pele escura Um negro é um branco muito rico 113 O branco Tomás 117 As Isauras do Massangana 125 Os mocambos do paraíso 131 O crack. a cama e alguma liberdade 139 Branca e quilombola 145 . Fernando José Freire Presidente da Fundação Joaquim Nabuco . contemplada com o Prêmio Embratel de Cultura e ainda com o Prêmio Cristina Tavares. que lhe conferiu o Prêmio Esso de Jornalismo 2009. agrega ao seu texto pesquisa de campo. o homem e a luta euclidianos foram revisitados por Fabiana para mostrar um sertão nordestino não mais isolado e esquecido como o Arraial de Ca- nudos. Assim fez com Os Sertões. igualmente desdobrada em livro.Apresentação A parceria firmada entre a Fundação Joaquim Nabuco e o Jornal do Commercio nas- ceu premiada com a edição do livro Nabuco em pretos e brancos. diplomata e pensador nascido no Recife em 1849. edição que recebe o selo da Editora Massangana. Doutora em Sociologia. Fabiana Moraes imprime às suas reportagens um acabamen- to historiográfico. A publicação se originou de reportagem vista em um caderno especial duplo (formatos standard e tablóide) intitulados Quase brancos. efeméride que assinalou o centenário de morte do abolicionista e cuja extensa programação foi coordenada pela Fundação Joaquim Nabuco. Aqui a jornalista expõe cartas. Assim faz com Nabuco em pretos e brancos. quase negros e Um pé no salão. ambos em 2011. A autora d’Os Sertões de hoje percorreu uma trilha de mais de quatro mil quilômetros para mostrar a face de um sertão que se move e se reinventa a cada dia. serviu de base para a construção do Nabuco em pretos e brancos. A jornalista recebe o reforço da cientista so- cial e. Com grande satisfação. fiel depositária da memória do seu patrono. textos do ex-senador do Im- pério e ainda artigos inéditos escritos por importantes pesquisadores a respeito do abo- licionista. A terra. além de destacar as matérias e os atores presentes no caderno especial. revisão bibliográfica e consultas a especialistas nos temas abordados. no qual o rico acervo da Instituição. com selo da Companhia Editora de Per- nambuco . que traz discussão atualizada sobre ques- tões tratadas e vivenciadas há mais de um século pelo político. pesquisa documental. da jornalista Fabiana Moraes. reportagem especial publicada no mesmo jornal.Cepe. a Fundação Joaquim Nabuco lança ao público o novo traba- lho de Fabiana Moraes. quase sempre seu insumo primeiro. fruto do renovado apoio do Jornal do Com- mercio à produção cultural local. A obra que se apresenta é um prolongamento do traba- lho realizado no transcurso do Ano Nacional Joaquim Nabuco. portanto. outro na senzala. antropológico e literário. silenciado e destruído em ato inaugural da Primeira República. político e sociológico de Nabuco. como é o caso de Joaquim Barbosa: sua presença parece nunca ter sido totalmente absorvida pelos próprios colegas. seria possível que tanto tempo antes do cristianismo. Assim. sentimos que as condições de pobreza de cada personagem branco são um fator de peso na discriminação disfarçada e consentida que ultrapassa mesmo a cor da pele. Meus irmãos curtiram a minha pele. já houvesse distinção racial e se questionasse a cor do ser vivente? A pela escura tisnada pelo sol? Nós já temos cinco séculos de história – é um período curto no caminhar da humanidade. Nos diálogos francos que se tra- varam entre entrevistados e entrevistadora. Mas. posto que já não é mais preto nem é branco. os maiores da premiação). como a flor do pessegueiro”. o de Jornalis- mo e o de Reportagem. cinco deles de pele clara. a mais bela canção de Salo- mão. por que são tão poucos os padres negros na Igreja Católica. sim – mas dizia Gandhi que “a verdade às vezes é dura como o diamante. processos). de um ministro negro no Supremo Tribunal Federal (STF). com impor- tantes colaboradores e documentos relativos ao abolicionista (cartas. Fabiana entrevistou 10 personagens. que viajou. É duro? É. Não vos incomodeis se sou morena.A cor de um país Eu sou preta. outros cinco de pele escura. ainda na primeira metade do século 19. o legado histórico. também traze- mos. Sentimos também o que é a difícil “aceitação”. antropólogos. Para Fabiana. em mais de 400 deles misturamos de tal forma nosso sangue. Mas. São discriminados pela condição social. premiada repórter que leva em seu currículo três Prêmios Esso de Jornalismo (um regional e dois nacionais. aquela para quem todos são iguais perante Cristo? São iguais também na miséria muitos irmãos brancos. Ele é apenas igual. e a minha própria vinha não guardei. Este é o tema que do projeto especial que realizamos em 2010 para marcar os cem anos da morte de Joaquim Nabuco e que agora chega em livro. no “recheio” do livro. ampliado. às vezes é frágil. suor e sentimentos que há muito não sabemos se nosso povo é quase branco ou quase preto. o estadista do Império que nasceu na manhã de um dia 19 de agosto. O livro Nabuco em pretos e brancos traz os relatos de personagens que vivenciam o racismo tanto por conta da cor da pele quanto pela pobreza. eco- . nestes 500 anos. compartilhando a ventura e as desesperanças. por parte da elite branca. Além desta abordagem.” São versos bíblicos do Cântico dos Cânticos. mas bela. que nasceram e se criaram nos tantos bolsões de pobreza que circundam o universo da cidade grande. se o sol me tisnou. A concepção deste projeto é de Fabiana Moraes. conversou e discutiu com sociólogos. como os cortinados suntuosos. quando o povo de Deus buscava seus próprios caminhos. filhos de Jerusalém. como as tendas de couro escuro. puseram-me a guardar as vinhas. cultural. que vivenciam boas condições de vida e cinco brancos que experimentam a pobreza. que esteve nos salões atapetados do STF. Quase porque. Afinal. Os primeiros. Uma sociedade que cobra e carece de uma sistema educacional terminam “embraquecendo”. Os negros que conseguem romper o cordão de pobreza lutam para serem aceitos no mundo dos brancos. “é bem Introdução mais perverso do que imaginamos”. possuem apenas um capital: a alvura da pele. uma construção? Onde o empoderamento social pode clarear ou escurecer (se ausente) fruto de um tempo idem. cujo nome é quase todo um grupo ou mesmo uma população? Este livro trata justamente desse fenôme- sinônimo da luta pelo fim da escravidão. Tenho certeza de que a leitura será prazerosa para todos. que nunca teve uma política fundiária compatível com um país de 8 milhões brancos. sofrem um preconceito de quilômetros quadrados. mas foi também no enclave paupérrimo de um quilombo em Pernambuco. quando se descobre a riqueza da sua contribuição. a cor da pele. que observamos como questões presentes no momento da abolição da Diretor de redação do Jornal do Commercio escravatura ainda se perpetuam entre nós. enquanto os brancos sofrem uma espécie de enegrecimen- muito mais eficaz. ao ser trazido para as vidas de brasileiros atuais. que tem consciência da perversa concentração de renda que nos es. importante dizer. ele mesmo um homem complexo. Estes são quase pretos. dade contemporânea. econômicas Ivanildo Sampaio e sociológicas. os negros. É atra- vés dos relatos destes personagens. você é tolerado. ao atingir degraus cobiçados em uma sociedade voltada para o sucesso. tem como saldo apenas É tão perigoso quanto delicado falar sobre raça no País dos miscigenados. os brancos pobres. que aqui nos ajuda a perceber. Complemento dizendo que as belas fotos que ilustram o tra. mesmo empoderados. Fabiana Moraes . Aqueles. ao partilharem uma pobreza que estatisticamente. quem são os “claros” e “escuros” em uma sociedade onde a cor da pele é antes de tudo nante sem evocar a figura ilustre de Joaquim Nabuco. Discutimos esse pernambucano tão ilustre. os brancos. contados a partir de análises históricas. no fim. balho são de Heudes Régis. Questões. as ilustrações da autoria de Pedro Melo e o trabalho gráfico Quase porque. vital para o entendimento da socie. no meio da pele clara. Brasil. o quanto ainda prezamos as senzalas. Sabemos que é impossível discutir e escrever sobre um tema tão apaixo. aqui explicitado através de análises que incluem dez entrevistas com cinco negros foi sancionada a Lei Áurea. descriminados pela condição social. No legado dessa miséria co- mum. no fim. no primoroso de Andréa Aguiar. infelizmente. quase tigmatiza. apontadas pelo próprio Joaquim Nabuco.nomistas e historiadores. o racismo. e que esteve ao lado da Princesa Isabel quando no. to evidenciado pela falta de recursos materiais. Nabuco é visto por ângulos pouco explorados e conhecidos. é ligada aos de pele escura. silencioso que os avisa a todo momento: aqui. QUASE BRANCOS QUASE cinco histórias de pele BRANCOS alva 15 . Ela está baseada não apenas em números. mais da metade da população se declarou afrodescendente (negra ou parda). como quis o crí- tico Silvio Romero? O fato é que a ciência pode decepcionar mesmo os corações e mentes mais crédulos. So- freram uma dura e simbólica prova do tempo. mostrou os mesmos dados e conclusões antes. seríamos. que os transformou em ingênuos. muitos brasileiros ficaram extremamente incomodados. realizado em 1911. Outro intelec- tual de renome. Indicavam nosso “futu- ro brilhante” e promissor. no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia (Rio de Janeiro. Primeiro. O respeitado antropólogo apresentou sua teoria. 17 . como perceberam os três intelectuais. Apesar da boa nova. Segundo (e mais grave): ainda seria preciso espe- rar cem anos para que pudéssemos caminhar felizes entre gente como os “tipos puros e belos do Velho Mundo”. diretor do Museu Nacional. os mestiços formariam cerca de 20% da população (chegariam em pouco tempo a apenas 3%) e os negros estariam extintos. segun- do divulgou em 2009 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domi. pularam de 38% para 44%. dados que revelavam um Brasil negro demais. João Batista Lacerda. você está no mundo dos claros S e as previsões do pesquisador Roquette-Pinto estivessem certas. porque Lacerda mostrou lá fora. por sua vez. no Congresso In- ternacional das Raças. 1929). a partir deste ano. basea- da nos censos de 1872 e de 1890. mas em todo o processo social e histórico pelos quais a Nação passou nas últimas décadas. As duas estatísticas indicavam que os negros haviam diminuído de 16% para 12% da população. e logo na Europa. Pela primeira vez no País. uma enorme nação formada por brancos: 80% dos brasileiros teriam a pele clara. Os brancos. QUASE BRANCOS Sorria. porque psicológico. contrariando o futuro esperado para um filho de pe- quase. com um raciocínio simples: fale várias línguas. O ministro Joaquim que vai deixando de ser um problema não parecer com os “belos” do Velho Mundo. Mas continuava negra. na social”. enfrentou uma série de ofensas racistas. “Se você é bem-sucedido. os “bons exemplos” de uma falsamente tranquila miscigenação. É só olhar: lá no Supremo Tribunal Federal (STF) não tem um ministro O antropólogo Ivo de Santana estudou. Mais agora com esse julgamento”. em casa. tornam-se. A tal sutileza. A raridade de sua presença em um alto escalão breza no Brasil e a entrada significativa de afrodescendentes nas escolas e universida. Ao defender temas polêmicos 19 cima primeira top mais bem paga do mundo em 2009 de acordo com a revista Forbes. As portas desse universo de pele clara não estão exatamente quase invisível. Barbosa (STF) também lidou com várias destas faturas até tomar posse no Supremo – e uma realidade que muitos relacionam a fatores como a crescente queda na taxa de po. durante a São gia o embranquecimento deles. padre Clóvis Cabral. Referia-se ao fato de o ministro ser relator.3% os de ela estava em um camarim quando foi chamada de “macaca”.” Sim. diz Ronaldo Sales. novamente nos deparamos de destaque simplesmente embranquecem – e não estamos nos referindo à cor da pele. sua família fosse tolerada (“tolerada”. mas posto de prestígio tem ainda a missão de servir como exemplo. mostram como exceções apenas confirmam a existência classe média alta. Em junho de 2010. uma postura de cordialidade. Os exemplos protagonizados por Emanuela de Paula e Joaquim Barbosa revelam negros e mestiços precisam em vários momentos se submeter a um branqueamento que o racismo entre negros de alto prestígio pode ser extremamente perverso. é claro. produz o embranquecimento. carta deixada sob sua porta. discurso da inexistência da discriminação racial. Não é pouco. dreiro. estes instrumentos que atuam quase pedagogicamente no País. escândalo do mensalão. “É a síndrome do negro que é aceito apenas enquanto fica no ricana Barbara Carter (que viveu o tempo da discriminação institucionalizada em seu lugar que lhe é reservado. O ineditismo dos negros no mundo dos brancos não nos faz menos dis. em Salvador. escola. que foi morar num condomínio de particularmente poderosos –. iguais. mas a sua pele negra nos informa que você Ele não é simples: são necessárias diversas e silenciosas negociações. uma enorme ironia na situação: muitos dos negros que atingem locais que estes votassem a favor de projetos do Executivo. no fim. prepare um respeitado relatório transformando em réus 40 importantes nomes da po- o espaço do servir) e ao se aproximarem de esferas cujo domínio é branco. São 50. basta mostrar a velha zardos”. basta a adesão a outros códigos. ela não nivela aqueles que a dividem. e. mas que ainda prevalece na rua. Em 2006. Aqui. Para participar nunca atingirá o Grande Degrau Social. Os perfis do e esperada cordialidade. há aquele homem simpático e “de cor” que hoje ocupa criminação racial que. Não assumiram. do visibilidade. termina sendo menos va: não somos racistas. e sim o oposto. Torne-se ministro. No entanto. 60% afirmavam que insulto é simples: ela podia ser bela e rica. aquilo o que o pesquisador Ronaldo Sales chamou de “Com. uma “elite negra” que pôde negro? No desfile daquela grife famosa não havia uma mais moreninha em meio às adentrar em cursos como direito. A classe mais alta O contrato de adesão ao mundo dos brancos tem outros itens. lítica nacional. logo.5% pretos). do “mundo dos brancos”. Parece majoritariamente branco. nas novelas. Dé. Em 1940. observou o sociólogo Florestan Fernandes já nos anos 70. social e moral. que culminaram com uma de uma regra. estamos falando de integração. estatística. porém. Confirma-se o Brasil cuja “democracia racial” é questionada negro do que é. é a cor que dá conta de tudo. complete um doutorado na Sorbonne. é o ícone que compro. a modelo pernambucana Emanuela de Paula recebeu a sua. “macaca”. Ao mesmo tempo – e é aí que eles são não é comum a todos: uma de suas informantes. engenharia. Há de se levar em conta também a presença de pretos e pretas na publicidade. 42. importante frisar). elas continuam a chegar ao seu gabinete. nas próximas páginas. como tantas vezes é observado entre 18 Paulo Fashion Week. esta população específica. no ônibus. o pacto que exi- aí que os quase brancos têm o “quase” sublinhado. da Justiça brasileira não está livre de tensões. dirige-se logo àqueles que são observados como “feli- fechadas – para ultrapassá-las. maior identificação e reconhecimento. em 2007. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS cílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE). chega a conta cobrando a passagem pela porta dos claros. como foi chamada a “mesada” paga a deputados federais para Há. apesar . porém. Ela e os negros que aparecem De vez em quando. na da também ministra Carmen Lúcia: “Esse [Joaquim Barbosa] vai dar um salto social TV. Tais exemplos são utilizados continuamente para sustentar o acessar locais de prestígio. letras. como demonstrou o famoso comentário des. Todos esses feitos são louváveis. Precisou mover uma ação judicial para que a presença de criminatórios. Porque. do corpo e do lugar há quase 40 anos no meio acadêmico. como as cotas em universidades – e até nas passarelas – eles demonstram que. e brancos não deixam de existir apesar do prestígio de seus lugares. A lógica que explica o pele escura (43% pardos e 6. antes de país) também mostram. subordinada. como ele escreve. para provar que não é com pós-graduação realizada fora do País. podia compartilhar o espaço glamourizado e eram brancos para o mesmo instituto. Quem atinge esse pode fazer com que a cor negra seja mais tolerada. como as barreiras que distinguem pretos tudo. em diferentes níveis. Roquette-Pinto. se colocam apenas àqueles que conseguem a presidência dos EUA. medicina.6% se dizia preta ou parda. Romero e Lacerda ficariam fascinados com o processo. da ialorixá centenária Estelita Santana e da professora norte-ame- plexo de Tia Anastácia”. Percebeu ali os sutis mecanismos de dis- só aqui que os negros têm vez. alguns deles branquinhas? Na novela não apareceu uma heroína preta? E. Mas ela é. e não à maioria dos que ficam de fora. Ao se afastarem das posições comumente atreladas aos “escuros” (o trabalho braçal. É perfilados neste especial se negaram a realizar. Roquette-Pinto: uma vida dedicada ao pro- gresso da nação (Andreas Hofbauer). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE). QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS de vivenciarem condições quase utópicas para a maioria dos afrodescendentes. o negro muitas vezes passa a servir à causa da opressão.” Fontes: O negro no mundo dos brancos (Florestan Fernandes. Brasília. não romperam os laços de solidariedade com os outros “de cor”. agosto de 2004. 1972). Uma história de branqueamento ou o negro em ques- tão (livro organizado por Andreas Hofbauer). À margem do centro: ascensão social e processos identitários entre negros de alto escalão no serviço público – o caso de Salvador (Ivo de Santana. segundo escreve Silvio Luiz de Almeida. uma realidade bastante comum. UFBA). 2009 20 Joaquins 21 . USP). “Ao adentrar as estruturas que possibilitam a ‘ascensão social’. A mobilidade social dos negros brasileiros (Rafael Guerreiro Osório. advogado e vice-presidente do Ins- tituto Cidadania Democrática (ICD/SP). IPEA). mas sem nunca deixar de ser oprimido. O acesso à universidade e a emancipação dos afro-brasileiros (Silvio Luiz de Almeida. a capital federal. Este de alta estima no Brasil da corte. Sempre houve comida no prato e vontade suficientes para que ele continu- asse. aquilo o que se entende como a vida boa. jovens. Ao contrário As perspectivas de integração. o menino do senador e o menino do pedreiro. Outro aspecto que fascinou também os aproxima: a figura do pai. Pont des Arts. Assim. O primeiro teve o prazer de estar a passeio. vestido nas últimas modas. que há pouco findara suas cortes para inaugurar um novo momento. a inteligência. no qual a seda e a renda chantilly passavam mais próximo aos olhos da plebe. para Brasília. sem os constrangimentos da pressa. era lugar de passantes sujos de cimento. o peso da ausência do seu. após um longo trajeto iniciado aos 16 anos. de onde se “ tem uma vista privilegiada da capital francesa. Era. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS N Joaquim abuco e Barbosa. uma cidade estudando. a Pont Neuf. Amaram o Sena e os Jardins Barbosa. nunca negou. Barbosa carregava. Joaquins. figura Nabuco. Era perfeito para o rapaz que usava uma polêmica (porque inovadora) pulseira de ouro e adorava exibir seus naturalmente cons- truídos dotes aristocráticos. o Belo. um novo oferecidas pela ordem social mundo onde quase tudo era plebe. Essa irresistível soma não teve desempenho poderoso . no interior de Minas Gerais. de Paris. sem a necessidade de amassar os ternos 22 23 impecáveis. a venda de um engenho fali- do e a recusa de um emprego: convidado a trabalhar como auxiliar Florestan Fernandes em exames de retórica. que. vontades semelhantes: conheceu a queriam para todos a possibilidade de experimentar. Ambos eram falido. naquela quase cidade. Nabuco sabia que seu porte. O outro. Passaram. um privilegiado. chegou um engenho pela primeira vez até o alto de Montmartre ao seu modo. precisam ser simples que gostava de piano: seus dotes intelectuais se expandiriam conquistadas palmo a palmo ao lado da urbe cuja aristocracia também estava em formação. O segundo subiu ao monte. o peso do nome do seu. vestido com o chegou até que podia. ao se separar da mulher. um dia se emocionaram com a beleza intestina de Paris. passou para o filho o cetro de provedor familiar. inaugurada há pouco mais de dez anos. seu trajeto até Montmartre. a fala. pôde ver mais atentamente. Nabuco carregava. José Thomaz. numa luta desigual para o O Joaquim de pele alva conseguiu sua passagem para a Europa ‘homem de cor’” após um árduo trabalho de sedução. a roupa e o dinheiro paterno tinham poder suficiente para levá-lo aonde quisesse. pela ministro do STF. de comida na marmita. quando saiu de Paracatu. Homens diferentes. Perfeita para o rapaz de roupas e competitiva. lá vendendo Cada um. momentos distintos. a Basilique du Sacré-Coeur. como faziam mesma Europa eles. o coração sensível. de Luxemburgo. “Em 1873 (. um co.3%. eu tê-los-ia ido NO MUNDO relacionada a uma antiga economia. além da roupa e da comida. acima de qualquer discussão política. mas o belo. dos propósitos que acendiam a sua alma: aproximar-se de estrelas Vicente. em relação a era de 28. jovens de 18 a 24 logo. Melhorou quando brancos apresentavam superior era de 60. cravocata. da política. entendendo melhor o emprego do “even”. Em relação superior. onde DOS BRANCOS revolução das máquinas. Entre um ano. vous êtes sûr de me trouver. A crisálida virava bor. período em que sua escola em Paracatu. contra 7. se dois anos a mais de atenção para os negros escravos que serviam nos salões. pela sociedade”. já havia conseguindo o emprego de oficial de chancelaria os negros e pardos da decidiu cobrar mensalidades. vocado pela simultaneidade de estudo e de trabalho. pa após um árduo período de trabalho físico no qual realizou. estudo da população di. momento. De certa maneira. por e pardos. A sua crisálida superior em 2008. Uma vez em Paris.7%. Kant. faxina. Neste curso superior.O direito como instrumento 25 . a presença de Também foi contínuo e acumulou tarefas: as 12 horas de trabalho de 15 anos e mais. de onde saiu bacharel em 1979. os livros novos. o vantagem de quase enquanto entre pretos se tornou operador de máquina ofsete em uma gráfica. Dupin) e o respeitado escritor Ernest Renan.5 anos) te 4. Joaquim intelectual e trabalhador do século 21.8% desta população 320 páginas. sentimento e moda espraiados por Byron. eram do Ministério das Relações Exteriores do Brasil na Finlândia. pelos quais sempre se sentiu atraído. a Universidade de Paris II. as letras e a vontade de dominar as seguintes palavras: “C’est moi qui serai enchanté de causer avec outras línguas unem o Joaquim intelectual e dândi do século 18 e o vous. passando pela Inglaterra 3. Renan. baseada na procurar ao fim do mundo”. dominada em 2008 os brancos um terço dos brancos Elegeu-se deputado por Pernambuco em 1878 e olhou com mais tinham. Entre brancos com Conhecia os últimos termos de perto e. Fonte: IBGE & princípio constitucional da igualdade . QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS apenas em território brasileiro.7 e teligência e da sua fala. os diferentes países. O países que tanto admirava repudiavam a prática agora cer homens célebres de toda ordem era sem limites. estava cheio Segundo o Instituto século. pelo caráter dos diferentes pa- Dois terços dos jovens boleta. olhou com mais atenção para tinha concluído o ensino que também encantou um dia o filho do senador. o alemão de “deutsche sprache”. Estes deram lugar ao interesse riu o seu primeiro “bonsoir” para nomes como a escritora George pelo direito público. Estes deram lugar a um deslumbramento e Estatística (IBGE). 14. haviam e pardos o percentual recusar emprego: era o salário que garantia a promoção de sua in. Mas ao lado do lazer aristocrático. o menino do pedreiro provocava orgulho ao cursar direito haviam concluído o sité parisiense. fronteiras na Europa e viajou pela região. Rue Vanneau. pelos livros novos. vontades semelhantes. Aproveitou a relativa aproximação entre No Nordeste. dentro da prestigiosa univer- mais de 25 anos. esta “amortecida. Não podia dois anos (8. Em 2001. faxina nos banheiros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). linha do mestrado e do doutorado que cursaria Sand (pseudônimo da também baronesa Amantine Aurore Lucile na Panthéon-Assas. apenas dans le système politique brésilien (editora LGDJ/Montchrestein. o menino do se. se interessava pela leitura. a Europa. Para o nascido negro. qua. Todos os dias por volta das 10h você pode me voltar para uma mesma questão: a cor da pele. Atingia. do “mientras”. havia despertado o dân- à média de anos de dos pretos e pardos. estudos). escreveria em Minha formação. Em exemplo. os jovens brancos no ensino abolicionismo. É certo anos de idade estava O Joaquim de pele escura conseguiu sua passagem para a Euro. por dia resultavam em cochilos durante as aulas. 40.). que na infância havia recebido de presente um menino preto. cinco anos depois.7% dos pretos e dizer bonsoir. publicaria. sica. da fruição pardos adultos tinham Maria Stuart e Wallenstein. os cochilos na sala de aula. deixando para trás os momentos de melancolia (o mal do Escolaridade e cor brancos e menos de íses. mesmo pública. da 6. que o agraciou com O amor pela arte. “atraído pelas viagens. ali.. e sim pelo que mostrava de indigno e feio. nível superior Em 1998. eles também iriam se em encontrar você.14.7% se tornado uma realidade palpável. as distinções causadas pela cor da pele e publicou Ação afirmativa 24 ficara no passado. A performance intelectual garantida superior completo em do divertido e belo. que passara dez anos longe Ensino superior também reproduziu a mensagem de Renan. Nabuco. ficou maravilhado. também atingiu Brasileiro de Geografia um terço dos pretos de revolta e voltara-se para o mundo exterior não pelo o que ele e pardos cursavam o o coração de Quincas). O 2008. escolaridade que pretos frequentando o ensino que desde 1868 dizia-se incomodado com a escravidão. era seu presente tardio para Vicente. Hegel. pela sensação de arte”. pelo suor na testa possibilitou a sua metamorfose pessoal: na casa 2008. estava também o garoto que ficou sem aulas durante na Universidade de Brasília. sobre o meio do qual faria parte mais tarde . E. 24 anos.7% (2008). as noites de nador provocou orgulho desde o primeiro momento em que profe. pelo teatro. continuou a observar o que era indigno e feio. Feito homem público e político..3 anos de teatro e a sociedade. a minha ambição de conhe. Seu espírito. Para o nascido bran- encontrar”). Escreveu sobre a Justiça brasileira – e mesma idade. Tous les jours vers 10 heures.1% aquilo o que se entende como a vida boa. 29” (algo como “Sou eu que estou encantado momentos distintos. tinha de divertido e belo. Também sabia dos brancos e somen.55 euros). e não à moderna. Homens diferentes. onde apenas 4. era vergonhoso ver sua terra continuar com a política es- intelectuais e políticas. deixando para trás os momentos de cansaço pro.em La Cour suprême ficou entre 1976 e 1979. Seguia ouvindo música clás- pretos e pardos (6. 1994. em média.3% dos 20. ” Para superarmos o despotismo. a palavra.. da imprensa para promover o interesse nacional brasileiro e a própria imagem. será necessária uma mudança antes de tudo pessoal. o pai. São Francisco. “A primeira revolução que o Brasil e os brasileiros teriam que Trata-se de uma solicitação de Joaquim Nabuco para que fossem adquiridos exemplares da fazer seria uma revolução íntima. É uma maneira de minimizar o peso da raridade da sua pele naquele ambiente. Mas.” Joaquim Barbosa fala um ex. Concordou. raridade esta que muitas vezes reduz sua fala. a carreira política. Não faz da cor uma atração a mais (“não acordo de manhã e olho para a cor da minha pele”). o que está na raiz das nossas mazelas. do nosso gri- tante e envergonhador quadro social”. o último do corredor do quarto andar do prédio (anexo 2) do Supremo. Los Angeles. Utilizou-se dignidade de todos os seres humanos. como já declarou. de falar sobre “o mais grave de todos os nossos problemas sociais (o qual. curiosamente. de despotismo. de aceitar o outro tal como ele é. Salt Lake City e 26 muitas outras cidade estadunidenses davam notícias sobre as atividades da Embaixada do Brasil. elegante. de respeito pela igual presidente Theodore Roosevelt. de revista Washington Life. que é ampla. sucedido. “A questão racial não é uma obsessão para mim.. está teórica e empiricamente convencido da frase escrita há quase 150 anos. a superstição e a ignorância. Diferentemente de Quincas (“Oh! o que não recebi nesses anos de luta pelos escravos! Como os sacrifícios que por vezes inspi- rei eram maiores que os meus! Eu tinha a fama. Era sua forma. que publicara um telegrama enviado pelo nosso embaixador ao ordem moral. era seu presente para a mãe. a lenta estratificação de 300 anos de cativeiro. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS de transformação social – a experiência dos EUA (454 páginas. crê. Nova Iorque. Jornais de Washington. sem dúvida. todos fin- gimos ignorar). De certa maneira.”). os seis irmãos. edição esgotada). também para milhões de brasileiros. por meio de uma educação viril e séria. será ainda preciso des- bastar. como ele escreveria em um artigo. 27 . ele segue a opção de não le- vantar nenhuma bandeira. superstição e ignorân- cia”. ÍNTIMA REVOLUÇÃO O Joaquim de Minas leu com muito interesse o Joaquim de Per- nambuco. como o que se segue: “Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor. com vários dos pontos de vista do abolicionista da pulseira de ouro. O menino do pedreiro. uma mudança radical de visão. não permite que o instrumentalizem. o terceiro negro a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. isto é. do alto do prestígio conferido ao lugar ocupado no gabinete c-429. prefere o silêncio e evita entrevistas. e não po- lítica. como fez um dia o menino do senador. apenas ao pro- blema da discriminação. Foi muito bem- celente português. Joaquim Nabuco foi um mestre na diplomacia pública. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS Nossa Senhora em iorubá 28 29 . vendendo doce e acarajé. Isso tem mais de 60 anos e há mais de 30 é a Juíza Per- “ da Irmandade pétua da Irmandade da Boa Morte. para marcar a presença sagrada: quando TRAZIDOS AO BRASIL Nossa Senhora não é a provedora da festa. criado no início do Oitocentos. De manhã. a mais anti- sal de Deus? Jogas fora da tua ga do grupo. Nossa Senhora gos- ta de samba de roda e teve 12 filhos. A cada sete anos. você vai ser minha irmã ou não vai?” Ela foi. estava Estelita na rua. uma regra antiga que garantia. em uma ladei- ra de Cachoeira. vendia doce e encarnada na acarajé. a juíza recebe a Santa Mãe de Je- Queres lavar a tua alma com sus. Quando era moça. a Virgem que morreu em paz. sem doenças. também. brilhosos. a Mãe devota de Obaluaê. quando alguém 105 anos. 31 . uma bênção para muitos. costuma comandar. mas é invisível. comer mingau.esse é o nome de Nossa Senhora ialorixá Estelita. a festa perguntou: “Como é. o mais alto cargo de um grupo da Boa Morte. quem comanda periodicamente a festa realizada pela alma todos os teus pecados? Não congregação durante o mês de agosto. ao lado de padres durante parte da celebração católica da festa (realizada na Igreja Matriz de INICIAÇÃO CATÓLICA À QUAL OS NEGROS Nossa Senhora do Rosário). tinha tabuleiro. em Salvador. Estelita não senta entre os religiosos e seu báculo existe. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS N A cada sete ossa Senhora mora numa casa pequena. Es- alma o Diabo?” telita senta-se. pecarás nunca mais? Queres ser A presença divina no corpo frágil. Foi nessa época que teve um sonho que mostrava que sua vida ia mudar. consumida pelo amor de Deus e o água santa? Queres provar o desejo de estar perto do filho. É a única irmandade negra do mundo formada apenas por mulheres. de certa maneira. Aí estava Estelita . à noite. Usa saias de renda belíssimas. encarna Aquela que agrega todas as mulheres. filho de Deus? Jogas fora da tua Segurando um báculo. unindo latim e iorubá. Poucas recebem a imensa honra de ceder a carne e o sangue a Maria. na face de Estelita. espécie de cajado que marca seu poder. onde hoje são aceitas mulheres com menos de 45 anos. por africanas vindas na Bahia do Ketu. -. O acessório só se materializa em suas AFRICANOS SE SUBMETIAM QUANDO mãos a cada sete anos. tem 105 anos e é anos. É preciso ter angariado a confiança das irmãs e dedicar boa parte da vida a irmandade. de de Deus desce outros panos. é incontestável naqueles dias. É Ela. a total dedicação das irmãs (havia o entendimento de que 30 as jovens seriam mais propensas aos prazeres mundanos. uma blasfêmia para tantos outros. todos criados no mesmo lar até a terra para onde ela mantém um terreiro de candomblé. Recôncavo Baiano. terreiros. A Juíza lo se confundem: há quatro décadas. donas de altos postos. com no máximo 20 O surgimento da O Centro de Estudos está acima das quatro saias. As negras de saias. ao abandono da ordem). da primeira saia. Apesar de o papel das mulheres escravas não ser ressaltado nos dor. Apenas aquelas consideradas obedientes têm su. O sistema foi criado pelas negras do Irmandade da Boa Afro-orientais (Ceao/ seguidores durante as procissões. A missa pela alma das Irmãs de retiro. Só entram mulheres que es. 33 . Três (IBGE). indicam parte da congregação. Foram anos difíceis. fiquei aceitas como funda. Ogum. domingo. em parte.7% dos umbandistas a do pároco. mesmo divina. o político Magalhães – elas receberam do século 19. mas rucci e Prandi. Outras pes. Elas também cuidavam dos por volta de 1820. pioneiramente. negras africanas são da população brasi. as roupas que Católica Apostólica Brasileira. mas é repreendida pelo filho Nelson. que circula pela declararam ser de cor sa Senhora. quando a ordem chegou ao município. do publicar as negras repletas de colares dourados. porém. cesso. Candomblé de Salva. não morressem mais na escuridão. 1996). cantes do candomblé. Obaluaê). criaram um grupo recenseamento de 2000 que não era juíza nem sagrada naquele tempo. Também veio a visibilidade. que só deixa o cargo quando alcança a sua boa morte. Falecidas. que sejam filhas de um Assunção. rompendo um laço iniciado na me. Com o apoio de medalhões baianos – o es- tade do século 19. leira adulta declara-se tecido. a Casa Branca do casas de umbanda) principalmente negros. apenas evita falar qualquer coisa para não reacender a briga. até as mais respeitadas. A escrivã é a dona da Nossa Senhora simbolizada no corpo de Estelita.500 conseguiram comprar a liberdade e. com uma poderosa aliada dos não são permitidos dentro da congregação. em que possível para elas. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS ao álcool. (roças. Assim. A presença de turistas passou a ser incentivada. precisou carregar seu báculo até outro local. da Glória e Nossa Senhora da Boa Morte (com Nossa Senhora da tão ligadas a um terreiro de candomblé. o que corresponde a a manutenção da irmandade. após 20 anos. de ouro que adornavam as irmãs. A igreja era novamente preta. quase chega ao fim no início dos 70 – apenas seis irmãs faziam de celebrar a festa na igreja. elas. um conflito envolvendo vaidade. reunidas com as outras irmãs numa espécie seguinte. foi o tempo no qual muitos norte-americanos. foi usado para Matriz de Cachoeira: em 1989. como tanto havia acon. “Eu vendi um. a segunda pertence à tesoureira. fo- orixá relacionado à morte (Nanã. Nassô. de força religiosa e também política. O dinheiro. devem pedir permissão a Estelita sobre assuntos ligados à Boa Morte. Ela lembra até hoje do período. que. O episódio é conhecido como dispostas a pedir esmolas para a compra de alimentos e artigos O Sequestro das Santas. o dinheiro primeiro terreiro de templos afro-brasileiros votos a Santa Maria Mãe de Deus a favor da libertação dos negros. passaram das escadas.3% gringos comprando. Todas. Nossa Senhora foram apenas 22. na sexta. não entrar no grupo. a pouco mais de 470 mil luta pelo poder e preconceito fez com que a irmandade deixasse irmandade se enfra. deixaram de ter um espaço sagrado. seguidores. foram levadas como suvenir. completam a tríade que invoca uma única Maria). fizeram baiano. da critor Amado. que estejam ram retidas pelo pároco da cidade. fé e espetácu- tém a terceira. os jornais adoran- dos padres. Entre os prati- casa enquanto ela concede entrevista. que passou por períodos difíceis e zação de Salvador. já foi barrada na Detá). em agradecimento. Eram imagens fortes. teve que abrir passagem para Nos- a dizer algo. apenas 0. O pároco não contava.8% Foi um alívio para a mulher que não perdeu apenas um filho. As iniciantes passam três anos sendo testadas até poderem de fato que gostariam de homenagear Aquela que as teria libertado. no entanto. retornar ao altar. evento integrante do calendário turístico ao aparecimento do aproximadamente 1. 32 duas imagens vitais na história da congregação. Coisa de preto? estava a modernidade de um tempo no qual religião. para se transformar em cartão- partido alto que fundaram a ordem. recorda bem dos Axé Iyá Nassô Oká). em Estelita. a festa da Boa Morte já havia Perpétua.” Quase todas as joias deixadas pelas antigas escravas doras: Adetá (ou Iya Nossa Senhora. uma sede própria. que não se importem em passar grande parte homenagens. começou a circular. as irmãs não puderam render suas para as celebrações. tampouco arrumar as imagens para a festa do ano de agosto fora de casa. e a missa da subida de Nossa Senhora aos céus. apesar de olhar por todos nós. quece. a missa de corpo pre- É necessário ainda cozinhar para a verdadeira multidão Que sente. a Igreja tradas pelo censo (Pie. o canto ao lado dobro das cifras encon. grande. Assim. a provedora de. O começo Espaços religiosos deixado de ser uma celebração quase íntima. sítios. existiam para que outros negros. enquanto a quarta é da procuradora-geral. garantiam boas fotos. A seu favor. prática ancestral entre elas. no espera as comidas saídas da sede da irmandade nos dias de festa. Iya Kalá e Iya religiões afro-brasileiras. Cachoeira na metade valores maiores. os colares e pulseiras funerais. o cantor Gil. perdeu seu lugar no altar. mulheres endinheiradas que Morte está relacionado UFBA) dá conta de -postal institucional. ressurgindo em quisas. a preços baixíssimos. Engenho Velho (ou Ilê no Brasil. ordem de pelo menos o Estelita. Segundo o estudos sobre o período. procuravam Cachoeira em agosto. Estelita. O DESPEDIU-SE DE 9 FILHOS símbolo utilizado para definir a hierarquia é uma saia – os vesti. Com a urbani. pertencente a uma das com outro. Até começa 16. que abre a celebração na quinta. mais poderosas do que Segundo o IBGE. vai lembrando-se de alguns nomes. Renato. apenas três estão vivos. O pai dos meninos. de onde se vê São Félix de um lado.” Mistura a fala com um canto. dez homens e duas moças. que se foi há mais de 30 anos. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS ao contrário da santa que a visita a cada sete anos. Também enterrou o marido que trabalhou. orai por nós. Cláudio.” Estelita vai morrer livre da escuridão. A filha de Obaluaê (ou Omulu). sapatilha de algodão nos pés. Cachoeira do outro. “Maria. Bahia – 1989/1990). como ela. Da lotação 34 para Manhattan 35 . uma cruz de palha usada na Missa de Ramos dentro do jarro vermelho. queria ir à missa. Mãe de Deus. Daniella Dias (Os terreiros de candomblé na Região Metropolitana do Recife: localização ge- ográfica e sua identificação nas fachadas. Estelita chamava pela Virgem que conhece tão bem. Afonso Maria Soares (Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio). orai. Dos doze nas- cidos. o nome dos filhos escapa à memória. orai. Flaviano. ó Maria. “Deus já levou quase tudo. Elias.a comunicação do mistério). Fontes: Renato Silveira (O candomblé da Barroquinha: processo de constitui- ção do primeiro terreiro baiano de keto/UFBA). Luiz Cláudio Dias Nascimento (Candomblé e Irmandade da Boa Morte). numa das fábricas de charutos que cercavam o Rio Paraguaçu. ontem e hoje). Dinalva. mas a prece não. mas o corpo não deixa mais.” Sentada Foto: João Arraes à mesa da salinha que divide o salão do terreiro e sua cozinha. Jucinete Maria Machado (Irmandade da Boa Morte . “Dai-me morte salutar. Cada vez que um dos meninos se ia. Graciliano. “cortou o pé e deu a moléstia”. Joel. salvadora dos mortais. Melquíades. Wiltércia Silva de Souza (A “guerra santa” entre a Irmandade da Boa Morte e a Igreja Católica.Reginaldo Prandi(O Bra- sil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso). evitava comer. estilista (Folha de S. Gritaram. o público que lotava a plateia do Teatro “negrinha” Barreto Júnior não se conteve – ele até aceitava a garota como con- com mãos de ouro fazendo coisas lindas. US$ 2. Mesmo assim.5 mi- tempo em lhões em 2009 (ou R$ 4. subiu ao palco para a finalíssima do concurso Miss Pernambuco Infantil. era inco- continua. não era dinheiro para tempo de alisamentos poderosos: em 1997. seria surpreen- em 1997. por Crioula!” Outras exclamações seguiram. podem ser claras tam- Emanuela de bém. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS “ O A modelo i. uma vez que diz muito alto “sou preto”. Serão selecionadas 20 garotas 2009. Era essa Kate. A maneira mais ônibus.)” Quando a modelo Emanuela de Paula. entregava as encomendas dos doces que ela.65 metro. 8 anos naquele momento. Desde pequena sabia que modelo é fininha e tem mais alface do que brigadeiro na vida.Paulo. segundo a revista Forbes). na milhões em agência localizada na Vila Mariana. A menina. que têm de estar na passarela?” O acontecimento passou meio à parte por Emanuela. foi a 11ª modelo mais bem paga que não tinha do mundo naquele ano. muitos adesão ao tipo “normal”. pessoal. fazendo modelagem. desde que tenham cabelos bem cacheados Paula. É Glória Coelho. Podia andar de graça. terça-feira. Mas comum de “corrigir” a negritude era a escova – a chapinha. como mum no País. Estava acostumada a usar pitó. apesar de criança. brigadeiro. Era também Kate quem aproveitava o fato de a avó Amara trabalhar como cobradora de ônibus para sair do Cabo de Santo 36 37 Agostinho até o Recife. que a modelo dei- xou para trás). 12/4/2009) penteado desprestigiado de maneira geral. cajuzinho. A seleção será amanhã. US$ 2. quem ajudava a tia a fazer bolo. com altura mínima de 1. a ser dentemente eleita miss. todas violentas. 21 anos. esse fenômeno que hoje unifica classes tanto quanto a TV slim.. vendedoras. vá lá. às 13h. A tia Eliane. e não Emanuela. diante daquela costurando. 10/3. Os cabelos haviam passado pelo secador e Na Fashion Week já tem muito negro chamada de pela escova que aplainaram os fios. tudo bem? Estamos selecionando mo- delos negras ou mulatas.5 ou crespos e sejam bonitas. aqui salva pela inocência da idade. a ascensão e queda do a passagem de “ formol para a área capilar ainda estavam por vir. que não alisa o cabelo. mas nunca como vencedora. Katyleen. “Negrinha! Tem negros assistentes. fazia questão de arrumar assim a sobrinha tratada até hoje por todos da família como Kate (vem do nome do meio. corrente. deixou para fazerem escova orgânica – última palavra em alisamento sem para trás o formol que trata do cabelo (..4 milhões. já que nem sempre . lembra. solvidas na Justiça. em Lon. O corpo magro da filha da dona de casa bran. enfim.” Não com o Ministério Público da pessoa. Nova Iorque.500. ora surge dida polêmica que visa Já deixou de desfilar. toda sua história e de vez o de Paula. mostrava dados relativos De acordo com dados em Nova Iorque.Officer. pele clarinha. shopping. solto do pitó e não alisado. ses depois. uma anti. Desfilava-o vestida de biquíni. Eu sofro preconceito por- prometendo a compor brasileira de maior sucesso no exterior. as longas horas trabalhando e viajando. viajou e fez o roteiro básico de toda modelo iniciante: mercado e desqualificou-a usando como mote a sua cor. Foi desfilar em Paris.3%) eram modelos de descendên- pois de ela já ter aparecido na Forbes. na Itália. A cintura fini. como diz a pois do sucesso. A edi. práti- apenas oito (2. MAC. percebeu Emanuela tanto viajando por vários países quanto O elogio dessa editora foi altamente rentável. Nas fotos dessa época. receber R$ 1. me- VENDENDO RIFA Times Square. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS tinha passagem para pagar o coletivo em dia de fazer teste ou po. depois da Vogue. Ela foi atrás. “Preconceito é crime”. o cabelo aparece crespo. a ponto de o Ministério Público de São Paulo estabelecer veitava a chance de ficar perto da família (tia Elaine foi vê-la em uma espécie de cotas para que as marcas levassem rapazes e moças São Paulo). desfilava no Brasil e apro. Para consegui-lo. “É algo que acontece sempre. Paulo. dos 344 cializada em modelos insiste em perceber o diáfano como só possível nesta construção. fez como a irada plateia do Barreto Junior: Beleza. cor da pele dia após o incidente que Emanuela foi interpelada e questiona- ca Josefa e do radialista negro Ely José foi se capitalizando cada da sobre o racismo – ainda não havia falado sobre o incidente no vez mais. enquanto as modelos das campanhas para a Victoria’s Secret. Um cartaz enorme com seu rosto foi parar na genas nos desfiles. percebeu. tudo o que ela é foram reduzidos a “macaca. até da América Latina. a or. espe- olhinhos azuis. a Pernambuco Infantil às vezes volta. 39 . a história é conhecida. modelos que desfilaram. ao vivenciar o específico universo da moda. Estava quase entrando no “casting” (o “elenco”) de um des- não brancos na passa- não precisou recorrer às pechinchas das feiras de produtos capila. apesar de ela. De. Se a quantidade cia africana (início de ca comum para a garota que vendia rifa para conseguir participar desfilar para Ralph Lauren. A moça chegou perto e disse: “Macaca”. Era 1997 outra vez quando. quase sem roupa. Disse o que todo mundo sabia: “Você é linda. tempo do “negrinha”. só falava “hi” e “bye”). que Cachês mais baixos tar a roupa. Seja por causa da cor na sua Vogue. do apartamento duplex em Manhattan e dos fios história. só ter concedido espaço para duas fotos pequenas da modelo ajustamento de conduta na pele negra. dar ao seu cabelo a forma que ela aos desfiles de janeiro de da agência HD. longe de casa. um apartamento para ela Folha de S. Cota nas passarelas camarim. A tia. como está agora. Donna Karan e Zac Posen. Ao observar todas as outras meninas. falou para a antiga parceira. Foi justamente um Japão. Emanuela aumentar a presença de Paris. passe batido. Poucos me. chegou. ficou doente. criou a menina desde novinha. Como em um dia desses.” armado. saiu do salário em real para o salário em dólares.” Frisar o negra mostra a um mínimo de 10% de que sou negra. Foi difícil furar o bloqueio. M. cuidando-se sozinha. não permite mais que o assunto ganização da São Paulo capa elogiou a garota. Há algo no mundo da moda que ainda quisesse (e o mercado também). “No começo 38 nha. Para. na Times Square. “crioula”. mas ela insistiu. Assumiu para a casa que fica à beira de uma rodovia. conta a modelo. “crioula”. dos concursos de seu bairro composto por casas da Cohab. Allure e Marie Claire.” aplainados. O cabelo ora aparece crespo e suntuoso. presença de modelos afrodescendentes e indí- dres. porque ela é rica ou de São Paulo se com- demorou e seu nome passou a ser acompanhado por “a top negra pobre. depois de negros. de descendência africana para baixo dos holofotes. maior semana de moda E ele. têm questões a serem re- de roupa esquisita. for atingida. porque é judeu ou muçulmano. os dias em que “Negrinha”. Nova Iorque. o comum é ajus- para o pai. sonhava Fashion Week (SPFW). multada em R$ 250 mil. quando. O órgão se baseou file quando a inadequação de uma roupa em seu busto foi descul- res: a essa altura. mas. Amara. o histórico de solidão no Japão e nos Estados Unidos (quando eu não estava muito certa de que esse negócio de cota para mo. a saudade da sopa de carne da avó sar (de graça) para os jornais locais. em cidades como lisinho e esvoaçante. ou magra. os dias em que ligou chorando lo e deixou de ser a Kate que pegava carona na lotação. negras. de 10% por desfile não carreira) é de R$ 400. O negócio é que o concurso Miss 2008. a organiza. A moça conhecida há muito tempo. “Ela não foi achada em ção da SPFW pode ser brancas costumam Osklen.” distinção pela raridade. como geralmente acontece com as outras. Mostrou-se apressada e surpresa. que naqueles dias. não se localiza apenas assinou um termo de hoje. tinha 15 anos quando foi para São Pau. de. rela. uma TV gigante para a avó. ou porque ela é gorda. com a sopa de carne de dona Amara. tinha dinheiro suficiente para comprar um carro em reportagem do jornal pa para eliminá-la da passarela – nestes casos. no Brasil. o cachê das da pele branca. Next e H&M. Bloomingdale’s. A passarela branca também é comum nos desfiles realizados ga parceira de trabalho chegou para ela. de roupa bonita. ao contrário do tora de uma revista que raramente coloca modelos negras em sua Em maio de 2009. modelo como ela. quase translúcida. Me sentia incomodada de achar O jesuíta filho que só iam nos chamar por obrigação. que muitas tiveram o impulso inicial que precisavam. feições europeias e sotaque que denuncia a origem sulista (o de Emanuela. Tudo isso mesmo quando sua história de vida prenunciava um desfecho nem tão glamouroso assim.” Mal a modelo acaba de falar. praticamente sumiu). ao que é considerado o topo pelas garotas de vida mais alface e menos brigadeiro. legítima representante do sonho de Cinderela. Ela quer tirar uma foto com Emanuela de Paula. vendo que o número de meninas afrodescendentes na passarela aumentou. é fácil ver quando ela fala nas entrevistas. mas no espectro oposto em termos de tipo físico: a menina tem a de Oyá pele muito clara. é interrompida por uma colega. 40 41 » Colaborou: Flávia de Gusmão . aquela que chegou lá. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS delos negras fosse uma coisa boa. olhos claros. mudei de opinião. Mas agora. porque tinham que cumprir uma determinação. Talvez a sua origem explique. ela sempre velas. padecendo injustamente. (20) Pois. a glória em aceitar ser esbofeteado. mas já passou tempo em São Paulo. se interessou por aque- 42 les padres de chinelos. por isso Clovis mil negros agora mora no Recife. Entre começar a ser jesuíta. Clovis fez crisma entre uma e outra festa para Ogum. durante dé- “ cadas a mulher que comandou o terreiro Ilê Axé Ogunja Tiluaiê Orumbaia. 54. sempre estranhou essa beleza do padecer injus- tamente. decidiu celebrar missas na Igreja O Católica. na Europa. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS Clovis Cabral 1 PEDRO 2 (18) Vós. Balbino. a orixá de América. Morreu em 2009. era co- deportado. pelas brancas mum para Oyá. e para Iansã. a ele dedicou sua vida. apenas dois inconstância de uma casa faz parte do juramento. Em do terreiro. por causa da consciência para com Deus. filosofia. se uniram para que chegasse água encanada e conseguiram. não somente aos bons e moderados. suporte tristezas. Via os jesuítas cami- nharem pelos alagados da Massaranduba. (19) nasceu em uma Porque isto é agradável. Sua mãe. outro Em nome do povo sempre jesuíta. tudo necessário para sacerdotes. quando fazeis o bem e sois afligidos. aí começou a escutar num tom diferente 43 . mas também aos maus. que alguém. passou anos estudando teologia. No bairro popular da Massaranduba. são 30 mil leza das humanidades. sempre mostrou a importância que cada um dos 12 fi- lhos tinha no mundo. quando cometeis pecado e sois por isso esbofeteados. a be- Brasil. o dono Milton Nascimento. servos. esteve próxima ao pároco. no exílio dos mares. Jesuítas não têm canto certo. a ialorixá América (Oyá Kaloyá). mas antes de tudo perto do Deus acima evocado por Pedro. a Bíblia. mas com paciência? Mas se. Nasceu em Salvador. o sofreis com paciência. que glória é casa dedicada essa se. sofreis a Ogum. Longe da família. a eles. a irmãs como Ocridalina Madureira e marginalizado no caís. nos Es- tados Unidos. passando seu lugar para o irmão de Clovis. nas Dulce. isso é agradável a Deus. O que para muita gente é dualidade ou problema. Agora existe lá uma escola estadual com o nome incrível de Ocri- favelas e até nos altares” dalina – uma vez mataram um rapaz ali no pátio. No padre Clovis Cabral teme ao Senhor. Deixou um filho babalorixá. 54 anos. Mas o padre. sujeitai-vos com todo o temor aos vossos se- nhores. as escravos. que já devia ter esco. Apenas depois de 1951. germânicos ocupando. coisa comum entre os jesuítas. “Me desculpe. Não eram. ele veio. e 500 bispos. Representa localmente a pastoral dedi- de Isabel assinar a Abolição. mais de 40 fazen.265 ameaçavam”. conventos. deles afrodescenden. com batia. com 85 frades em de Olinda Luciana Santos. ditadura militar. gros e Indígenas (Greni). Brasil (CNBB). possuíam estar me libertando. por ela integrar o Partido Comunista). o exemplo é que. a maioria de todos nós. 11 mosteiros.685 sacerdotes no múrios.050 gros e mulatos nos seminários. no Brasil. o alto Nacional dos Bispos do do com o código penal.” negros.5%). como batinas negras No livro A história com a mãe da noiva. cada aos negros.3% de graças. 45 . em definitivo. cheias de sinhazinhas. tinha conversado várias vezes Outro fator para o espanto da mãe da noiva é que ela. penas eternas que me que o papa Leão XIII publicou em junho de 1888. a CNBB registrava negros (2. um mês depois das. Integra a Pastoral Afro-Brasileira. co- tes. Hoje são para confessar sua falta. discriminação Uma vez. de acor. Detalhe: as mulheres só seriam contempladas se tivessem antes. só 1870. sem as tradicionais malvadezas. 25 conventos. os francisca. Em 2007. Também está ligado ao Grupo de Religiosos Ne- car. que entende a escravos. e. Num relatório de reconciliado. Um Sanção. os carmelitas. ogãs e equedes. foi descoberto mão daquele que lhe ordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) e 2 mil deles negros (entre os 447 bispos. mas eu não posso casar minha filha aqui. cuja gerência foi natórios que legalizavam práticas como a proibição de noviços ne. das no ano passado. A condição é que eles deveriam ter mais de 60 anos e dualidade como atração). ir até a igreja encontrar o religioso. conver. dos 434 bispos. Eram gerado pelo menos seis filhos. Imagine nas fotos. conta com cerca de 30 mil padres. é o sonho da vida dela. alguns esbofeteados. 40 escravos. possuíam do arcebispado de dom José Cardoso Sobrinho. além de ações escura autorizados pela Igreja Católica a falar em nome de Jesus. marcada pela diminuição de práticas sociopolíticas no âmbito da 136 construções e 1. A presença do sacerdote nas paróquias serve tanto para am. Aí chegou o dia da mãe. voltou para Salvador (o Áurea). Brasil. é que gente como Clovis ou dom João Alves dos nos. que os beneditinos. com os o senhor é negro. o Centro de punições que jesuítas piedoso e católico. primeira vez que o via. esta leve punição. Reparou que cionais malvadezas. era País é marcada pela chegada da Companhia de Jesus durante o (Ceris) informava que. Toda a família era de Entre os franciscanos dos quais o filho de Oyá hoje faz parte. Loyola e Oxóssi. aonde chegou mo – a Igreja só condenou oficialmente a escravidão na encíclica sete engenhos de açú. não. Sobre fé e na Bíblia até soa bonito o tabefe. mais de 40 fazendas. alguns padecendo. Não que ali aconteces- uma carta pedindo para ser jesuíta. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS o Cristo de quem sua mãe há tanto falava. estava desarmado ENDEMONINHADO Poucas Jesuítas e escravos e pá!. 13 deles Então era chicoteado na um total de 21% de bispos estrangeiros e de 2. outros tristes. 50. o jesuíta levou um. Estatística Religiosa e aplicavam aos escravos: sotaque distinto. usando batina. vestindo lhido o vestido e sapatos. ambos apenas 41 monges em Deus o recompense por Também é consequência das práticas racistas do próprio catolicis. O culpado. possuíam 44 Santos (bispo negro do Paraná) puderam subir ao púlpito. Ficou decepcionada.5% de negros. com a Lei escravos. no estômago ou na cara. o horror da Pragmática dades que vemos nas novelas da seis. dá conta de esse castigo com mur. aquelas barbari- do Inácio de Loyola e Manuel da Nóbrega. padre. Depois de dez anos conhecen. em 1859 (note-se que bem antes de Isabel surgir retorno dos jesuítas pela pena de Pio VI. O espanto sem filtros daquela mulher comum é compartilha. também Os culpados recebiam escalão da Igreja Católica no País. beijava a ganização que hoje. A Conferência praça pública. o sofrimento de Gabriel Malagrida e de Lorenzo Ricci. bem mais do que os de pele escura. por na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). como uma década elas. Até a metade do século passado. em 1973. dizendo: “Que o Núcleo de Apoio aos Movimentos Populares (Nuampo). religiosa e devota de Clovis também essencialmente política – e 18. Era um casamento. uma função permitida no Estado só após o fim com 49 frades em 14 congregações religiosas brasileiras mantinham estatutos discrimi. cuja presença no Investigações Sociais “O acusado. são apenas 13 os pretos). 230 casas e 1. ele mandou também houve o exercício da escravidão. Era a roupas de penitente. Igreja (apesar de atos como não conceder a hóstia a então prefeita Afonso Arinos. mas também vários deles falando com em 2003. Ligaram algumas vezes para o padre. os franciscanos teriam decidido dar carta de liberdade aos dia de sua ordenação foi assunto no jornal das 20h. santo. ele faz questão de exercer em terra o poder pessoal alinhavado Ele é resultado em grande parte pela ausência da cor negra na or. as tradi- todos da mesma cor preta e sofriam com paciência. O padre encontrou. apenas 6. No Censo da Igreja secreta dos jesuítas. açoitamentos. 11 eram acompanhado à igreja período da colonização portuguesa. tendo sido punido e por Deus. Esse cenário torna a presença do por muita gente que estranha um homem ou mulher de pele em 2003. está acostumada a encontrar não apenas Católica divulgado Edmond Paris relata as saram e acertaram quando ele ia abençoar o casal perante o altar sacerdotes de pele clara. o candomblé. Nas celebrações. ele ministra cursos de iorubá. ainda raro.” Na Unicap. Foram necessárias duas semanas até que o braço local da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) conseguisse informar o paradeiro de um homem de pele escura que nos falasse sobre seu histórico ao lado de Jesus. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS pliar a participação dos negros na instituição (“Queremos que os jesuítas tenham a cara do Brasil”. Fonte: As ordens religiosas e a escravidão negra no Brasil (Robson Pedrosa Costa. língua mais empregada nos terreiros. “A Igreja é profundamente racista. Como outras ins- tituições brasileiras. uma maneira de marcar a especificidade – não criada pelos de sua cor – do lugar. “Quem ende- moninha uma ialorixá nunca esteve perto de uma. para o chamado povo de santo. costuma usar batinas que trazem elemen- tos do continente. além de aulas sobre a história da África. UFPE) primeira edição de O Abolicionismo (Londres : Typographia de Abraham Kingdon. ela não está imune. dos negros nos alta- res católicos.” A busca por um religioso negro na Região Metropolitana de Recife para ilustrar esta matéria é uma prova empírica dessa fala. 1883) 46 47 . ouviu ele quando se candidatou ao posto de noviço) quanto para atenuar o preconceito em relação à religião que define a existência dele. Portanto. sem nenhuma participação. abençoou o sistema escravocrata. “a Igreja Católica. Conventos e organizações católicas tinham escravos. desde sua criação. nem controlá-lo. o movimento foi. não confessional. tirou proveito. apoiou. donas de casa. porque a Igreja não pôde se assenhorear do movimento abolicionista. exceto de poucos padres abolicionistas. uma grande campanha cívica. nunca elevou no Brasil a voz em favor da emancipação”. Talvez tenha sido um bem. arrebatando jovens. comerciários. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS Barbara. apesar do seu imenso poderio em um país ainda em grande parte fanatizado por ela. estudantes. 48 49 intelectuais e até proprietários de melhor visão social . Muitos padres e frades mantinham concubinato com escravas da casa. a piscina e as algemas A Igreja Católica no Brasil compactou. trabalhadores. da Igreja Católica. Como bem acentua Nabuco. Foi um movimento da sociedade civil que se disseminou pelo território nacional. Casamentos inter-raciais eram proibidos. mo- liberdade e justiça. mas pelo conteúdo de seu culturais e/ou esportivos. Washington Park. negros podiam não ser aceitos em eventos pele. viver em uma nação onde elas quando também lhes foram destinados banheiros e bebedouros não serão julgadas pela cor da separados. quando até hoje se junto à mesa da fraternidade. a norte- nas colinas vermelhas da Geórgia a família a uma piscina em Dallas na qual as duas filhas podiam americana viveu brincar um pouco. Ela tam- voltada apenas bém não podia usar a biblioteca pública. Negros só podiam testemunhar em 50 51 casos nos quais outros negros estivessem envolvidos. apesar da pouca profundidade do lago. será Brasil Ao contrário de Barbara. com o calor de opressão. Mas quando . O tenho um sonho que um dia até lutar contra o documento foi lido ali mesmo. Eu tenho um sonho que um dia da cor da pele dela. Carl. estu- dava e tentava ler livros além dos que lhe eram oferecidos. Quando o calor ficava intenso. calor da injustiça. que transpira brancos. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS B Professora arbara Carter não sabe nadar. Desde 1866. Os policiais. o pai levava negras. morreram um Estado que transpira com o mesmo tivesse afogados. Anthony Freeman e Steven Booker os filhos dos descendentes a discriminação eram três rapazes que viviam na mesma cidade. O maiô ficava guardado na gaveta enquanto ela apenas observava outras crianças em uma “ entrando na piscina pública da cidade onde morava. nem ir ao cinema ou a para mulheres restaurantes. uma menina da classe média. tinham um salário menor. Eu tenho um sonho hoje “ Nos anos 50. Era dia da Juneteenth Celebration. preconceito se o 19 de junho de 1895. Eu seria mais fácil comemora a proclamação da libertação dos escravos no Texas. Estados Unidos. quando Barbara. caráter. as esco- Martin Luther King. Anthony e Steven. os rapazes não cresceram transformado em um oásis de num tempo em que prevalecia a segregação racial nos EUA. no Booker T. Em 1930. Lia apenas os livros permitidos às pessoas como ela. negros. foram acusados de homicídio por negligência e posterior- acontecido no mente inocentados. Texas. Os professores. Carl Baker. 69 anos. Podiam nadar. Os hotéis e restaurantes eram restritos. um sonho que minhas quatro os “black codes” (códigos negros) estabeleciam as regras de con- pequenas crianças vão um dia vivência: em 1910 e 1920. no universidade condado de Limestone. Eu tenho mento no qual a discriminação pela cor era legalizada. agosto de 1963 las para negros recebiam menos incentivos que as dos brancos. de escravos e os filhos dos legalizada dos mas estavam algemados quando caíram em um lago enquanto descendentes dos donos de eram transportados por três policiais que os haviam flagrado com escravos poderão se sentar EUA e afirma: maconha. por exemplo. no mesmo o Estado de Mississippi. foram criados bairros para os “de cor”. Anthony (19) e Ste. que reclamam do alto número de pretos encarcerados (apenas 6% quer piscina. E hoje não sinto raiva.2% de brancas foi totalmente digerida na região. que a dis- número de integrantes. Estranhou: em vários momentos. é percebido e problematizado no país Curioso é que se a tal “democracia racial” brasileira continua 68. depois fez mestrado e doutorado em Massachusetts. com 158 grupos cadas. Não cuja Casa Branca hoje abriga uma empoderada família de pretos. prisões locais). podiam ser vistos em qual. em 1981.1% de Ali. Knights of the Ku Klux 1999-2001). a bandeira traz “in God we trust”). da 83. Carl (18). Observei que negros são invisíveis em vários ambien- grupos neoconfederados cas e 62. em âmbito interno. Não chegou a ter 5 milhões em números referentes a socióloga já visitou duas vezes. “Eu sempre ouvia a respeito da democracia deiras estreladas. Alabama. Mas eu os encontrava trabalhando na recepção do branco. 87.943 negros e 178 brancos. aqui.” Estudou no Ten. São 162 grupos as. 60. Os neonazistas madas da importância consumo) ao mesmo tempo que nos Estados do Sul pairavam ban. Ela está entre as mães orgulhosas que vêm bati- uma revolução nos direitos civis da América do Norte. Mas os negros do sul dos Estados Unidos. filosófica. universidade voltada 1994. enquanto de “novos brancos”. Os grupos sepa. segunda instituição nos EUA a enviar profissio. os anos 60 já haviam provocado cotidiano local. do pela mãe professora e o pai fazendeiro. intolerantes com maior entre as negras o núme. continuavam algemados.3% de negras. com um sorriso discreto as mudanças não sejam uma realidade apenas nos anúncios publi- e constante no rosto. mano . “Eu não sentia dor. Suas ódio organizado mulheres negras não desenvolvimento dessa mágoa tem como um dos fatores a cer. parto 46. a exem. por questões que passam por raça. as diferenças entre população negra americana. informadas sobre o sinal criminação era entre classes. O CONFRONTO 77.” sociados (seis deles estão que procuraram infor. e gênero A mulher que não sabe nadar oferece os instrumentos para que banheiros e piscinas. Percebeu que tion of Georgia Klans gestantes (Rio de Janeiro. porém. de livros e algemas. “Eu sempre soube que iria para uma. essa era a da população norte-americana é formada por homens negros e realidade. que gras são bem traduzidas nessee.2% de brancas em sua origem um tom desqualificador (o racismo.2% das o dinheiro era um dos principais fatores de aceitação entre aqueles gulhava de falar sobre liberdade (a bela. entre aquelas de vida é o melhor planejamento familiar. Os maiôs zando seus filhos com o nome do presidente. tem hoje sete mil as. há 762 Ipea. vi que Carolina do Sul. e a relativa. adultos. Essa realidade. o olhar é es- parto normal 5. não é assim. Você não os encontra dirigindo seus carros ou nos melhores imigrante que não seja a alimentação adequa- A abolição oficialmente decretada no 31 de janeiro de 1865 nunca restaurantes.7% de brancas e Esse panorama. Nele. são o segundo grupo de do pré-natal. onde ainda existem cerca de 90 universidades destinadas aos brancas e 11. baseadas na antiga Confederação. Foram moda lembrança do tempo em que locais como Geórgia.1% de ne- sencialmente parecido.Brasil 2005. várias vezes 52 nais para a área médica). do Alabama. ven (18) nasciam. os mesmos que ocupam quase a metade das “vagas” nas Hoje professora de Sociologia na Spelman College (Atlanta. que não havia diferença entre raças.4% de negras. mesmo Enquanto construía sua carreira. No Texas onde Barbara nasceu. está nos protestos de garotas como Barbara. Texas e Mississippi formavam a coalizão trados. de Klan). 53 . a questão racial é visível e presente no e 27% de negras. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS os rapazes morreram. Segundo o Relatório de cerca de 150 alunas (por ano) estudam uma realidade entrecortada teza de que seu futuro estava garantido pela estabilidade gerada cana Southern Poverty Desenvolvimento Hu. naturalizados. (são 97). racista dos EUA. instituto. na Geórgia. gras.1% de bran. ro foi de 76. aleitamento materno PARA A MUDANÇA. em Geórgia. hotel. Mas quando estive no Brasil. Olhou mais de perto para cida- engravidou. onde “os de cor” são um rentável nicho de mercado. se esconde sob o “tom carinhoso”). São Receberam explicação a forca encontradas no sótão de uma fábrica localizada em Paris a terceira organização sobre a importância do (Texas). era a única descendente de africanos entre tantos outros. inconsciente. havia uma univer.” O Os EUA e o O Brasil e as citários. Isso torna mais difícil estabelecer quando descendentes de escravos (a maioria de ótima qualidade. vide a bandeira confederada e ratistas negros têm 108 e 73. que no máximo se declaram “morenos”. que não toleram Foram informadas sobre tes. que defendia o regime escravagista e a inferioridade dos negros. como tantas garotas negras da região. “A perspectiva de integrantes nos anos à saúde. cresciam e morriam em uma América que se or. 1.5% de negras. receberam anestesia no sendo propagada no exterior. tude do Caribe e da América Latina. na Associa. brancas foram infor.” grupos cadastrados. racial brasileira. ódio apenas para mulheres negras. Segundo o des como Salvador e o Recife. em especial o Brasil. É uma incô. Puderam ficar com apelidos como “nego” ou “neguinha”. Barbara Carter fala de bebedouros. Segundo a ONG ameri. Há também os do parto 73. mação e serviço para que alguns tivessem a pele tão escura quanto a dela. grupos racistas nos EUA. estavam presos. estes quase uma espécie sociados. gênero e estratificação entre a Law Center (SPLCenter). mulheres brancas e ne. não trazem acompanhante depois do plo da Spelman. Vão além e aprendem sobre a negri- sidade. Cor. Flórida. em fevereiro deste ano.6%. país que A Ku Klux Klan. por exemplo. ao se dirigir a Catherine Impey (ativista britânica e editora do situações. uma das au- toras do livro Protest. atenta. escravidão permaneceria nos países em que o tra maneira de se repensar uma realidade.esse contingente de pessoas esco- larizadas. na contemporaneidade. “Não há mudança sem preconceito de cor não fosse também abolido. sabe. mas é preciso estar com Cita a notável contribuição dos negros à produção das artes. está respeito da questão do preconceito de cor. e não apenas nos trabalhos desprestigiados. o País passou a adotar políticas específicas para racial). que lutava pela igualdade mo período. não deixam de ser negros. mesmo aqueles bem-sucedidos economicamente. Nela. apenas “morenos”. da música. politics and prosperity: Black americans and whi- A carta. O Brasil não passou pela experiência. tem base na ausência de uma segregação legal em terras locais. já que se sentem mais aceitos à medida que são. não vê ou.igual àquela que a impediu de aprender a nadar. Negros ame- ricanos. escrita em Londres (1882) enquanto te institutions (1940-75). o autor desenvolve uma análise a a população negra. O assim como observar as mudanças ocorridas no Brasil desde a sua Abolicionismo. . confronto. Nabuco produzia sua grande obra. Essa discriminação si- lenciosa também é um fator para que os negros não se assumam como tais. as pessoas são consideradas brancas de acordo com a sua classe social. as mãos livres. fez com que uma comunidade negra vinda da classe média desenvolvesse outras instituições ne- gras para manter . e isso ajudou em uma não construção de identidades e de instituições. Um momento que não vem acontecendo. “A legalidade da segregação ajudou os negros dos EUA a se organizarem. por exemplo. É um caminho natural e Barbara. Lembra que viu mais negros em melhores relevância e atualidade. que entender essa “democracia” específica. visando garantir maiores 54 espaços aos jovens e aos homens e mulheres 55 negras no Brasil.” Algumas das alunas da Spelman já estiveram na Bahia e em Pernambuco para estudar esse fenômeno: a socióloga. mesmo aqueles que se tornam celebridades. Nesse mes- jornal Anti-Caste. Refere-se à grande perda de recursos humanos por não aproveitar os homens e mulheres talentosas por preconceito de cor. que viveu referindo-se.” Não é necessário saber nadar. principalmente. da literatura. No Recife. à discriminação nos Estados Unidos. igual àquela vivenciada nos Estados Unidos . é um documento de enorme última visita em 2003. sem polêmica. porque o dinheiro é branco. no má- ximo. Trata-se de um texto atualíssimo que nos remete a uma reflexão a respeito das ações afirmativas. Entre vocês não é assim. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS diz Barbara.ou ampliar . Nabuco entendia que a os dias e a morte de Martin Luther King e Malcom X. A “Vida de Frederick Douglass” mostra. admirar o sr. moral Barreto e socialmente. com certeza. É. não importando quão puro. em quase todas as suas páginas. que naquele país a raça negra tenha na cor da pele um obstáculo insuperável para a igualdade racial e a plena cidadania. De fato. baseando-se no seu caráter e não na sua raça. em todos os departamentos da Igreja e do Estado. exclusiva e limitada demais para ser governada. foi porque sua mão de obra gratuita era muita preciosa. salvo pelo seu próprio código de hierarquia e preconceito [. sua cor. da administração e do ensino.] Londres. indústria. há tantas forças intelectuais e progressistas como na América do Norte e tenho certeza que os seis milhões de negros americanos encontrarão um forte e universal apoio na sua guer- ra contra o preconceito racial e na aplicação da lei existente. Um pé no salão. Sei que em nenhum outro país. as dificuldades que um homem de senzala cor teria. o destino de toda a raça negra na América e se Nabuco de a escravidão quebrou materialmente essa barreira e os negros Araújo não foram relegados a própria sorte. [Rua Brook. só não aplicando na linha da aristocracia. enquanto ela existir não se pode falar que a escravidão acabou. Essa aversão sobreviveu à abolição.. não tenho condições de me juntar aos que lhe darão um caloroso apoio na próxima segunda-feira. QUASE BRANCOS TRADUÇÃO 19 Brook Street. Praça Hanover W. nos Estados Unidos. O que Aurélio hoje é conhecido na Inglaterra como boicote. As relações nunca foram além dos interesses do cultivo do algodão. porém desejo lhe assegurar a minha profunda simpatia pela sua luta contra o preconceito de cor. Biblioteca Central Blanche Knopf.] 56 57 Tradução de Lúcia Gaspar. 24 de novembro de 1882 Prezada Miss Impey. Joaquim sua eloquência sem se envergonhar da sua companhia. Fundaj . uma mancha que outro na não deve passar despercebida nas características da brilhante democracia americana. rela- ções sociais em geral. Infelizmente. 19. nobre e altruís- ta seus representantes possam ser.. tem sido. Hanover Square W. em todos os campos do comércio. para fazer as pessoas esquecerem com vocês. logo após a Abolição da Escravatura. Nabuco é atual. e não.” A carta escravidão. Sabia que Nabuco podia interceder e ra de todos os personagens ou mesmo ajudar aquela classe agora um pouco menos empoderada. A missiva nos mostra uma característica que se repete na figura do abolicionista: sua capacidade de se estabelecer antes de conhecê-los. mas porque mas páginas. Foi as- tradicionalista “ sim. Pedia clemência: queria a criação de uma lei que obrigasse credores e bancos a dar um prazo aos devedores. Neste momento do livro. deve ser vista como um personagem cristalizado. será assim mais aceitável e é mais brilhante. como mostra a carta. que pode anônima endereçada a Joaquim Nabuco em maio de 1888. é hora de conhecermos um pouco mais sobre a figura para além do imponente bigode que observamos nos livros de história. dizendo que a monarquia brasileira sintetizava o absurdo da escravidão. fazia pressão para mo que entrava em enormes que EUA e Brasil se aproximassem para estabelecer acordos comerciais. discussões pelo fim da escra. procuramos com harmonia em espaços essencialmente diferentes. Enquanto repreendia a mulher Evelina por ela não se importar com a aparência. formada em sua maioria por negros. havia atacado o pai da moça. pedidos de senhores que durante dé- O homem que prezava pelo cadas haviam se aproveitado do trabalho não pago dos cerca de 4 milhões de escravos que saíram da África para o Brasil. Neste momento do livro. que mamou em escrava ama de leite. após a finalização da leitu. Joaquim Nabuco preparava elogiados discursos em que atacava a Um moderno elite aristocrática da qual ele fazia parte. figura esta que não vatura no Brasil. como bem ex- plica o historiador Ricardo Salles. É só olhar ao redor: uma educação tunidade de enxergá-lo para ainda precária e a concentração de terra e renda são alguns dos obstáculos que atingem a população mais carente. taria a sociedade brasileira enquanto queria a permanência da corte no País. recebia. naquele momento já um ex-pro- ser lido agora. Joaquim Nabuco: um pensador do Império. também contribui com um artigo inédito. que ele ajudou o S País a deixar para trás a vergonhosa situação da e a liberdade for igual para todos os escravos. Nas próxi. Antes. autor do livro além das imagens oficiais. Nabuco. seja igual o quinhão de sacri- fícios para os brancos. era o homem que estava ao lado da princesa Isabel no momento em que trazer um olhar não condicio- ela assinou a Lei Áurea. Salles. teremos a opor- continuamos em grande parte a viver no tempo dele. porque estava “à frente de seu tempo”. Trabalhava intensamente para uma reforma que afe- luxo e pela fama era o mes. Amigo de pretos como André Rebouças nado sobre o abolicionista. seguindo as últimas modas. vinha de um suplicante senhor branco. prietário de pretos escravos. Procurava os melhores alfaiates enquanto escrevia o impactante livro O abolicionismo. o historia- dores Marc Jay Hoffnagel (Universidade Federal de Pernambuco) e Humberto França 58 (chefe de Projetos Especiais do Museu do Homem do Nordeste/Fundaj) e a pedadoga 59 . UM PÉ NO SALÃO. e José do Patrocínio. assim como o economista Marcelo Paixão (Universidade Federal do Rio de Janeiro). OUTRO NA SENZALA Com brilhantina no farto bigode. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. improvável gentleman saído da elite Embaixada do Brasil em Washington foi fundamental para a aproximação amigável dos recifense. raça mais adiantada pela tando inclusive a sua oxigenação. é preciso visualizar a construção de São 60 (O abolicionismo. não em igualdade. mulher riquíssima que. Domínio Público (http://www. gov. lembra ela). aponta para diversos momentos na obra nabuquiana onde ele mostra o que hoje observamos como preconceito. Mostram teria sido acompanhado pelo abastardamento da ironia dirigida àqueles que cristalizaram a obra nabuquiana. contexto. P Humberto França. OUTRO NA SENZALA Adriana Paulo da Silva (UFPE). 1883) 61 Nabuco em diversos momentos e gêneros discursivos . Mas foi a famosa Eufrá- quase sempre incontestável legado nabuquiano. o rico e jovens virginais (como sua esposa) e mesmo mulheres casadas. alguns deles bebericando e fazendo política nos salões. . por exemplo. e sim para discuti- famílias ricas do período açucareiro nordestino quanto aqueles que os serviam. percebendo-o como instante de seu tempo e das fotos também estão nos arquivos da Fundaj e podem ser vistas do endereço virtual gioso] “o cruzamento en. Avisa: sua com imagens captadas pelo fotógrafo alemão Alberto Henschel. sem glorificação. Elas mostram os pretos que tre brancos e negros não A reflexão proposta pela historiadora é permeada por uma eram escravizados enquanto Nabuco discursava no Teatro de Santa Isabel. Nabuco tinha sim uma visão hierárquica da socieda. As observações da pesquisadora da Unicamp são discutidas por Angela Alonso em do homem que sentiu saudade do escravo sua excelente entrevista: para ela. profundo conhecedor da obra do abolicionista. e selvagem” lia Maria Marinho de Azevedo analisa. -lo e humanizá-lo. Como não última. UM PÉ NO SALÃO. Ele circulava nas últimas modas enquanto cortejava condessas. também observamos um lado mais “mun- Uma população abolição. mas da gradual elevação da Joaquim Nabuco é bem antigo em nossa historiografia. Esse santo não estava livre do racismo científico dois países. cujo interesse pela fama podemos observar em obras “bárbara e “atrasada”. típico de seu momento em relação aos negros: enquanto pedia a Além das entrevistas com especialistas. Até mesmo porque era naquele momento que a ciência social os negros são vistos como “raça” menos capaz começava a difundir o polêmico termo “raça”.e ao mundo . mas não se pode classificá-lo de “racista”. Fala.br). quem de fato povoou o coração e a mente do deputado pernambucano. extraídos de Minha formação e contundente artigo Quem precisa de São Nabuco?. Este Nabuco esta- va em consonância com o espírito do momento. “O processo de canonização de tos trabalhando o dia todo para ir dormir no espaço precário das senzalas. a historiadora Célia Maria Marinho de Azevedo (Universidade de Campinas/SP) e o também sociólogo Arim Soares do Bem (Universidade Federal de Alagoas) completam o time de renomados colaboradores que têm foco em Nabuco e em questões que perpassam raça e classe social. não um candidato a posto no céu. Todos eles nos dão boas pistas para nos aproximarmos de Joaquim Nabuco sem a reverência que invariavelmente atrapalha a leitura mais rica destes grandes persona- São Nabuco gens. Autora dos livros sia Teixeira Leite.” há um papa a presidir. raça mais atrasada. história aposentada da Universidade de Campinas (Unicamp) faz das fotos obtidas no rico acervo da Fundaj. fluente no francês. mas que naquele momento era explicado “cientificamente”: a ideia de que os negros eram menos capazes que os brancos.um santo sofistica- o perceberam apenas como um “americanizado”: para ele. A historiadora Célia Maria. à sua maneira. que registrou tanto as [Se o Brasil não tivesse pesquisa não nasce para ferir Joaquim Nabuco. a presença de Nabuco na do. em que intelectuais como Silvio Romero Historiadora que pede uma leitura mais dialética e Roquette-Pinto queriam “embranquecer” o País. A socióloga Angela Alonso (Universidade de São Paulo e Universidade de Yale). a professora de mos aqui sobre esse Quincas que já experimentava o que viria a ser “celebridade”. analisa trechos da obra nabuquiana nos quais de (ele falava em fim da escravidão. Além O abolicionismo. outros tan. mostrava acreditar na existência de uma “raça inferior” dano” do também embaixador. evi- nossos antepassados.biografias. Arim Soares do Bem discute tal questão. ressaltava a falta de posses dos Alguns trechos Onda negra. este momento do livro também é ilustrado uma corajosa desconstrução do canônico abolicionista. medo branco e Antirracismo e seus paradoxos. É a partir dessa perspectiva que a historiadora Cé- como Minha formação. estes donos de um sangue verdadeiramente “sadio”. além do Nabucos. refuta aqueles que ernambuco deu ao Brasil .dominiopublico. Várias sido dominado pela cobi- ça e pelo fanatismo reli. pensei Minha formação transcrito anteriormente. são carregados por um negro ao mundo. fundamental para que Nabuco não fosse esquecido como tantos meu nunc dimittis. É por pensar o escravo afri- . em Palm Beach. ao rememorar sente saudade do servilismo de seus queridos escravos. OUTRO NA SENZALA memórias. e. O livro. a quem tudo sar nos escravos negros como algo próximo aos animais. ela critica dois respeitadíssimos autores– Evaldo ali o coração do escravo. tiando. senhor. bem niais”. deformação utilitária da nenhum distanciamento crítico necessário a uma postura intelec. cuja submissão eterna àqueles conheceriam limites no bertação dos escravos não deve ser visto como contraditório. sem lavra “raça” “sem rigor conceitual. repeli. anglicizado. que se coloca com toda a evidência nessas passagens ‘incô- análise algumas colocações abertamente racistas de Nabuco (veja modas’ de seus escritos. com o próprio Nabuco ajudando nessa construção a dívida do senhor. dizer o Nabuco merece nos proíbe qualquer ironia diante da confissão”. extirpado de sua cravo. escravos O abolicionista e seu filho Deus pudesse mandar lê-lo. primeiro. escritos inicialmente por amigos e admiradores. ao dizer “muitas das influências da sileiros (acadêmicos e não acadêmicos) como uma descrição isen. bondade à opressão de que eram vítimas. EUA. Não deixa de ser curioso que o homem que [Ao defender a abolição. e na hora em autor de Saudade do escravo. e.” era consistente em sua argumentação baseada nas mais recentes [. Gilberto Freyre. ou seja. No “Os textos de Nabuco são lidos em geral pelos estudiosos bra. hoje que ela está extinta.” (Minha formação) buco. revelavam gratidão ao prio teve seus escravos para servi-lo . e sim aquele que propôs olhar o abolicionista de maneira dialética. ao mesmo tempo. Freyre. po de criança no Engenho Massangana. Diz ele: “Deus conservara (idem) Em seu artigo. inspirou-se ter ouvido a mais bela NABUCO E MAURÍCIO nova que em meus dias bem atual. Valeria pesquisar esse processo de canonização. como a ta e verdadeira da sociedade brasileira do século 19. aliás. Sua gente como ele . não se revoltavam contra sua filha. selvagem de uma popu- de uma visão coerente de Nabuco sobre ‘nós’ (a elite proprietária lação mantida até hoje Um dos principais perigos de uma análise higienizada da obra branca).cresceu acostumado a pen- A historiadora diz perceber que o processo de santificação per. os países para que ele nunca duvidasse que os negros existiam para servir a beral monarquista. muito espantaria um europeus) em grande quantidade para se promover uma mistura gana” como “afrancesado. e ‘eles’ (os ao nível dos animais e nabuquiana é a negação do racismo no Brasil no passado. diz.ele pró- miradores”. longe do contato Cabral de Mello e José Murilo de Carvalho – que em 2000 publi- com tudo que o pudesse revoltar contra a sua dedicação”. Assim. ianquizado”) não teria. singular nostalgia. Freyre (que classificou “o menino de Massan.. os novos leitores de Nabuco são convidados a passar e agregados vigente em tempos de escravidão e. Para esses estudiosos. foi minha alforria.. prefácios e resenhas de seus “Os escravos dos enge. 1909 por cima rapidamente de todos os trechos em que ele se alonga reafirmar a inexistência de ódios raciais aqui desde tempos colo. criatura. E se ele como filho de senhor de escravos . que pretende fixar canonicamente o modo como se deve em Nabuco para enfatizar a desigualdade entre senhores. Carolina Nabuco. quebrado escravos negros a serem emancipados e os brasileiros pobres afro- uma realidade. Mello explica que. Aqui. Garrison ou um John Brown: a saudade do es. que como a necessidade de importar ‘sangue caucásico’ (os imigrantes Neste sentido. Nabuco queria evitar de ‘escorregadelas’ sem maior importância para o conjunto de sua cunharia a hoje refutada ideia da “democracia racial” seja também a] “vindicta bárbara e obra. -a com toda a minha escravidão podem ser atribuídas à raça”. deve ser minimizado como um conjunto arte nesta página). “Ele modo de satisfazer-se devia ser igualmente perpetuada. minhas forças. como o do animal fiel. cujo poder de mando devia ser perpetuado. Nabuco pode discorrer tão livre e enfaticamente sobre os ‘vícios do livros -. o racismo de Na- ao contrário da leitura criticada por Célia Maria. racial embranquecedora. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. do que o de ‘animais se refere a um dos trechos do livro em que Nabuco relembra o tem. assim. entre eles nhos nordestinos não só sangue africano’ circulando em meio à ‘nossa raça’ (ou seja. no qual também se refere ao trecho de tual. em minha opinião. experimentando uma em expor a inferioridade racial da população negra brasileira. Mas. Nabuco não encontrou melhor elogio. mas posso que a vi acabar.Paulo. 62 1883). Já Carvalho. não só ajuda a divulgar o santo: que se construíram com base na escravidão. que doçura emprestava até do século 19.” fiéis’”. as teorias raciais científicas lhe proporcionaram o estofo necessário ao escrever uma biografia (Minha formação) sobre a sua vida de li. decerto davam. infelizmente outros homens de letras de seu tempo. escreve ela no artigo publicado em 2001. diz a historiadora. Nabuco se utiliza da pa- consciência. escreve: “O respeito que poder pedir também adiantar que uma figura de peso do século 20. não se trata de escorregadelas. a dele. Eles perdoavam dura até hoje. posteriormente. ou seja.as elites proprietárias brasileiras. por “Considero contraditória essa leitura de Nabuco. e o fato de o político e embaixador lutar pela li. como a ‘raça’ branca). “Assim eu combati a escravidão com todas as caram textos a respeito de Nabuco no jornal Folha de S.]” (O abolicionismo. ar. livros didáticos. UM PÉ NO SALÃO. em fins ele também deixa ver a postura de homem branco superior. sua condição. Ele era cujas paixões. o freio do medo. discursos comemorativos. por discípulos e ad. ela mesmo um reflexo de os escravos de seu Engenho Massangana. desleixadamente”. não descendentes de um modo geral). 63 teorias científicas raciais de seu tempo. no entanto. porém. cano ou afrodescendente como membro de uma ‘raça’ inferior que tigos de imprensa. narrativas da abolição. anis. OUTRO NA SENZALA BIGODE E COERÊNCIA A professora Eliane Veras. ele foi um monarquista. Nesse É importante salientar que no jornal a defesa dos “interesses legítimos” e os “direitos polí- tornando um elemento ponto. na. foi-se natural em uma pessoa que era tributária da carreira do pai.” Também sociólogo. Embaixo da fita com a palavra Igualdade três e quatro crias que ele reduzia a dinheiro. acha que esse movimento não macu. como o principal efeito de qualquer grande em. ticos” dos homens de cor consistiu principalmente . Barbosa. Assim. Era liberal e depois aderiu aos conservadores”. para que a maldição geral caia sobre aqueles que as tiverem praticado”. Esse enfoque fica implícito no pró- essa a primeira vingança palavras muito duras a respeito da escravidão quando a abolição das vítimas. instrução e a moralização dos homens à República. Chamada para a direitos políticos. acho que ele se insere na tradição política brasileira. e não em questão de fazê-lo. gerações. brasileiros sem distinção de classes. China seria mongolizá-la. desempenhando um que se o pensassem. “É isso não os impediria preciso entender que Nabuco falava em abolição. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. sa. onde se lê: passou algum tempo no ostracismo e só depois é que vai aderir presa de imigração da “O Homem tem por fim principal promover a união. mas isso não o inocenta nem um fato sem consequ.” do jornal O Homem. O principal de cor e moradoras do Recife que ganha relevo o jornal O Homem: realidade constitucional ou ta” ou mesmo piedoso. da Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)..em denunciar políticos locais assumem vários ideários. ravam para o futuro um Embora o assunto escravidão tenha ocupado considerável espaço nas páginas dos jornais dita que Nabuco não era racista: ele concordava com os valores povo composto na sua maioria de descendentes brasileiros durante as duas décadas anteriores à Abolição. diz que é difícil falar em racismo no contexto da obra de Nabuco: para um mo- mento permeado por teorias racistas. Ronaldo Sales acre. Cada ventre prio cabeçalho do jornal. Foi a falta de acesso aos cargos eletivos e empregos públicos. de escravos. As injustiças que lhes forem feitas serão levadas ao conhe- cenário político atual. e propagar-se. não O homem de cor na imprensa do Recife do século 19 negro não era capaz de se adaptar a um novo tempo.mas não exclusivamente . Advogará a causa dos interesses legítimos deles e defenderá seus serva. claramente expressa no seu primeiro número. mesmo A adesão de Nabuco à causa negra também pode ser vista an. encontra-se a seguinte frase: “Todo cidadão pode ser admitido aos cargos civis. propugnando para que a Constituição seja uma realidade para todos os la a imagem nabuquiana: ela na verdade ajuda-nos a entender o escravidão. Nabuco era um grande estrategista. pessoas desta condição social foram se tornando cada vez mais significativas no conjunto da o condena.”  ências étnicas e sociais sociedade brasileira. cuja identi- ser um grande abolicionista. sendo coerente com o espírito “iluminado” que varreu o Brasil muita gente acredita que brasileira. saturá-la de sangue ama- relo. principalmente a partir da segunda metade da década de 1870. Trata-se de do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. Nabuco só vai falar com vel da população [. é só pelo fato de viver cimento do público. no entanto. infelizmente. um periódico publicado na capital pernambucana entre janeiro e março de 1876. papel menor (porque era “inferior”). tes como um movimento político do que como um ato “humanis.”  escravo dava ao senhor palavras: ”Liberdade – Fraternidade – Igualdade”. de cor pernambucanos. Por esse motivo. da sociedade “adiantada”. “Ele não compartilhava tica tem uma grande importância para o pesquisador de história social tendo em vista que as duzentos mil chins seria desse preconceito do senso comum. permanece desconhecida. Ainda hoje se trata de questões relacionadas à classe dos homens de cor livre e seu lugar na sociedade la. em que cada vez mais considerá. E o que para nós hoje é entendido como preconceito. porque não tinham o patriotismo Marc Jay Hoffnagel racial. turá-la de sangue preto. em artigo do primeiro número circulação geral do país. UM PÉ NO SALÃO. importantes. Este compõe-se de três fitas entrelaçadas onde se acham inscritas as já era inevitável. militares sem outra diferença que não seja a dos seus talentos e virtudes”.]. “Não vejo nada de extraordinário nisso. em que se acreditava que o “Quando os primeiros africanos foram impor- tados no Brasil. Para o ministro efeito da escravidão sobre a nossa população dissolução (presente no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano/Apeje*). brasileiro – que prepa- quele momento não era. como se costuma pensar. políticos ou essas por sua vez multi.. ob. A proposta do referido jornal é “A carreira dele teve várias reviravoltas. cabia apenas pensaram os principais habitantes – é verdade livrá-los do cárcere e deixar que participasse. depois de cinco ou seis É dentro desse quadro de disponibilidade de registros históricos sobre as pessoas livres. plicavam-se e assim os Antes de denunciar a exclusão da classe de homens de cor o jornal procurou desqualificar vícios do sangue africano acabavam por entrar na a crença na existência de raças inferiores e superiores. encontra-se a afirmação de que todos os homens nasceram com o mesmo 64 (idem) potencial e de que a origem das diferenças raciais “são nada mais do que um ajustamento 65 . antes de foi assim africanizá-la. o surgimento de um jornal que se dispusesse abordar essa temá- a introdução de cem ou depois de ter se espraiado pela Europa. o mesmo não pode ser dito quando higienistas que naquele momento eram difundidos em larga esca. a raça negra. dade de seu fundador. a defesa dos direitos Mais uma vez o jornal expressa certo favoritismo em relação aos homens de cor parda. Concluiu que “em sete eleições sucessivas os eleitores de Pernambuco não de homens de cor livres. o preto na África. clima”. mais de uma década antes da cional constituiu outro alvo da publicação. Acrescenta o autor que as diferenças de habilidades observadas nas raças apenas Para O Homem. Salles conseguiu formar-se na faculdade de Direito do Recife. de pessoas de cor de condição livre não era considerada um ato de subversão à ordem vigente. O quadro na assembleia Legislativa não era seguiu estabelecer uma sociedade em que “todas as castas e classes sem distinção nenhuma muito diferente. A Guarda Na. nas armas e nas letras”. erguemos os monumentos com o nosso tino e vigor. Para substanciar esta afirmação. Ainda. Nem mesmo no chão estrangeiro em desafrontar da pátria a uma das artes mecânicas”. Não há oficina.. em artigo assinado por abolicionismo e escravidão. 66 tence o futuro. um só major que seja de cor parda. O personagem é descrito como um homem de cor. um pública com base na cor da pele. Em um deles. e como produtos de 67 . o autor utiliza o exemplo dos Estados Unidos para encontraram na classe de homens de cor. em 17 de fevereiro de 1876. folheto publicado pelo político liberal A. ultrajada. Um artigo publicado em O Homem. só ocorria quando os presos eram homens de cor. de forma que “o homem branco na Europa. apesar de breve. Estabelecimentos particulares também somos nós que os enxamea. Em determinado momento lançou um desafio às abolição da escravatura no Brasil. havia um grupo da sociedade de Recife que expressava autoridades desta instituição: “Mostrem-nos atualmente em toda a Província um só coronel. Ao noticiar um caso de espancamento de tem sido lavrada com mais proveito. Para comprovar seu argumento. serventuários.. OUTRO NA SENZALA normal aos climas diferentes”. Salles não foi nomeado. enfim um homem de cor por parte da polícia. “um cáucaso”. Construímos os sado por policiais. Ofícios. segundo o jornal. eram pretos merecedores das patentes de capitão e tenente. submeteu-se armada. abastecemos os arsenais e todos os estabelecimentos do serviço público tocante a a cinco concursos. Vários artigos publicados em O abordou a composição racial da Câmara Municipal do Recife e a Assembleia Legislativa Homem estabelecem uma conexão entre a escravidão e as dificuldades enfrentadas pela classe da Província. pois que a força intelectual do País sai da geração deles. O jornal em foco expressou sua indignação que de todos os deputados pro. de “origem humilde que o obrigou como quase todos da classe que pertence (. ção de O Homem? Sua existência. a ausência de homens de cor na Câmara Municipal do Recife. Aliás. guarnecemos os vasos da Almejando fazer parte do corpo docente daquela instituição de ensino superior. para ele. Mostrem-nos um só capitão. republicanismo. mas importante análise do jornal. É importante notar que as dificuldades impostas a população de pretos e pardos não le- lar. tenente-coronel e major enquanto os pretos Marc Jay Hoffnagel | Historiador especializado nos temas Brasil Imperial e Republicano. o jornal afirmou que esse tipo de tratamento dispen- todos os misteres é ao nosso renque que vem buscar a gente que os exerce. o espancamento. apesar de a classe poder contar Após essa breve. e de ter tirado primeiro lugar em trabalhos de rude tarefa. revela que. aponta lítica de exclusão dessa classe da vida pública da Província. um cruzamento mais recente trazem também maior força física do que nós e por consequên- o amarelo na Ásia e o vermelho na América não é senão o mesmo homem tinto com cor do cia maior energia moral”. na refletem as oportunidades de aprendizagem. De fato. Convém salientar que o fato de o jornal circular livremente só tenente que seja da cor preta. Souza Carvalho onde consta que os recrutados mem de cor da vida pública. Uma característica do jornal O Homem foi a tendência de destacar a importância e com. equivocadamente. onde não tenhamos derramado o precioso do nosso sangue em defesa das instituições na.” pareça branco“. na sua primeira edição. Assim. “todos os homens são iguais e assembleia da Província e em postos de comando da Guarda Nacional fazia parte de uma po- são capazes dos mesmos atos intelectuais e morais”. Enfim o jornal que “não há exemplo de ter sido espancado pela polícia um só homem que seja ou nada se faz nem se tem feito no Brasil sem o nosso esforço e prestância.) a aplicar-se cionais e manutenção da ordem. onde não estejamos labutando com nossos braços – e é com eles que a nossa terra até hoje trados receberam também a atenção dos redatores. como demonstra o texto abaixo. foco de indústria. “A eles (pardos) per- * A edição aqui analisada é datada de 13 de janeiro de 1876.. Em artigo com o título “As vítimas da política dominante dessa província” é colocado em petência dos homens de cor parda. artes mecânicas e liberais. UM PÉ NO SALÃO. A. o jornal cita um da província de Pernambuco uma política de descriminação que visava à exclusão de ho. Apesar de ter sido aprovado em todos. vinciais eleitos desde 1848. que somente após a abolição da escravatura aquele país con- fazer parte da Câmara Municipal desta cidade”. Afirma palácios e os edifícios públicos. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. tenda nenhuma de lavor. apenas três foram homens de cor. são iguais perante a lei. “Não há canto no Brasil destaque o caso de Francisco Paula Salles. os homens pardos e pretos também constituíam os Elogios como esses serviam para realçar a acusação que existia por parte do governo principais alvos do recrutamento militar. Estes mereciam ocupar os postos de coronel. diferentemente da sociedade escravista norte-americana. graduando-se somente pelo mérito e honestidade”. seu descontentamento para com o que eles consideravam uma política de exclusão da vida um só tenente-coronel. o temos poupado! Fornecemos às fileiras do Exército. nos perguntamos: qual a contribui- com “indivíduos em nada inferior aos pretensos descendentes do Cáucaso”. profetiza que o futuro do Brasil pertencerá aos pardos.” demonstra que. nas ciências. um só cidadão que no juízo deles fosse digno de demonstrar. o para as “mulheres dos indivíduos de cor nesta região abençoada que têm se distinguido nas jornal acusou o governo de manter “o propósito desleal de ir apartando dos empregos públi- artes. mos. quer pública. Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. cos aqueles dos nossos que têm sido nomeados por consideração de seus talentos e virtudes”. dois deles. quer particu.. para o Exército e Marinha “são quase todos homens de cor”. Vargas na década de 30 do século 20. Mas aqui. que seria lento. ele é antes de tudo. em meio a um país irreversivelmente mestiço. dando início a uma nova fase imi- para o solo nacional a fim de promover mais ‘progresso’ ao País. era a Segundo ele escreve no artigo Criminologia e etnicida- favor da abolição dos escravos. um obje- to de sciencia”. diz o sociólogo Arim So- regresso das nossas indústrias. que o africano boçal. não de: culpa categórica e seletividade de negros no sistema judici- porque acreditasse em algum tipo de equidade entre ele e os ne. em estas raças algumas são mais superiores que outras. no prefácio de Africanos no Brasil. 1. Queria na verdade substituir os cativos por homens brancos ponto de estimular o recrutamento de imigrantes em vá- assalariados. 108 ele que. pois. ário brasileiro. aliás. além de ser muito do “racismo científico”. em seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas mil russos e 47 mil poloneses. disse que o Brasil precisava urgentemente britânico chegou para complementar o engano: Hous.. no entendimento de diferen. ças entre tais raças e finalmente na ideia de que entre Em um discurso na Câmara dos Deputados. OUTRO NA SENZALA O negro: um “ignorante da superioridade da raça ariana. escreveria um de seus mais famosos integrantes. vieram para o Brasil cerca de 1. um abismo que estávamos. o embaraço. 170 mil alemães. nas te. susten- tou “cientificamente” o nazismo ao afirmar que judeus. “Romero contribui para mostrar tem o incentivo do salário que percebe. ou. Ele estava Brasil. jurista e político ares do Bem. livro de Nina Rodrigues.2 mi- orias do francês Joseph-Arthur de Gobineau (1816-1882). o homem branco. o crítico Sílvio Romero “ (1851-1914). que embraqueceriam o País é só uma máquina econômica. Não de sua família. era racismo. a influência de Silvio Romero foi grande a gros. que nunca es- (1853-1855). Um 1879. e que tira do serviço. por isso era mister embranquecermos. Chamber- lain e Rosenberg certamente não tomariam Bastos como um belo exemplar da “raça”. De 1880 até 1940.” Tavares Bastos. assim. não desejáveis. Como ele. UM PÉ NO SALÃO. números. alguns sem saber.4 milhão de italianos. ciganos. da fortuna enfim que pode acumular a bem ao escravo. homens como Nabuco incentivavam crença na inferioridade negra baseada no evolucionismo e no positivismo. do qual Hitler se apropriaria através das ideias de Alfred Rosenberg (1893-1946). Usou-a. do proveito que o atraso estava ligado ao trabalho do índio. Este. Há entre esses dois extremos. não estáva- separa o homem do bruto. ele abria os braços conclamando mais iguais. e malgrado a sua ignorância. tabelas e “pesquisas”. que era causa de nossa estagnação econômica. em solo nacional. Foi lhão de portugueses. nacionalização da mão de obra introduzido por Getúlio Bastos não estava sozinho em sua empreitada. o instrumento cego. 580 mil espanhóis. além de afugentar o emigrante europeu.. “O negro não a imigração de europeus. Baseados no positivismo e nas teorias que afirmavam a A Faculdade de Direito do Recife foi. da abolição a fim de constituir uma naciona- 68 ton Stewart Chamberlain (1825-1927) é o pai do mito lidade apropriada com base no imigrante 69 . outro arauto O homem livre.] Cada africano que se introduz no mos prontos para um país novo. como base de seu projeto antiescravagista. um dos centros de difusão da superioridade branca. Como se pode ler na sua frase. capitalista. fundador da Sociedade Internacional de Imigração (1866). de várias raças humanas. eslavos e homossexuais objeto de sciencia” eram inferiores e o alemão personificava a perfeição da humanidade. Mais brancos. queria postos de trabalho que atraíssem imigrantes rios países europeus. espraiou parte do que entendemos hoje como condeu seu amor pela fleuma do Velho Mundo. [. Romero acreditava que a mescla de cores trouxe-nos aspectos mais inteligente que o negro. tros “ilustrados” também se baseavam. da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). munido de gráficos. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. Gobineau. Nabuco. o elemento de otimismo no branqueamento”. Ele está baseado na falsa crença da existência um dos entusiastas dessa invasão europeia. aptos ao desenvolvimento. era em vez de um convencido de nossa inferioridade e por isso investe seu obreiro do futuro. E gratória que somente foi interrompida com o processo de nesse progresso não havia espaço para pretos. as caracte- Sua maior luta era libertar negros que em tese deveriam estar li- rísticas básicas mais desejáveis de sua ascendência”. a exemplo de José do Patrocínio. Getúlio Vargas assinou um decreto- antes da Proclamação da República. supe- Marinha de Guerra. Colocava-se contra a entrada dos “amarelos” ascendendo na hierarquia social e chegando a locais – até mesmo dizendo que “etnologicamente. terminou o legitimando como ser inferior ao relacionar seu estereótipo ao negativo. como porque é um péssimo fator (por causa de uma dívida de jogo) quando tinha 10 anos de idade. era um deles).que escandalizavam os escravocratas de então (o escritor no País. mais brilhante. com qualidades intelectuais. além de privilegiar a estética e o pensamento que chegavam dos EUA e da Europa. necessidade de preservar e desenvolver. revolução: ajudou a fundar o Partido Republicano em São Paulo. Onda negra. que. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO.Brasil 2005 (ipea). a im- Fontes: A negociação da identidade nacional : imigrantes. nquanto as teorias que assumiam a inferioridade negra eram Queria atrair o povo dali para trabalhar nos campos daqui. As políticas 70 abolicionista 71 públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição (livro org. Três nomes foram que infesta todas as cidades onde a imigração chinesa se estabelece”. Para se ter ideia. pai de Iracema. que libertaria. vres após a lei de 7 de novembro de 1831 (em cumprimento a um acordo pelo fim do tráfico de escravos firmado entre Inglaterra e JOSÉ DO PATROCÍNIO. enérgico e sadio”. que morreu seis anos antes da abolição e sete anos realidade entre nós: no final do Estado Novo (1945). Aprendeu embranquecimento em voga na época. cerca de 500 escravos. um grupo verberou negativamente entre a oposição. que “cientificamente” eram rechaçados por terem “vícios” deter. Moralmente. A simpatia de Sinimbu re- propagadas por políticos e intelectuais brancos. e era preciso combater qualquer novo agente que a ler ainda no cativeiro. perigo branco (Maria Célia Azevedo). que bunais. além da pressão (livro de Jeff Lesser). econômico”.. Ele justificava seu ato apontando “a que estava na vanguarda da discussão sobre o fim da escravidão. UM PÉ NO SALÃO. após a abolição. Apesar da existência da lei. ao feio. ao . apesar de ter perdido sua força a partir dos anos 30. Essa também era a percepção da elite nacional de uma maneira geral. Sua ideia era financiar uma missão de tratado até a Ásia. o racismo científico. não só por muitos motivos étnicos e biológicos. Joaquim Nabuco e a imigração para o sucesso da campanha da oligarquia nos tribunais. O então deputado Nabuco falou a respeito no de negros e mulatos (estes mais prestigiados socialmente) ia mesmo contundente discurso citado acima. Desses. porque vem introduzir na nossa sociedade essa lepra de vícios José de Alencar. com caráter e coração. tornou-se jornalista e advogado autodidata. Ele. mais inteligente. ao comparecer a um “meeting de Gama foi escravo: filho de pai (um ex-rico) de origem portuguesa e indignação” no Rio. ainda era uma Gama. este dono de um “sangue caucásico. disse: “O chim é incompatível com a nossa naciona- uma mãe negra (e revolucionária). processo histórico no qual apenas Nabuco minados geneticamente. apenas evitar os chineses. na composição étnica da população. LUIZ GAMA E ANDRÉ REBOUÇAS Portugal em 1818). Esse verda- deiro sentimento de inferioridade nacional perdura em parte até hoje nessa mesma elite uma abolição (e de uma classe média que tenta copiá-la). Luiz Gama e André PERIGO AMARELO Rebouças foram fundamentais em um Além dos negros. José do Patrocínio e André Rebouças. nos tri- Outro nome forte da política nacional demostraria. É importante frisar fundamentais para que a tardia abolição brasileira acontecesse: que líderes negros envolvidos na abolição também se apoiaram no cientificismo para Luiz Gama. Fez da própria história uma pequena grande rior. de onde terminou fugindo para entrar na viesse macular a “raça branca”. José do Patrocínio. ele foi vendido pelo progenitor lidade. Mário Theodoro) extenuante. o Diário do Rio de Janeiro (1863). vem criar um conflito de raças e degradar as existentes a corte .. O fato é que a imigração chinesa também ameaçava o já frágil projeto de Morava na Bahia e foi mandado para o Rio de Janeiro. minorias e a luta pela etnicidade no Brasil Os três foram fundamentais pressionante burocracia para libertar um cativo. que prefere aquilo que vem “de fora”. arte e relances de gênio”. se não chegou a discriminar legalmente o negro (como nos Estados Unidos das leis segregacionistas). Não era fácil. os chineses também sofreram oposição de nomes como Nabuco quando o primeiro-ministro João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu pediu um relatório é geralmente relacionado E sobre a imigração chinesa. é sem dúvida o intelectual -lei que também estimulava a imigração europeia. vivaz. OUTRO NA SENZALA Três negros e europeu. fazia do trabalho um exercício sempre chinesa (artigo de Nei Duclós) e Relatório de Desenvolvimento Humano . aquela definida pelo abolicionista como “audaz. quase setenta anos depois. UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA publicar os 20 passos necessários para um escravo ser solto, diz que os “infelizes” precisavam, através de um protetor “revestido com a mais evangélica das paciências”, passar por uma “nova inquisição moral.” A Escolarização e cor nos tempos de Nabuco outra opção era resignar-se à senzala. Como conta a socióloga Angela Alonso, enquan- to boa parte dos abolicionistas fazia discursos em teatros, cafés, óperas e saraus, com direito a chuva de pétalas de rosas, Gama, em São Paulo, “fazia barulho por dentro das instituições” (é famosa a sua frase “Todo escravo que mata o senhor, seja em que Por Adriana Maria Paulo da Silva circunstância for, mata em legítima defesa”), aproveitando-se de seu talento satírico e das brechas nas leis para soltar seus iguais. Morreu em 1882 e teve um enterro acompa- D nhado por milhares de pessoas. urante a infância de Joaquim Aurélio, ingressar e permanecer no aprendiza- Patrocínio e Rebouças também eram mulatos como Gama, esta uma “casta” específi- do das letras, desvinculado do aprendizado de ofícios específicos, foi uma luta ca (começavam, note-se, a “embranquecer”). Para se ter ideia, em 1822 existiam no Ma- para os meninos e meninas livres do Império do Brasil. Havia muito poucas au- ranhão 6.580 mulatos no cativeiro, contra 77.954 negros. Assim, tinham maiores chances las públicas com mestres concursados, pagos pelo governo da província (à semelhança de ascender socialmente. Patrocínio (ou “Zé do Pato”, ou “Prudhomme”, seus pseudô- do atual governo do Estado). A maioria dos mestres atuantes naquela época trabalhava nimos) era um filho de padre com lavadeira (o religioso João Carlos Monteiro engravi- para a iniciativa particular. dou a escrava de 13 anos) que terminou entrando no curso de medicina como estudante Quando existiam aulas, ou seja, quando o governo da província autorizava o seu de farmácia, sendo mais tarde diretor do Gazeta da Tarde. Foi um dos fundadores da funcionamento (e se comprometia a pagar os professores, é claro) costumava faltar mes- Sociedade Brasileira contra a Escravidão (SBCE) ao lado de Rebouças, Nabuco e João tres. Essa falta podia ocorrer por vários motivos, entre eles os baixos salários pagos Clapp, entre outros abolicionistas. Sua maior característica era a acidez e a impulsivida- àqueles servidores públicos, que não incentivavam o esforço para o enfrentamento da de: sem medo de inimigos e adorado pelos amigos (como Olavo Bilac), Patrocínio pode dureza dos concursos públicos para professores, na época. Nos concursos, realizados, ser descrito como o pioneiro de uma imprensa reformista que tanto ajudou a espraiar as muitas vezes, diante das autoridades do governo da província, os candidatos eram ar- ideias que notabilizaram Nabuco. Sua língua era ferina o suficiente para bater de frente guidos pelos examinadores e ainda se arguiam entre si a respeito os pontos dos editais. com nomes como Sílvio Romero (de quem chegou a ser próximo). Segundo ensaio de Acontecia uma espécie de duelo entre eles até que sobressaísse o “vencedor”. Por causa José Murilo de Carvalho, o crítico chamava Nabuco de “pedantocrata” e o jornalista de disso, chamavam-se “opositores”, e não candidatos, como se chamam atualmente. “sang-mêlé”, um “negro vencido na escala etnográfica”. Patrocínio revidou chamando Quando não faltavam os mestres, podia ser que faltassem os aprendizes. Isso mes- Romero de “teutomaníaco de Sergipe” e, engraçadíssimo, “Spencer de cabeça chata”. mo: a existência de aulas públicas não era uma garantia para a frequência dos alunos. O Rebouças tinha espírito oposto: o engenheiro era discreto, elegante, oferecendo re- funcionamento das aulas públicas masculinas de primeiras letras, por exemplo, depen- cepções para a aristocracia, enquanto seu irmão Antônio era deputado federal. Angela dia da frequência de um mínimo de 15 de alunos por ano. As que não contassem com Alonso encara o encontro de Rebouças e Nabuco em julho de 1880 como uma verda- esse mínimo, caso fossem “denunciadas” aos poderes públicos, eram fechadas e seus deira “epifania” dentro da trilhada abolicionista: enquanto o primeiro era um grande professores transferidos para outras mais frequentadas. articulador (“dominava detalhes e tecnicidades sempre enfadonhas para Nabuco”), po- No Brasil Império a educação não era “um direito do cidadão” conforme é hoje. As rém tímido, o segundo adorava um púlpito e uma plateia. Foi um dos fundadores da aulas públicas eram uma mercê do Imperador, uma concessão, uma dádiva e, como tal, Sociedade Brasileira contra a Escravidão, da qual se tornou tesoureiro e agenciador das as autoridades públicas (desejosas de fazerem gastos com outros itens) cuidavam para “comunicações: cabia a ele organizar eventos como um banquete com cinquenta abo- que elas fossem bem “aproveitadas” pelos súditos. Escolas com pouca frequência eram licionistas no elegante Hotel dos Estrangeiros, no Catete. Isso não significava, porém, consideradas um desperdício. Houve aulas de primeiras letras no Recife, como a do que estava livre de violentos preconceitos, como quando viajou aos Estados Unidos e bairro de Santo Antônio, que chegou a contar com mais de 100 meninos matriculados passou dois dias sem se alimentar porque nenhum restaurante lhe deu acesso. Rebouças na década de nascimento de Joaquim Aurélio (Silva, 2007). era, pode-se dizer, um quase branco. Quando havia mestres e alunos em número suficiente, era melhor que os primei- 72 ros estivessem “alinhados” aos poderes políticos locais, do contrário, haveria aí outro 73 UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA motivo para o fechamento das aulas, ou outro motivo para o professor ser transferido. desapegada daquele homem que, em sua opinião, embora brilhante e de origem nobre, Não que essa falta de alinhamento fosse uma razão em si mesma, mas é que, nos jogos ocupou-se de um ofício muito pouco valorizado. Assim disse Joaquim Nabuco sobre políticos jogados localmente, os professores ocupavam um lugar muito importante, além seu mestre: “Tendo que ganhar a vida em país estrangeiro por meio de lições, enterrou de ocuparem um cargo público vitalício. Foram comuns denúncias e queixas (reais ou tudo que pudesse restar-lhe dos velhos preconceitos aristocráticos de seu país, das aspi- inventadas) contra professores públicos, as quais resultaram em várias situações, entre rações à elegância, à vida de prazer, ostentação e sucessos mundanos da sua mocidade elas, exonerações, transferências dos professores e, em menor número, fechamento de em Paris, entrou no papel que lhe fora distribuído com a mesma simplicidade como se aulas. o recebesse por herança... em uma palavra, sem ressentimento, sem queixa, sem mur- Quando tudo estava em ordem e os professores não causavam problemas de nenhum múrio... Esqueceu-se de si mesmo para entrar em seu novo destino... Sua posição era tipo, cabia ainda observar a adequação das casas nas quais as aulas funcionavam. A ine- involuntariamente considerada subalterna ainda pelos mais capazes de compreender – xistência de prédios públicos adequados para o funcionamento das aulas obrigava aos o que não é o mesmo que sentir – a profissão do criador intelectual como essencialmente professores utilizar a residência (ou qualquer situação disponível) como escola. Imagine nobre” (Nabuco, 1981, p.64). a situação das aulas mais frequentadas, como aquela do bairro de Santo Antônio ante- Distante do menino Joaquim Aurélio, Nabuco olhou para o passado, como fazemos riormente referida. todos nós, e colocou o seu “criador intelectual” no lugar social ocupado pelos professo- No caso das aulas femininas de primeiras letras, sempre quantitativamente mais ra- res no seu tempo: profissionais essenciais, porém, injustiçados. Mas este lugar foi ocupa- ras, havia um plus. Lá, as meninas aprendiam, além do “ler, escrever e contar”, “a coser, do apenas pelo mestre que lhe preparou, talvez, para o ingresso no afamado e disputado bordar, marcar e as demais prendas” relativas ao que se chamava, na época, de “eco- Colégio Pedro II, na corte. A respeito da sua primeira formação, daquele seu professor nomia doméstica”. Houve escolas de meninas funcionando mais como oficinas do que residente no Engenho Massangana, Nabuco economizou palavras e lembranças. Soube- como escolas e foi algo muito comum, nos finais de ano, as professoras apresentarem mos algo a seu respeito quando, ao falar a respeito de sua madrinha, descreveu a pai- “exposições” para promover/vender os trabalhos das suas alunas. De uma maneira par- sagem da janela da casa do engenho no qual viveu até os 8 anos, da qual avistava uma ticular, mas incisiva, as meninas, diferentemente dos meninos, não estiveram totalmente praça “onde ficava a estrebaria, o curral e a pequena casa edificada para o meu mestre, livres do aprendizado de ofícios específicos (Silva, 2007). e que me servia de escola...” (Nabuco, 1981, p. 49). Uma pequena casa próxima à estre- Dessas questões, o menino Joaquim Aurélio esteve livre. Nascido de uma família baria e ao curral: foi lá o lugar da primeira escolarização do pequeno Joaquim Aurélio e, bem relacionada, filho de político, contou com os cuidados dos padrinhos durante sua talvez, de alguns outros meninos, agregados à sua família. Nenhum destaque, nenhuma meninice. Afilhado do dono do Engenho Massangana, de quem herdou o nome, Joaquim lembrança específica. Aurélio, desde cedo, foi acompanhado por um mestre de primeiras letras, residente no Se se iniciar na na escolarização era algo difícil para as pessoas sem as condições engenho no qual cresceu. materiais de Joaquim Aurélio, isso tendia a piorar se o estudante fosse um não branco, Naquela época, na qual o sistema de escolarização se formava juntamente com o Im- portador de qualquer outro tom de pele, entre os diversos característicos das popula- pério do Brasil, havia vários tipos de escolas e de professores. Com relação aos últimos, ções no Brasil. A rigor, as interdições legais à frequência nas aulas públicas, em várias eles podiam ser funcionários públicos, donos de escolas e/ou professores particulares, províncias, direcionaram-se para os escravos e os meninos africanos livres. E, em se domésticos. Havia muitos professores e professoras dando aulas pelas casas das famílias tratando de meninos(as) brasileiros(as), inclusive “libertos” (ou seja, ex-escravos), não tanto nas cidades e locais mais populosos, quanto nos engenhos e lugares mais afas- houve interdições legais impeditivas da sua frequência às aulas. Também não houve tados. Nesta última categoria se enquadrava o professor anônimo de primeiras letras interdições legais impeditivas do exercício da docência por parte de brasileiros(as) “de de Joaquim Nabuco. Alguns professores de engenho trabalhavam em troca de salário e cor” (Silva, 2000). residência, outros trabalhavam apenas em troca de casa e comida. Nas memórias sobre Na corte, por volta de 1853, quando Joaquim Aurélio ainda nem frequentava a esco- seu tempo de formação, Joaquim Nabuco deu destaque às lembranças a respeito de seu la, o professor Pretextato dos Passos e Silva, que se autodesignava “preto”, abriu uma professor nobre, o barão tautphoeus, com o qual conviveu durante o ano de 1859 quando escola para meninos “pretos” e “pardos”. Ele atendeu a um pedido dos pais dos seus frequentou o internato, em Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro. Na ocasião Joa- alunos, os quais estavam cansados dos seus filhos não aprenderem direito por causa do quim Aurélio tinha 10 anos, mas sua descrição sobre seu professor, com quem conviveu racismo das escolas da corte, ao qual eles estavam expostos. Sua escola teve vida longa, 74 tão pouco, impressiona pela riqueza de detalhes relativos, inclusive, na ênfase à alma no mínimo, até o início dos anos 1870 e, imaginamos, por ela deve ter passado muitos 75 UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO, OUTRO NA SENZALA meninos e, quem sabe, alguns dos intelectuais que inflamaram a campanha abolicionista O pai deu a ele a possibilidade de uma trajetória incomum para a maioria das pes- na década seguinte (Silva, 2000). Poucas pessoas nascidas no Império, e que deixaram soas não brancas: conseguiu mantê-lo estudando, em Salvador, até os 15 anos, tempo escritos a respeito de suas vidas, fizeram referências à sua formação primeira – da mes- no qual aprendeu e concluiu as primeiras letras e iniciou-se no latim e em música. Mas, ma forma que Nabuco –, principalmente as pessoas da elite. depois dessa fase, precisou trabalhar, conforme ocorria com a maioria da população Uma exceção a essa prática foi o político mineiro Francisco de Paula Resende, nas- livre e remediada, independentemente da cor, no Império do Brasil. Sonhou ser guarda- cido em 1832, o qual não poupou o verbo a respeito da escola de sua infância. Na sua -livros, em trabalhar no escritório de um grande advogado, mas acabou aceitando um obra “Minhas recordações”, iniciada em 1887, disse ele: “A escola, porém, era pública, os emprego num cartório e, a partir daí, começou a ganhar a vida e o Império (Matos e meninos muitos e os mestres ruins; e se dessa minha ida para a escola por acaso algum Grinberg, 2004). A escola que para Resende de nada serviu, para os Rebouças abriu uma proveito resultou, foi apenas o de não estar em casa a fazer travessuras; porque eu na es- das portas do mundo em seu tempo. cola nada estudava e nem também coisa alguma me ensinavam” (Resende, 1987, p.172). Sobre Rebouças, o filho, Nabuco não poupou elogios e o colocou na qualidade de estrela A escola de Francisco era frequentada por meninos de todas as cores e a maioria dos maior, de fonte de inspiração para todos os intelectuais militantes contra a escravidão, em seus colegas eram mais velhos do que ele, conforme a sua lembrança. Para a maioria função de aquela instituição “triangulando-a, por assim dizer– era uma de suas expressões das pessoas havia uma proporcionalidade entre o tempo de ingresso e permanência dos favoritas– socialmente, moralmente, economicamente” (Nabuco, 1981, p.53). Sabemos pou- estudantes nas escolas e as posições de classe. Os mais ricos colocavam suas crianças co sobre a primeira escolarização dos membros desta família e da maioria das pessoas no para estudar mais cedo (entre os 5 e 7 anos) e elas permaneciam por mais tempo nas seu tempo. Entretanto, as pesquisas sugerem que, no Império escravista do Brasil, quando a escolas, pelo menos até os 15 anos (alguns seguiam para as academias do Império). Os educação ainda não era um direito de todos, mais do que a cor, as possibilidades materiais pobres colocavam suas crianças para estudar mais tarde (a partir dos 8 ou 9 anos) e elas de existência e a proteção familiar foram determinantes para o ingresso e a permanência saíam mais cedo, por volta dos 13 anos. Os mais pobres nem pensavam em colocar suas dos meninos e meninas livres nas diversas “situações” escolares existentes. Que o digam crianças nas escolas e mesmo as famílias remediadas tendiam a colocar apenas um dos as biografias de intelectuais como Natividade Saldanha, Tobias Barreto, Antônio Pedro de filhos para estudar (Silva, 2007). Francisco de Paula Resende nos ofereceu sua avaliação Figueiredo, do vice-presidente Nilo Peçanha e de vários outros homens de cor, intelectuais, sobre a escola pública do seu tempo: um lugar ineficaz, com excesso de alunos, regido políticos e literatos que atravessaram o pior dos tempos, o longo tempo da escravidão. por pessoas incompetentes. Adriana Maria Paulo da Silva | Historiadora, professora do Centro de Educação da Universidade Federal O caso do professor Pretextato e de seus alunos, embora fosse conhecido na corte e de Pernambuco, autora do livro “Processos de construção das práticas de escolarização em Pernambuco, pelas autoridades, não foi nada comum. No Império do Brasil, diferentemente do ocor- em fins do século 18 e primeira metade do século 19”. rido na sociedade norte-americana, não houve a proliferação de escolas particulares e étnicas para alunos negros, bem como não houve movimentos civis contrários à presen- Bibliografia: CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O quinto século, André Rebouças e a construção do Brasil. Rio ça de não brancos em escolas (Cornelius, 1983). Ao invés disso, os não brancos assumi- de Janeiro, Revan/Iuperj, 1998. 254 páginas. ram o enfrentamento do racismo e das práticas de discriminação, cotidianamente, nos CORNELIUS, Janet. “We slipped and learned to read”. Slave acconts of the literacy process, 1830-1865. espaços escolares públicos. As práticas de etnização ou racialização dos espaços esco- Philon, Vol. 44, nº. 3, set/dez, 1983, Clark Atlanta University, pp. 171-186. lares– com exceção das escolas dos imigrantes europeus na Região Sul do país– foram GRINBERG, Keila; MATTOS, Hebe. Lapidário de si: Antônio Pereira Rebouças e a escrita de si. In: GO- promovidas por meio dos filtros de classe, e não de cor; foram promovidas pelos ricos, MES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história. 1ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio em cujas escolas apenas seus filhos e filhas puderam estudar. Vargas, 2004. NABUCO, Joaquim. Minha formação. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. Contra a racialização de toda e qualquer prática social, estiveram lutando os Rebou- RESENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. ças, entre os quais Antônio Pereira (o pai, Conselheiro Imperial) e André (o filho, enge- SILVA, Adriana M. P. Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos pretos e pardos nheiro e intelectual), e Alfredo Taunay, parceiros de Joaquim Nabuco nas lutas em prol na Corte. Brasília: Plano, 2000. da Abolição na década de 80 do século XIX (Carvalho, 1998; Matos e Grimberg, 2004). SILVA, Adriana M. P. Processos de construção das práticas de escolarização em Pernambuco, em fins Rebouças, o pai, nasceu em 1798, em Maragogipe, na Bahia. Filho de um mestre alfaiate do século XVIII e primeira metade do século XIX. Recife: Editora da UFPE, 2007. Trabalho premiado no edital de teses da UFPE. português e de uma dona de casa, possivelmente, liberta. Ele e toda a sua descendência 76 direta eram, como se dizia à época, “de cor”. 77 ante 16. e no Norte. Nessa década. 92. dos estudantes da escola 79 ainda mais nítido.6%). também.1% e 92. no final do século 19. observa-se que o quadro de precariedades ficava 78 proporção. a economia mais da metade se encontrava na série adequada (entre as brancas. Mas o que chama mesmo a atenção é a falta de dade já é um sério fator limitador em qualquer contexto. dos estudantes afrodescendentes do 1º ciclo do ensino fun- Alternando a reflexão para o tema do desenvolvimento social. nem escrever. na 4ª série.9% estuda- pelas grandes regiões do país. pouco tadas para a maioria da população. que é o meio em que ela pode prosperar. quase polos que se repelem metade dos afrodescendentes não sabia nem ler. A senzala e a escola são polos que Marcelo Paixão se repelem”.1% dos brancos. OUTRO NA SENZALA analfabetos. em 2008. ao final. Se é bem verdade que para as crianças entre 7 e população negra e parda e a educação no Brasil. diante de 34. que remontava ao final da 2ª Guerra Mundial. a necessidade do esforço O Nobel de Economia Amartya Sen sintetizou bem: saber ler e escrever é um ativo em prol da escolarização da população brasileira já vem sendo um tema bastante falado elementar para as funcionalidades de qualquer indivíduo. nas escolas públicas. Mas mesmos nas regiões mais desenvolvidas o quadro estava distante do razoável.3%. de vam com nenhuma ou pouca adequação em termos de infraestrutura (de um conjunto 29. UM PÉ NO SALÃO. de 1980 foi realizada. em seu clássico O Abolicionismo. Para isso. Pode ser melhor dominada. De fato. em todo o País. Os indicadores educacionais da população afrodescendente brasileira. Analisando especificamente os indicadores educacionais frequentando as escolas particulares era menos que a metade dos estudantes brancos. que 14 anos de idade o acesso à escola praticamente foi universalizado. Lido de forma desagregada frequentam a escola pública. em 2005. jamais a taxa de analfabetismo dos pretos e pardos deixava de ser inferior a 25% (entre os brancos residentes fora do Nordeste.3% estudavam em escolas públicas. tal questão estava na pauta de debate desde o contexto histórico das lutas pelo fim da escravidão. na década que se comemoraria a abolição da escravidão. na qual a comunicação de escolaridade é mais dócil.e na série corre- economia do país patinaria em níveis de crescimento muito baixos. são francamente inaceitáveis. nenhuma. Daquele momento em diante a um em cada cinco jovens afrodescendentes conseguia estar estudando .8%. O percentual de estudantes desse grupo edição do Censo Demográfico. 34%). ao longo do século passado. ou nenhum. pouca ou insuficiente condição de segurança (de um conjunto de 16 indica- Quando os indicadores sobre a taxa de analfabetismo no Brasil em 1980 eram com- dores combinados). mais da metade dos pretos e pardos era analfabeta. vol- a PNAD-IBGE. a instrução pública. No conjunto das demais regiões geográficas Senzala e escola: do País. esse percentual caía para pouco mais lação ao ano anterior. Ou seja. cindível de socialização de cada pessoa. Em 2008. Naquele ano.8% dos brancos. onde quer que ela esteja. desde a década de 1950 até aquele a repetência se somava ao abandono escolar. vamos até a década de 80. o PIB brasileiro jamais apresentou variação negativa. em 2008. um em cada quatro brasileiros nem sequer soubes- Apenas mencionando o que ocorre com as crianças e jovens afrodescendentes que se ler e escrever um simples bilhete no idioma que dominava. verifica-se que a taxa de analfabetismo de toda a população brasileira acima de 15 anos de Talvez não por coincidência é justamente a escola pública a grande vítima dessa nova idade era superior aos 25%. Ou seja. Mesmo sabendo-se que as crianças brancas estudam em elevada binados com a variável cor ou raça. mo negativos. Na verdade.1%. naquele mesmo ano damental. pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim. Uma população com baixos. tal lacuna se torna ainda mais efetiva vontade de enfrentar o problema. a taxa mais alta era encontrada no Norte com 19.3%). no Nordeste esse percentual era de 45.2% em re- caminha para a faixa de idade dos 11 aos 14 anos. pois dificilmente consegue reco- pela via escrita e o manejo das operações matemáticas elementares é um ativo impres- nhecer seus direitos e expressar publicamente suas demandas sociais. 36. Ou seja. o fato é que. segundo dados do Saeb. Se a ausência dessa capaci- no meio intelectual e político brasileiro. 59. décadas e mais décadas de crescimento econômico forma assumida pelo descaso do poder público no que tange à educação no Brasil. o fato é que. de nove indicadores combinados) e 38. das crianças afrodescendentes de 6 a 10 anos de idade.9% estudavam em estabelecimentos públicos sem com as taxas de analfabetismo invariavelmente ficando acima de 15%. em nosso país. esse seria o último ato de um longo período de crescimento de um terço (entre as crianças brancas. uma nova 93. acelerado não impediram que. Joaquim Nabuco. O PIB per capita ficou praticamente estagnado até os dias atuais. e mantendo o país na ignorância e escuridão. níveis forte no cenário de uma população majoritariamente urbanizada.2%). em alguns anos mes- ta (no caso dos jovens brancos. quase 40% dos pretos e pardos eram . No Nordeste. Na faixa de idade entre os 15 e os 17 anos. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. segundo representa um verdadeiro símbolo da ínfima prioridade das ações do poder público. 54. respectivamente. naquela faixa de idade apenas ano. do 2º ciclo do ensino fundamental e do ensino médio. Quando se brasileira apresentou taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 9. 120 anos após Partir dessa perspectiva é importante para observamos a dramática relação entre a a abolição. já apontava que “a escravidão por instinto procedeu repelindo a escola. Com isso. acesso às universidades. assentado num estranho projeto que passava pela transição demográfica de nosso país. mais comum aos afrodescendentes. Machado de Assis. diretor de graduação do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas. o período republicano se esforçou mesmo por aniquilar o surgimento de qualquer novo talento intelectual que tivesse pele escura. jamais poderia vimento socioeconômico. Por esses indicadores. mas ainda correspondia a menos 8%. Assim. jovens negros entre 18 e 24 anos estudassem numa instituição de ensino superior. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO.. ou mesmo exclusivamente. André e Antonio Rebouças. passados cem anos desde o fim da escravidão. o seu contrário. acertado. bastava encerrar a escravidão formalmente do ponto de vista jurídico. como na sua continuidade. Esse era o famigerado projeto de branqueamento da população brasileira. Lima Barreto. torna incessantemente o velho pensador do século res abolicionistas. naquele mesmo ano. UM PÉ NO SALÃO. a população que se declarou preta ou parda aos recenseadores do Censo de 2010 soma- de um formado predominantemente por descendentes de indígenas e negros. em todo soas de peles claras. Tal às leituras do velho Joaquim Nabuco. Paula Brito. ao ter dito que as indeléveis leitura de intelectuais como Nina Rodrigues. por conseguinte. universidades e centros produtores de cultura. Quando analisado especificamente em termos de seus efeitos sobre o processo de formação de nossas elites intelectuais. acadêmica e artística do país. dentes em cursos de mestrado e doutorado. marcas do sistema escravista seguiriam ainda por muito tempo entre nós. direitos sociais. segundo essa ideologia racista. não chegava. Luíz Gama. a despeito da brutalidade de nosso escravismo tropical. o maior perdedor se daria pela imigração europeia e pela progressiva inviabilização das condições de vida desse crônico quadro de desesperança vem a ser o próprio Brasil. ou não cônscia dos ideário era abertamente acalentado pelas elites brasileiras (na dúvida recomenda-se a tantos limites da agenda política do autor. respectivamente. Os indicadores mencionados neste artigo foram retirados do Relatório passado imperial escravocrata. se a condição analfabeta ou as baixas condições de estudo se tornou ano de 2008. escola. entre outros. se era bem verdade que o Brasil do século 19. Gilberto Freyre ou Fernan. professava do de Azevedo). se tornaria ao longo das décadas quase exclusividade para as pes. mercado interno.9% e 55. os irmãos pintores Timóteo da Costa. Portanto. 60. por descendentes de eu. Por outro lado. comprova que as elites brasileiras gerenciaram um projeto que sim- plesmente tornariam aqueles termos realmente antagônicos. nem 2% dos no médio. Por outro. e. ao contrário de Machado de Assis. editado pelo Laeser. infelizmente. Mas a mera falta de nomes de afrodescendentes de maior expressão na vida cultural. que. soube produzir intelectuais do porte de um José do Patro- cínio. O número de afrodescen- avançados de ensino. fazendo uma conta simples. Volta e meia é de fato realmente necessário e instigante voltar ser próspero e avançado vendo correr nas veias de seu povo um “sangue bárbaro”. Oliveira Viana. mesmo que em alguns momentos tais perspectivas reconhecessem uma um triste. 81 . que des por afrodescendentes é francamente desanimador. a extinção do conjunto de sua obra. vaticínio. 59. des- e existência dos descendentes dos antigos escravos. sua recusa em acreditar que variante morena nesse processo de europeização. Ed. No Por outro lado. trabalho e outros estruturas sociais de nosso país. ou seja. não é de se estranhar que. desta feita. escrevendo no começo do século 20.. sendo necessária Seja como for. 2009-2010. tanto nos primeiros anos republicanos. Garamond. mas sugestiva. limita seu potencial de desenvol- única para a modernização do Brasil.) mais uma vez tornou polos que se repelem: negros e Anual das Desigualdades Raciais no Brasil. Nosso país produziu o seu sonho de grande potência do futuro o País. Históricas. pode-se ver que o cenário de acesso à escola e às universida- ropeus. aquela proposta era o inverso do que era proposto pelos antigos líde. para um va mais de 90 milhões de pessoas). Mas sim porque. o acesso aos níveis mais E mesmo assim. que reivindicavam que o antigo escravo e seus descendentes fossem 19 em uma jovial fonte de inspiração para necessários novos ciclos de estudos críticos às enviados à condição de cidadãos brasileiros com direito a terra. país formado predominantemente. Sociais e Estatís- República brasileira em suas diferentes versões (e aqui sem nenhuma admiração pelo ticas das Relações Raciais (Laeser). do 2º ciclo do ensino fundamental e do ensi. o projeto branqueador animado pela Marcelo Paixão | Economista. por exemplo. esse percentual melhorou um pouco. em meio a um ambicioso processo bancado pelas elites brasileiras de apar- 80 tação dos afrodescendentes das escolas. mas. OUTRO NA SENZALA pública do 1º ciclo do ensino fundamental. conheceu o ostracismo e o descaso perante sua obra por conta de sua con- dição racial.6% eram afrodescendentes. que.7%. três quartos estudam em escola particular. a 70 mil pessoas (e neste último caso. Não com uma leitura acrítica. Tal projeto era entendido como a via perdiça talentos. aos vinte e poucos anos. onde fora “nada menos que um leviano e inexperiente. Esta. o menino de em carta sobre o ministro que havia criado a embaixada de Washington. avô e bisavô senadores do Império). também. fez um périplo por 18 conferências em diversas cidades dos EUA. que mais nos tem deprimido e vilipendiado no estrangeiro. Ao rememorar suas primeiras viagens. viajante e. Ele ainda figurou em uma infinidade subida de sua estrela. O Belo. trabalhando numa missão diplomática. a literatura. “Não é senão justo apreciar as sociedades pela sua flor. Assim. Ali. Nabuco). da literatura e.). descreve a chegada de Nabuco ao Recife após o fim da escravidão. para a cidade por Rio Branco. conquistava moças Gostava de ser ouvido. seu assombramento com a Europa e parte de sua . Misturava elegância e ironia como um solidão”. UM PÉ NO SALÃO. que apontava justamente por essa Isabel.). OUTRO NA SENZALA vida no Engenho Massangana.. ministro das Relações Exteriores (maior “amigo inimigo” de deram o apelido de Quincas. seduzido astro”. Era o seu “palco principal”. Não era difícil atraí-las com seu 1. da política. sintetiza Alonso) e. e na Bahia!”. considerada verda- engenho virou marca de dois cigarros (Nabuquistas e Príncipes da Liberdade). porém. povo pelo qual nutria uma divulgada simpatia. Era querido por mulheres castas como boa celebridade. que Nabuco mostra melhor a sua alegria pela fama. foi o rosto da deiro desterro para Nabuco). enquanto Barbosa ficou no chique e caro Regina (cuja suíte presidencial espaços recifenses e cariocas. Várias empresas se aproveitaram de sua popularidade no Brasil e no Sua maior vingança a Rio Branco (“que fiz eu a esse homem?”. o garoto saído do mundo”. mesmo com a saúde debi. cada nova fascinação da arte. Um exemplo foi a edição viajante – as revistas de celebridade o chamariam de globetrotter – do que o Teatro de Santa do local Diario de Pernambuco de 30 de setembro de 1885. Nabuco. ele diz: “Em 1873 (. Nabuco viria a se tornar. riquíssimas e independentes. disse: “Para tudo o que é imaginação estética ou histórica é uma verdadeira das.. ele discursou para plateias embevecidas propensão de Nabuco ao espetaculoso: “Eleitores do 1º distrito. sua noiva tempo em Paris. escreveu o abolicionista mundo para faturar ainda mais com o “espírito democrático” de então. verdadeiro inglês. Foi escoltado por José Mariano pelas últimos dias de vida do abolicionista. O homem que estava ao lado da princesa Isabel quando ela assinou a Lei Áurea amava a elite. afeito às mo. da natureza. Nabuco escolheu encerrar a vida no palco”. na minha era antes de Cristo. um galanteador.. e no Recife. a minha ambição caixas de cigarro e rótulos de conhecer homens célebres de toda ordem era sem limites. baseada em uma carta A inclinação à fama e o gosto pelas plateias são observados tanto em diversos momentos enviada por ele no dia 20 de julho à esposa Evelina: “Minha vida está nos jornais (. Nesse momento. principalmente. Chega a ser engraçado o momento em que vai e simples como aquela com quem casou . isto é.” Já sobre o celebridade: bonito. Passava de ator a mito. autobiografia na a reverência coletiva (.160 euros a diária). O problema é que o então embaixador em Washington hospedou-se no modesto Causando certo espanto ao desfilar com roupas que ainda eram vanguarda na Europa em hotel La Perouse. ao falar sobre os entrada no Rio foi grandiosa. diz Angela Alonso na biografia publicada pela Companhia das Letras. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. reverenciado (“apreciava ser apreciado”. inspirou o chapéu O Abolicionista. o mundo inteiro me atraía por igual. como a famosa Eufrásia Teixeira Leite. 82 para ator. aristocrático (pai. Nabuco era que sempre assumiu buscar uma espécie de verdadeira esponja que sabiamente absorvia as palavras de Dumas e Renan. cerrai fileiras contra o moço sob chuvas de pétalas de rosas. a moda e as moças.). Joaquim Nabuco seria um prato cheio para as revistas de elas mais profundamente admiram em si mesmas e o mundo mais admira nelas. escreveu: “Nascido des. “Nabuco se comoveu. sentindo-se desprestigiado. pelo que S e fosse vivo nos dias atuais.86 metro de altura e a aparência que lhe ren. usando Com o rosto estampado em inclusive uma palavra (celebridades) que viria a ser espécie de amuleto social no século que se seguiria.” 83 qual narra o início de sua carreira política. se interessava pela poesia. dos EUA e do Brasil. momento no qual Nabuco. E não houve lugar mais simbólico e significativo para acomodar esse de jornais que o exaltavam mas em vários momento o massacravam.. “político das massas”. Assim. É em Minha formação. no auge da campanha abolicionista. reclamou.Evelina. eu quisera conhecer as experimentou a fama e a glória celebridades de todos os partidos”.. com a sua desenvoltura artístico-política. tinha seus caprichos. um custa hoje 3. e a todos aqueles que caçoavam de seus elegantes modos. Minha de sua obra quanto na biografia escrita pela socióloga Angela Alonso. em pleno do Engenho Massangana politeísmo da mocidade. Novo Mundo.. eu tê-los-ia ido procurar ao fim de cerveja. era a mais forte. e não era qualquer uma (chamava os norte-americanos de “caipi- ras”). A socióloga por uma falsa glória de brilho e renome afagado”. ruas até chegar ao teatro lotado. Rui Barbosa também fora enviado durante anos. pela sua elite. a mãe de seus cinco filhos . Obtinha o que desejara a vida inteira: a admiração incontestável. que vinha abaixo a cada frase proferida sob os longos bigo- litada. seguia pela Europa se inteirando Nascido para ator de maneira mais aproximada da vida e dos costumes das cidades que o recebiam sempre com punhos de renda. E mais tarde: “Nesse tempo. mas acaba passando a maior parte do poderosas. foi a cerveja Salvator Bier.e por outras com a família para uma estação de águas na Europa. (e não tão moças) da fina flor europeia. Joaquim Nabuco desem. entre idas e vindas. Ela. mostrava sinais de desgaste. em carta escrita no dia 19 a correspondência que ele por anos enviou a ela. Também era qual Quincas queria embarcar para o Velho Continente. flertou com Emma Lazarus. O abolicionista foi encontrar “uma rapariga de ‘vida livre’”. enviara um bilhete declarando que o amava. abafar os escândalos amorosos numa nou. Dana. tirar o abolicionista do sério quando. que foi levada no ano seguinte para Londres. formosa. não poderia trocar a carreira pelas amadas (Europa e Eufrásia). marcam uma conversa E ela se negou a nquanto discutia a abolição. Maldade do moço: ele ainda pedia a Eufrásia que devolvesse toda distrito. “olhos de uma vida amortecida mais profun- da. Nabuco aquietou-se. no ano seguinte (em abril). a relação já poder de sedução também através da escrita branca” e de “busto perfeito”. a fim de livrar-se de trabalhos aborrecidos”. Ali. lamentando se encantou. Em 18/4/1886. No a intensa troca de missivas entre ele e a riquíssima noiva Eufrásia. e foi justamente por por um aperto financeiro. a imigração devolver as cartas em Paris e ele simplesmente não aparece. entre a elite. a aristocrática Eufrásia Teixeira Leite. UM PÉ NO SALÃO. em um Eufrásia apenas mais uma vez. bem antes de gela Alonso. “busto perfeito”. acidentalmente. conservador até a medula). diz ela) e termina dois meses antes do noivado acabar. Minnie Stevens (a tal “sereia”) e namorou Fanny Work (“a mais bela que tenho visto”. que termi- rido. de a moda. independente. ele.” Mas eram os olhos negros de Eufrásia que assombravam um Nabuco financeiramente Correspondência presente nos arquivos da desempoderado e abolicionista. como se vê na carta enviada por Eufrásia em julho de 1876. casando com Evelina Torres Soares Ribeiro. foi viver com a irmã em Paris e durante anos o romance EUFRÁSIA Muito dos dois teve um oceano no meio. como informa a biografia de Angela Alonso. OUTRO NA SENZALA com o fato de as mulheres casadas não cederem aos encantos de sua pessoa. Mas 1872 não rica. Moreira. Era “muito branca”. fora do casamento. Com ela. Ficaram noivos em 1874. como disse em carta para a condessa Wanda Moszczenska. ao mesmo tempo que beijava. “Um pouco de amor pode bastar no casamento. o primeiro e real motivo pelo légio de freiras. seguindo o ma. como observou An- durou 14 anos. Astor. quando ela pede desculpas por tê-lo magoado. Ficou assombrado: continuava baile. outra carta. beleza sem grandes marcadores e coxa (arrastava uma perna). de uma luz de pérola”). no verão de 1871 (tinha ele 22 anos) vantajoso. Alonso entrega outras em sua biografia: “Uma vida rodeada as mulheres por mulheres: flertou com misses Hamilton. do ex-namorado explicações. o que naque. Ela piorou as coisas informando. Fazia apenas quatro reias e flores até presentes como uma surpreendente arara. que não iria devolver as cartas que ele pedia. mas dez vezes menos que Eufrásia. Eufrásia manda nova carta (23/11/1877) pedindo chinesa e outros assuntos palpitantes. Livingstone. um erro grave para Nabuco. A relação Seguiu talvez aquilo o que escreveu em seu poema Pensamentos soltos. aliás. envia uma carta a ela desfazendo o noivado. O gênio de Eufrásia talvez fosse imperioso demais para o leonino Nabuco. todo amor 84 virar embaixador e de conhecer a esposa Evelina. oferece-lhe dinheiro “para que possa montar em Londres algo de uma dama casada que o jovem. Rutherfurd. Já Nabuco. Dois anos depois. Uma dama em Paris. em 23 de abril de 1889. Conta-se que a paixão era endereçada a Carolina Delfim ter sido “mal interpretada”. a das conquistas amorosas. Era costume. cansado de idas e vindas. Nos Estados Unidos. O problema mais aparente: ela não queria mais voltar ao Brasil. ficou decepcionado 85 do mundo não será o bastante. tentando manter a relação. enquanto sua mulher havia engordado e não se importava com café (Joaquim José. bem-vestida. começa afetuosa (“Eu te amo de todo meu coração”. era uma grande penhava com êxito outra área. que conheceria naquele ano. Eufrásia conseguiu Nabuco gostava de cortejar mulheres mais velhas. Foi este. encontrando-se com seria só de drama para Nabuco. A ver navios. de maio de 1886 em Paris. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. Há também meses que ela. Wolfe. Eufrásia mordia: na carta de 13 de fevereiro de 1886. Mas não precisou sempre recorrer a profissionais para se satisfazer em solo que amava norte-americano. onde podia absorver todas as benesses daquela que era quase a capital do pesquisa nas cartas guardadas no acervo da Fundaj demonstra que o mundo. Em maio. Eufrásia se recusou.” . No ano seguinte. em Paris. que entanto. Lanier. o pan-americanismo. ela diz a Nabuco que não teve culpa do fracasso dele pesadíssima. empenhado em se fazer grande político e com a questão da abolição sob abolicionista não poupava a criatividade no momento de lançar seus o braço. torpedos amorosos: há desde poemas que comparam as amadas a se. moça criada em co- temporada na Europa. sabendo que ele passava le tempo significava mulheres comprometidas. filha de um produtor de bela. o que não agradava nem um pouco à família rica e conser- Fundaj mostra um Quincas que exercia seu vadora da moça. com Nabuco pedindo a ela que não lhe escrevesse nunca nas eleições de janeiro e lembra-o que ela havia sugerido a ele que se candidatasse no 5 mais. Tell. Mas foi mesmo com Evelina que terminou seus dias. Ele ficou irritadíssimo. outros nomes (e processo iniciado por vários países pelos quais Nabuco nutria admira- ção). por exemplo). Mas ele jamais defendeu a manutenção de uma hierarquia social baseada na tem sido lembrado e celebrado”. É preciso lembrar também que os positivistas brasileiros em formação. Contudo. Agora é claro que seu entrevista | Ângela Alonso charme ajudou na campanha abolicionista. os textos de juventu- legado do pernambucano. ele não propugnava igualdade. há varias referências nos textos de Nabuco que podem ser lidas à maneira como Celia Azevedo leu. a personalidade por si só não explica o abolicionismo de Nabuco. É preciso pôr a postura de Nabuco sobre a a capacidade de produzir encantamento no plano pessoal e na vida pública. como a República. Ha. Ângela AA – De fato. é preciso lembrar que referências seme- Alonso. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. era uma visão hierárquica da sociedade. A adesão ao abolicionismo. Quanto ao racismo. não um da adesão tardia ao movimento republicano. tema polêmico que já havia sido levantado por sua maioria foram. a reverência coletiva”. era um AA – A posição de Nabuco sobre a imigração chinesa remete à pergunta anterior. e mesmo como embaixador. como você escreve). a questão em pauta era como efetuar a transição para o trabalho livre. mas podia ter se tornado paladino de outra causa do momento. no circuito diplo. vendo nela uma forma maquiada de mático. teria sido um meio para acessar essa fama? A vaidade do abolicionista terminou FM – Como você analisa a posição de JN em relação aos chineses (e a chegada destes sendo um fator de peso para a libertação dos escravos? ao Brasil) e seu apoio aos europeus imigrantes? Havia de fato a ideia de uma limpeza no âNGELA ALONSO – Nabuco era. Já Nabuco. Sobre o positivismo. sonalidade carismática contribuiu sem dúvida para sua carreira tanto social. nem se considerou ou foi considerado Fabiana Moraes – Em seu trabalho. no parlamento e nas ruas. mas foram suas ações e declarações como abolicionista que lhe deram reputação. nos salões. abolicionistas e reformistas. mas o fulcro da crítica tendo por ponto de partida o aprendizado em casa e na sociedade de corte. pode sempre levar a críticas anacrônicas. Ele estava sempre em busca de holofotes. mandando inclusive emissários à China. de de Nabuco têm algumas referências a conceitos e autores positivistas. um conjunto de autores e noções que forneciam uma visão próprio fala sobre seu desejo de conhecer “toda a sorte de pessoas célebres” em Minha meio sociológica da política. Você considera que Nabuco teve atitudes racistas – política e pessoalmente – ou ele era antes de tudo um homem público guiado pelo espírito posi- tivista da época? Investigando o trabalho e a vida de Joaquim Nabuco desde 1995. como todo mundo no 19 brasileiro. professora do Departamento de Sociologia da Universidade lhantes aparecem em textos de outras lideranças abolicionistas. percebemos que Nabuco desejava e bus. sem dúvida. da Unicamp) que apontam vá- rias características discriminatórias (baseadas na cor) do abolicionista (a sua “saudade não um socialista” do escravo”. Como era praticamente consenso que a escravidão era insustentável no 86 tinha convicção abolicionista e acho que a liderança que ele ganhou e muitas de suas longo prazo. é uma das principais pesquisadoras da obra gestaram. desenvolveu se dirige a uma política. ela fala sobre a vaidade de rótulo adequado naquele tempo em que a própria ciência social começava a difundir o Nabuco e sua relação com escravos. como muitos progressistas do seu tempo. “Ele ia gostar de ver como socialista. além da performance política dele e termo “raça”. Contudo. UM PÉ NO SALÃO. abriu-lhe espaço na mídia. FM – Há pesquisadores (como Célia Maria Azevedo. em 1879. como o charme ajuda qualquer político. portador daquilo que Machado de sangue nacional? Assis chamou de “sede de nomeada”. a de São Paulo (USP) e integrante do Centro Brasileiro de Análise e leitura avulsa de textos. imigração em contexto. assimilou cava a fama (“a admiração incontestável. diz ela sobre o interesse constante no cor ou em etnias. Era um liberal. Sua personalidade. quanto política. combateu isso. Mas muitas pessoas são assim e não encontram ressonância pública. Essa per. O gabinete liberal do visconde de Sinimbu propôs. OUTRO NA SENZALA ações realmente corajosas seriam impensáveis sem essa convicção. O a política científica do tempo. como Nabuco. De sedutor. fato ele tem declarações infelizes sobre a “mongolização do País”. “Ele era um liberal. Não me parece que “racista” seja um nabuquiana no País. Nesta entrevista. 87 . e não a uma raça. Nabuco a escravidão. O debate como um todo não tinha como eixo a questão racial. Nabuco foi um dos que combateram a iniciativa. pelos contemporâneos um positivista. como seu nome de família. sem considerar o contexto político e semântico no qual eles se Planejamento (Cebrap). O que Nabuco tinha. mas ele jamais chegou a professar inteiramente ideias de Comte. Ele. Ele nova escravidão. Ao contrário. a imigração chinesa em massa para o Brasil. Mas ele também teve em vista opiniões e estratégias dos movimentos abolicio- presença de Nabuco ou. mas da organização da casa. como Teixeira FM – Quais os projetos abolicionistas no Brasil mais influenciaram e ajudaram Na- Mendes. Nabuco escreveu contra a Repú- 88 dele de próprio punho produzidos nesse período ou imediatamente depois em que blica. OUTRO NA SENZALA via basicamente três posições: a primeira era introduzir imigração proletária. cintamente. UM PÉ NO SALÃO. Pensando em Nabuco como homem da transição entre a sociedade tradicional e a sociedade moderna no Brasil. Nabuco tentou dirigir. Nabuco tentou fazer o mesmo no Brasil. AA – Para responder devidamente. quando. quais os movimentos políticos mais proeminentes (ou mesmo obter visibilidade. Então não se pode atribuir a Na. o homem também o fez? mo escravista e patriarcal que Nabuco formou sua sensibilidade. atentou para eles.Eu prefiro dizer que as qualidades de Nabuco vêm justamente de ter sido sil. Já Rebouças era um homem de bastidores. Ambos se engajaram antes de Nabuco. intimamente. soalmente. O relato que ele fez de Magnesiano e da relação com os chineses. Perdigão Malheiros e Tavares FM – Você acredita que negros como Rebouças e Patrocínio foram ofuscados pela Bastos. quais destes movimentos denotaram sua exemplo. já na República. mas também tinha luz própria e se consolidou para a apresentação que farei no seminário de homenagem a Nabuco em Londres. e Nabuco buco a reputação dos outros dois. Para falar su- dos estavam então obtendo. a segunda os escravos é muito posterior. Nabuco se valeu da herança emancipacionista brasileira. Durante uma década. Nabuco cresceu cercado como monarquista. nomias e se tornassem pequenos proprietários – esta era a posição de Rebouças e de Nabuco. como esses sentimentos fossem narrados. afinal de contas. mantendo contato com abolicionistas franceses e espanhóis. enquanto o outro falta de traquejo com o universo político? estava na Europa. atrair imigrantes europeus era uma forma de fomentar William Wilberforce? no Brasil o desenvolvimento econômico e o padrão de civilização que os Estados Uni. é preciso lembrar que havia outros abolicionismos além do inglês. porque pôs Nabuco na condição de me. Nabuco resistiu a outra onda. corretamente avaliando que se tratava mesmo a um casamento. seria preciso escrever um artigo. certas circunstâncias ele tentou apressar a mudança e noutras resistiu a ela. Como abo- Qual a relação do menino com este escravo? Há registros de outros negros escravos licionista. A relação dos dois era de amizade e de complementaridade: Nabuco comparou-a um homem de seu tempo. Nabuco 89 . O caso inglês. AA . quando ele já tinha desenvolvido uma seria atrair a chamada “imigração de colonização”. arranjava espaços e tecia alianças no Bra. Mas eu infelizmente não achei documentos nasceu de uma desesperança. defendida basicamente por positivistas. Nunca pro. foi sem dúvida uma inspiração. Por visionários) de Nabuco e. Para Nabuco. Contudo. ao contrário. Então se poderia mesmo inverter a pergunta: Rebouças ajudou Nabuco a FM – Na sua opinião. O fato de ter sido deixado pelos pais para viver com a madrinha durante -se ao movimento republicano que. curou os holofotes. Contudo. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. para substituir os escravos como mão de obra para a lavoura. pois o primeiro impulsionou o segundo em muitos momentos. Rebouças formava grupos. a terceira alternativa. novembro. poderíamos sim dizer que em FM – A madrinha de JN. de uma parte Nabuco foi um reformista. de uma era de mudanças. Então. ao qual você se refere. propunha a expansão da cidadania toda a primeira infância acentuou esse fato. lítico para eles? sobretudo nas estratégias. era aproveitar os próprios escravos como trabalhadores livres. doutra. nistas estrangeiros. Ele cresceu na vida de fazenda. um tradicionalista. Mas foi um exímio articulador. isso afetou sua visão sobre a escravidão. por outro ângulo. buco em sua tomada de posição antiescravagista e como ele se utilizou das ideias de car imigrantes. pes- intimidade e afetividade da madrinha com as escravas domésticas. a da modernização política. que tiveram maior aproximação com Nabuco? atacando as bases escravistas da organização da sociedade e da economia. participou de jornal e mesmo de partido monarquista. Ele narra em Minha formação a relação de FM – Quem aderiu à República foi apenas o político Nabuco ou. fazendo a campanha eleitoral de Nabuco em 1882. E estou ção – embora Nabuco e Patrocínio também disputassem um pouco a liderança. Então. na qual a escravidão era a base não só da economia. nino de engenho. aproveitando-se de ideias antes expostas por gente como José Bonifácio. agora justamente pesquisando a inserção de Nabuco nessa rede abolicionista global cínio era diferente de Nabuco em estilo. em vez de bus. AA – Como toda criança de elite no Brasil do século 19. A relação entre os três foi quase sempre de colabora. foi Nabuco quem trouxe visibilidade e peso po. desse ângulo. catalisar e ampliar o curso da modernização do País. europeus que trouxessem suas eco. política. Wilberforce funcionou como uma ligação entre o movimento AA– Rebouças e Patrocínio foram ativistas absolutamente centrais na campanha abolicionista e o parlamento na Inglaterra. opondo- de escravos. abolicionista. presenteou o afilhado com o escravo Vicente. Enquanto pôde. Ana Rosa. em publicamente por seus méritos. peça fundamental no movimento abolicionista. arguto analista dele. Foi nesse microcos. AA – A adesão de Nabuco à República não nasceu de uma mudança de convicção. visão bem mais nostálgica do que crítica acerca desse mundo. Patro. diz locais o influenciaram positivamente? que a obra da escravidão continua a se AA – Nabuco foi um dândi na juventude. que cados ao poder sinistro que representa para a raça estavam ganhando proeminência na Inglaterra. ele certamente teria gostado de nascer em Londres. o sistema político. Suas idas à Inglaterra na década de 1870 acentuaram isso. Segundo o pesquisador. o estilo de vida. autor do livro Joaquim Nabuco: um pensador do império. o molde por sua origem? da escravidão ainda é evocado e a cor várias vezes é maldição. (como se a sua empresa precisasse de atualizações para se manter Nabuco consolidou uma autoconfiança. Enquanto ele construía uma rede internacio- des a exuberante vitalidade do nosso povo durante todo o período nal de apoio à abolição da escravidão no Brasil. de um visionário. da Unirio. AA – Não vou entrar no terreno da psicologia.). as questões levantadas pelo abolicionista eram próprias de sua época e de seu contexto. Nabuco apareceu de cabe- seu tempo”. cardo Salles. traria em si algum sentimento de inferioridade motivado dos. será ainda preciso desbastar. JC – Uma das criticas mais recorrentes a Nabuco é seu “estrangeirismo”.. ele manteve sempre a convicção de que a sociedade aristocrática fora superior à sociedade moderna no Brasil e seguia sendo no mundo onde ela ainda existia. na Itália. Mas do ponto de vista pessoal. países que ele apreciava mais do que os Estados Somos do tempo de Nabuco Unidos. e enquanto a nação não tiver consciência de que apresentando-o como um antinacionalista. Agora. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. a lenta estratificação de 300 atacar suas novidades na maneira de fazer política. “Ele era do tempo dele”. etc. na In- glaterra.. dândi tropical. como aceitar o emprego da República. claro. OUTRO NA SENZALA resistiu ao novo regime. mo de Nabuco aparecem durante toda a campanha abolicionista e são também uma O processo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus mol- tentativa de desqualificá-lo como político. Com perdão àqueles sentimento de superioridade.” mostrou pela Inglaterra (os modos. sobretudo os meetings. Nabuco então se conformou e retomou sua vida pública sob o novo regime. a obra desta irá FM – Sem psicologismo. Ele era muito convicto e cioso de seus méritos. superstição e ignorância. Continuamos em grande parte fossiliza- dita que ele. diz o historiador e professor ça erguida. no fim da década de 1890. de despotismo. muito preocupado com a autoapresenta- desenvolver em solo nacional “ ção. mesmo quando não haja mais escravos. presos à ignorância. A mala veio cheia epois que os últimos escravos houverem sido arran- de fórmulas reformistas e modos novos de fazer política. Até que ponto as acusações de des- lumbre com a Inglaterra e até mesmo com os EUA são válidas? Você acredita que esses Historiador Ricardo Salles. Devido à que precisam falar em “atualidade” para se referir ao abolicionista formação e aos reconhecimentos que foi coletando ao longo da vida em vários campos. baseando-se na questão da admiração que Nabuco tanto por diante. UM PÉ NO SALÃO. Ele tinha muita dignidade e nunca se apresentou ou deixou-se apresentar da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Ri- inferiorizado. As críticas diretas ao estrangeiris- anos de cativeiro. E mesmo em situações que outros teriam vivi- distinta. com Nabuco aderindo D aos últimos modismos. A educação viril não se realizou. sendo ele alvo de chacotas em vários jornais de seu tempo. lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou. muitas vezes se valeram da ridicularização de seu vestuário quando queriam também por meio de uma educação viril e séria. rica e coesa). a Re- pública se consolidou sem possibilidade de volta. íntimo. é certo. Nabuco não precisa do gasto “à frente de do como humilhação. mas acho que Nabuco tinha mais era Não se tratava. Então os inimigos políticos de Nabuco negra a maldição da cor. você acre- Nabuco estava certo. uma república. Mas ele não trouxe só roupas do estrangeiro. Contudo. Eram naturais no 90 91 discurso de um homem que vivia o fim de vários regimes (o colo- . isto é. seus adversários tentavam combatê-lo de crescimento. Aqui. um tempo cujo reflexo sobre a formação brasileira é presente até hoje. compara o professor da Unirio. mas acho que deveríamos in- verter essa questão. quando a grande contribuição de um político ou de um cientista? O que ainda tem eles a nos dizer maioria dos brasileiros realmente pôde votar. em um domingo de festa e de sol. para os dias atuais. sobre os problemas que vivemos em nosso tempo? Qual foi o significado de um evento tindo amplo da formação do Brasil. além de um ato imoral. é um sentimento pessoal de Nabuco em relação da vivemos. Assim. na corte do Rio de Janeiro. só de Nabuco. judicial ou administrativa para assegurar a por conta e risco e muitas vezes incentivados e protegidos pelos abolicionistas. sem dúvida. não há necessidade de tomar quaisquer conta própria ou pelos esforços de outros. ocorridos em 2010. “Nabuco sabia que não era preciso apenas acabar com a escravidão. “O intelectuais. da democracia. como Joaquim. Qual foi a latifúndio persiste. de um lado. reflete Salles. da relação aproximada.) “Um exemplo é o tratamento entre patrões e empregadas deciam a seus senhores e feitores e fugiam. ain- escravidão. medidas esporádicas de natureza legislativa. o que transforma o racismo em “problema ine. Em maio de 1888. Quando o futuro de “Sempre falam sobre uma modernidade em Nabuco. “Muita gente tomou isso como uma saudade da Os 100 ou os 101 anos da morte de Nabuco são importantes porque. Eram imigrantes que procura- das ressignificações. a pobreza. saíram do cativeiro. de suas obras. é bom lembrar. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. das relações raciais. OUTRO NA SENZALA nialismo e a escravatura entre eles) e o início de novos em escala mundial (o liberalismo. desobe- igualdade de raças no Brasil”. a sua famosa “saudade do escravo”. sob o aplauso e o delírio de uma multidão que desde cedo se concentrava na praça. de questões que só muito mais tarde entrariam de forma mais incisiva na agen- os escravos que trabalhavam na casa-grande. colocando-o como um tiva. acabaram por se recusar a persegui-los). Na ver. (É impossível não se lembrar aqui na escravidão. 1888 chegará? dade. novas publicações expõe Salles.” especial? Apesar das exceções. o Estado democrático de fato só nasceu a partir de 1988. nós é que não somos. vam no Brasil um futuro melhor. um obstáculo para que pudessem melhorar suas da declaração feita em 1970 pelo então Ministro das Relações Exteriores. palestras e mesas-redondas incensaram sua figura. a república). o “olhar para a frente” que caracteriza o livro O abolicionismo (o texto acima foi extraído da publicação) era a percepção de uma estrutura baseada em um longo período – mais de 300 anos – Ricardo Salles de escravidão. normalmente esse tipo de celebração tende mais a recor- Outra herança que corrói boa parte da nossa ideia de “modernidade” refere-se dar acontecimentos e personagens sob um ângulo positivo. o Parlamento aprovou sua abolição imediata. jornalistas e mesmo o público se perguntem sobre a História. por Barboza: “Não há discriminação racial no Brasil. UM PÉ NO SALÃO. escravos que. faz toda a diferença. entre escravos e senhores. o Estado patrimonialista e. do outro. No sen. negros ou mestiços que viam xistente” para uma significativa parcela da sociedade. O próprio Quincas passou pela situação: no Engenho “homem à frente de seu tempo”. com suas devi. na . não foram diferentes. Nabuco falou. Ana Rosa. ainda temos uma abolição em andamento. Lutas que não foram dominado e dominante eram extremamente atenuados foi transportada. De acordo com essas versões. nós é que ainda estamos no tempo dele”. em larga medida. da polícia e mesmo do Exército (a um tal ponto que os oficiais desta última corporação O “quase”. a 92 93 escravidão já não existia na prática no interior de São Paulo e na região de Campos. Essa relação na qual os conflitos entre em um tempo em que as lutas abolicionistas têm muito a nos dizer. continua Salles. trabalhadores brancos. Não era Nabuco que era moderno. Mário Gibson condições de vida e trabalho. Mais ainda porque ainda vivemos aos que trabalhavam no engenho”. Ele se refere a uma “obra” que era – e é – determinante des eventos de nosso passado são sempre uma oportunidade para que historiadores. na verdade. Estes enfrentavam a repressão dos capangas. no papel do branco que mandava) ao olhar para os túmulos dos voltado para os interesses coletivos (e não para as práticas de enriquecimento ilícito e escravos enterrados perto da Capela de São Mateus (também no engenho) e confessar favorecimento de apaniguados). Também participavam. ex-escravos que. o tempo de Nabuco. e sim com a obra Celebrações da morte ou do nascimento de grandes homens e mulheres ou de gran- da escravidão”. mas não era o caso. O próprio Nabuco também desenvolve da nacional: a questão da ecologia. explica Salles. Ali também a ciência ainda era a Grande Mãe e o “desenvolvimento” se mostrava como um novo e irresistível desígnio. mantinha conversas e mesmo brincadeiras com época. Diversos eventos. em estruturas como o latifúndio. mas de milhares de homens e mulheres. em sua Massangana. às vezes afe. Tratava-se. as quais são ‘quase’ como pessoas da casa”. ou “porosa” e “flexível”. percebia o abolicionista. quando. sua madrinha. domésticas. Os cem anos da morte de àquilo o que Nabuco chamou de “escravidão elástica”. a exclusão social é uma realidade. do funcionamento de um Estado essa relação (no caso. Em poucos anos de trabalho intenso. antigo regime e. de 1900. dores e certamente não tem e não terá uma resposta definitiva. Para ele e outros abolicionistas. nossos problemas e questões. se nenhum obstáculo objetivo. ainda hoje. sua aceitação da República como realidade inevi- mos o passado. futuro na medida em que nos interpela. Nabuco formulou e respondeu a essa questão de diferentes E. como e a quem perguntar. pria. principalmente. contudo. com cos aparentemente universais. de acordo com os de ameaças internacionais. nem na República que veio.e perde muito . escolhendo o que. de social. construídas pelas interpelações que o passado nos faz. Mas não a obra da escravidão. Como o conhecimento do passado pode nos ajudar na Frustrado. uma oportunidade de população permaneceu analfabeto. a abolicionistas nos fazem. e um futuro diferente daquele que ele vivia. ainda uma realidade para cerca de 500 mil reformas necessárias. por sua semelhança. País. Nos dois livros deixava clara sua admiração pelo disso depende. O trabalhem em condições que. a ex- tinção do cativeiro deveria ser seguida de uma reforma territorial que limitasse cada vez mais o poder do latifúndio. como André Rebouças (1838-1898) e José do Patrocínio (1854-1905). Quando chegará? Essa é a interpelação que Nabuco e os quando ele e outros parlamentares levantaram a bandeira da abolição da escravidão. Era. da abolição ainda não chegou. a sua pró- construção do futuro? Essa pergunta. dades sociais e raciais. Nabuco dedicou-se escrever a biografia do pai e. Alguns – poucos – ganham muito. Guerra do Paraguai . são definidas como trabalho escravo. queiramos ou não. liberal. a distribuição de terras não aconteceu e o grosso da Conhecer Nabuco e as lutas abolicionistas é. era a marca indelével de nossa história e o obstáculo a ser superado para a construção de uma nação moderna. E esta talvez seja a me. A obra da escravidão deveria ser eliminada e substituída por outra obra de construção nacional. principalmente em São Paulo. impede a resolução rápida desses problemas. deixou ao futuro a realização das reformas abolicionistas e aceitou servir ao novo lhor resposta à pergunta inicialmente formulada: o passado nos ajuda na construção do regime como alto quadro de sua diplomacia. rompeu-se a unidade abolicionista. Quase 120 anos depois. A abolição imediata não bastava. permanência da concentra- que. dos abolicionistas e de seu mundo e ainda nos Nossa pergunta ao passado é endereçada ao líder abolicionista Joaquim Nabuco e debatemos com problemas semelhantes àqueles enfrentados por eles: profundas desigual- diz respeito à Nação que temos e a que queremos construir.escravidão e cidadania na formação do Exército e Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do segundo Em O abolicionismo. a superpopulação ou um quadro maneiras.com a manutenção desse quadro. livro escrito em 1883. Momento em que ele mais se nos do que imaginam e do que ganhariam numa sociedade mais justa. existência de grandes bolsões de miséria. produziu um clássico de nossa historiografia. miserável e excluído. que se estendeu de 1879. em grande parte. ronda a prática dos historia. abolir a escravidão. Não podemos esquecer. como a falta de recursos. Nabuco tudo subordinava à necessidade de se formar 94 um “partido do abolicionismo” que deveria conquistar a opinião pública e conduzir as 95 . o futuro ele queria e fez história: o momento da campanha abolicionista. em alguma tável. e biográfica. Mais de um século nos distancia de Nabuco. Suas lutas. latifúndio permaneceu intocado. gas em massa de escravos. contudo. era também aquela que Nabuco formulava em seu tempo e que ção da propriedade da terra. em larga medida. A pergunta é possível por. de certa forma. Em cada época. Um momento será privilegiado porque mais nos diz com sua irresolução. professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e autor são nossas lutas. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. e outro de nossa narrativa auto- faz suas próprias perguntas ao passado. Monarquista. da distribuição de terras aos antigos escravos e à população em geral e da extensão da instrução pública para todos. de livros como Joaquim Nabuco: um pensador do Império. alguém Um estadista do Império. Outros – mais numerosos – me- respeito. quando esta foi finalmente abolida. de acordo com os momentos de sua vida e. milhares de trabalhadores brasileiros vivam e nem no pouco tempo que restou ao regime monárquico. em seguida. na prática. publicado entre 1897 e 1899. em primeiro lugar. é claro. quando a campanha abolicionista e as fu- escravos que trabalhavam sob essa condição em todo o País. ainda que. Por isso Nabuco é ainda um homem de nosso tempo – e nós do tempo dele. que nossas perguntas são. UM PÉ NO SALÃO. Minha formação. Assim reconstruí. além de ser aquele em que ele mais se projetou. colocavam em risco a ordem Como o conhecimento de tudo isso pode nos ajudar hoje? Não se trata. Não houve o prosseguimento das reformas. há quem ganhe momentos da história que vivia. Ricardo Salles | Historiador. A imensa maioria propôs a criar um futuro. insiste em nos interpelar. dos direitos políti- trazer as experiências das gerações passadas para nos ajudar em nossa geração. OUTRO NA SENZALA província do Rio de Janeiro. favorá- vel à Federação e à imigração. Momento em que perde . má qualidade e distribuição dos serviços de saúde e educação. ele considerava que a escravidão moderna reinado. o sentido das respostas que obtém. Por todos admirado e preocupado com a situação política interna e externa do medida. Extinta a escravidão. ao mesmo tempo. 1888. O mundo estava sendo partilhado. continua Humberto França. OUTRO NA SENZALA Deslumbre não. ropeias (encabeçadas pela Inglaterra que Nabuco tanto amou) pediram. Os esforços de Nabuco só cessaram no ano seguinte quando Rui Bar- va. era importante internacionalmente por conta de sua assombrosa produção café. por sua vez. Havia outro ponto defen- França. ou não habitados. aquela que pregava A América para os americanos. sociais e políticas. a presença do abolicionista no país que atualmente possui um presidente negro sável: estava envelhecendo e queria uma grande causa. N abuquinho está contente/Porque sempre conseguiu/falando inglês tão so. e sim para montar uma política de Estado. juiz brasileiro na Conferência de Haia. impregnar seus colegas com esse pan-americanismo. competia agressivamente. não deu ouvidos às parcerias entre EUA e a sua íntima relação com os Estados Unidos. A proposta foi duramente criticada por outro . Humberto caráter dele. estabelecer a aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos”. Os EUA eram nos- sos maiores compradores. para quando Nabuco ganhou a primeira eleição para deputado. Esse entusiasmo se traduz na proposta do pan-americanismo nabuquiano: liberal. Havia boas razões para que o diplomata quisesse esse namoro. Oliveira Lima não compareceu ao encontro. “Nabuco não foi para os EUA ser apenas embaixador. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. e dois terços do território brasileiro eram ainda formados apenas por indígenas políticos e intelectuais da cidade (que não deixavam passar nem a pulseira que ele usa. a terra cujo modelo de desenvolvimento Brasil que Nabuco insistia em valorizar (como restringir “o uso da força” na cobrança deveria ser. povo que necessitava da tutela alheia para tornar. continua França. explicando que o entusiasmo por aquela porção da América do Norte era justa- mente a percepção de que aquela terra de pessoas de modos poucos refinados (opinião de Nabuco) ainda seria uma grande potência do mundo. diz. e de um plano pessoal de modernização do Brasil estabelecer aliança era ponto crucial. além da cana-de-açúcar e do algodão. deixa claro: o ocupar os locais “selvagens” de diversas regiões cujo Estado ainda não estivesse for- cosmopolitismo do filho de uma linhagem de senadores não era tolerado entre vários mado. Nabuco conseguiu que fosse sediada no Brasil. em 1906. A piada publicada no Jornal do Recife (28 de setembro de 1878). UM PÉ NO SALÃO. seguido por nós. era hora de fazer política e tentar chegar (era o que restava para quem não era país “central”) perto daqueles que mais tinham a oferecer. Os americanos queriam colocar aqui os seus pro- dutos. Queria proteger o interior. da Alemanha e Inglaterra”. Tal proteção era absolutamente necessária: as potências eu- mente”. por exem- plo. Nós ainda comprávamos muito da França. diplomata. Queria que o engatinhante Brasil se adaptasse àquele mesmo modelo de democracia. ele encantou-se pela política do presidente Roosevelt e sua Doutrina Monroe. Para Humberto França. “Era do com o diretor de Projetos Especiais da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). a borracha equivalendo ao petróleo”. o único problema de Nabuco -se igualmente viril. para ele. Oliveira Lima. de dívidas entre os dois países). A Argentina. Uma das “aventuras” gringas mais criticadas de Quincas foi bosa. Isso a diplomacia permitia. sem sucesso. O Brasil. “Eram nossos grandes parceiros comerciais. que reverenciasse o “pais dos fundadores” gringos e deles importasse as ex- 96 97 periências econômicas. presente de Eufrásia). Nabuco tinha necessidade de resolver este problema. tinha grande preocu- “ pação com a Amazônia. ora de “pedante”. que se entregava às causas em que acreditava. A criticada relação de Nabuco com os EUA fazia parte “A questão é que as fronteiras ainda estavam sendo definidas. Mas. Já embaixador. a estratégia Terceira Conferência Internacional Americana. que chamou Nabuco de “deslumbrado” e “demasiadamente americano”.” era completamente estratégica. Foi chamado ora de “ingênuo”. uma região riquíssima. de acordo na sua proposta pan-americanista foi o de ter sido demasiadamente otimista. nos 1800. na qual tentou. obteve no governo brasileiro: “(. pelo visto. e o Brasil como entre os Estados Unidos e as nações todas do continente. A nossa entre- 98 vista.“ noticiava a chegada do embaixador do Brasil e publicava uma biografia do diplomata. No entanto. era o meio mais eficiente 1906. Ainda. o sário ressaltar o intento do abolicionista em instrumentalizar a imprensa para divulgar embaixador do Japão. Dentre os textos pesquisados. que ainda informou que o embaixado do Brasil foi um dos convidados de . em que discursaram o presidente eleito William Taft. a imprensa escrita. em Grand A tarefa com que Joaquim Nabuco encerrou sua assinalada presença na história do Rapids. munho para no futuro considerar. 99 ro de 1907. anotou no seu diário: “(. San Francisco. diplomático de Washington recebeu o reconhecimento das autoridades americanas e do Surpreendi-me ao constatar o expressivo volume de citações a respeito do embai- corpo diplomático. Nela. Humberto França Em fevereiro de 1906. William Taft. mencionando seu prestígio referiu-se a uma entrevista que concedera a um jornal americano e a repercussão que e “esplêndida elegância”.. e em junho de soras de rádio e televisão. bem como para esta país. o embaixador Joaquim Nabuco recebe o título de Doutor Honoris tadunidense. Nabuco no tocante a sua atuação acadêmico-diplomática. num jantar em homenagem à eleição do Senador Elihu e acadêmico.. presença de Nabuco no Jantar de ano-novo na Casa Branca. por sua vez. Nabuco também foi o prin- cipal orador na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do Edifício da União Pan-Americana (Bureau das Américas). Tratava-se de uma assembleia de 400 aca- dêmicos provenientes de 149 universidades americanas.. e os secretários de Estado Elihu Root e Philander Knox.) Permita-me enviar-lhe a entrevista que tive com ele A partir de então. 11 Embaixada”. midiática. veiculados na imprensa es- de junho de 1906: “ . sempre positivas e até enaltecedoras conhecido pelos americanos tenha obtido um tão relevante reconhecimento. OUTRO NA SENZALA honra para o congresso do University Club. assinalava a atuação de Joaquim Nabuco na capital americana. sua diplomacia e de sua capacidade de atuação nos campos político. E. o diplomata brasileiro também desfrutava de prestígio e ocupava lugares de destaque em mesas nas quais se encontravam as principais autoridades do país: presidentes The- odore Roosevelt. Alguns meses mais tarde.. de 19 de maio de 1905. Numa época em que não havia emis- estava convencido de que seus projetos alcançaram resultados positivos. conde Takahira.) O presidente [Theodore Roosevelt] disse-me que minha para disseminar informações. por assim dizer. em traje de gala. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. ao mesmo tempo. o embaixador de um país quase des- Lake City. O título da conferência: “The mutual approach of two Americas”. o embaixador passou a receber referências em jornais de todo o e que o meu governo enviou agora para todas as nossas legações. no Estado do Michigan (discursou o texto “A influência de Lincoln no mundo”). Joaquim Nabuco igualmente pronunciou uma “Acabo de ler o seu artigo ao meu respeito. Chicago. agradou tanto ao governo que foi enviada como circular a todas as nossas legações. que se referiam à sua ação diplomática. Em uma carta1 ao secretário de Estado Elihu Root.. é possível entender o alcance de sua ação. sete meses após assumir o posto em Washington. o Senador James Brice. 29 de agosto de 1908: “Joaquim de uma carta a um jornalista: Nabuco foi o principal orador na Universidade de Chicago”. Pode-se ainda o Brasil e o seu importante papel no cenário americano daquela época: Nabuco fez um assegurar que Joaquim Nabuco alcançou êxito ao encontrar espaço na mídia americana uso intensivo da mídia para alcançar os seus propósitos de divulgar as suas ações e os como nenhum outro diplomata brasileiro. em dezembro do mesmo ano. em 9 de janeiro de O embaixador e a mídia 1910.. os mais destacados foram: The Washington Times. destacava a sua estratégia. desde Washington e Nova Iorque até Salt É surpreendente que. conforme se constata pela leitura Causa pela University of Columbia”. assinado pelo senhor. E também expressava satisfação pelos artigos. e o embaixador Joseph Choate. ao longo do O The Washington Times de 13 de fevereiro de 1909 informa que Joaquim Nabuco tam- tempo. O jornal Washington Herald. quando tiver que lembrar a minha permanência aqui. O Jornal New York Tribune (27 de fevereiro de 1909) exibiu uma fotografia dos Washington. pelo que se pode constatar através da leitura dos principais veículos da imprensa estadunidense. digamos. em tão pouco tempo. Brasil se constituiu em um projeto de ação diplomática que vem sofrendo... é para mim um magnífico teste- palestra no University Club. UM PÉ NO SALÃO. a sua liderança no meio interesses do Brasil nos Estados Unidos. Poucos dias antes da apresentação de suas credenciais ao estada em Washington marcava uma época não só nas relações entre os Estados Unidos presidente Theodore Roosevelt. de acordo com o The Washington Herald de 17 de feverei. críticas e esquecimento. Joaquim Nabuco recebeu um convite para realizar uma conferência no Lincoln Dinner. Los Angeles. é neces- Root. xador do Brasil em jornais estadunidenses. The Salt Lake City. através da leitura de jornais norte-ameri- bém discursou num templo maçônico durante a celebração do Centenário de Abraham canos e de documentos que ressaltaram o desempenho do embaixador do Brasil em Lincoln. social 600 convidados. o embaixador Nabuco estava colhendo os bons frutos de O jornal The New York Tribune. o jornal The York Daily Tribune. importante dizer. 2005. O’ Laughling. A sua capacidade de mobilizar a imprensa norte-americana rememorava a sua es- tratégica na campanha abolicionista na década de 1880. ‘o senhor elevou a posição do O seu país aqui à primeira classe’(. “Também são pessoas que trabalham desmatando áreas para Histórica da Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco e Joaquim Nabuco e os desafios do Brasil. que integra o Laboratório de Análises Econômicas. A sua atuação foi. por extensão. vai di- Os artigos. Centro-Oeste”.572 pessoas que deixaram traba- Os seus funerais. pág. do MEC. ‘com seu apelo a Mr. poeta. dos têm a cor dos de ontem países latino-americanos no projeto pan-americanista. Dentre seus trabalhos. 2 Carta de Joaquim Nabuco ao Sr. soja (grão. A maioria desses milhares de explorados. o Grupo Móvel de Fiscalização (órgão do Ministério do Trabalho) resgatou. O seu empenho pan-americanista estava igualmente re. doc 672 A Organização Internacional de Trabalho (OIT). das 38. Não che- tanto. os resgates foram realizados em fazendas nos Estados do Pará. 347. economista Marcelo Paixão. reto ao ponto: o abolicionismo brasileiro nunca se realizou. Naquela época. três são afrodescendentes. 73% era pretas ou pardas. Rio de Janeiro Editora Bem-Te-Vi –Pro. Históricas.) Minha posição análogas à escravidão eram pretos ou pardos aqui. em ambientes mais isolados. o Brasil. para o encouraçado North Carolina. Histórico e Geográfico ganização não governamental Repórter Brasil. indiscutivelmente. através de um levantamento feito pela or- Humberto França | Ensaísta. no en. deles). é sempre bom confrontá-la com números (há quem se conforte apenas com a existência de demonstrar muito trabalho. e segundo o Relatório de Desigualdades Raciais que Paixão publica anualmente.. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. OUTRO NA SENZALA Os escravos de hoje Sim o Sr. Goiás. historiador. “Tais situações acontecem principalmente nas áreas 1 NABUCO. CEPE. De acordo com o cadastro. Root’. no embarque do ataúde para o iate presidencial Mayflower e. Tratava. Segundo o MT. 77 trabalhadores em situações degradantes de trabalho. Cap. declarações e projetos pan-americanistas de Joaquim Nabuco. da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). o embaixador De acordo com último Relatório de Desigualdades Raciais. de utilizar as suas táticas para expor um projeto de inserção do Brasil e. Aquilo o que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera como forma contemporâ- finalmente. favorecendo a gou a essa conclusão apenas observando o mundo – por mais evidente que seja tal rea- imagem institucional do Brasil. 34. em Washington. Tocantins e Minas Gerais. A partir de um estudo realizado com base no cadastro dos beneficiados pelo programa forçado pelo interesse de promover os interesses estratégicos do nosso país nos Estados federal Bolsa Família. em Washington. ca- Iorque – Brazilian Endowment for the Arts. Este ano. Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser/Instituto de Economia/UFRJ). Línguas e Literaturas Neolatinas – Festlatino. 26 deles em condições semelhantes às dos escravos. continuaram ocupando amplos espaços nos jornais americanos. assinalada por sua personalidade ímpar. Fundador e coordenador-geral do Movimento Festival Internacional de Culturas. Joaquim. cravos aqueles que possuem dívidas com seus empregadores ou mesmo que correm o risco de serem mortos caso abandonem seu posto. com todas as honras militares. desdobraram-se a partir da primeira cerimônia lhos análogos à escravidão. plantio. a segunda. que o conduziu para receber maiores nea de escravidão refere-se a ocupações que obrigam trabalhadores a situações constrangedoras homenagens em sua terra. Também são considerados novos es- nome e de sua obra de estadista. Fundação Joaquim Nabuco. no Oak Hill Cemetery. Unidos. vivia no Nor- uma terceira cerimônia a cargo da Marinha Americana e com a presença de autoridades deste (com 91% dos ex-escravos). muitas delas nordestinos que saem de casa para trabalhar nos campos do Sudeste. Vice-presidente para Relações Internacionais da Fundação Biblioteca Brasileira de Nova mais comum na pecuária (carne e miúdos de boi). Integra o Instituto Arqueológico. em janeiro e fevereiro. Foi um fracasso. por exemplo) necessário . pimenta-do-reino (grão) e carvão Joaquim Nabuco.. Sul e organizador. de cada quatro trabalhadores libertados hoje no Brasil. A primeira embaixada brasileira no estrangeiro haveria lidade.)”. diz Paixão. óleo e ração). Diários Volume II 1889-1910. Arquivo JN Fundaj. disse-me o O’Laughlin. UM PÉ NO SALÃO. e do corpo diplomático. ele constatou que. Joaquim Nabuco estava consciente do que já havia conseguido e se sentia disposto a mais de 70% dos trabalhadores que deixaram ocupações disseminar pelo país informações sobre o seu projeto diplomático: “(. menos urbanizadas. algodão (pluma). São pessoas que trabalham sendo observadas duções Literárias e Editora Massangana.. Root é um homem encantador e cativante e nenhum presságio poderia ser tão bem-vindo 2 para mim quanto esse este seu de que ele iniciou uma amizade comigo (ou fui eu com ele?)”. divulgou que a presença do trabalho escravo é Pernambucano. 100 As condições de trabalho registradas pelo Grupo Móvel são absurdas: em vários locais. Exerce a chefia de Projetos Especiais do MUNHe/ Fundação na-de-açúcar (álcool combustível e cachaça). com honra de Estado. diz o economista. Foram quase 90 dias de um funeral digno do seu e degradantes ou exigem jornadas exaustivas de trabalho.. café (grão verde). 2011. os 101 trabalhadores precisam alugar o equipamento de segurança (botas. por vigias armados”. destacam-se Evolução vegetal (carvão para siderurgia). Até 2006. por isso é preciso con. teve a pena convertida em um singelo pagamento de 30 cestas básicas por seis meses.br/pacto/) é possível obter. Parte para os EUA via Europa. “Sim. presas que exploram seus trabalhadores. De fato: segundo a ONG Repórter Brasil. enquanto o primeiro condenado crimi. 1857 Morre d. para desconforto de parte da elite local. a de 2009 traz União dos Palmares (Alagoas). Fundamenta sua opinião em alguns números que. No portal do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (http://www. a bancada ruralista no governo é ainda muito forte”. às regras pouco duras aplicadas àqueles que descumprem a o artigo 149 do Código Penal (que 1973 Vende o Engenho Serraria. herdado de sua madrinha. Na maioria dos casos a alimentação também é paga pelo empregado. Regras frouxas 1872 Publica seu primeiro livro. são indicadores com regularidade. Conhece Eufrásia no navio (mas já teriam dançados juntos num baile em prem a exigência do bem-estar do seu empregado e o submete a trabalhos baseados na coerção Vassouras-RJ. 24. no Sul do Pará). cidade dela) e decidem se casar. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. reporterbrasil. um creme dental saía por R$ 6 e um comprimido contra dor Sá Barreto. podem ter suas áreas desapropriadas. que assim contrai dívidas com o empregador e não se livra do processo escravizador. Os fazendeiros que não cum. Antônio Barbosa de Melo (Fazenda Alvorada. quando foi publicado pela Fundação Joaquim Nabuco).889. para o pai. Camões e os Lusíadas. UM PÉ NO SALÃO. Simbolicamente. De acordo com o órgão. futuro político. No primeiro censo feito no Brasil (1872). no Rio de Janeiro. quarto filho do futuro senador José Tomás Nabuco de Araújo e de Ana Benigna de preços altíssimos (em uma delas.3% das 1869 Transfere-se para a Faculdade de Direito do Recife e escreve A escravidão (inédito até 1988.org. de 2003 até os dias atuais. em Nova Friburgo. Neste mesmo relatório. Os dados foram levantados pelo próprio economista. tendo como padrinhos os senhores do Engenho o MT havia retirado 19. Para Marcelo Paixão. mas eles não modificam uma realidade que é semelhante à de ontem”. e usa o dinheiro para viajar para a trata do crime de submeter alguém às condições análogas à de escravo). depois que o pai. diz. É neste ano que defende o preto “É claro que há um nível de subjetividade sempre alto numa pesquisa. menos de 10% dos envolvidos em trabalho escravo no sul-sudeste do 1875 Ao lado de Machado de Assis. Começa a agenda social proposta pelos abolicionistas nunca se realizou. aprovadas. é internado no colégio dirigido pelo barão de Tautphoeus. OUTRO NA SENZALA para o desempenho regular da ocupação. Joaquim Aurélio Pereira de Carvalho e d. onde trabalha pesquisas cujos números se repetem. onde passa um ano flertando e realizando contatos que seriam decisivos para seu foi ampliada também ao meio rural (Lei n. Pagava-se para trabalhar. Rita de Cássia (Iaiá) e de cabeça custava R$ 5). Nabuco sucedia aos irmãos Sizenando. ços. principalmente em uma Thomaz. No ano seguinte. neste mesmo mês. 23. é eleito deputado e se muda com a família para a Corte. “Mas é difícil que as leis sejam realmente aplicadas ou 1874 Termina pela primeira vez o noivado. às 8h30 da manhã. nasceria Maria Carolina (Sinhazinha). documentos do jornal Anti-Slavery Reporter. Ana Rosa Falcão de Carvalho. que veio após O gigante da Polônia (1864) O economista acredita que a presença do trabalho escravo no País está diretamente ligada e O povo e o trono (1869). Pará (entre 1996 e 2003) foram denunciados pelo crime. a forte presença negra nesta lamentável realidade só confirma que a 1866 Ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo. no Engenho Massangana. É com ções). 1860 Ingressa no Colégio Pedro II. Unidos). como um dos municípios 1859 Com o irmão Vítor. Foi registrado ainda o aluguel das próprias ferra- mentas de trabalho. Linha do tempo/ Joaquim Nabuco foram encontrados trabalhadores dormindo em barracos perto de lixo doméstico (repleto de ratos) ou em galpões e depósitos com materiais inflamáveis. exercitar o dom da oratória e funda o jornal A Independência. Depois dele. aconteceram alguns avan. de 8/6/1973). que se baseia na concepção que os entrevistados têm da própria cor.º 5. 1876 Obtém uma um cargo público. Durante a fiscalização. . 25 milhões. onde permanece por três anos. O parto acontece num sobrado na Rua do Aterro da Boa Vista (atual Rua da Imperatriz Tereza Cristina).” onde defende a monarquia. onde foram encontrados escravos contemporâneos. Em várias das fazendas (de gado) 1849 Nasce no dia 19 de agosto. as indenizações recebidas pelos trabalhadores passavam de R$ ela que o menino permanece. a listagem das em. espantam: segundo divulgou este ano o 1867 Participa do jornal estudantil A Tribuna Liberal e escreve Estudos históricos. siderar que de fato elas espelham a realidade social. reata com Eufrásia e depois rompe novamente a 103 relação. local do quilombo liderado por Ganga Zumba e Zumbi. Escreve no jornal A Reforma. em setembro seria aprovada a Lei do Ventre Livre. funda a revista A Época. diz Paixão. Vitor. como foices e machados. Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de os empregadores ainda lucram com a venda de produtos de higiene e remédios vendidos a Araújo. sem dúvida. o primeiro de uma série (adido de legação nos Estados 102 nalmente por trabalho escravo. que trabalham atuam como domésticas. Ana Rosa e Nabuco se transfere para o Rio de Janeiro. RJ. Mas estamos falando de 1870 Forma-se no dia 28 de janeiro em Ciências Sociais e Jurídicas e retorna ao Rio. escravas estavam no serviço doméstico. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A legislação trabalhista Europa. também surgem duas empresas localizadas em Pernambuco (as duas em Palmares).4% das mulheres negras ou pardas 1968 Traduz.7 mil pessoas do trabalho análogo ao escravo (foram até ali 441 opera- Massangana. no escritório do pai e começa a circular pelos salões chiques. É batizado no dia 8 de dezembro no Cabo. O Eclipse do abolicionismo e Eleições liberais e eleições 1898 Em janeiro. é candidata a deputado pela província de Pernambuco. Pedro II total do partido. no Brasil (a Igreja Católica foi duramente criticada por Nabuco em A abolição). sua primeira filha. Neste mesmo ano. por Pernambuco. indo na contramão do que era politicamente moderno naquele momento. tem audiência particular com o papa Leão XIII e fala sobre o abolicionismo assumir temporariamente o cargo. OUTRO NA SENZALA UM PÉ NO SALÃO. o apoia. Nabuco e Carlos de Laet Joaquim Francisco de Melo Cavalcanti renunciam a disputa pelo 5º distrito (formado pelos dirigem o jornal da legenda. nasce em 9 de fevereiro. Em agosto. a sua adesão à República. A abolição (que se residência oficial dos Nabucos. Maurício. Nabuco foge com a família para a Europa. apesar de liberal. que continuo monarquista. em famoso discurso proferido em dezembro o conservador João Alfredo assume o governo e mostra adesão ao fim da escravatura no deste mesmo ano no Rio de Janeiro. Nabuco volta a frequentar a Igreja Católica. eleito deputado por Pernambuco. morre seu pai sem ver o republicano. Em maio. para a última legislatura do Império. onde vai trabalhar morre em dezembro. volta e termina com Eufrásia. que fez enorme oposição. No dia 13. Ingressa no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Ganha do candidato que a morte foi acidental) em Funchal. conservador Machado Portela. propõe que o projeto da abolição 104 seja visto com urgência na Câmara. Em março. derrotando Machado se às letras. ele começa a se aproximar dos republicanos. Ele volta para o Brasil e abre escritório de advocacia em sociedade com o conselheiro João Alfredo. Em 1899 É nomeado pelo governo republicano para a Missão das Guianas enquanto também dedica- agosto. O Partido 1891 Com intuito de promover a volta da monarquia ao Brasil. nesse período. 1884 Ao lado de José Mariano. Nabuco. Nabuco é o eleição indireta elege Deodoro presidente e Floriano vice. que é então eleito para a partido e é afastado do jornal. no qual analisa a vida Portela. à Camara dos 1894 Nasce Joaquim. 1893 Nabuco vai morar na Vila Itambi. Evelina herda a casa de Botafogo e ela se torna a Deputados. em Botafogo. Naquele mesmo mês. 105 ele começa a namorar Evelina Torres Soares Ribeiro. derrotado. dezembro. não se elege. através da figura de José Carlos conservadoras. O trabalho o desgasta. Recusa escrevendo O dever dos monarquistas. Na comemoração do terceiro (fundado por Rodolfo Dantas). Deodoro sofre golpe. OUTRO NA SENZALA 1877 Trabalha em Washington. Escreve textos mais ácidos. mas uma denúncia de fraude contra sua candidatura (na confusão da apuração. Retorna ao Brasil em setembro e vai viver na casa do avô de Evelina. é promulgada a Lei Áurea. que é fechado um ano depois. Em março. conhecendo várias Marquês de Olinda. 1897 Em julho (enquanto ocorre a Guerra de Canudos). 1895 Monarquistas e republicanos continuam a disputa pelo poder quando Nabuco recebe convite para aderir à República. Em agosto é efetivado na chefia e anuncia . casa-se com Evelina Torres Soares Ribeiro e vai morar em Paquetá. quando Nabuco abandona o municípios de Nazaré e Bom Jardim) em favor de Nabuco. . já havia voltado ao Brasil. Nabuco é chamado para 1888 Em fevereiro. assim. Em dezembro. relacionando a monarquia com a escravidão. publicando o segundo tomo de Um estadista no Império. a situação financeira delicada da família. no dia 7 de setembro. Em maio. 1881 Candidata-se como representante dos abolicionistas pelo 1º distrito da corte e. Publica Minha formação. é a vez de Eufrásia abandonar o namorado. como correspondente do carioca Jornal do Commercio. funcionário do governo republicano. 1892 Seu irmão. No Brasil. no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. 1900 Com a morte de Sousa Correia (ministro brasileiro na Inglaterra). Nabuco. Os candidatos liberais Ermírio Coutinho e 1896 O Partido Monarquista é fundado no dia 12 de janeiro no Rio. Assume a cadeira na Câmara em outubro e torna-se do senador Nabuco de Araújo. Faz comícios diários no Recife (é candidato pelo 10º distrito). é fundado o Jornal do Brasil Liberal. André Rebouças se suicida (outras versões dizem tornara uma realidade no Ceará e no Amazonas) é seu principal mote. Em novembro. tornando-se. Deodoro renuncia e Floriano assume. Influenciado pela esposa. 1880 Funda. No dia 15 de novembro. Volta para Londres. muda-se para Londres. 8. uma centenário de Camões. Em maio. Brasil. D. morre. que estava em seus últimos momentos. Sua comunhão é feita no Rio de Janeiro no dia 22 de sociedades abolicionistas do exterior. a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Nabuco tenta eleger-se pelo Recife para a Câmara dos deputados e é fundada Academia Brasileira de Letras (ABL). Em novembro. Rodrigues. “chefe dos abolicionistas”. 1890 Maria Carolina. Em março. escrevendo o famoso texto Por que filho eleger-se deputado em setembro. Sizenando. terceiro filho de Nabuco. sabendo que a Câmara de Deputados não reconhece seu mandato (para o 1º distrito). Sai do jornal O País. passa a maior parte do tempo em NY. Nasce em maio o segundo filho de orador oficial. ele lança Por 1879 Toma posse na Câmara. seu pai o 1889 Em abril. em resposta 1885 A confusão continua: uma nova eleição é realizada e Nabuco é eleito. A dupla se desfaz em março. Em novembro. retorna ao Brasil e é candidato nas eleições do 1º distrito. Em setembro. uma pessoa é morta com um tiro) termina anulando a eleição. Escreve O abolicionismo. Nabuco é eleito secretário-geral da recém- 1886 Em janeiro. do qual Nabuco torna-se correspondente. lançam o jornal O Abolicionista. sem apoio o Congresso é fechado. Nabuco posiciona-se a favor da monarquia. fica a outro escrito pelo almirante Jaceguai (autor do convite no artigo O dever do momento). na Rua 1882 Torna-se membro efetivo da British and Foreign Anti-Slavery Society. pois é maior do que ele imaginava. com André Rebouças e outros companheiros. Câmara. São eles: O erro do Imperador. a família imperial é exilada e acontece o golpe 1878 É transferido para assumir o mesmo posto em Londres. diverge da postura do político. UM PÉ NO SALÃO. do qual faz parte. que tinha o apoio nacional dos Reformistas. 1883 Publica o livro em agosto. A experiência resultou no livro Minha fé. Em agosto. acompanhando sou monarquista. realiza campanha para a eleição. Em novembro. Volta para a Europa com a família. em Petrópolis. 1887 Nabuco vai para Londres em abril e. o que põe por terra a aliança até então fomentada por Nabuco. cinco histórias de pele PRETOS escura 106 107 . quinto filho de Nabuco. apresentando-se ao presidente Roosevelt em maio. morre José do Patrocínio. morre a mãe do abolicionista. mas continua a fazer política. 1907 Em fevereiro. 1905 Em janeiro. em Washington. Decepcionado. realiza conferência O lugar de Camões na literatura. 1910 No dia 17 de janeiro. Nabuco pede licença. 1902 Nasce José Thomaz. A Universidade de Columbia lhe concede o título de doutor honoris causa. Morre o amigo Machado de Assis. Nabuco perde a questão. Passa por enormes saias justas diplomáticas: Rui Branco pede a Rui Barbosa que represente o Brasil na Segunda Conferência da Paz. Rio Branco convida Nabuco a acumular mais duas legações. Tinha 60 anos. apesar de muito criticado. Chega a Paris em junho para influenciar no processo. em abril. Chega depois ao Recife e é enterrado no cemitério de Santo Amaro. 1903 Nabuco vai para Roma tentar influenciar o rei Victor Emanuel da Itália no caso da Guiana. propõe igualdade entre todos os países. fundamental para o processo político celebrizado por Nabuco. doente. com Victor Emanuel dando a vitória à Inglaterra na questão da Guiana Inglesa (dividindo o território disputado em duas partes - 3/5 para a Grã-Bretanha e 2/5 para o Brasil). não consegue a declaração de aliança incondicional do Brasil com os EUA. que o ignora. negocia saída diplomática para conflito entre o Chile e os Estados Unidos. Para sua frustração. Mesmo assim. morre após uma congestão cerebral. 1906 Chega ao rio. doença rara e incurável. Seu corpo chega somente em abril ao Rio de Janeiro (é velado no Palácio Monroe). recebe diagnóstico de arteriosclerose e policitemia vera. Em Paris. Passa a defender. Nabuco. UM PÉ NO SALÃO. Em setembro. em Haia. Ele é nomeado embaixador do Brasil. Rui Barbosa. QUASE 1908 Em Yale. 1909 Nabuco representa o Brasil na restauração do governo cubano e consegue ainda barrar um projeto de taxação da entrada do café brasileiro nos Estados Unidos. a da Itália e da Inglaterra. publica o livro O direito do Brasil (primeira parte). Recebe outro título de doutor honoris causa. uma política pan-americana (que também reflete certa desilusão com a Inglaterra e o resto da Europa). Rio Branco convida Nabuco para a mais nova embaixada brasileira. 1904 Apesar das tentativas. onde chefia a III Conferência Pan-Americana. Em novembro. Ele não aceita e a relação dos dois azeda. sem dar preferência aos EUA. OUTRO NA SENZALA QUASE BRANCOS 1901 Publica Escritos e discursos literários e começa a Memória de defesa do direito brasileiro sobre o território das Guianas disputado com a Inglaterra. realizada no Rio de Janeiro. em Washington. amarelada. bronze. na aparência. Para conseguir a resposta. Já um branco é: um branco muito rico. teve que se investir de uma per- cepção refinada e um olho descondicionado – ajudava o fato de não ter nascido na terra dos múltiplos coloridos. Ali. amarelo-queima- da. QUASE PRETOS Um negro é um branco muito rico O antropólogo norte-americano Marvin Harris estava intrigado. a popu- lação simplesmente não conseguia se dizer “branca” ou “negra”. bem-bran- ca. branquinha. branco-queimada. baiana. azul. um branco medianamente rico. branco-pálida. Afinal qual era exatamente a cor de uma pessoa acastanhada? Ou alviescura. avermelhada. É. alvinha. amorenada. branco-melada. um branco pobre. Chegou a uma conclusão surpreendente. um ne- gro muito pobre. amarela. um mulato pobre. branco-morena. na qual os entrevistados declaravam a própria cor. al- virrosada? Passava os olhos pela lista divulgada nos anos 70 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnud). branco-suja. branco-sardenta. um mulato muito rico. Estava estudando uma população no interior da Bahia. um mulato media- namente rico. sem dúvida. um negro pobre. Significa . Eram incríveis: alvarenta. alvarinta. amarelosa. 109 mas perpassa também pela classe social do indivíduo. A quantidade de declarações sobre a cor da pele mostrava que. um negro muito rico. Ele nos diz: um negro é um branco muito pobre. uma forma eficaz para lidar com a questão ra- cial no País: ela não se localiza apenas no fenótipo. um mulato muito pobre. avermelhada. formulando assim um instigante esquema. lançou uma questão que até hoje reverbera em solo nacional: who are white? (quem é branco?). um negro medianamente rico. Harris foi seguindo a trilha dessa multiplicidade de tons e per- cebeu que a cor estava claramente atrelada ao sucesso social de seu dono. mesmo em um Es- tado com alto índice de negros e mulatos como a Bahia. é traz uma assustadora conclusão: se o réu era inocentado pelas evidências. mesmo pobre. são eles os mais cotados para dar conta do item “boa aparência”. tornava. 4. da maioria daqueles que compõem as fatias economicamente mais tentar decifrar essa rede complexa – e. diz a professora Eliane Veras. um quase superior no Brasil. QUASE PRETOS QUASE PRETOS dizer que o racismo no Brasil manifesta-se pelo branqueamento daqueles que agre. em Serrambi. outros pela falta de lugar para morar. Os psicólogos Marcus Eugênio Lima (Universidade Federal da saúde. E essa discriminação é provocada pelo próprio contexto 111 . enquanto apenas 1. têm menos chances de. Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. assim como o ex-presidiário grupos como profundamente desiguais (de acordo com o Relatório Anual das Desi- Tomás. em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). como “morenos” ou “negros”. São quase vez. que vive no quilombo sistema de cotas nas universidades brasileiras. da Fundação Perseu Abramo. Eles são mais “raros” neste estrato: dos 22 milhões de brasileiros que -se “branco” nos registros. Filosofia. no cotidiano. Quase porque. para a Organização das Nações Unidas. quase pretos. Essa País. um capital com o qual todos estes discriminados como pobres. por isso. aonde chegavam os navios repletos de escravos. A pesquisa empreendida pelo sociólogo Sérgio Adorno a partir do País. estes brancos são donos da cor. mesmo tendo a pele clara. Porque aquele afirma: ser “branco”. claros podem contar e que os diferencia substancialmente dos pretos pobres: a bran- gam diferentes status e. falando do Castainho. Aproximam- Bahia) e Jorge Vala (Universidade de Lisboa) se muniram da análise de Harris para -se. O capital pode ser construída de diversas maneiras. que criou cotidiano. maioria daqueles que passam pelo mesmo diário sufoco.336 pretos e pardos acessaram o mesmo negro que tenta uma vaga no mercado de trabalho. Alguns deles passaram fome. A falta de privilégios. que moram à beira de um esgoto na Vila Massangana. confere simbólicos pigmentos. que utiliza o notável calei. morador dos alagados de políticas públicas numa cultura e sociedade racista. Silvio Luiz de Almeida. Se apenas o IDH dos brancos fosse levado em consideração. ele afirma: não há como tratar. E essa aparência. cultural. “Quando as quem conseguiu responder mais sucintamente à pergunta do assombrado Marvin pessoas olham uma criança branca pedindo na rua. 70% são negros. da cor. mais difícil. enquanto os últimos são discriminados uma única metros do engenho onde Joaquim Nabuco viveu até os 8 anos de idade.710 brancos cursavam até 2006 o nível por Nabuco. Enquanto a alvura pode livrar estes quase negros de alguns constrangimentos. a poucos pela condição socioeconômica. Mas foi o vice. Aqui. serem abordados pela polícia. Na entrevista para conseguir descritos. “Estamos diante de um racismo camaleônico. não é possível acreditar em democracia racial: é preciso tratar tais negros também a ex-prostituta e traficante Luciana. ressalta. professor do Departamento de Antropologia da Faculdade de melanina brasileiríssima. São desempo. não se refere apenas à cor da pele. Se apenas o IDH dos negros fosse listado. O Tomás de ontem era um negro fugitivo. comovem-se com mais facilida- Harris. vide o ótimo trabalho do economista Marcelo Paixão. chama atenção. 44ª posição entre os 174 países listados pelo Programa das Nações Unidas para o De- duo a fim de manter intactas as crenças coletivas e as atitudes negativas associadas senvolvimento (Pnud). da elite econômica positivo (branco). única riqueza dos brancos pobres. igualmente os negros pobres da Camboa. eles conseguem. do Programa de Pós-Graduação atribui aos que possuem uma aparência branca. o menino louro Esdras Gomes. uma Kabengele Munanga. Mesmo sofrendo as dificuldades da falta de emprego. tem os olhos azuis’. apesar do “enegrecimento social”. São 61 posições de diferença. um Índice de Desenvolvimento doscópio de cores que compõem a sociedade brasileira para construir um tipo de Humano (IDH) com recorte racial para mostrar a brutal diferença de existências no representação social que associa o fracasso à cor negra e o sucesso à cor branca. o Brasil iria parar à categoria de pertença desse indivíduo. por sua vez. “Baculejo” em branco. é sempre ele que apa- conjunto de atitudes e de privilégios políticos e econômicos que nossa sociedade rece nesta situação”. o Brasil ocuparia a forma brasileira de racismo pode fazer mudar subjetivamente a cor de um indiví. Ao estudar o acesso à universidade e a emancipação dos afro-brasileiros.” no 105º lugar. já que os primeiros são discriminados duas vezes. A cor também está veiculada àquilo que é associado ao que é negativo (preto) ou Assim. nem sempre muito visível no trato privilegiadas do País. os pobres não negros não deixam de ser 110 Há entanto. visualmente. nível). ao contrário. vivenciam uma existência de alto risco que os aproxima da a pobreza os mantém distintos. aquele é o lugar para o negro. O Tomás de hoje. emprego. ‘olha. polí.757. pelo drama do abuso sexual. mas não da realidade. os negros. diferenciar-se positivamente. mas a todo um não é o lugar para aquela criança. ele de. pela cor e Jéssica e Gislaine. moradia e sem prestígio social. Segundo ele. em 2005. coitado. em Garanhuns. renda. no Brasil. Por isso. tão bonitinho. as irmãs e os brancos pobres. como sabemos. Já aqueles cujas evidências apontavam para a culpa eram vivem abaixo da linha da pobreza. o enegrecimento ou empardecimento daqueles cura da pele. filtros que mantêm a população negra afastada dos postos de trabalho. a olho nu. dos boletins de ocorrências de crimes violentos em São Paulo durante os anos 90 por exemplo. Ao defender o É por isso que são quase negros brancos como Maria José. derados de pele alva. rapaz de olhos verdes que possui o mesmo nome do primeiro réu defendido gualdades Raciais no Brasil 2007/2008. seja através do sucesso econômico.027. também foi observado pelo antropólogo tico. um dos -presidente do Instituto Cidadania Democrática (ICD/SP). na rua. como aponta o cientista político Gustavo Venturi. é evidente que essa lógica segue expondo milhões de brasileiros à discriminação social pelo simples fato de serem pobres. A discriminação contra pobres no Brasil alimenta-se também da exacerbação dos valores consumistas da nossa sociedade. o poder é traduzido na aquisição de bens materiais. valores que se expressam no menosprezo do trabalho braçal. que antes cabia aos escravos e depois se sustentou na abundância de mão de obra barata. pobreza e violência (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Pnud/ONU). Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008 (Laeser/ UFRJ) 112 O branco Tomás 113 . Nor- mas sociais e racismo: efeitos do individualismo meritocrático e do igualitarismo na infra-humanização dos negros (Marcos Oliveira Lima e Jorge Vala). “Essa experiência advém de um enraizamento cultural profundo de valores deri- vados de uma estrutura de classes historicamente muito desigual. Em que pese a melhoria da distribuição de renda nos últimos anos. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS social no qual. cada vez mais. desqualificada pela falta de oportunidade de estudo e de formação profissional. Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa de cotas (Kabengele Munanga/USP).” Fontes: Atlas Racial Brasileiro (2004). que sobrevaloriza a aparência. traduzida em vestuário e adereços con- siderados símbolos de beleza e de sucesso. Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil (2005): Racismo. . de organização e de controle do trabalho constituem. No tocante à suspeita. O modo de agencia- pobres são como podres e emprego mento. vende um ou outro bem diante da chacina/111 presos por tráfico não para sustentar ele. o omás é um rapaz bonito da Zona Sul do Recife. em vez de tentar a sorte de achar a ‘maçã no cesto’. Fala um pouco de italia- livrou-se da “ no. isto é. se do preconceito Ao lado da desqualificação e da discriminação social do trabalho braçal. pena de morte Tem carro. como por Nabuco.).. irlandeses.E ao ouvir o silêncio ele.. remove resto de construção. homens jovens da classe operária) do que suspeitar de indivíduos. impelindo-os para uma permanente situação de risco social.. Cresceu naquilo que costumam chamar de bairro nobre. de efetuar prisões 114 115 procedendo na base de indivíduo por indivíduo (. vis- quase pretos de tão pobres/E e da falta de to com grande desprezo. Joga-se o arrastão em águas de resultados mais prováveis e ricos. Sempre ao ser defendido conviveu com os rostos felizes da família branca vista na placa que anunciava o próximo maior apartamento de seu bairro. ou quase brancos. Por exemplo. século 21. estudou a língua na adolescência. conheceu as “quatro Alemanhas”: o Centro de Observação Criminológico e Triagem Professor Everardo Luna. a polícia deixou de suspeitar de indivíduos e passou a suspeitar de categorias sociais. Portava 15 papelotes de maconha quando foi abordado por um policial militar numa manhã de quarta-feira. Eram. Tomás também estudou em escola pública. QUASE BRANCOS QUASE PRETOS T No século 19. Gosta de ir à praia. o Cotel.g. A velha evocação ‘prenda os . “de boa aparência”. negros. Numa espécie de tour de pouquíssimo prestígio. No . quanto a parar e revistar: é mais efetivo suspeitar de categorias consideradas mais propensas a cometer infrações (e. contrapunha-se o não trabalho ou o lazer aristocrático. Gilberto Gil/Caetano Veloso O garoto louro da beira-mar passou quatro anos em pavilhões dos presídios e centros de detenção da Região Metropolitana de Recife.. desde o período colonial. o presídio Aníbal Bruno e as penitenciárias Barreto Campelo e a Agroindustrial São João. mas presos são tem mais de 15 anos e há tempos precisa de uma série de reparos. quase todos pretos/ ou quase consegue livrar- pretos. a mulher e o filho de 10 meses. um morou em quitinete e passou uma época vendendo sanduíche na sorridente de São Paulo/ ex-detento preso praia. exercido com arrogância sobre as camadas subalternas. Aluga o carro que indefesos. Cresceu com a família em um “bairro nobre”. um dos mais importantes eixos de dominação na sociedade brasileira todos sabem como se tratam e podem ser computados como uma das formas centrais para a constituição da os pretos.” violência estrutural que submete grandes setores da população. Hoje.. “o metro negro Tomaz quadrado mais caro do Estado”. Para Young. pode ser detida (seis meses a um ano). assim.343/06). Esta evidência contribuiu para transformar a criminologia se constitui em crime na legislação penal brasileira. sobrevivência em meio a uma enormidade de presos cujos nomes fesa do “Preto Tomaz”. eram quase sempre genéricos (e que também tentavam se manter (. 116 Honorato Bastos. ro. o rapaz passou a sofrer um tipo de discrimina. dizia que estava precisando também. Preso.. também próprio estereótipo”. desempregados ou trabalhadores. vezes maior em relação “coelho”. o transformou numa espécie de “provedor” na. Sejam exemplarmente citados os movimentos tanto para legalizar de Direito de Recife. se encontra em “todos os lugares”. enquanto “Cego”. “Eu vi. 37% dão. do Unicef. dia de visita. No Aníbal Bruno. corre risco. PRISÃO TEM COR que oferece drogas. “(. foi autuado em fla. e açoitado em praça dados são relativos ao tos só não é maior porque vários deles são calados na rua: dos pública.” A ideia altamente discriminatória da “boa aparência”. ao contrá- assassinou-o. arruma aí’. sibilidade para o então brancos. a seletividade da Justiça criminal. Nabuco em A escravi.” e Liberados (Cael) . foi levado para aquela conhecida como a dos “tarados. O manual de bons modos dentro do sistema carcerário começou a ser incorporado logo no início do Tomás. o cara que pega o pacote de maconha jogado dentro dos durante nova fuga. matou o guarda Afonso presídios para levá-lo até o preso que comercializa a erva. mas o prática de dividir a maconha com os amigos. Também tural das celas onde viveu. ele era do à morte. ganha um inimigo. iniciado no Cotel. Com efeito. além de pagar multa de R$ O preto Tomaz Presos do Brasil O raro “Galego” preso em Pernambuco aprendeu a negociar a O famoso caso da de. crime como estando permanentemente sujeita ao debate público. o risco é três que foi morto na frente de Luíza. tério da Justiça).. por exemplo) como para restringir o uso de maz vivia em Olinda e pardos. de Detenção. de triagem. a probabilidade de um com um histórico que pode levá-los aos pavilhões ou. o farma. aqueles que são punidos não são expressão dessa universalidade. a Diretoria de Políticas como relata Joaquim Penitenciárias (Minis. “Chamava o pessoal. “Veado”. galego e ainda recebendo visita. mulher e filho para cuidar”. comprava gativo.626 presos. trouxe grande vi- vivos dentro dos pavilhões): “Negão”. a exemplo de um cadeia e foi preso nova. De crimes cometidos no Recife. O Brasil tidão de negros e pardos cuja liberdade foi suspensa institucional. QUASE PRETOS QUASE PRETOS suspeitos de sempre’ se transforma em ‘prenda as categorias de sempre’: suspei- ta individual passa a ser suspeita categórica. já que “Negão” podia senhora branca. onde. Das 58 celas do centro grante e preso por tráfico. a definição do não conheceu o cativei. mas também para limitá-la. “Mas eu sou um vencedor.500 (Lei 11. eles são dizimados pelo filtro da bala. e Uma vez preso. Envolvidos ou cêutico Braz Pimentel. o tabaco). A quantidade de pre- não informado: 3%. onde a pessoa em disciplina suspeita. domingo. para localizar melhor os colegas de presídio. Era um gavam para mim e diziam: ‘Tô precisando de dinheiro. enquanto cumpre pena em regime aberto – signar os viciados em crack. tour pelas “Alemanhas”. ouvindo música. agora na Casa é negro.) o sistema do como simples usuário. ele adolescente ser assassi- um homem negro. aos brancos. Se você não consegue.. por exemplo. à universidade. “Che. Homicídios na Adoles- devia ter. prava o produto com o dinheiro ganho na banca de frutas na qual pedófilos.” 117 monstrava medo. “O defeito físico e o lugar onde nasceram estudante da Faculdade 55% se declaram minalizações. por exemplo. de acordo com 700 a R$ 1. com. Os ção racial às avessas. mulher de Tomás. 1% se declara amarelo. 68% são contra jovens entre 15 a 29 mente. Certo Outras raças: 4%. optar pelo “defeito” no corpo e outras (por exemplo. Fugiu da maior quando este é do são assassinados dentro das unidades prisionais. Acreditando ano de 2009. não entrei precisa se apresentar mensalmente na Chefia de Apoio a Egressos no vício da pedra.nega a venda e conta que às vezes apenas di. foi julgado e condena. “Eu assim. acordo com o Índice de anos. a universalidade do crime revela. doentes e noiados”. ficava conversando. 92% das vítimas são jovens negros. Era usuário desde a adolescência. que tinha . estudantes. nado é quase 12 vezes rio. trabalhando como pela cidade ou Estado de onde os presos vieram serve também enquanto os indígenas fogueteiro para uma não pontuaram (511). mesmo eventualmente e sem objetivo de lucro. Era um dos poucos brancos em meio a mul. To- servem de nome para identificar o outro lá dentro”. Curiosamente. Se o crime é endêmico e se o mesmo cerveja. No País.. alguma coisa da cidade. não com drogas. 17% negros). Eu não de. ele não se livraria de uma penalidade: a criminal seleciona ‘amostragens’ particulares cuja base não é aleatória. em todas as classes sociais. É o caso da existência de dos presos se declaram diferentes grupos de pressão em busca da introdução de uma série de descri. dia. sexo masculino. ao mesmo tempo e pelo ne- vidia a droga com outros colegas. mente. Desses. fora o responsável cência (IHA). que o subdelegado tem 473. Até hoje. Se ele o único de pele clara num espaço onde dormiam 35 presos. negros e pardos (38% determinadas drogas (a maconha. O último termo é utilizado para de- trabalhava.” Mesmo se colocan.) A problematização do crime não apenas contribui para estender as fron. “Nego Fulano”. que queria se formar veterinário. amarrado ser quase qualquer um dos encarcerados. “Garanhuns”. que o ajudaria a conquistar um emprego mais rapidamente do que por mandar açoitá-lo. o tiro entrou e saiu pela barriga. teiras da criminalização. diz Luíza. foi preso. A problematização colocou. que agora entende uma ou- tra realidade. Sabe que o preconceito é a morte à qual o escravo estava destinado. substituindo-a por uma pena menor. o Branco Tomás diz que é hora de esquecer o que sofreu. foi a casa de Jesus. Documento presente no Instituto culo”. ele ficou preso até a morte. Quase livre. doutor em sociologia pela Universidade Livre de Berlim e professor do Instituto Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). passeia com o filho que hoje cresce na mesma tribunal. ressaltando que a supressão da liber. para abolir a escravidão no Brasil. Nesse caso. conscientemente ou não. No voltou a ir à praia. grande barreira para que seu marido hoje consiga um emprego. Já o rapaz da Zona Sul. por bom sociedade e envolvê-las numa campanha comportamento. argumentou Nabuco. havia assassinado dois. a Tomás cometeu um crime e foi perdoado legalmente por ele. Conseguiu alterar a condenação à amigas do trabalho não podem saber. 118 119 . Arqueológico. que aprendeu muito na prisão. o negro conseguiu manter-se vivo após o então estudante de direito defendê-lo. Com 25 Pernambucano traz a participação de anos. sem nunca mais experimentar a Nabuco no processo que é o início do seu projeto para conscientizar as elites e a liberdade relativa que conhecera. Era dia de rebelião. o Brasil tem sido um grande mestre na ela- boração e execução de práticas de exclusão de sua população “plebeia”. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS Como se pode observar. pela cor da pele. talvez. e o início de sua carreira política. e não Nabuco. “Não cometeu um crime: removeu um obstá. Apesar de todos os movimentos sociais e de toda a modernização política. ele apro- veitou a confusão para se esconder dentro da igreja no interior do presídio. “É preciso ter certos medos.” Quase foi morto dentro do Aníbal. como aconteceria com o Tomaz preso na Casa de Detenção do Recife e julgado no dia 24 de junho de 1869 no Tribunal do Júri. Condenado à pena de morte. Luíza fica nervosa e diz que as geral. Mas de trabalhos forçados. Histórico e Geográfico dade e os açoites justificavam as atitudes do Preto Tomaz. que o livrou da morte. lançando os ex-escravos à sua própria sorte. econômica e social que marcaram o século 19. em grande parte pela antipatia de outro preso. de Arim Soares do Bem. que via a cor do rapaz como uma afronta. Fontes: Os trechos destacados foram extraídos do artigo Criminologia e etnicida- de: culpa categórica e seletividade de negros no sistema judiciário brasileiro. Joaquim Nabuco foi contra a quitinete onde ele cresceu. a sociedade brasileira encon- trou novos mecanismos para marginalizar grande parte de sua população. Foi a primeira apresentação pública de Nabuco no Recife agora precisa remover um enorme obstáculo. Teme que seu rosto no jornal impeça-o pena de morte e a escravidão de maneira de conseguir sua carteira assinada. QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS As Isauras do 120 Massangana 121 . No branco. o lixo. os bebês no colo ou no carrinho. era uma fazenda da família. alguns moradores colocaram tábuas que servem de ponte (de longe. No preto. para morar no Cabo de Santo Agostinho. está mais acostumada. fa- zem novos buracos para a próxima lama. também tem o mesmo problema: os bichos vão em cima. se per- e Jéssica vivem tence a ela ou a ele. distribuídos pelos É comum. o risco é vermelho. à tarde. E coça. Pelo esgoto sobre o qual Joaquim Nabuco. 20. Coça. ela não tinha uma mancha. linda. Esses maruins que ge- e à beira do ralmente mordem os pretos . mãe da menina.não porque gostem mais. Estão bem acostumados a morder a gente preta sem reboco de uma ilha lá em Olinda batizada com o mesmo nome desse inseto que habita as coisas podres e os alagados. compunha-se para trás os maruins. na descarga. só quando a pele do engenho está seca e fica aquela marca cinza feita pela unha.” Gislane. Mas aí a mãe morreu. É A população do pequeno domínio. tão branco quanto elas. A irmã de Gislane. vive passando repelente para os insetos deixarem de molestar o bebê. 19 anos. As irmãs vieram de Limo- eiro. Maruins também não distinguem em uma casa cor. faz pena. era linda. como todos os outros esteve ali até os oito anos. no interior. não se conforma com as manchas que maculam o branco profundo de sua filha. 5 meses. ver as irmãs sentadas à porta da casa branca do teto de zinco. ficaram as . fim de tarde é um inferno. bairro precário que se emancipou do famoso e quase mítico engenho onde viveu Joa- inteiramente fechado a qualquer quim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo. Agora. branca do teto de zinco cujo “jardim” é decorado por um esgoto. a cor aristocrático que a unha deixa é outra. o canal que corta boa parte da Vila Massangana. O efeito poucos metros é o mesmo. Laura.500 habitantes usam no banho. tem ainda as marcas das mordidas. a água que os cerca de 3. Jéssica. Deixou feudos da escravidão. o grande pés de árvore enquanto os caminhões que expandem um novo polo pombal negro ao lado da casa de morada. mas a filha. Não querem saber se a carne é viçosa ou enrugada. atente.vez em quando também mordem um branco. quem não sente o cheiro ou sente a picada vê algo de idílico) passa de tudo: o podre. mas esgoto. Ele ingerência de fora. conversam sob os compartimentos da senzala. foi embora para o Rio e a Europa. “ a pele. Jéssica e a menina moram em uma casa de fundo da minha primeira existência.” industrial ali perto passam. suave e cheia de vermelhinhos. fazem barulho nos buracos de lama. 2 Nunca se me retira da vista esse pano ano. nem aparece tanto. de escravos. viviam 122 123 bem. QUASE BRANCOS QUASE PRETOS M As irmãs Gislane aruins são tão pequenos quanto impiedosos. É assim que está a pele viçosa de Laís. na limpeza. nasceu “Olha isso. a porque são geralmente eles que vivem perto das coisas podres e dos alagados . Ela é onde Nabuco fininha. em 1857. a fundação que leva seu nome (Fundaj) projeto de urbanização pode aparecer um homem de crachá reclamando em nome do go- será necessário levantar declara não ter “nenhuma pista da senzala. um anun- fiquei com tanto medo. de blush. dentro da casa branca de alvenaria e teto de zinco. O pouco “Não me deixa morena. a reboco. onde fica a senzala. não mostra o lugar da senzala. me chamavam de branquela”. mas foi o jeito. nu.segundo divulgou a ad.” O cemitério onde os vai regularizar as famílias mais outro valor. naquele tempo bran. ser mentam uma vida relativamente precária. também fica perto do a ocupação no local. elas não sabiam disso e foram pas. Deixaram a es- mente é com o grupo de escola. firma. que foi da casa Massangana. preto. cola onde faziam supletivo e eram as irmãs “brancas azedas”. uma delas pede: nome de Nabuco logo que chegaram a vila. alguém gritou. Os fios voam quando elas fazem as fotos. Passam um pouco que sabiam e sabem sobre a escravidão vem da pedagogia das no. o engenho. Mas se pergun- 124 com o nome de Parque da 125 Elias. de lá ouve-se o rangido na. QUASE PRETOS QUASE PRETOS meninas. talvez co ainda não era escravo. aberto à visitação daqueles que se interessam tuito é construir rodovias. São famílias que temem de pombal negro ao lado da casa de morada”. todos aqueles que vivem há anos observando o esgoto. ele escapou. Esse vermelho é estimado. respeitada e avaliada. pessoas (mais de 400 fa. Abolição. a lembrança e a memória de Elias. moram na casa onde uma Parte das cerca de 3. a tela que mostrava desenho animado agora passa. “Eu mílias) que vivem na Vila inativo. A casa ainda dita de ser considerado . à sombra da árvore lata. socorro Da sala para rodovia O engenho “vastas e pitorescas da zona do Cabo”. o preconceito naturali- Fugiram de uma vida relativamente confortável e hoje experi. escravo Não queriam sair de casa. ser tão quanto ficava nu. tiveram filhos. pairam sobre Laís enquanto sua mãe posa irem juntas até o engenho. não tem identificado “o gran. O in. conta Gislane. sobre a lama. tá?” Gostam do branco. conhecem bem. ainda novatas na vila. faz cinco anos. espessa camada de lixo é vista no quintal. informou a pretos e mulatos que dificilmente terão casa-grande. como o saneamento mônio histórico em 1984.” Mas Gislane se preocupou à toa. foi tombado como patri. “As neguinhas tinham raiva de mim. 11 anos. algo vermelho nas bochechas. tarem. geral. ele olhava para ela en. na companhia constante dos maruins. Casaram.administração. sabem que a qualquer momento industrial de Suape. prospecções arqueoló. preocupada com a falta de não é aquele feio e picotado deixado pelos maruins. Lá estão 286 filhos de moradores que enfrentam o mes- quais seriam realizadas pelo processo da escravidão no País. Eles continuam liberdade da sua ama de leite. tão fazendo o que aí?”. Naquele chão está gente como básico local”. canal aberto. puxavam meus cabelos. aos brancos. achei que iam prender a gente e colocar lá Massangana poderão ter processo de restauro. velas. eles vão mostrar. O local verno aquelas terras infestadas de maruins. Apesar da dica de ministração do complexo gicas que identificaram o crescimento do polo industrial.homem de bem. seguem incógnitas. Não haviam escutado o puxado. . Elias tinha um aparelho de VHS e foi lá que ele colocou uma fita pornô. drinha de Joaquim em um jornal local: “É falecido o Elias. pelos padecimentos do chefe da casa de Massangana. as duas estudem na escola Joaquim Nabuco. As duas fugiram. bonito. E ele ao lado da TV. ouviu os gritos. sentada no sofá. zado na fala. um irmão e o pai. tornou-se. mesmo com tornaram Massanganas. a capela dedicada Nosso lar? estudam para tomar conta das crianças que dormem nas casas sem a São Mateus. de lá fora. Conheceram a casa-grande. ainda Nabuco em Minha formação. cuja ciado desenvolvimento. Para Limoeiro. o homem tinha trancado a menina com ele em um apesar do apreço que o negro despertou. lembrança em memória de um indivíduo que sempre mereceu a zinha. as brancas causaram estranha- Gislane e Laís morando em outro bairro. LIXO E DESENVOLVIMENTO ticamente sós após a perda da mãe. Ficam as quatro ali. Não sear na propriedade. ela tinha uns 10. não voltam mais. Um homem que conhe. rias. “O cemitério e senzala. Inventaram. que deixou alguma fortuna. o Rosário. cuja morte foi anunciada no dia 29 de julho de 1856 pela ma. viviam pra. e à beira do esgoto. vão criar suas filhas por ali. passa por mais um próximo dos caminhões que transportam. Chegou mais gente para ver o que estava acontecendo. Para as demais etapas. não quiseram mais morar ali. agora pertencem às terras madrinha compradora do negro fugido que pediu. vendo desenho animado na TV. mo conforto precário de Jéssica e seu bebê. em pouco. Não podemos deixar de consignar esta cia a família havia muito tempo aproveitou que uma delas estava so. Elas não pertencem a negros foram enterrados (no qual o abolicionista chorou ao visitar nativas e realizar melho. depois de seis anos “Ei. Nascido no cativeiro. que mudar de casa. onde está enterrada Ana Rosa Falcão de Carvalho. quarto. As irmãs possuem ainda outras memórias do tempo em que se gana. Tem mais: apesar de ser pesquisado há Diretor que visa redefinir proveniente da Fundaj). da mocinha Isaura. digno de ser tido num apreço a ponto de a sua Olhava a menina. são onipresentes. cenho franzido.” No engenho que va gente fazendo sexo.500 o Engenho Massanga- a um Nabuco ainda criança. mas nunca se separam.acordo com o novo Plano de R$ 500 mil (dinheiro Apesar do lixo e dos insetos. Na escola. Um tio as recebeu na Vila Massan. As duas vão ver mento em um local cuja frequência é em sua maioria negra ou mu- Jéssica e Laura todos os dias. de primeira fase tem custo na senzala. Tem que marcar hora para entrar. Elas correram. as covas) também não foi demarcado. nas décadas. A outra irmã chegou. Jéssica também sentiu o cabelo longo. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS Os mocambos 126 do paraíso 127 . ideal irmã de Porto. R$ 300 mil” ro ruim. Tamandaré e a tantas vezes eleita “praia escravos que mais bonita do Brasil” eram ótimas opções. Estado giado litoral. em conta da beleza daquela praia azul. lamentavam-se os senhores de engenho. o mangue cheio. corre perto da água podre. Dizer “fardo” era bom “Vendo belíssimo ateliê. ficam doentes e às vezes desesperados quando a água Anúncio de imóvel em Serrambi sobe e começa a entrar em casa. ao lado de outros garotos de olhos e cabelos claros. 47 eram pequenos. à beira de um mangue de Serrambi. amplo. Não é de morto. varandas. no tempo em que o Bom Jesus dos Navegan- para artistas plásticos ou escritores que tes chegava imundo e lotado de pretos. Antes. mais ilegalmente no lícia sabia e às vezes até ajudava na venda. sistema de segurança privado. praia local de tranquilidade e sossego. jardim de semelha-se aos filhos dos turistas brancos que trazem os meninos inverno. Esdras é uma criança que tem a sorte de viver nesse privile- facilidades de lazer como churrasqueira. na Favela da era impossível para seus passageiros e tripulantes dar Camboa. Proibiram em 1831 e desde “ então não dava para atracar nas capitais. a 11 Mas. Cabo de Santo Agostinho. te que era “fardo” da África em 1846. 88 previamente marcados a ferro. QUASE BRANCOS QUASE PRETOS O Esdras nasceu palhabote Bom Jesus dos Navegantes chegou superlo- tado a Porto de Galinhas. Chorou quando viu a água à porta 128 da cozinha. deck . Itamaracá. Dadas as condições do barco. litoral onde era caríssima aquela carga. arejado. era muita chuva. tinham 4. não teve brincadeira com peixinho colorido em piscina natural. As- americana. aquele porto que ontem recebia navio negreiro e que parabólica. 160 metros. desvia a um lago maravilhoso com montanhas. milhares de excelentes para desembarcar os cativos. iluminação natural. nas férias para brincar com peixinho colorido na piscina natural. a água clara. bicicleta do esgoto que às vezes acaba dando ferida no pé. vivos e mortos. entraram para disfarçar a carga ilícita. Doente e desesperada. Mora na Favela da Camboa. irmã de Esdras. como km de Porto de Galinhas. os meninos vivem soltos e sentem outro chei- com conforto e privacidade. além de ser meio arriscado trazer gen- desembarcaram. Uma no mesmo pena. a po- sobrado. A maioria – 120 pretos – morta. Não se parece com os pequenos vindos da África. bom para facilitar a identi- Anda com os ficação em terra. Perdia-se dinheiro. que Pernambuco guardava os melhores portos naturais da colônia. Agora. Rio Formoso. Dos 200. já ficou assim. ali. o re- corte geográfico próximo ao paraíso. 6 anos. quase todo mundo 129 . Mayara. era tudo a desejam ter um lugar para trabalhar mesma praia. contendo duas suítes. É do odor de dejeto na maré apodrecendo sob o sol. Localizado na Praia de Serrambi. mas nem dava tanto problema. Havia mais de 200 “fardos” Serrambi. 5. De frente para os primos Emerson e Emily. A sorte dos senhores é às vezes mortos. Chegaram doentes. pés feridos Entre eles. telefone. cozinha hoje aparece azulzinho nos anúncios das agências de turismo de São Paulo. tinha por trás da casa dos patrões. “Disse. Compraram. a proporção à água e ao Como no caso do negreiro Bom Jesus dos Navegantes. escrita não para alguém. Só tive alternativa de Deixaram para trás a casa de vão único. o feitura de Ipojuca afirmando que ia sanear 100% de Serrambi. de 89. da polícia que estava sob o comando dos praieiros.500 cativos. tia de Es. a taxa caiu a estrutura que manda as multas numeradas e recolhe os entulhos. a Justiça local mostrava uma reação contra do valor do único bem material que possuíam. para 92. Foi sincero. Desde então.Em 2000. as famílias não iam mais ficar na água podre nem teriam ferida para 41.500 para levantar. onde moram branco. cozinha de fim de semana.1% dos último barco transportando prisioneiros escravos africanos para o eram as casas da gente. sem licen. sem poder pagar aluguel. o pai negro do Esdras louro caprichou na caligrafia chefiadas por negros. “Meu nome é Moacir José da Silva. sem trabalho. havia 209 pretos tratados como fardos. para ex. Deu R$ 120 por mês. o material de construção todo dividido no cartão de crédito o pouco que consegui. Comecei a trabalhar como caseiro e morava na casinha que dava para ficar. Com estes acontecimentos estou muito preocupado. 28. para 82. mãe pois não posso pagar a multa de mil reais. A situa- chefiados por negros. o mar não dá para ver. mas ele está a apenas dez minutos do alagado. garantido. casado. Moro em Serrambi há mais de seis -se o mesmo hiato. concluiu que as invasões eram ruins. veja que eu vou perder e pai. Usaram o dinheiro do serviço A pele e o caos Por isso venho através desta carta. faço o apelo de anulação desta como caseiros. não aguentei.” A mãe saiu do emprego. A mãe teve o bebê e com menos de 1 mês dei. o se o dobro da de brancos. brancas. plicar que a obra potencialmente poluidora era um lar. a menina tem considerado. Quincas. brasileiros que conta- pai ainda passou mais tempo. Sobre o alagado. outro ali. Neles. Acredita-se que o em 1992. O terreno foi R$ 500.6 (1991) e 5.de negros que viviam em saneamento básico para o Rio de Janeiro.7% necessárias: finalmente. quadrada. mantendo.3% no período tenho 29 anos. nha família. o indicador demonstra O pai de Joaquim. mas a menina gritou. Nos lares o enorme poder da aristocracia açucareira e escravocrata. em outubro de 1855. Estavam. nem os R$ 260 mensais para cuidar de si. no pé. de Esdras e (2000). dois banheiros. de domicílios urbanos caso. mulher.cos vivendo em AS era de do barco eram as notícias: fazia 40 dias que aquele Bom Jesus ha- vam com água potável lhos. o possível despejo dos moradores que até hoje da Pnad/IBGE entre 1992 patrão permitiam que a família vivesse ali. Era difícil.6 (1991) cativas entre brancos e Aí chegou a multa de infração número 506146. Uma carta áreas urbanas não con. outra branca moradora índice passou de 73. de um amigo. dezenas de corpos. No primeiro sozinho para ir ficar cuidando do dela. Tinham e 59. Do quintal se tem uma co aqui. a taxa subiu. lembra-se das ordens que chegaram em 2008. criticou a ação centagem da população desigualdades signifi. mãe de Emerson e Emily. Esdras estava com medo. tavam com esse serviço. fo- ram que a gente tinha que sair e tirar os entulhos.1 tir do aspecto cor/raça. brancos localizados em Brasil tenha chegado ali perto. total dos AS: 65. a patroa e o (AS) – favelas. eram poucas as 131 . Em relação mil africanos entraram na província entre 1836 e 1839. Esdras foi con. que ia cebido nesse tempo. Muito menos para pagar o cartão de crédito do amigo. Mas os entulhos ao saneamento básico: ram mais 3. série D. Era quase metade para análise. os coqueiros. vam vivos quando o barco foi apreendido em Porto de Galinhas. 5. mais de Mayara. a continuidade do tráfico de escravos e as terríveis condições A percentagem de bran. um casal. criança.9%. o ção local era de fato escandalosa: depois da proibição do tráfico. 23/3/2009” O difícil acesso menos de um salário pelo trabalho dos dois juntos. sala e enquanto a percentagem de negros vivendo em AS de 83. vou perder o único teto de minha família. Os porões abrigavam o tempo servindo no lar de dois quartos. A casa é de tijolo e sua mãe achou que anos. chefiadas por pessoas invadindo os engenhos que serviam de mercado escravo. saí de lá por que fui muito hu- Saíram dali para integrar os 53 mil desabrigados que surgiram em milhado. Nas residências que pagar R$ 1. construí com muito sacrifício um teto para a mi- vista bonita para o mangue. 21 dras e Mayara.5%.7 (2000) por política do que por humanismo. Arranjou pequenos traba.8%.” domicílios chefiados por Foi preciso escrever para a Lei. Mas saiu. resolvi dar um basta. cialmente poluidora em área de preservação ambiental. ao apesar de apoiar o pai. “Eu deixava meu filho assemelhados – era qua. um pou- 2. o jornal mostrou o pessoal da pre- Mesmo assim. tomando posse dos negros e negros. Negros como per. em Sirinhaém. Custou R$ vir para este lugar que aos poucos fui fazendo com bicos. não tinha para onde Pernambuco em junho de 2010. Nas casas preto e mulato. o número de casas e palafitas praticamente 130 6 anos e o menino tem 1 ano.6%.250. Começou o lar quadrado de todos os dias enquanto esquecia 3. dobrou: quando os Gomes da Silva chegaram ali. para Em 2001. mas longo do período tomado ça ou autorização da autoridade competente”. 30 deles a meia ração.6% da Camboa. ir. palafitas e Favela da Camboa. Serrambi. que índice recuou de 56% e nas palavras. contar intimidades.8 (2000). Em 1840. Mônica. registrou um aumento via deixado a África.1 (1991) e 2. mas foi obrigado a parar perto das águas da aglomerados subnormais Com base em microdados xou o lourinho no vão que ficava atrás da casa-grande. cuidavam da casa de praia de um casal que pagava Vivendo nos alagados multa. o percentual vivem sobre a maré chamou a atenção da imprensa.3% para 88. Entre 1841 e 1844. e 2001. tenho dois filhos. Há menos gente na Favela da Camboa. José Thomaz Nabuco de Araújo. homem. QUASE PRETOS QUASE PRETOS já tinha saído das palafitas. mas para um emaranhado de gente. para 20. Só 72 cativos esta- Quando analisado a par. não tinham mais o canto era de 6.000 ao governo federal por “construir obra poten. geladeiras. Nabuco denunciava com veemência os que não queriam respeitar a lei de 28 de setembro de 1871. Atualmente. fo- gão. de velhos sem nenhuma condição de trabalho. preocupado com a situação política interna e com o problema gravíssimo de desrespeito às leis que protegiam os cativos. berços. de outra cidade para buscar empre- go. a Lei do Ventre Livre. Mayara. A carta se refere a um edital da Provedoria do município de Valença. Elias. quando aparecem. a gente o vê menorzinho (“já sabe falar até helicóptero”) ao lado de Donald e Pateta. Distante do Fonte: A repressão do tráfico atlântico de escravos e a disputa partidária nas Brasil e acusado de ter abandonado a luta províncias: os ataques aos desembarques em Pernambuco durante o governo pela libertação dos escravos. faz seis anos. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS construções na área. Mônica. Eliude. outros também chegaram. Emerson. 1845-1848 (Marcus Carvalho. Lá. armários.. 47. quase todos estavam juntos quando a chuva de junho encheu as ruas de água e tiveram que dormir na mesma escola. ameaçava: “Não conheço maior prostituição da Justiça do que esse edital. um lago cor de céu aparece lá atrás. que já não mora com a família. Lá. ele mantinha- praieiro. Sara. é um paraíso específico. E. tem inclusive a bonita foto do seu primeiro ano de vida ali perto da cama que ele divide com Mayara. num dos trechos da carta. Na montagem. Esdras pode brincar com os peixinhos da piscina transparente. estava da UFPE). a carta de Moacir. Também é caseiro de outra casa-grande cujos donos só aparecem. Emily. A família ocupa sete casas e barracos. Rafael. Tem tudo isso na casa de Esdras. Ao menos. no fim de semana. deu certo. tudo num mesmo espaço. Eline. e exigia uma ação pronta das autoridades. que colocava à venda os serviços de crianças de apenas 1 ano de idade. nem querendo remover os entulhos que guardam camas. Melquizedeque. cisnes brancos. só Melquizedeque.” 132 133 . Os filhos se casaram e tiveram mais filhos – Esdras.. Josué. a água não dá ferida no pé. É clássico esse texto de Nabuco. Ninguém apareceu cobrando nada. professor titular de história do Brasil se atento aos desmandos no Brasil. de escravos doentes. avô. Priscila: vinham. tem emprego fixo. a cama e 134 alguma liberdade 135 . QUASE BRANCOS QUASE BRANCOS O crack. tinha veis para este novo mundo. descarregava. Mas o seu pardo tão es- maecido. está mais para as pardinhas do que para as irmãs brancas da Paraíba. que concediam vales noturnos de liberdade e decoravam as pretas com joias caras para que elas arrumassem clientes. ano em que as duas irmãs menores chegaram sozinhas ao Rio de Janeiro. a síflis. A notícia atesta que mesmo antes da abolição as garotas de pele clara já começavam a competir da super excitação. Grande parte trabalhava a mando de seus senhores e senhoras. Ambas eram brancas e estavam prestes a se deitar em troca dinheiro. Luciana se vê e é vista como branca. duas gotas de preto na pele branca. as podridões dinhas” também a bordo do Nacional Bahia não rendeu mais do internacionais do sangue” que uma linha.232 réis para alforriá- -las. tal papel na colônia. Assim de dinheiro. QUASE BRANCOS QUASE PRETOS A As drogas ntes de falarmos sobre quanto Luciana ganhava por programa e com a venda de crack. Como se sabe. à vontade para mas o primeiro-tenente Guilherme Waddington. e além de idade no mundo da prostituição. se envolveu com o tráfico e teve que se doida de mulher. Já falaremos sobre como Luciana. E toda esta esconder para não levar bala. mais Tiveram sorte relativa: foram logo encaminhadas para a polícia. agora vamos falar dela. Luciana. dos 15 aos 18 dormindo com ingleses e franceses com fome esperar o Natal homem por uns R$ 15. doze anos já estavam na rua podia sair de no jornal carioca O cruzeiro: (. novo mundo não tão novo assim: a presença das brancas menores se sobre molequinhas. vamos conhecer tornavam Rosalina e Eufrasina. grangazas ruivos que comprar roupa didas a um indivíduo que compra escravas moças para entregá-las desembarcavam nos veleiros sem ter que à prostituição”. já havia levantado 1. É por isso que a presença das “três par- partes do mundo. Antes é importante saber que a che- super excitação de gigantes gada de Rosalina e Eufrasina flagra um aspecto que torna nosso louros. O mercado do sexo já era algo bastante comum no País.. mas não em 1879. 137 . comandante do transar por barco Nacional Bahia. Estas raparigas vinham para esta corte a fim de serem ven- enormes. “ só 15 anos. Acabaram virando notícia publicada no dia 8 de abril Às vezes negrinhas de dez. que as menores dizem ser pai se oferecendo a marinheiros perto da mãe e delas.)“Foram embarcadas na Paraíba por um indivíduo de nome José Rufino. Os nomes são um tanto imprová- Luciana. e eram justamente negras (ou mestiças) que desempenhavam Gilberto Freyre. bestiais. é exemplo de 136 como no País a cor é antes de tudo uma construção. torna a menina clara e distinta em meio ao batalhão de menores negras que se prosti- tuem no Brasil. as quatro vendida pelo próprio pai. O lucro era repassado para os patrões no início da manhã.. as com as de pele escura em um mercado em que valia até mesmo ser doenças do mundo. se prostituiu e se escondeu para não ser morta. foi parar em outra cidade sem Era o mesmo que estar em casa. Mas ficou com pena quando Sr. Chegavam em sua casa. Estatísticas rando por ela há tempos não apareciam. além de “puta”. dois rapazes numa moto procuraram por ela uma vez. per- gou que a prostituição ga). dade para a exploração altos. chega aos 7 anos de idade. porque foi ele que vendeu o cigarro para ela. longe. com 31. Aí transava mesmo. Apanhava muito. sem ligação ou SMS. Assim. “porque era mais cama e trabalho mesmo”. ano passado que 150 da boate (da “dança”. das cidades citadas. para a rua.  bocas de fumo da Zona Sul. Ajudou todas as vezes.” você. todos bebiam. Tem saudade. riam. o chefe dele quis até co- de si mesma tendo como pano de fundo uma parede descascada. O “puta” daquela mulher triste da cadeira de rodas nem História sem beleza que ela nunca contou aos pais. Algumas horas depois na casa de uma amiga “da farra”. Em 2005. sairia daqui. roubo e assassinato. ou ocorreram dentro da sexual no mundo. Nessa época. foi cerveja.88% dos a venda de crianças. Pode ser que tenha sido sentimento 73 milhões de meninos indicam que 58% dos de culpa. Ele não Proteção à Infância e à milhões de meninas e foi indiciado por tráfico. ela dividiu com a ami. Recebia notícias: ele não voltou Maioria preta ao Curado.  Dormiram casos de abuso sexual menores de 18 anos são meço. ficou conhecendo várias padrasto. geralmente José)  não subiu nela. Maconha com crack era “o pipoco”. acharam a menina nua perto da BR (algo novo no novo mundo: Addendum (2003). fuma. nhecer a menina.” principalmente. A idade ria ligado para ele lá de Vitória. elogio. tocou por baixo da sua amor. “Eu Adolescência (Abrapia) gosto dele. te- podia contar com uma pobreza equivalente ao bairro onde nasceu. mas seu nome saiu no jornal). chegou a discutir com os dois. moram todos no Curado. rado estava preso e os dois caras de moto que circulavam procu- setenta cidades onde -brasileiras). outra. ali Se o celular amarelo que ela comprou funcionasse direito. Ia fazer 18 ra de rodas. O policial que perna. QUASE PRETOS QUASE PRETOS ela traficou droga. Quando ele Pernambuco no topo De acordo com o relató- foi embora e deixou o dinheiro (deu R$ 25. Outros homens subiram minantes de vulnerabili- cujos índices são mais deu entrevista falou assim: “Envolvida com o tráfico local”. o pai não estava em casa. “É porque sexual comercial de região líder no ranking COCA-COLA não era todo dia não. em outra foi uma moça alta e loura. O pior foi família. Pegou um ônibus e seguiu para o Ibura. como alvo saber muito bem o que estava acontecendo. a mãe disse a verdade: “Eu não sei”. O pai. ou Cláudio. por ela. uma amiga preta ao lado. mas agora Luciana tinha um quase cido da família. prostituição infantil e (todas as capitais estão vam um melado e riam. da na cadeira de rodas. dinha. É claro que ela o ajudou na primeira vez quando uma amiga de muito tempo foi visitada por um dos caras cometidos pelo pai ou 138 em que ele pediu. a liberdade ficou cara demais (sente saudade também). da moto. municípios brasileiros dia apareceu morta. consequentemente. Juan Miguel Petit É claro que ela não ia voltar para a casa para ver a mãe sem uma interior (com popula. aguardente e um melado. mais fácil con. só sabe que figurinhas de chiclete ou da Hello Kitty. Foi quando as paredes do apartamento começaram a anos quando chegou um rapaz conhecido dizendo: “Se eu fosse descascar. ficou doente e compraram uma cadei. boate é meio metido) e vomitou. Desde então. sabia quando havia a mãe começou a definhar. se apaixonou. No total. Estavam procurando por ele e.8% Mulheres e crianças A mãe estava no médico no dia em que Luciana voltou para não queria voltar para casa. ela ficou feliz porque se sentiu independente. Não sentia mais medo: o namo- ranking nordestino com Numa das farras. como sempre. garota magra que nunca colecionou origem negra (afro. As cidades o amor. Agora ela só dormia por dinheiro quando bri- tar para alguém que ela conheceu há dez minutos. Luciana. Estava doi. Passou cinco meses tou em um bar. a Unicef divul. Só crianças e adolescentes.” Era porque. na lista). Luciana estava Especial da ONU sobre tentando fazer o celular amarelo funcionar quando soube que Ná- esperar até o Natal para comprar uma roupa. Foi quando um conhe. Ninguém pergunta. a mãe estava lá dentro senta. no começo do namoro ele me abraçava. ou Luiz. Sabia que às vezes ela andava com seu quase Outra coisa legal do dinheiro era a farra. Ele mesmo já foi”. E eu gastava tudo. Queria saber de Luciana. ficava só com R$ 80 por mês. Foi seu primeiro beijo. de Pernambuco liderava o casa. sentou na escadaria Multiprofissional de A entidade divulgou no o ex está morando em um dos pavilhões do presídio Aníbal Bruno. “Ela achou que iam entrar na 139 . As paredes do apartamento no Curado Vai para longe. rio Direitos da criança. da Associação Brasileira menores se prostituem. arrumava confusão. mas ela fala. havia um homem com cerca de 50 anos em cima dela. pornografia infantil. gava com o amor (o quase só valia para ele). raça ção entre 20 e 100 mil Nádia era pardinha. a quase traficadas também são. “Mas eu merecia. Mas só no co- deixou ninguém chegar junto.” Não consegue mais se aproximar da turma da farra porque vítimas de exploração juntos e ele (talvez seu nome seja Raul. sentada na cadeira de rodas. Rosalina apanhava. cerca de 16. continuavam descascando. ganhava dinheiro e pronto. importava tanto. Era só sair com a mochila e vender Mas não toca em nenhum dos três assuntos quando passa a falar o melado ou o crack. “Eu fui feliz até ali. No dia em que Luciana tirou um short curto da gaveta e foi ela soube: o namorado sumiu com a droga e o dinheiro do patrão. Era boa de venda. e ainda recebia calcinha. elogiou. Não precisava realizado pelo Relator infantil está presente em guntavam. Ia fazer 15 anos ainda quando sen. Todas as vezes que chegava em e etnicidade são deter- habitantes) são aquelas casa de manhã escutava-a dizer: “Puta”. vergonhoso. O Nordeste foi a em cima dela. Ela coloca a garrafa na estante. O refrigerante soa como o único artigo de luxo dentro do apartamento descascado. sem nada que lembre o tempo em que apanhava.  “Quer Coca. ela. o tempo em que Raul.” Ela desce três escadas até o térreo. o marido. a única coisa realmente nova. avisam. Eu vi que não tinha mais jeito. 140 141 . Vai comprar uma Coca-Cola dois litros para oferecer às visitas. Não precisa. Eu amo muito o bebê. o tempo (foi ontem) em que se prostituía. ou Luiz. a família quis morar no ter- ceiro andar de um dos prédios do conjunto habitacional porque quilombola era “mais chique”. me disse que da próxima vez ia escondê- -lo no armário. a cortina rosa que separa a sala dos quartos lá dentro voa um pouco e dá para ver parte de uma cadeira de rodas. eu. imagina o bichinho dentro do armário. Fonte: Dicionário da escravidão negra no Brasil (Clóvis Moura). Branca e Mas o bebê não. Podiam matar todo mundo. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS casa e matar o bebê dela. Fez pipoca também. mas ela insiste e volta com o garrafão preto gelado. ou Cláudio. mãe?” Ninguém responde. a abraçava. fresca. ou José. serve em copos de plástico. morava em quilombo e plantava mandioca. for achado aprendeu do mesmo jeito lá onde nasceu. fosse índio. como os 4 anos de ela. passou toda a infância trabalhando e já viveu com qua- idade. em Estivas. duas camas grandes. tudo por outro o sentido de liberdade: para aqueles que viviam ali. onde a maioria fosse alvo. os insultos que no Brasil escutou: “Tu Era um bando de brancos numa casa quilombola construída cometem os escravos fugidos. Na verdade é frase comum ainda hoje. Zumbi viveu exatamente lá. Todos compartilha- de calhambolas. se lhe Alagoas. mas nem todos tinham a pele escura. Conhece como é crescer em casa que se Eu. foi trabalhar em olaria. virem que. Era uma maneira de mostrar aos filhos como lutar contra o cativeiro imposto pela falta de dinheiro. passando a vam a vasta pobreza. Maria é como os brancos pobres que pernambucano chegavam lá em Palmares nos 1600 para viver em mocambo e fo- ram depois mortos pelos bandeirantes que viam todos. Havia outros vizinhos como dessa cor. conta ela. Maria José estava entre eles. mas não eram iguais. Pernambuco. que forem pretos. sendo-me presente. não era simples mandado do juiz de fora… permitido nem mesmo trocar o sofrimento pelo próprio dinheiro. dois vãos. que se diferenciavam pela cor da gente do Castainho. Porque. quando se for coloca-se para trabalhar. faço saber aos que era branca. “E eu vou lá me juntar preto?” fazer o excesso de se juntar em com aqueles negros” era uma frase comum no quilombo com mui- quilombos… Hei por bem que tos brancos onde nasceu Maria e se referia aos vizinhos do lado. tinha já 9 anos. Vivia em uma assim. que trabalhar desde criança: aos 4 anos de idade. com Nelson e alvará de 3 de março de 1741. mas na Serra da Barriga era cortará uma orelha. carregar tijolos. a clarinha achados em quilombos. Quando tem gente de mais. Ele executar esta pena. outro a que vulgarmente chamam um homem tão quilombo ali perto. como os a todos os negros. como ela. Teve. a maior riqueza do dia constituindo-se numa porção de “ em um quilombo farinha com sardinha seca. como negros. O pai ensinou cada um a dar conta uma marca em uma espádua de si. mas porque também. além da neles vulgarmente. se lhes ponha mandioca. Era tão pequena que não 142 conseguia fazer como os maiores. com José Carlos. levanta entrelaçando pau e preenchendo os buracos com gomo de barro. não tem muita soma a fazer: com a letra F… Se. tinha milho e feijão. com eles. transportar vários de uma vez 143 . QUASE BRANCOS QUASE PRETOS E Cativa do ram todos pretos nos Palmares. Havia gente que se parecia com Maria José trabalho desde não só por causa da cor clara. em União dos Palmares. Maria José agora mora lá. Ia com Maria Santina e Maria das Dores. Alzira da Conceição e Antônio Bernardo tiveram 18 filhos. estando foi para a feira ajudar os pais a vender o que plantavam. todos irmãos. várias este alvará em forma de lei Quando casou redes. Foi assim que Maria José aprendeu a ser livre: tornando-se sem processo algum…” cativa do trabalho. El-Rei. Garanhuns. Fonte: Escravidão e Resistência no Brasil Eronildes. já com a mesma marca. Depois da feira. ela nasceu se nada. reboco. que a maioria (57%) faz por Ganga Zumba e Zumbi –. Teve ainda a sorte de viver num quilombo reconhecido pelo go- A união foi na paróquia de lá. O relatório é de ao contrário dos pais e avós. realizou um pesquisa so. o Timbó e o Castainho surgiram de. Destes 1. diferente da pobreza que ela experimentou em 1970. interesse social. Ia levando um a um por vez ao forno. Sertão. são “institucionalizados”. ia entender melhor 40 anos. umas duas horas e meia lá. no entanto. no Bra- marido continuou a plantar mandioca. recado para outros pretos. hoje nome de ruas e avenidas. lher na hora de ir deitar. lombolas. sanitário (45%) e a taxa cesso começa às 7h da manhã e vai até as 22h.” Ao lado do Comunidades Quilom. parte da classe E (até R$ sil inteiro. Faz quase que até hoje a sufoca – se o médico soubesse. armados (vinham até com artilharia) liderados por Domingos Jor. poderia colocá-los naquela situação cheirando a peixe seco ção com a mão. que também beneficiou índios. telha. sentiu muita dor constavam no Cadastro 15%. a casa de dois vãos era separada em homem e mu- também rezava na igrejinha. mas somente 50% der comunitário do agregado quilombola. voltavam para colocar os tijolos para assar. O quilombo do Castainho foi um dos que apareceram comum. do governo 144 “Não tem como”. um homem tão preto”. quando 2000. se manterem silenciosos. que não puderam mais quando repetem para ela o “tu dessa cor. 900 mil deles crianças. Maria José e Carlos não vivem sob o risco de ter que ge Velho e Bernardo Vieira de Melo. QUASE PRETOS QUASE PRETOS só. em Salgueiro. aí nidades quilombolas no os chefes de famílias). é assim que se rala a mandioca.. prestar honras ao Menino Jesus. Os primeiros possivelmente sofrem: o Nor. e sim o amor que a pessoa tem. Sorri quando lembra. 80 dessas comuni. de tijolo. três anos antes de ele tornar-se lí. Desde pois que os que viviam perto de Zumbi foram dizimados. e Combate à Fome ram a matança de mais de 400 prisioneiros. “Não gosto nem de me lembrar. ain. Ele chegou com uma inesperada carta de alforria de Comunidades de e disse que ela precisava parar de trabalhar. Era um “daqueles negros do Castainho”. dia em que mataram Zumbi. promove- Existem dois milhões de da colonização portuguesa. eram uns cem por dia.” precisaram dormir como ela dormia. Acabavam de dividir a farinha. mas se e foi ao médico. Se deixasse a casa de farinha para cuidar das almoço paravam todos os irmãos. as próprias A pobreza que a quilombola Maria José enfrenta hoje é bem coisas. ou quase Um Estado Ainda muito pobres Bernardos que acabaram efetivamente com a República dos Pal- quilombola O Ministério de De- pretos.. tirar a água. costas.289 territórios. dades quilombolas já 40 anos curvada. explicou. verno: existem três mil deles em todo o País. Maria não precisa recorrer à história quilombolas no Brasil. Com os R$ 200 que conseguem vendendo cada tonelada de não tem esgotamento goma de mandioca. era o presente do pai não se apoderar do dinheiro dos me. era a hora da farinha e do peixe seco. Acabaram a maior rebelião negra senvolvimento Social mares em 1710. Assim. autodiferenciava pela pele. amontoada em uma cama A menina livre ia exercendo a obrigação do trabalho enquanto com as irmãs. triturar tudo. “Era tão bom. abriam a lata e comiam a refei.” por que opta em manter o corpo curvado. Falaram: “Tu dessa cor. Eram todos iguais naquele sair de um canto previamente ocupado pelos antigos parentes que Casa cor 20 de novembro de 1695. enorme trabalho raspá-la. Só parou quando os quatro filhos. no decreto de 20 de novembro de 2009. Para horror de quem compartilhava a pobreza. a cabeça armaram ali os mocambos depois de fugir de outros Domingos e foi exposta em praça pública. bolas de Pernambuco. Os dois. é analfabeta (47% para sem alma. Muitas vezes o pro. quando ia para a cidade e comprava lanche. todos os irmãos e irmãs da branca se Quilombos. que declarava a área de O Estivas. estavam grandes lá dentro. o passado compartilhado por aqueles quilombos todos. Os filhos não ninos. Não conseguiram resistir ao exército de seis mil homens o quilombo de Conceição das Crioulas. Estado. federal. Na hora do ela tinha 18 anos. embora lá pelos entornos. colocar na água para separar a venenosa manipueira. Foi assim que conheceu José Carlos. 768 de renda familiar). Em março de 2008. Maria recorda e sufoca. o Tigre. casou com ele em 1981. desapropriando os imóveis existentes ali. Tem o próprio lar. Bom era receber o dinheiro na sexta – isso Maria não PESTES SEM ALMA sufoca –. “Eu digo que lombolas e identificou Conceição – as imagens estavam na capela do quilombo liderado Comissão Estadual das não importa a cor. madamente 120 comu- Depois tem que espremer muito. a área já havia recebido o título de posse de terra os brancos pobres também foram abatidos ao lado dos negros e emitido pela Fundação Cultural Palmares. a São Brás e a Nossa Senhora da Conforme Relatório da bre as comunidades qui- Sua defesa para a união é mais poderosa e simples. 598 estão no casou com um homem tão preto?” Aí não importava a matriz em Nordeste. casaram com pretos. dissessem que aqueles milhares de fugidos eram pestes há identificadas aproxi. da na barriga. o que era ser remanescente de qui- Geral de Remanescentes 2007. 145 . Maria está há quase de desnutrição chega a história: os filhos e netos estudaram e souberam na sala de aula. o Estrela. Maria e Carlos vão formatando outra nova vai para o forno. colocar para secar. o primeiro veio quando Saíam cedo de casa e levavam a comida em uma lata. Outros foram morar no interior de São Paulo. Vêm de noite aos arraiais. QUASE PRETOS QUASE BRANCOS deste é a região brasileira com maior número de indivíduos que se declaram negros. com promessas de casar”. E como criam e plantam. São ainda um pouco como os negros e os quase negros de antes. Já morou naquele Sudeste com José Carlos. E com indústrias e tretas. divertem-se.7% da população.. enquanto a média das outras regiões é de 6. São 7. chegaram a ser 20 mil nos Palmares. seduzem algumas pretas. o português Joaquim José Lisboa escreveu: “Os escravos pretos lá. brincam e cantam. Flávio dos Santos Gomes) 146 147 . De nada têm precisão. Sobre eles. e é para lá que todos os anos Maria se dirige numa viagem que dura três dias.. no Estivas. quando dão com maus senhores. mas ele preferiu voltar para o quilombo. Fonte: Quilombos no Brasil e a singularidade de Palmares (Maria Lourdes Si- queira) e Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil (João José Reis.) entranham-se pelos matos. Alguns dos casais de cor diferente e passado igual ainda vivem ali perto. fogem (.2%. de ônibus. onde a predomi- nância da gente de pele clara tornou-se coisa do passado. ao Instituto Arqueoló- gico. Joaquim Nabuco se encontrou sem meios de sobrevivência e resolveu se mudar para Londres. 148 . Histórico e Geográfico Pernambucano (em especial a Tácito Galvão). E. pela indicação de importantes documentos. Pelo contrário. à jornalista Renata Beltrão. ele respondeu às criticas que sofreu. finalmente. desligando-se do movimento abolicionista do Brasil. Na correspondência citada. para Câmara dos Deputados. ele argumentou que estava na Inglaterra porque não tinha condições políticas e profissionais para permanecer no seu país. concluiu que não estaria longe do Brasil se não fosse por necessidade. ao fotógrafo João Arraes. Nabuco sobreviveu escrevendo artigos para um jornal brasileiro. QUASE BRANCOS Agradecimentos A todos os colaboradores que gentilmente nos presentearam com excelentes análises sobre Nabuco. Trata-se de uma obra de marketing político que orientou a campanha abolicionista. às comissões do Prêmio Im- prensa Embratel e Cristina Tavares. Em Londres. à redação do Jornal do Com- mercio e a toda a equipe da Fundação Joaquim Nabuco. Recebeu ajuda da The British and Foreign Anti Slavery Society para pesquisar e escrever o livro O Abolicionismo. Após abandonar a vida diplomática e ser derrotado na eleição de 1881. as quais o julgavam estar no exterior para seu deleite.


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